Bruxelas diz que Portugal mantém desequilíbrios macroeconómicos, mas pode sair dessa situação já no próximo ano | Sónia M. Lourenço in Expresso

Pacote de Primavera da Comissão Europeia mantém Portugal no grupo de países com desequilíbrios macroeconómicos, mas destaca que vulnerabilidades estão a retroceder. Do lado dos avisos, é pedida prudência orçamental e que o Governo acelere a implementação do Plano de Recuperação e Resiliência e dos fundos de coesão

Portugal pode sair da situação de desequilíbrios macroeconómicos já no próximo ano. Quem o diz é a Comissão Europeia no Pacote de Primavera, publicado esta quarta-feira. Para já, o país mantém-se no grupo dos que registam desequilíbrios macroeconómicos. Mas, a situação portuguesa pode alterar-se – para melhor – já no próximo ano. O documento destaca que entre os países com desequilíbrios macroeconómicos, “as vulnerabilidades estão a retroceder na Alemanha, em Espanha, em França, e em Portugal, de forma que a continuação destas tendências no próximo ano forneceria as bases para uma decisão de não existência de desequilíbrios”.

A confirmar-se a passagem para o grupo de países “sem desequilíbrios macroeconómicos” seria algo inédito. Desde que este instrumento de monitorização preventivo foi criado – após a crise da dívida soberana – que Portugal tem sempre estado no grupo de Estados Membros com desequilíbrios. Durante anos, esteve mesmo no grupo dos países com desequilíbrios macroeconómicos excessivos.

A situação tem-se invertido e o país está entre os que nos últimos anos diminuiu o ratio da dívida, com um alto responsável europeu a elogiar “o longo caminho percorrido por Portugal” para sair da zona vermelha.

Para ler este artigo na íntegra clique aqui

UCRÂNIA | Emb. Seixas da Costa, in Observador, 15 de Junho de 2022

«A Ucrânia está ainda muito longe de poder vir a ser um membro da UE e, mais do que isso, não é ainda claro que tenha condições para o poder vir a ser um dia. É impopular dizer isto? Talvez, mas eu digo.» – Emb. Seixas da Costa, in Observador, 15 de Junho de 2022.

Há uns tempos, no início deste conflito, chamámos a atenção para a pobreza e atraso extremos da Ucrânia – o país mais pobre da Europa – e para o facto de os indicadores económicos e de desenvolvimento social do país só encontrarem termo de comparação em países africanos. O estranho, ou nem tanto, é que na Ucrânia – outrora o centro da indústria aeroespacial, das tecnologias de computação, da investigação médica de ponta, da indústria de construção naval e metalurgia da era soviética – o tempo tenha parado em 1991 e que aquele país imenso que foi até 1980 a 5ª economia europeia em termos brutos, estar hoje 40 anos atrasado em relação à Europa ocidental. Desde a independência, o país perdeu 6 milhões de habitantes para a emigração, metade dos quais procuraram refúgio na Rússia.

Para lá das três dezenas de capítulos e das 88.000 páginas de cerradas exigências para o cumprimento das condições, o país é o inferno do trabalho infantil, da indústria da pedofilia, das barrigas de aluguer, do tráfico de carne branca, da desistência escolar e das 200.000 crianças deficientes reduzidas a esconsos pútridos ali chamados orfanatos; o Estado mais negligente da Europa, o mais pobre e violento apontado até 2020 por todos os relatórios da UNICEF, da Human Rights Watch, da Organização Internacional do Trabalho e outros centos de agências internacionais e ONG’s.

Continuar a ler

A QUESTÃO DOS REFUGIADOS DA UCRÂNIA | Vizinhos da Ucrânia pressionam Zelensky para buscar a paz enquanto milhões de deslocados fluem para a Europa | by Seymour Hersh

No sábado passado, o Washington Post publicou uma exposição de documentos secretos da inteligência americana mostrando que o presidente ucraniano Volodymyr Zelensky, trabalhando nas costas da Casa Branca de Biden, pressionou fortemente no início deste ano por uma série ampliada de ataques com mísseis dentro da Rússia. Os documentos faziam parte de um grande esconderijo de materiais classificados publicados online por um homem alistado da Força Aérea agora sob custódia. Um alto funcionário do governo Biden, solicitado pelo Post para comentar a inteligência recém-revelada, disse que Zelensky nunca violou sua promessa de nunca usar armas americanas para atacar dentro da Rússia. Na visão da Casa Branca, Zelensky não pode errar.

O desejo de Zelensky de levar a guerra para a Rússia pode não ser claro para o presidente e assessores de política externa na Casa Branca, mas é para aqueles na comunidade de inteligência americana que acharam difícil fazer com que sua inteligência e suas avaliações fossem ouvidas em o Salão Oval. Enquanto isso, a matança na cidade de Bakhmut continua. É semelhante em idiotice, se não em número, ao massacre em Verdun e no Somme durante a Primeira Guerra Mundial. poderia servir como um prelúdio para algo permanente. A conversa agora é apenas sobre as possibilidades de uma ofensiva no final da primavera ou no verão por qualquer uma das partes.

Mas algo mais está cozinhando, como alguns na comunidade de inteligência americana sabem e relataram em segredo, por instigação de funcionários do governo em vários níveis na Polônia, Hungria, Lituânia, Estônia, Tchecoslováquia e Letônia. Esses países são todos aliados da Ucrânia e inimigos declarados de Vladimir Putin.

Este grupo é liderado pela Polônia, cuja liderança não teme mais o exército russo porque seu desempenho na Ucrânia deixou em frangalhos o brilho de seu sucesso em Stalingrado durante a Segunda Guerra Mundial. Tem instado discretamente Zelensky a encontrar uma maneira de acabar com a guerra – até mesmo renunciando, se necessário – e permitir que o processo de reconstrução de sua nação comece. Zelensky não se mexe, de acordo com interceptações e outros dados conhecidos dentro da Agência Central de Inteligência, mas começa a perder o apoio privado de seus vizinhos…

CLUBE DE BILDERBERG: O PODER INVISÍVEL QUE GOVERNA | por Paulo Marques

Podia ser uma brincadeira de crianças, do género: vamos brincar aos clubes secretos? Mas não é, porque, embora se trate de um clube semissecreto, é dirigido e frequentado por (uma elite de) adultos, e não se trata propriamente de uma brincadeira uma vez que dele saem importantes decisões a nível mundial, com influência nas opções políticas, sociais e culturais em Portugal, logo, com interferência nas nossas vidas.

História de Bilderberg

A ideia de Bilderberg partiu do diplomata polaco Józef Retinger. Basicamente, Retinger pretendia juntar num encontro anual (durante três dias) alguns dos mais poderosos políticos, monarcas, banqueiros, empresários, militares e académicos da Europa Ocidental e dos EUA com o propósito de combater o comunismo, reforçar as relações atlânticas (entre a Europa e a América do Norte) e unir a Europa Ocidental.

Continuar a ler

OS TIRANOS DA PAZ E OS DEMOCRATAS DA GUERRA | Hugo Dionísio

As eleições na Turquia ensinam muito – ou deviam – sobre a percepção popular relativamente às coisas da guerra. Em geral, os povos, as massas trabalhadoras e as suas famílias, não querem guerra ou perigosas confrontações. Exceptuando as lutas pela libertação, os povos apenas querem continuar com as suas vidas em paz, procurando a previsibilidade, a estabilidade e a melhoria gradual das suas condições de vida.

Ora, hoje, aderir à estratégia dos EUA significa precisamente o contrário disto tudo. Como podemos constatar nós próprios, a submissão da EU e dos países que a integram, à estratégica hegemónica dos EUA, apenas nos tem trazido a imprevisibilidade, resultante das constantes sanções que têm efeito boomerang; instabilidade, quer em relação ao estado actual e às previsões futuras para a economia, quer em relação à própria ameaça de guerra, sempre no horizonte; degradação rápida das condições de vida, traduzida numa percepção geral de que tudo está a piorar, sem que se vejam luzes ao fundo do túnel. Algum povo vota para isto?

O que é que justificou tanta propaganda contra Erdogan? O que é que justificou a sua responsabilização directa pelo sismo ocorrido no sul do país? O que é que justificou uma cobertura mediática ocidental, sem precedentes, relativamente às eleições turcas? O que justifica tais ingerências nas eleições turcas, no fundo, é a mesma causa que justifica a ingerência nas demais eleições e os inúmeros golpes de estado – militares ou civis – “democraticamente” instaurados pelos EUA. Trata-se da integração do país – neste caso da Turquia – no quadro da relação de forças que se estabelece entre os EUA e o sul global, em especial, a Rússia, mas não só.

A preocupação dos EUA é tão grande que leva uma comentadora da CNN Portugal a dizer “era importante a Turquia ficar com uma democracia verdadeira”. Leia-se: democracia pró-ocidental, o que neste momento é muito perigoso e danoso para quem o faz.

