O grande equívoco, por António Rebelo de Sousa, in DN 22-09-2024

Durante muitos anos considerou-se que a grande linha de fratura existente era entre a direita e a esquerda: a direita neoliberal, seguidora de uma visão mais individualista do comportamento dos cidadãos, e a esquerda, mais socializante e com uma visão mais solidária da sociedade do futuro.

Sucede, todavia, que a situação existente hoje em dia se apresenta diferente: a grande linha de fratura passou a estar entre os adeptos da democracia e da liberdade (independentemente dos vícios e das fragilidades que a democracia apresenta em diversos casos) e os defensores ou meros conciliadores com a autocracia e a ditadura (em muitos casos justificada como solução temporária ou mal menor entre a autocracia de direita e a de esquerda).

Ora, quando se está confrontado com uma situação como esta, dizer-se, como muitos amigos meus de esquerda democrática dizem, que o problema do Chega não é um problema do PS, mas tão-somente um problema do PSD, não faz qualquer sentido.

Se o PS, fruto da sua dinâmica natural, atirar o PSD para a direita, o problema é do PSD, e não do PS.

Nada de mais errado para um democrata.

A existência de partidos como a Aliance Française, o Vox e o Chega é sempre um problema para a democracia e, por conseguinte, para todos os democratas e, portanto, também para o PS.

O PS não deve regozijar-se com uma dinâmica de aproximação do PSD ao Chega gerada pelo próprio PS.

Pelo contrário, numa conjuntura como a atual, PS e PSD deveriam procurar construir pontes que contribuíssem para enfraquecer os extremos.

Em França, os socialistas deveriam romper com os “mélenchistas”, aproximando-se dos “macronistas”, criando uma ampla convergência que permitisse construir uma “frente democrática”.

Se no campo do PSD prevalecer a tese de que o inimigo principal é o PS, então a colonização do PSD pelo Chega será uma questão de tempo.

Se o campo do PS privilegiar um partido que considera exemplar um modelo de tipo “siciliano”, como o russo, e um outro que ainda não renunciou expressamente à “ação revolucionária” ao PSD, então a inevitável transformação do socialismo democrático em mero refém da esquerda radical será também uma questão de alguns anos.

Enfim, criou-se a ideia de que ser-se moderado e realista corresponde a uma posição de fraqueza, confundindo-se o pragmatismo e o gradualismo com tibieza, com ausência de caráter, com a renúncia a uma personalidade forte, i. e., com estar-se predestinado a não se passar de um eterno looser.

Nada de mais errado.

Quando o SPD e a CDU souberam, na Alemanha, pôr de lado as suas divergências, construindo uma solução de “consenso nacional”, então foi possível reconhecer que a esquerda democrática e a direita democrática ganharam ambos maturidade política.

A política não se reconduz a conjuntos de “tribos” entrincheirados em “zonas de influência” restritas e só tem a ganhar na criação de espaços amplos de tolerância e de entendimento.

Há quem não compreenda este desígnio.

Mas corre o risco de caminhar “alegremente” para a autodestruição do sistema democrático.

Nem mais, nem menos… 

Tópicos: António Rebelo de SousaOpinião

Deixe um comentário

Este site utiliza o Akismet para reduzir spam. Fica a saber como são processados os dados dos comentários.