Continuar a ler

O dia da Europa | A Europa somos nós | Carlos Esperança

9 de Maio de 2023

Quando a Europa parece condenada a mergulhar no entardecer, esquecida do Renascimento, do Iluminismo, da Revolução Francesa e das raízes greco-romanas que lhe moldaram o carácter e a trouxeram à vanguarda da civilização, é altura de celebrarmos os princípios humanistas, democráticos e fraternos que, embora debilitados, ainda subsistem.

Instituído em 1985, o Dia da Europa celebra a proposta do antigo ministro dos Negócios Estrangeiros francês Robert Schuman, que, a 9 de maio de 1950, cinco anos depois do fim da II Guerra Mundial propôs a criação de uma Comunidade do Carvão e do Aço Europeia, precursora da atual União Europeia.

Discordo dos que são contra a União Europeia, reconhecendo-lhes o direito, e também dos que dizem, Europa sim, mas não esta, como se não pudesse haver outra dentro desta, com o urgente aprofundamento da integração económica, social, política e militar, que permitisse reduzir as diferenças entre os países e dentro de cada um deles.

Se a Europa é hoje um espaço conservador e neoliberal, com sinais ainda piores no horizonte, não é culpa da UE, mas dos eleitores dos países que a integram e cujo voto merece respeito pelo melhor que nos resta, a liberdade de expressão, num mundo que parece abdicar dela e da civilização.

Depois da saída do Reino Unido, a maior potência militar e a segunda economia da UE, na angústia que os movimentos neofascistas lançam, é dever dos europeístas defender as suas convicções, certos de que a desintegração da UE é o caminho mais rápido de novas ditaduras e da irrelevância da Europa, esmagada na luta geoestratégica sino-americana, sem qualquer poder político, económico, militar ou diplomático.

Quero a Europa mais unida e integrada e, como moeda, o euro. Pode ter sido um erro aderir à moeda única, mas seria bem pior sair, era saltar de um comboio em alta velocidade.

Não deixemos que sejam os EUA a impor opções comerciais e políticas à UE, com a China, Médio Oriente ou qualquer outro espaço geopolítico ou país. Sejamos nós, europeus, a negociar o nosso destino comum e a defender a Europa de se tornar um satélite dos blocos que se digladiam.

Na mitologia, Zeus, pai dos deuses, raptou-a para a amar e fecundar. Hoje há quem pretenda fecundá-la, sem a amar, com o poder das armas e do dólar, desejoso de a violar.

O Rapto da Europa (Óleo sobre tela) – Rubens – Museu do Prado

Acordar a gemer | by Manuel S. Fonseca no Jornal de Negócios

Podemos até esquecer-nos da cadeira, mas ninguém esquecerá nunca as pernas de Marlene Dietrich. Não obstante, foi a cadeira que Josef von Sternberg lhe pôs no meio das pernas, no “Anjo Azul”, que lançou a sua carreira.

Quem ia na cadeira da frente, no avião para Los Angeles, era o cineasta Peter Bogdanovich, ao lado dele o actor Ryan O’ Neal. Descobriram que na cadeira atrás ia Marlene. Puseram-se de joelhos, virados para trás, e começaram a falar com a alemã, que já ia em bem mais de 60 anos. E Bogdanovich atreve-se: “As pernas que Miss Dietrich tem!” Ela sorri: “Ó se tenho!” Dá uma palmada numa delas e provoca: “Umas coxas fantásticas.” O’ Neal arrisca: “Eu, na adolescência, sonhava com as suas pernas e acordava a gemer.” “Também eu, meu filho, também eu”, disse-lhe a nostálgica Marlene.

E o que eu queria dizer é que as pernas de Marlene foram incansáveis e insaciáveis. Não se prenderam nesses anos 30, 40 e 50 do século passado com questões de género. Deram-se à felicidade, porventura a algum desapontamento, a mulheres e homens.

Mas foram os olhos de um azul francês do actor Jean Gabin que mais e sempre a prenderam. Vivia com ele em afrontosa maridança, na casa que Gabin alugara a Greta Garbo, que vinha, descobriu Gabin, espiá-los à noite para ver se não lhe escavacam a mobília.

Continuar a ler

Viriato Soromenho Marques | O melhor da condição humana | in DN/Opinião, 22 Abril 2023 

Quando a política entra demasiado nas nossas vidas, causando guerra e sofrimento, em vez de paz e justiça, isso significa, quase sempre, que aqueles a quem foram entregues os destinos dos povos estão a trair, por motivos diversos, a confiança que lhes foi depositada.

Hoje quero sair desse pior da humanidade – a má política feita por gente que sem ela seria invisível – para dar lugar ao melhor da humanidade, aquela que se transcende pela arte, pela poesia, pelo pensamento.

Noite de estreia da peça de Florian Zeller, O Filho, no Teatro Aberto em Lisboa. Quando o pano caiu na última cena, o público permaneceu num silêncio hirto e comovido, apenas quebrado por um longo e reiterado aplauso, quando os atores se apresentaram, finalmente, perante os espectadores. Depois do imenso sucesso de A Mãe (2010) e de O Pai (2012), O Filho (2018) é claramente a obra mais trágica da trilogia de Zeller. Um enredo simples: um pai (Paulo Pires) separa-se da sua mulher (Cleia Almeida) para começar uma nova relação (Sara Matos). Um filho adolescente (Rui Pedro Silva), vivendo com a mãe, afasta-se da escola e dá sinais de desinteresse pela vida. O pai e a nova companheira recebem o filho, empenhando-se para o apoiar. Só falta o coro para declarar o império do destino… Numa entrevista, Florian Zeller explica como o pai é o agente maior desse processo. Ele está de tal modo convicto da sua culpa que descarta outros apoios, nomeadamente médicos, para o mal do filho, tomando decisões erradas. Diz Zeller: “é ao lutar [o pai] com todas as forças contra o seu destino que o cumpre inescusavelmente.” O excelente desempenho dos atores é servido por uma versão, cenografia e encenação de grande qualidade da responsabilidade de João Lourenço e Vera San Payo de Lemos.

Continuar a ler

Carlos Matos Gomes | Penso em coisas simples. Só penso em coisas muito simples.

Penso em coisas simples. Só penso em coisas muito simples. Só vejo grupos de coristas e bailarinos com muitas lantejolas e muita disposição para se venderem à porta dos camarins – como há 50 anos no Parque Mayer. Ou em festas de arromba com champanhe, que os negócios vão de vento em popa.

Conclusões de 5 minutos de TV em 15 dias:

1.Localização do Aeroporto de Lisboa: Qual será a localização? Aquela que os promotores oferecerem melhores comissões. A decisão será de quem melhor souber distribuir o bolo. O ministro que defendia o TGV já foi à vida. Estava a empatar o negócio. A luta é por derrubar este governo, ou recrutar um ministro manejável! É do que se trata. Os locutores e os comentadores bem tentam disfarçar… mas trata-se dos negócios dos tipos que pagam a publicidade das TV! Dos casacas!

Continuar a ler

EUA-CHINA: O PANDA DO DESENTENDIMENTO | por Carlos Fino

Nas últimas décadas, muitos partidos do centro-esquerda, assim como do centro-direita, abraçaram uma versão neoliberal da globalização do mercado que gerou ganhos para quem está no topo. E isso deixou a maioria dos trabalhadores, na verdade entre 50% a 60% da população, com poucos ganhos — se é que com alguns! Foi por isso que assistimos a uma estagnação salarial e à perda de postos de trabalho nas últimas quatro ou cinco décadas.

Como uma panda gigante se tornou símbolo das tensões entre EUA e China

Media americano e chinês divergem sobre devolução da ursa Ya Ya a país natal após 20 anos no zoológico de Memphis

SÃO PAULO

A panda gigante Ya Ya é praticamente uma americana honorária —nascida em Pequim em 2000, ela foi enviada para os Estados Unidos quando tinha só dois anos de idade.

Continuar a ler

Aeroporto | O que é que a margem Sul tem? | Rosália Amorim, Diretora do Diário de Notícias | 28 ABR 2023

De repente, quais cogumelos, na margem Sul surgiram ainda mais localizações possíveis para o novo aeroporto de Lisboa.

Além de Montijo e Alcochete, ambas já conhecidas, ontem foram escolhidas para estudo Rio Frio (curiosamente, uma das hipóteses mais antigas, já analisada no tempo do Estado Novo), também Pegões (a mais inesperada, mas que tem área livre e fica próxima dos terrenos do campo de tiro de Alcochete e poderá servir os interesses de quem ali já adquiriu terrenos) e ainda Poceirão (localização já apontada nos tempos de José Sócrates quando planeou o TGV como ligação ferroviária de Lisboa a Madrid, passando por Elvas) onde está prevista uma grande plataforma logística de carga, planeada já desde os tempos de governantes como Mário Lino e Ana Paula Vitorino.

Em comum o que têm todas estas cinco hipóteses? A obrigatoriedade de se atravessar o rio Tejo através das duas pontes existentes, cujo monopólio é da Lusoponte (detida pela Vinci e que, por seu turno, detém a concessão da ANA que gere os aeroportos de Portugal) ou então através da construção de uma nova ponte rodoferroviária que poderá ligar Lisboa, via Chelas, ao Barreiro, uma alternativa que já tinha sido equacionada nos longínquos anos 90 do século passado, nos governos de Cavaco Silva quando Ferreira do Amaral era ministro.

Assim, nas nove soluções futuras são admitidas as hipóteses de Portela + Alcochete, Pegões, Portela + Pegões e Rio Frio + Poceirão, a que se juntam as hipóteses já antes apontadas de Portela + Montijo, Montijo Hub + Portela, Alcochete, Portela + Santarém e Santarém. Foram afastadas completamente as hipóteses de Beja, Monte Real e Alverca.

O que se criticou no tempo de Sócrates, com o argumento de que o país não tinha dinheiro, nem para uma nova ponte sobre o Tejo nem para um TGV, parece agora ressuscitar. Se o aeroporto ficar na margem Sul e o Poceirão surgir, no mínimo, como nova área logística, torna-se para muitos inevitável que terá de se avançar com a obra da nova travessia do Tejo e com o comboio. A quem interessa esta hipótese mais cara? O Estado tem capital para isso?

Nos critérios de escolha da Comissão Técnica Independente estiveram a proximidade da capital, a possibilidade de expansão e a facilidade de acesso ao comboio. Quanto a este último critério, a única localização bem servida é Santarém através da Linha do Norte, exceto se a nova travessia rodoferroviária do Tejo se tornar uma realidade. Até ao fim do ano estará tudo estudado e, nessa altura, o governo deverá optar. Os dados estão lançados, a decisão é política.

Diretora do Diário de Notícias

O 25 de Abril valeu a pena? | Carlos Esperança

A pergunta, repetida nos media, sugerida nos cafés e ouvida nas ruas, anda aí, como provocação fascista, espécie de transferência de responsabilidade, oriunda dos herdeiros da ditadura para os que sabem o que lhe devemos.

Perguntar a quem ama a liberdade se esta valeu a pena é a ofensa de quem lhe é alheio, de quem se dava bem com a ditadura ou não faz a mais leve ideia do que foi. É como perguntar a um doente se valeu a pena a cura ou, a um cego, a recuperação da visão.

Os fascistas esforçam-se por minimizar a violência da ditadura, o número dos que morreram e ficaram estropiados na guerra colonial, só os de um lado, do outro não lhes interessa. Essa canalha que reprimiu durante 49 anos a simpatia pelo regime que prendia sem culpa formada, violava a correspondência, torturava adversários e os assassinava, essa súcia, filha do salazarismo, anda por aí, a reescrever a História e a responsabilizar quem teve a nobreza de perdoar aos algozes e cúmplices.

Como foi possível esquecer o Tarrafal, o Campo de S. Nicolau, Caxias, Peniche, Aljube e a Rua António Maria Cardoso? Será possível que, à medida que vão morrendo os que resistiram à ditadura, os herdeiros do ditador passem a esponja sobre o passado negro e o pintem de cor-de-rosa?

E mantêm-se calados os que têm obrigação de os desmascarar? Não há gravações dos gritos de dor e das lágrimas, que recordem as mães de filhos mortos, as mulheres dos maridos presos e as famílias destroçadas por perseguições?

Os próprios capitães de Abril, que tudo deram sem nada pedirem, já são vilipendiados pelos que lhes devem os lugares que ocupam, as sinecuras que distribuem e os negócios sujos de que ficam impunes.

No regresso manso de um fascismo larvar é altura de dizer basta, de varrer os ingratos que devem à democracia os lugares que ocupam, de limpar os órgãos da soberania dos ineptos e dos que se vingam dos que nunca quiseram a democracia, a descolonização e o desenvolvimento, dos que sentem náuseas e têm enxaquecas quando ouvem a voz de Zeca Afonso: Grândola, vila morena…

Retirado do Facebook | Mural de Carlos Esperança

O Pequeno Príncipe | Antoine de Saint-Exupéry | por António Jorge

Em 1943, Antoine de Saint-Exupéry escreveu o seu livro mais importante, O Pequeno Príncipe (1943), uma fábula infantil para adultos, cuja obra é rica em simbolismo.

O personagem principal do livro vivia sozinho num pequeno planeta, onde existiam três vulcões, dois activos e um já extinto.

Outro personagem representativo é a rosa, cujo orgulho, levou o pequeno príncipe a uma viagem pela terra.

Na viagem, encontrou outros personagens que o levaram ao desvendamento… do sentido da vida. A obra está traduzida e repetidamente reeditada no mundo inteiro.

Antoine de Saint-Exupéry, foi um escritor e ilustrador e piloto francês, nascido em 1900, e autor da famosa obra universal para crianças… que todas deveriam ler… O Pequeno Príncipe.

Morreu na guerra no Mar Mediterrâneo em 1944… aos 44 anos de idade, abatido por um caça da força aérea da Alemanha Hitlariana.

Continuar a ler

PS – Há 50 anos | Carlos Esperança

Em 1973, na cidade alemã de Bad Munstereifel (RFA), foi dissolvida a Ação Socialista e fundado o Partido Socialista (PS), que já ultrapassou em anos os que a ditadura nos oprimiu.

Havia sonhos de liberdade nos resistentes antifascistas, mas foi uma bela madrugada de abril que os concretizou, 1 ano depois, sendo militares e não civis a tornar realidade os sonhos.

Vejo na primeira fila o saudoso amigo Joaquim Catanho de Meneses por entre outros rostos de quem vim a ser amigo, nomeadamente António Arnaut e Fernando Vale.

Saúdo os militantes do PS, em especial António Costa, sob ataques concertados do PR, da direita, dos neoliberais do PS e de numerosos trânsfugas.

Neste tempo de incertezas em que, após a pandemia, surgiu a guerra na Ucrânia onde se jogam interesses geoestratégicos globais, o Governo de António Costa é a referência de estabilidade que resiste à infâmia de comentadores, aos videirinhos que cospem no prato que os alimentou e à extrema-direita que explora o medo e incita ao ódio e à revolta.

Parabéns ao PS! Obrigado, António Costa.

General Raul Luís Cunha | Sobre os “comentadores” em Portugal

Lamento, mas agora e aproveitando a ideia e partes de um texto que encontrei algures na “net”, vou mesmo ter de escrever sobre algo que me tinha prometido evitar – é que acabei de ouvir o comentador “chouriço” a anunciar, com a maior desfaçatez, precisamente o contrário do que tinha revelado há apenas dois dias quando atribuiu aos russos a malvadez de revelar documentos secretos do Pentágono, e já quando tinha caído um míssil na Polónia, também se tinha apressado a debitar os seus habituais dislates sobre as pérfidas intenções dos russos. É natural perdoarmos um erro, mas nunca um contínuo de falsas suposições, mentiras e trapaças, com o claro objectivo de enganar o público e levá-lo a continuar a apoiar um bando de criminosos que, tal como ele, também aldrabam este mundo e o outro.

Ainda aqui há tempos, o “chouriço”, em debate com outro comentador, disse que não tinha quaisquer dúvidas que a Rússia iria sofrer uma derrota militar no campo de batalha, denotando desse modo uma de duas características, a escolher por quem o ouviu, ou de ser um profundo ignorante da ciência militar, ou então de ser um mentiroso mentecapto.

Faz já mais de um ano que aguardo a primeira ocasião em que, de alguma forma, os comentadeiros entusiastas do Zé nazi consigam ter um mínimo de isenção e de razão – é que as certezas das suas análises deixam muito a desejar.

Continuar a ler

ESQUELETOS NAZIS NOS ARMÁRIOS DA FINLÂNDIA E SUÉCIA | Matthew Ehret, analista e escritor do Canadá

A entrada oficial da Finlândia na OTAN foi celebrada em toda a esfera da tecnocracia transatlântica como uma vitória da democracia e da liberdade. Jens Stoltenberg disse aos seus homólogos finlandeses na cerimônia inaugural que: “A Finlândia é mais segura e a OTAN é mais forte com a Finlândia como um aliado. Suas forças são substanciais e altamente capazes, sua resiliência é incomparável e por muitos anos as tropas da Finlândia e dos países da OTAN trabalharam lado a lado como parceiros. A partir de hoje, estamos juntos como aliados.”

Mas até que ponto essas afirmações são verdadeiras?

Enquanto a Finlândia gosta de comemorar o facto de que sua guerra de 1941-1944 com a Rússia não teve nada a ver com a Segunda Guerra Mundial, mas foi simplesmente uma aliança defensiva com a Alemanha contra a maldosa União Soviética, e enquanto a Suécia gosta de comemorar o facto de ter permanecido neutra durante a Segunda Guerra Mundial, a HISTÓRIA conta-nos uma realidade muito diferente.

Continuar a ler

Entre Clausewitz e a roleta russa | Viriato Soromenho Marques | Opinião/DN

Nunca como hoje se tornou tão profundo o abismo entre a gravidade do mundo e a superficial banalidade de quem o deveria governar.

Nunca como hoje se tornou tão profundo o abismo entre a gravidade do mundo e a superficial banalidade de quem o deveria governar. Há 45 anos, no nosso campo ocidental, até os políticos profissionais perceberiam que numa guerra entre potências nucleares não poderá haver vencedores, apenas vencidos. Hoje, até os “peritos” contratados como consultores dos governos disfarçam a sua ignorância do que está em causa sob o manto postiço de uma convicta determinação.

A encruzilhada entre a guerra e a paz sempre foi a magna questão da vida dos povos. Os indivíduos aceitaram o jugo dos Estados pela promessa da segurança das suas vidas e bens. O mestre incontestável na compreensão da essência da guerra foi um general prussiano, Carl von Clausewitz (1780-1831), que passou pelos campos de batalha contra a França revolucionária e depois napoleónica. Vencida a Prússia pelo Corso, em 1806, Clausewitz continuaria a sua luta nas fileiras do império russo. Mas a sua herança foi o seu livro fundamental, Da Guerra (Vom Kriege), que a sua mulher publicou em 1832.

Continuar a ler

I asked an elderly woman once | Author Unknown, Photograph is Tasha Tudor

“I asked an elderly woman once what it was like to be old and to know that the majority of her life was now behind her.

She told me that she has been the same age her entire life. She said the voice inside of her head had never aged. She has always just been the same girl. Her mother’s daughter. She had always wondered when she would grow up and be an old woman.

She said she watched her body age and her faculties dull but the person she is inside never got tired. She never aged. She never changed.

Remember, our spirits are eternal. Our souls are forever. The next time you encounter an elderly person, look at them and know they are still a child, just as you are still a child and children will always need love, attention and purpose.”

Retirado do Facebook | Mural de Cristina Branco

Carta enviada por João Soares e Pedro Castro, dirigida à senhora Presidente da Comissão de Estudo da Localização do novo aeroporto de Lisboa.

Senhora Professora Rosário Partidário,

Presidente da Comissão Técnica de avaliação do novo Aeroporto de Lisboa.

Os dois signatários, cidadãos com diferenciada formação e percurso pessoal e profissional, mas ambos com provas dadas no interesse pelas questões do País, e em particular da cidade de Lisboa, dirigem-se a V.Exa. para exprimir a sua posição sobre o Aeroporto de Lisboa. A posição dos que consideram que não é necessário construir nenhum novo Aeroporto de Lisboa !

Mais consideram ambos que seria um erro grave, e para serem brandos nas avaliações um disparate, avançar com tal pretensa solução.

Sublinham a V.Exa, e à Comissão que dirige, o dado de facto indesmentível que é a repetida proclamação desde os anos sessenta do século passado por técnicos e políticos, de que o Aeroporto Humberto Delgado está esgotado. Ou à beira do esgotamento no ano que vem, seja qual for o ano que vem.

Continuar a ler

O FIM DOS ACORDOS DE BRETTON WOODS | por Carlos Matos Gomes

AFP

Dilma Roussef iniciou hoje ( 28 de março de 2023) como presidente do banco dos Brics em Xangai, na China. O banco das potências alternativas aos EUA, Brasil, Rússia, Índia e ainda a África do Sul chama-se oficialmente Novo Banco de Desenvolvimento (NBD). Este banco foi criado em 2015 e tem por finalidade estatutária fornecer apoio financeiro a projetos de infraestrutura e desenvolvimento sustentável, públicos ou privados, nos cinco países-membros e noutras economias emergentes e países em desenvolvimento. O Banco tem sede em Xangai, nos antípodas das sedes do FMI e doo Banco Mundial e num Estado ao abrigo dos assaltos dos Estados Unidos.

A criação deste banco marca o fim da hegemonia absoluta do sistema financeiro dos Estados Unidos sobre o planeta, decorrente dos acordos de Bretton Woods, de 1944, que criaram o Banco Mundial e o FMI.

Continuar a ler

QUANDO A SALVAÇÃO ESTÁ NA CONTRADIÇÃO! | Hugo Dionísio

As manchetes sobre o conflito no leste europeu ressoam dizeres sobre uma “ofensiva de primavera” a qual, segundo “entendidos” especialistas, visará cortar a ligação terrestre entre a Rússia e a Crimeia. Tal esforço, não deixará de contar com amplos apoios dos EUA e seus apêndices geográficos como a EU, a NATO, e os países do chamado AUKUS, numa consagração, “informalmente assumida”, do principio, segundo o qual, todos somos parte interessada nesta guerra de potências.

Como se provará, após a primavera, a não ser que as forças leais ao odioso regime de Z., sejam capazes de incutir uma derrota fulminante nas forças russas, pouco resultará dessa “ofensiva” que não constitua, na prática, mais um passo decisivo na derrota estrutural do Banderismo.

Para tal não suceder, não basta cortar a ligação terreste com a Crimeia. É fundamental que a ofensiva resulte numa viragem estratégica do conflito, tirando ao exército russo uma iniciativa que retém, desde o ido dia 24 de Fevereiro de 2022, provocando uma retumbante derrocada na imagem interna do presidente Putin e sua queda. Tal sucedendo, voltará à agenda dos EUA, a instalação de uma base da NATO na Crimeia e a remoção do único porto de águas quentes da federação russa, com todas as consequências que tal daí adviria, não apenas para o povo russo, mas para a própria China.

Continuar a ler

A História e outras histórias | Carlos Esperança

Há a História escrita por historiadores e a história contada pelos redatores dos manuais escolares. A primeira é uma ciência e baseia-se em documentos, a segunda é o veículo de propaganda de quem detém o poder. Raramente coincidem.

Nos 4 anos da instrução primária aprendi na catequese a odiar judeus, hereges, maçons, apóstatas e comunistas. Na escola juntei a esses ódios de estimação, sem necessidade de orar contra os destinatários, os moiros e castelhanos. Aos 10 anos, fiz a comunhão solene, vestido de cruzado, e acabei fustigado com quatro sacramentos.

Continuar a ler

THE COVER-UP | The Biden Administration continues to conceal its responsibility for the destruction of the Nord Stream pipelines | SEYMOUR HERSH | Mars 22-2023

It’s been six weeks since I published a report, based on anonymous sourcing, naming President Joe Biden as the official who ordered the mysterious destruction last September of Nord Stream 2, a new $11-billion pipeline that was scheduled to double the volume of natural gas delivered from Russia to Germany. The story gained traction in Germany and Western Europe, but was subject to a near media blackout in the US. Two weeks ago, after a visit by German Chancellor Olaf Scholz to Washington, US and German intelligence agencies attempted to add to the blackout by feeding the New York Times and the German weekly Die Zeit false cover stories to counter the report that Biden and US operatives were responsible for the pipelines’ destruction.

Press aides for the White House and Central Intelligence Agency have consistently denied that America was responsible for exploding the pipelines, and those pro forma denials were more than enough for the White House press corps. There is no evidence that any reporter assigned there has yet to ask the White House press secretary whether Biden had done what any serious leader would do: formally “task” the American intelligence community to conduct a deep investigation, with all of its assets, and find out just who had done the deed in the Baltic Sea. According to a source within the intelligence community, the president has not done so, nor will he. Why not? Because he knows the answer.

Continuar a ler

O DIREITO AO “FODA-SE” | Millor Fernandes

O nível de stress de uma pessoa é inversamente proporcional à quantidade de ” foda-se! ” que ela fala.

Existe algo mais libertário do que o conceito do ” foda-se! “? O ” foda-se! “ aumenta minha auto-estima, me torna uma pessoa melhor, reorganiza as coisas, me liberta. ” Não quer sair comigo? Então foda-se! “. Vai querer decidir essa merda sozinho(a) mesmo? Então “ foda-se!

” O direito ao ” foda-se! “ deveria estar assegurado na Constituição Federal.

Os palavrões não nasceram por acaso. São recursos extremamente válidos e criativos para prover nosso vocabulário de expressões que traduzem com a maior fidelidade nossos mais fortes e genuínos sentimentos. É o povo fazendo sua língua. Como o Latim Vulgar, será esse Português Vulgar que ingará plenamente um dia. ” Pra caralho “, por exemplo. Qual expressão traduz melhor a idéia de muita quantidade do que ” pra caralho “? “ Pra caralho “ tende ao infinito, é quase uma expressão matemática. A Via-Láctea tem estrelas pra caralho . O Sol é quente pra caralho, o universo é antigo pra caralho, eu gosto de cerveja pra caralho, entende?

Continuar a ler

As dez chagas da Igreja | Padre Anselmo Borges | Opinião/DN

Concluindo: Se houver a convicção funda da importância da Igreja, cuja missão é levar e entregar, por palavras e obras, a mensagem de Jesus à humanidade de cada tempo, para a vida das pessoas e das sociedades, estas questões não poderão deixar de ser debatidas com “liberdade e audácia”.

O padre italiano Antonio Rosmini foi um notável filósofo e teólogo do século XIX, que, perante as transformações que então se operavam, escreveu, por amor à Igreja, em 1832, um livro famoso com o título Delle cinque plaghe della Santa Chiesa (Sobre as cinco chagas da Santa Igreja). Desgraçadamente, a obra foi condenada e colocada no Index Librorum Prohibitorum (Catálogo dos livros proibidos). Mas, lentamente, a sua memória foi reabilitada e até foi beatificado em 2007 por Bento XVI. Em síntese, quais eram essas chagas? “O distanciamento entre o clero e o povo (na vida e na liturgia — não esquecer que as celebrações litúrgicas eram em latim); a fraca formação do clero, tanto no plano cultural como espiritual; a desunião entre os bispos; a intromissão da política na nomeação dos bispos; a riqueza acumulada pela Igreja”.

Na esteira de Rosmini, o padre espanhol Luis Pose Regueiro, historiador da Igreja, acaba de publicar em Religión Digital, “as dez chagas da Igreja”. Baseado no essencial do seu texto, deixo aí uma reflexão sobre essas chagas.

1. O tradicionalismo e o individualismo. Vivemos em tempos de confusão, incerteza, perplexidade, e, neste quadro, há a tentação de “refugiar-se anacronicamente na segurança do antes” — sempre se fez assim — ou então “isolar-se” no que cada um considera o correcto e mais seguro. Ora, o que se impõe é ir ao Evangelho e procurar “um caminho o mais possível comum”, seguindo o velho princípio: “nas coisas necessárias, unidade; nas duvidosas, liberdade; em tudo, caridade.”

Continuar a ler

O dia em que a União Europeia acabou  |  22 de Setembro de 2022 | por Carlos Matos Gomes

A História é em boa parte pontuada pelos acontecimentos que marcam o fim de uma dada ordem política. O império Romano findou em 476 quando o bárbaro Odoacro foi nomeado rei de Roma e enviou as insígnias imperiais ao imperador Zenão do império do romano do Oriente. O antigo regime feudal europeu terminou com a tomada da Bastilha, a emergência da Inglaterra como potencia mundial, a passagem de uma potência continental para uma marítima começou com a derrota de Napoleão em Waterloo, o fim do império britânico aconteceu com a independência da Índia, o início do império americano ocorreu com o lançamento das bombas nucleares no Japão e com o dobrar do cerviz do imperador a reconhecer a derrota perante a devastação.

A União Europeia, uma entidade que vinha desde o final da II Guerra a fazer o seu caminho mais ou menos autónomo, reconhecendo que a Europa deixara de ser o centro do mundo em boa parte pelas suas guerras civis — duas guerras mundiais só no século XX — e que seria sensato aceitar um equilíbrio de poderes entre os europeus, defrontou sempre um inimigo concreto: os Estados Unidos. Vários dirigentes americanos perguntaram ao longo dos anos o que era isso da Europa, se tinha telefone. Os Estados Unidos nunca aceitaram uma entidade política soberana europeia! E é esta recusa de aceitar a soberania da União Europeia e de cada um dos seus estados que determina e explica a política americana desde as primeiras tentativas de criar mecanismos de integração política, social e económica, a CECA, o Mercado Comum, a CEE. Quanto a deixar que a soberania europeia dispusesse de um aparelho militar que sustentasse as suas políticas, nem pensar! A relação dos EUA com a Europa foi sempre de tipo colonial! Como o foi no Médio Oriente e na América Latina. Os Estados Unidos assumiram o estatuto de soberanos mundiais. Agitaram perigos, inventaram inimigos, ocuparam territórios.

Continuar a ler

UCRÂNIA MAIS PESSIMISTA APÓS UM ANO DE GUERRA | Por Isabelle Khurshudyan, Paulo Sonne e Karen DeYoung | in WASHINGTON POST

Sonne e DeYoung relataram de Washington. Souad Mekhennet em Munique, David L. Stern em Kiev e Siobhán O’Grady em Kharkiv, Ucrânia, contribuíram para este relatório.

Com baixas, falta de tropas qualificadas e munições, pessimismo cresce na Ucrânia.

A qualidade da força militar da Ucrânia, antes considerada uma vantagem substancial sobre a Rússia, foi degradada por um ano de baixas que retiraram muitos dos combatentes mais experientes do campo de batalha, levando algumas autoridades ucranianas a questionar a prontidão de Kiev para montar uma tão esperada ofensiva na primavera.

Autoridades dos EUA e da Europa estimam que cerca de 120.000 soldados ucranianos foram mortos ou feridos desde o início da invasão russa no início do ano passado, em comparação com cerca de 200.000 do lado russo, que tem um exército muito maior e aproximadamente o triplo da população da qual para atrair conscritos. A Ucrânia mantém seus números de vítimas em segredo, mesmo de seus mais ferrenhos apoiadores ocidentais.

Continuar a ler

Polónia - a raposa no galinheiro | Carlos Matos Gomes

A Polónia está a caminho de se tornar a maior e mais sofisticada potência militar não nuclear da Europa. A militarização da Polónia não se baseia apenas, nem no essencial, na preparação para quaisquer ameaças que venham do Kremlin, mas reflete uma estratégia de ocupar o centro do poder na Europa Central e servir de ponta de lança do plano de longo prazo enunciado por Zbigniew Brzezinski, Conselheiro de Defesa dos Estados Unidos, há vinte e cinco anos, após o fim da URSS, na Conclusão do seu livro: «The Grand Chessboard»: Está na hora de os Estados-Unidos formularem e porem em prática uma geoestratégia de longo prazo na Eurásia. Esta necessidade resulta de duas realidades: A América é doravante a única superpotência mundial e a Eurásia é o palco principal do planeta (… ) A estabilidade da supremacia dos EUA sobre o mundo dependerão do modo como os EUA souberem manipular ou souberem satisfazer os principais atores geoestratégicos no tabuleiro. (…) O centro da Eurásia — espaço compreendido entre a Europa e a China só continuará a ser um “buraco negro” enquanto a Rússia não tiver resolvido os seus conflitos e decidido qual a sua atitude na cena internacional… Este livro tem como subtítulo «American Primacy and Its Geostrategic Imperatives» (1997) — A supremacia americana e os seus imperativos estratégicos.

Continuar a ler

Crimes sexuais na Igreja Católica, uma tragédia anunciada e consolidada há séculos | por Paulo Mendes Pinto | in Público/Opinião

Paulo Mendes Pinto é o Coordenador da área de Ciência das Religiões na Un. Lusófona, onde é o responsável pelo projecto REC-XXI – Religiões, Educação e Cidadania (desde 2018), onde dirigiu o Mestrado (2007-2011) e a Licenciatura em Ciência das Religiões (2007-2017). É assessor da administração da Un. Lusófona e Director-Geral do Conselho Superior Académico do Grupo Lusófona.

Foi Embaixador do Parlamento Mundial das Religiões (2015-18) e fundador da European Academy for Religions (2017). Ver restante biografia aqui: https://cienciadasreligioes.ulusofona.pt/investigadores/paulo-mendes-pinto/


O nosso olhar tende sempre a focar-se no momento presente. É nele que temos as nossas mais diretas e imediatas questões. Contudo, quase tudo o que fazemos se relaciona com o passado, com as tradições, as heranças, a cultura. Não é que devamos relativizar, no sentido de desvalorizar, os atos com base nas justificações do passado, mas devemos tentar compreender como, por vezes, os atos do presente são legitimados e tornados, dentro das instituições, normais através de atitudes que se arrastam ao longo de séculos.

O espanto que hoje vemos nas palavras de muitos políticos e clérigos é apenas o resultado, ou de uma franca e clara ignorância, ou a máscara que importa colocar para não ver recair sobre si o mau olhar da opinião pública. Ainda ecoam na nossa memória as declarações de desvalorização de Manuel Linda, por exemplo, em 2019 (declarações à TSF a 20 de abril).

Contrariamente à postura de negação em que a Igreja Católica Portuguesa esteve, como se em Portugal nada se tivesse passado, ao contrário do que sucedera em tantos outros países, o quadro é verdadeiramente endémico e vem de uma normalidade comportamental cimentada ao longo de séculos.

Continuar a ler

Dez anos com o Papa Francisco | Anselmo Borges | DN/Opinião

oi a 13 de Março de 2013 — faz agora 10 anos –, que foi eleito. E percebeu-se logo naquela tarde que vinha como cristão: simples, sem aparato, inclinou-se perante a multidão, e ficou gravada na memória de todos aquela sua saudação: “buena sera” (boa tarde), que o tinham ido “buscar ao fim do mundo para bispo de Roma” (ele não usará o título de Papa), e, antes de dar a bênção, pediu que fossem os fiéis a pedir a bênção de Deus para ele primeiro.

O nome escolhido era revelador: Francisco, lembrando Francisco de Assis a quem pareceu uma vez ter ouvido dos lábios de Cristo crucificado o pedido: “Francisco, repara a minha Igreja, que ameaça ruina.” Sim, o Papa Francisco chegou e, por palavras e obras, é o que tem feito: não foi viver para o Palácio Apostólico, utiliza um carro modesto, está com todos, começando pelos mais pobres, acolhendo prostitutas, sorrindo e abraçando, brincando com crianças que lhe roubam o solidéu…

Continuar a ler

TRÊS CAMINHOS PARA LADO NENHUM | Viriato Soromenho Marques | Opinião/ DN

Nunca vivemos num período histórico tão perigoso. Os problemas são de uma complexidade e de uma intensidade verdadeiramente existencial. É nas horas difíceis que se revela a fibra de que são feitas as pessoas e as organizações que elas protagonizam.

Estamos a assistir à confirmação dessa tese, mas pela negativa. A ausência de visão estratégica e até de sensatez elementar não é apanágio luso, mas inquieta-nos particularmente testemunhar como este governo entrou num processo de autofagia e combustão interna.

Sem oposição, com uma Assembleia obediente e um Presidente facilitador, o governo resolveu desistir de ser um instrumento para que o país possa enfrentar os três caminhos ameaçadores da desordem internacional que ameaçam engolir Portugal, transformando-se ele próprio num problema sem sinais de solução próxima.

Identifiquemos a geografia dos caminhos para o desastre que nos afligem.

Continuar a ler

O Ocidente visto do mundo | Boaventura de Sousa Santos | in DN

ntre 2011 e 2016 realizei um projeto de investigação financiado pelo Conselho Europeu de Investigação. Intitulava-se ALICE – Espelhos Estranhos, Lições imprevistas: Definindo para a Europa um novo modo de partilhar as experiências do Mundo. Nesse projeto, tentei mostrar que a Europa, depois de cinco séculos a procurar ensinar o mundo, se confrontava com um mundo que não tomava em grande conta as lições da Europa e que, em face disso, em vez de propor isolacionismo progressivo, entendia que a Europa devia disponibilizar-se a aprender com o mundo e usar essa aprendizagem para resolver alguns dos seus problemas. A guerra da Ucrânia veio mostrar que as propostas da minha investigação de pouco serviram aos políticos europeus, uma experiência que não é nova para os cientistas sociais.

Continuar a ler

História do Dia da Mulher | Maria Helena Manaia

O Dia Internacional da Mulher é comemorado anualmente a 8 de março.

História do Dia da Mulher

A data surgiu pela primeira vez a 19 de março de 1911 na Áustria, Dinamarca, Alemanha e Suíça.

Desde esse ano, o dia tem vindo a ser comemorado em vários países do mundo, de forma a reconhecer a importância e contributo da mulher na sociedade.

Outro dos objetivos por detrás da origem do Dia Internacional da Mulher é recordar as conquistas das mulheres e a luta contra o preconceito, seja racial, sexual, político, cultural, linguístico ou económico.

Em 1975, as Nações Unidas promoveram o Ano Internacional da Mulher e em 1977 proclamaram o dia 8 de março como o Dia Internacional da Mulher.

No Dia Internacional da Mulher é comum serem enviadas às mulheres mensagens de apreço e de homenagem, e fazerem-se pequenas surpresas, como o envio de flores e bombons.

Origem do Dia Internacional da Mulher

Há várias explicações para a origem do Dia Internacional da Mulher ser 8 de março.

Uma delas é a própria luta das mulheres operárias por mais direitos e melhores condições de vida nas fábricas. Junte-se a isso, ao movimento sufragista que reivindicava o direito ao voto.

Há quem afirme que a data foi proposta por causa de um incêndio em 1857, numa fábrica em Nova York. No entanto, este acidente nunca existiu e o mais provável é que se fizesse referência a um sinistro ocorrido na mesma cidade em 1911.

Na verdade, o 8 de março foi escolhido porque neste dia, em 1917, as mulheres russas protestaram exigindo melhores condições de vida. A manifestação reuniu mais de 90 mil pessoas e data se tornou oficial em 1917.

Em 1977, a ONU reconheceu esta data como o Dia Internacional da Mulher.

Retirado do Facebook | Mural de Maria Helena Manaia

Os impérios e a hierarquia do poder | Carlos Matos Gomes

Os dirigentes europeus riem de quê quando vão a Kiev ou a Washington?

Washington, 3 de Março de 2023, o presidente Joe Biden recebe Olaf Sholz na sala imperial (oval) da Casa Branca. O presidente Biden, com visíveis dificuldades de expressão, lê umas fichas que tenta esconder no colo e profere as frases que lá devem estar escritas: Agradece a Olaf Sholz o apoio da Alemanha à Ucrânia.

A cena é reveladora e antiga: O velho imperador recebe o submisso e quase envergonhado governador de uma velha colónia e agradece-lhe o apoio que este está a dar a uma nova colónia, atacada por um império inimigo. A Ucrânia é um território nos confins do império, como em tempos foram a Germania, a terra dos tedescos, aqueles que não falavam latim, a Gália, a Pérsia e até a Escócia. Os impérios sempre tiveram problemas nas suas fronteiras. Em 2023 o governador da província da Germânia, aquele que tem o poder subdelegado do imperador para a Europa, foi a Washington reafirmar fidelidade e prometer continuar a servir o imperador para este juntar a Ucrânia ao império.

Continuar a ler

E se a Ucrânia não ganhar a guerra? | Major-General Carlos Branco, in Jornal Económico, 24/02/2023

EM ADENDA | COMENTÁRIO DE João Gomes in Facebook, na págna de Carlos Fino, de onde foi retirado o texto principal.

A pior solução para os europeus é não considerarem a Ucrânia um interesse vital e acabarem por ter de morrer por ela. Washington sabe o que quer e o que está a fazer. Os dirigentes europeus nem por isso.

A esmagadora maioria dos comentadores nacionais afirma de modo convicto e determinado que “a Ucrânia vai ganhar a guerra”, “a Ucrânia tem de vencer”, como se a insistente oralização de uma vontade fosse suficiente, e a capacidade para a concretizar um aspeto de menor importância.

Questionar o dogmatismo subjacente a esta certeza tornou-se sinónimo de apoio e alinhamento com as posições de Moscovo.

Entenda-se por ganhar a guerra, o regresso dos territórios presentemente anexados pela Federação da Rússia ao controlo de Kiev, Crimeia incluída, com a consequente expulsão das forças russas do território ucraniano, ao que se juntará a adesão de Kiev à NATO e à União Europeia (UE).

Continuar a ler

Conceções do Mundo | Carlos Matos Gomes

Qualquer entendimento do mundo deve partir de reconhecimentos basilares: o homem é um ser vivo que se encontra determinado pela natureza e esta engloba o seu próprio corpo como o mundo exterior.

A dependência, ou existência do seu corpo, com os impulsos animais que o governam, determinam o seu sentimento vital de sobrevivência e a sua consciência dota-o de uma conceção do mundo. O mundo é o meio onde o homem existe. Meios distintos originam diferentes conceções do mundo. «Na fome, no impulso sexual, na velhice e na morte, o homem vê-se sujeito aos poderes da vida natural. É natureza.» Os tipos de conceção do mundo, Wilhelm Dilthey

Perceber a realidade exige conhecer as conceções do mundo dos homens e das sociedades em presença. Nós, os portugueses e os europeus em geral como membros da civilização que mais se difundiu pelo planeta devíamos ter aprendido a indispensabilidade de conhecermos as conceções dos outros para nos relacionarmos de forma vantajosa. A realidade da história, de hoje, demonstra que nada aprendemos, ou então que mantemos a convicção de que é o confronto e a imposição da nossa conceção a atitude que mais nos convém e que a arrogância supremacista é a marca da nossa civilização.

Continuar a ler

O que é “vencer” uma guerra na contemporaneidade e em 2023? | por João Gomes

O que é “vencer” uma guerra na contemporaneidade e em 2023? A Arte da Guerra de Sun Tzu diz que: “A suprema arte da guerra é derrotar o inimigo sem lutar”. Ora, isso é o que tentam fazer os países ocidentais, ao entregar à Ucrânia a incumbência de aceitar a luta contra a Rússia, para o que andaram a prepará-la durante mais de 9 anos.

Fornecem-lhe os meios e os financiamentos e deixam que a sua população mais jovem se mate nesse envolvimento. Por enquanto são os homens entre os 16 e os 65, mas já há jovens mulheres a seguir o mesmo caminho. Ou seja, o ocidente tenta derrotar a Rússia sem lutar. Mas Sun Tzu – considerado o melhor estratega e filosofo de guerra de todos os tempos – também diz: “Aquele que se empenha a resolver as dificuldades resolve-as antes que elas surjam. Aquele que se ultrapassa a vencer os inimigos triunfa antes que as suas ameaças se concretizem”.

Ora, isso foi o que a mesma Europa não fez pois – confessadamente – enganou a Rússia para armar e preparar a Ucrânia no lugar de decidir obrigar a Ucrânia a cumprir os Acordos e Tratados de Paz de 2014/15.

Continuar a ler

UM ANO DE ESTUPIDEZ HUMANA | Miguel Sousa Tavares in Expresso, 24-02-2023

Um ano depois, a Ucrânia, sobretudo as suas pequenas cidades e aldeias do interior, continua a ser paulatinamente devastada e nem Putin conseguiu a rápida vitória que teria previsto nem a NATO conseguiu, por interposto Zelensky, correr com os russos da Ucrânia.

No terreno, a guerra de artilharia levada a cabo incansavelmente por ambos os lados, e sem saída militar à vista, é mantida, do lado russo, pelo envio constante de cada vez mais soldados para a morte e, do lado ucraniano, por uma tão persistente exigência de mais armas ao Ocidente que se atingiu a situação jamais vista de exaustão de munições nos arsenais da NATO.

Entretanto, a continuação da guerra devora economicamente a Europa e num só dia gasta-se 10 vezes mais em armas na Ucrânia do que aquilo que seria necessário para acorrer a oito milhões de sírios que dormem ao relento e morrem de fome e frio, sem auxílios internacionais, depois do terramoto de há três semanas.

Continuar a ler

Palavras de guerra | Viriato Soromenho Marques | Opinião / DN

Apulsão de morte liberta-se, com particular exuberância entre os intelectuais, nas vésperas de guerra. A maior matança política em Portugal, em mais de século e meio (200 mortos e mais de mil feridos), ocorreu em maio de 1915 nas ruas de Lisboa, na insurreição que derrubou o governo de Pimenta de Castro e afastou o presidente Manuel de Arriaga.

O objetivo fundamental dos golpistas, como Afonso Costa e João Chagas — que as suas milícias ecoavam na rua sob o lema “Viva a guerra!” — foi o de envolver Portugal na frente europeia da I Guerra Mundial, e não apenas em Angola e Moçambique e sem declaração formal de guerra à Alemanha, como defendiam Brito Camacho e Bernardino Machado.

A turba armada, incitada por muitos publicistas, conseguiu o que queria. Um quarto de século antes, em janeiro de 1890, gente exaltada insultava o jovem rei D. Carlos I por este, depois da imposição do Ultimato britânico, ter poupado os portugueses do fogo mortífero da Armada britânica. O enorme serviço que o Rei prestou ao interesse nacional seria pago com juros de chumbo no regicídio de 1908.

Continuar a ler

Nós somos a soma das nossas desilusões e das nossas alegrias | João Gomes

Nós somos a soma das nossas desilusões e das nossas alegrias. A força do Amor é sempre a resposta à força do ódio, mas nenhuma delas é capaz de se anular por si só e, a prova, são as sociedades atuais e o ódio crescente que abafa o Amor falado pelas religiões e pelos melhores pensadores filosóficos de todos os tempos. Na aparência de não existirem soluções imediatas de paz para o momento atual que atravessa o nosso Mundo, não nos devemos considerar perdidos ou a caminho do caos.

Não existe caos quando existe Fé e, mesmo que os povos atravessem momentos de loucura mais ou menos coletiva, devido à escolha que fazem os dirigentes políticos, que marcam os seus objetivos políticos mais pelos seus objetivos pessoais do que pelas necessidades do Mundo, é possível deixar o pó dos tempos assentar e ter esperança que outros dias virão, em que um Homem olhará para outro Homem e não lhe desejará mal, porque esse Homem não tem razões para se considerar diminuído nos seus direitos, nas suas razões e na sua própria paz.

Não desistamos nunca de procurar esclarecer as nossas dúvidas sobre os acontecimentos e usemos todas as ferramentas que são colocadas à nossa disposição e que são de lados diferentes. Acreditar só num dos lados da barreira é cair na tentação de acreditar no que esse lado nos diz, sabendo nós que também mentiríamos se estivéssemos no lugar dele.

João Gomes

A Guarda e o Padre Isidro | Carlos Esperança

Crónica (7463 carateres) – Texto definitivo para o novo livro

O padre Isidro, feita a 4.ª classe, saiu de Vila Cova à Coelheira para entrar no seminário. Ordenado padre pelo eterno bispo da Guarda, D. José (III) Alves Matoso (1914 / 52), pastoreou Panoias de Cima onde levou o latim e a palavra do Senhor aos paroquianos do Barracão, Cerdeiral, Panoias de Baixo, Panoias do Meio, Póvoa de São Domingos, Prados e Valcovo, anexas da sede de freguesia, ampliando ainda o exercício do múnus a Gata, Monte Barro Sequeira e outras aldeias cheias de crianças e de fé.

Aguentou durante anos a chuva, o vento, a neve e as confissões nas aldeias paupérrimas onde levou o viático a moribundos, tornou cristãos os neófitos, celebrou missas, deu a comunhão, casou nubentes, fez procissões, cantou nos enterros e encomendou as almas dos que se finaram a aspergir-lhes o caixão com água benta derramada do hissope.

Continuar a ler

US blew up Nord Stream pipelines connecting Russia to Germany, journalist Seymour Hersh reports

09/02/2023

Pulitzer Prize-winning journalist Seymour Hersh reported the US government destroyed the Nord Stream pipelines that delivered Russian gas to Germany. The Biden administration approved the CIA operation, which used explosives and Navy divers, with help from NATO member Norway.

Read Seymour Hersh’s article: https://seymourhersh.substack.com/p/how-america-took-out-the-nord-stream

Um Ocidente Sequestrado? — Por quem? | Carlos Matos Gomes

Milan Kundera é um escritor estimulante, mais do que romancista ele é um pensador. Ele justifica a afirmação de Aristóteles de que se aprende mais sobre o homem e o mundo com a poesia, a ficção do que com os relatos históricos. Em 1983, um ano antes da edição do muito conhecido romance «A Insustentável Leveza do Ser», Kundera publicou o ensaio «Um Ocidente sequestrado — o rapto da Europa», que foi agora reeditado em Espanha e comentado para El País por Monika Zgustova, escritora e tradutora nascida na antiga Checoslováquia.

O texto de Monika Zgustova no El País é para mim um excelente ponto de partida para entrar no pensamento de uma elite eslava e germânica sobre a Europa e que ajuda a analisar a racionalidade ou a irracionalidade das decisões dos governos europeus nesta guerra da Ucrânia. Kundera é, como todos nós, ele e as circunstâncias. Ele é checo saíra do seu país por discordâncias políticas, na sequência da invasão da URSS. No artigo de 1983 ele polariza duas Europas, das duas capitais do cristianismo, Roma e Constantinopla. Haveria assim duas Europas, Moscovo e Paris (onde ele se exilou e Roma deixou de contar após a queda do império romano) e a tragédia europeia resultaria desta divisão e do facto de os habitantes do Oeste da Europa , a Europa Central (Polónia, Checoslováquia, Hungria) se terem visto de um dia para o outro surpreendidos por serem do Leste. E ainda que um sinal da identidade da Europa central seriam as revoltas que estes países organizarão contra os soviéticos na segunda metade do século XX: a revolta húngara de 1956, a Primavera de Praga de 1968 e as sublevações polacas que se sucediam uma ou mais vezes em cada década. Segundo Kundera terá sido o império russo que fez a Europa Central perdesse a sua identidade como território marcado pela tradição multicultural do Imperio Austro-húngaro. Kundera entendia que este Império foi uma grande oportunidade para criar um Estado forte no centro da Europa e que os austríacos estavam divididos entre seguir “o arrogante nacionalismo da grande Alemanha” e a sua própria missão centro-europeia; por isso não conseguiram construir um Estado federal de nações iguais. “O seu fracasso foi um fracasso para a Europa”. O Imperio Austro-húngaro dividiu-se em muitos pequenos países cuja fragilidade permitiu que primeiro Hitler e depois Estaline os subjugassem.

Continuar a ler

O admirável mundo dos pastores | Carlos Matos Gomes

Tomemos à letra as afirmações das três religiões do Livro. Em todas elas o Deus é o Criador e todas têm um pastor, os judeus têm Moisés que trouxe da montanha os mandamentos, os Católicos têm Cristo e os muçulmanos Maomé. Para estas religiões a humanidade é o rebanho de um Senhor. É desta interpretação da humanidade que resultam todas as formas de domínio. Só muda a tecnologia.

Ao longo dos tempos a tarefa de pastorear o rebanho foi executada por profetas com a atividade certificada, pregadores, missionários, papas, ayatolhas, rabinos e por atores que exerciam a pastorícia por conta própria, génios, feiticeiros, adivinhos, bruxos e bruxas, videntes que com maior ou menor êxito participaram na massificação e na crença de uma verdade e de um pensamento único. Estes pastores determinavam o comportamento do rebanho, as modas, o que comer e quando, nada de porco, jejum e abstinência às sextas, ou aos sábados, o comprimento das saias das mulheres, a barba dos homens, as cerimónias dos casamentos, dos funerais, os dias de trabalho, os animais sagrados e os de companhia, nada de cães, estabeleciam interditos e aconselhavam sobre saúde e higiene, lavar as mãos e o traseiro, por exemplo, regulavam os processo de exercer a justiça do Criador e de levar as almas para o paraíso, crucificar, queimar, apedrejar, até existia um manual do torturador para impor respeito ao rebanho.

Continuar a ler

Padre António Vieira – n. 6 de fevereiro de 1608 – f. 18 de junho de 1697 | Carlos Esperança

Há 415 anos nasceu em Lisboa um dos mais altos paladinos da língua portuguesa. Padre jesuíta, falecido aos 89 anos, longevidade rara na época, permitida pela bula do papa Inocêncio XI, que o subtraiu à jurisdição da Inquisição, foi o grande vulto literário do século XVII e o expoente máximo da parenética portuguesa de todos os tempos.

Vieira fez do púlpito tribuna, onde defendeu os índios e combateu a escravatura. Os seus sermões são um património imperecível da inteligência, da cultura e da ética, num português cuja perfeição realçava a consistência do pensamento e atingia a culminância da perfeição.

O idioma teve nele o seu expoente máximo, e os índios o defensor corajoso e lúcido que redimiu a cumplicidade da sua Igreja. O estilista e humanista legou-nos um monumento de inigualável valor na forma como cinzelou a frases e esculpiu a língua nos sermões e cartas com que fez refulgir o idioma materno.

Lembrar Vieira é prestar homenagem à língua que nos une, ao património literário cuja influência foi notória no maior orador parlamentar desta segunda República, António de Almeida Santos, e na beleza dos textos do nosso mais genial ficcionista, Saramago.

Na herança de Camões e do padre António Vieira descobrimos os alicerces da língua que nos une e serve de ferramenta à plêiade de escritores que continuam a enriquecer o seu património literário.

Retirado do Facebook | Mural de Carlos Esperança

John Mearsheimer | THE US CREATES CONFLICT FOR THE WORLD

02/02/2023 | John Joseph Mearsheimer is an American political scientist and international relations scholar, who belongs to the realist school of thought. He is the R. Wendell Harrison Distinguished Service Professor at the University of Chicago. He has been described as the most influential realist of his generation.

Silêncio! Silêncio! Silêncio! | Leonardo Haberkorn, jornalista e académico uruguaio

O jornalista e académico uruguaio Leonardo Haberkorn, desistiu de continuar a dar aulas do curso de “Comunicação” na Universidade ORT de Montevideu, através desta carta que comoveu o mundo da Educação:

“Depois de muitos anos como professor universitário, hoje dei aula na faculdade pela última vez. Estou cansado de lutar contra telemóveis, WhatsApp e Facebook. Eles venceram-me. Eu desisto. Eu atiro a toalha ao chão. Cansei-me de falar de assuntos pelos quais eu sou apaixonado, para rapazes e raparigas que não conseguem tirar os olhos de um telemóvel que não pára de receber selfies.

É verdade que nem todos são assim, mas há cada vez mais a ficar assim. Até há três ou quatro anos, o apelo para deixar o telemóvel de lado por 90 minutos – nem que fosse só para não ser desrespeitoso – ainda teve algum efeito. Já não o está a ter. Pode ser que seja eu que me tenha desgastado demais neste combate, ou que esteja a fazer algo de errado.

Continuar a ler

O HOMEM QUE SALVOU O MUNDO – Stanislav Petrov | Viriato Soromenho Marques | Opinião/DN

Quase duas gerações depois do fim da guerra-fria, eis-nos de regresso a uma escalada bélica que tem como limite a sombria possibilidade de uma hecatombe nuclear.

Num artigo recente no Financial Times, John Tornhill analisava o debate que está a ser travado nos EUA para dar mais tempo aos decisores que sejam confrontados com um aviso, eventualmente falso, de ataque com mísseis balísticos, de modo a evitar o risco de uma guerra por acidente. Tornhill recordou, a propósito, a decisão do tenente-coronel soviético Stanislav Petrov (1939-2017), que em 26 de setembro de 1983 terá evitado a morte violenta de centenas de milhões de pessoas.

Em 1983 as tensões entre o Ocidente, liderado pelos EUA do vigoroso Reagan, e a URSS do debilitado Yuri Andropov estavam num pico de tensão alarmante.

Como se não bastasse a corrida aos armamentos na Europa – a chamada crise dos euromísseis – a 1 de setembro o voo 007 das Korean Air Lines, depois de ter violado o espaço aéreo soviético, acabou por ser abatido pela aviação de Moscovo. Os erros de navegação do avião civil e a precipitação do piloto do SU-15 transformaram um incidente menor numa tragédia em que pereceram 269 pessoas.

Continuar a ler

Era tão bom governar sem povo | por Francisco Louçã in Jornal Expresso, 20-01-2023

Dois do poemas mais conhecidos de Bertolt Brecht, que de algum modo resumem as agruras da sua vida, foram dedicados a governantes em momentos cruciais da história. Um deles, da década de 1930, parodia os discursos do governo nazi, abrindo com os seguintes versos: “Todos os dias os ministros dizem ao povo/ Como é difícil governar. Sem os ministros/ O trigo cresceria para baixo em vez de crescer para cima”, e sabem como continua. O outro foi escrito duas décadas depois, a propósito da repressão do governo estalinista contra a revolta popular que começou em Berlim-Leste, concluindo que “O povo perdeu a confiança do governo/ E só à custa de esforços redobrados/ Poderá recuperá-la. Mas não seria/ Mais simples para o governo/ Dissolver o povo/ E eleger outro?”. Nos dois casos e em circunstâncias diferentes, os poemas respondem a tiranias. No entanto, há nesta poesia um outro traço comum, para além da sátira do discurso justificativo da prepotência, que é a desconstrução da distância. Em política, e muito atento, Brecht obrava de modo contrário ao que propunha em teatro: no primeiro caso queria denunciar e destruir a opressão baseada na distância do poder, no outro queria criar distância para evitar a identificação alienada dos espetadores com quem representava uma peça que não constituía a realidade. A realidade é suja, o teatro queria ser épico; uma engana, o outro mostra.

O processo de ocultação e de justificação narcísica pelos governantes, em todo o caso, não é uma particularidade da tirania que Brecht combatia nos dois casos. Sob formas variadas, é a própria essência da ocupação do espaço público pelo discurso do poder, ou do seu investimento na criação de um senso comum conformista. A política económica portuguesa e europeia é um exemplo transparente desse modo de dominar.

Masoquismo

Continuar a ler

Os Leopardos de Davos | por Carlos Matos Gomes

O Ocidente reuniu-se em Davos para decidir a emprego dos Carros de Combate (tanks) Leopardo na Ucrânia. O título parece cabalístico, mas não encontrei melhor para resumir o atual estado da guerra que está a decorrer na Ucrânia. Ler as entrelinhas da imprensa internacional ajuda a perceber.

O jornal Le Monde de 18 de Janeiro publicava: “No Forum económico de Davos o fim da mundialização (globalização) está na cabeça de todos. A guerra comercial entre a China e os Estados –Unidos assim como a corrida às subvenções estatais para manter ou recuperar as fábricas (reindustrialização) serão os temas principais da reunião. (Protecionismo liderado pelos Estados Unidos). A mundialização morreu, a livre troca morreu, reconheceu o patrão do fabricante de chips TSMC diante do presidente Biden, e dos patrões da Apple, AMD ou Nvidia, alguns dos seus principais clientes. Biden, ao intensificar a guerra comercial contra a China desencadeada por Trump deu o golpe de misericórdia na globalização, interditando as exportações de tecnologia para a China e despejando torrentes de subsídios do Estado (liberal?) para atrair empresas de regresso à América depois da moda da deslocalização”.

Em conclusão, a verdadeira guerra trava-se entre os Estados Unidos e a China, que já tem um PIB superior. A globalização foi um estratagema para os Estados Unidos imporem a sua supremacia e durou enquanto lhes conveio. Os crentes no neoliberalismo vão ter de se reconverter, virar casacas e cantar loas e salmos ao protecionismo. As Business Scholl, que funcionaram como madrassas do neoliberalismo vão passar a estudar Marx e Keynes, do antecedente proscritos.

Continuar a ler

A guerra que a Rússia perdeu em … março de 2022 | por Daniel Vaz de Carvalho | in resistir.info

1 – A guerra psicológica

Em março de 2022, os “comentadores” de serviço explicavam que a Rússia havia perdido a guerra – iniciada um mês antes, além disso tinha ficado sem munições, os soldados sem vontade de lutar, até de falta de alimentos os militares russos padeciam. Estas afirmações foram repetidas mês após mês.

Quem parasse um minuto para pensar, chegaria à conclusão que aparentemente a Rússia era indestrutível e as suas munições inesgotáveis, tal como a vontade de combater dos seus soldados. A semelhança entre os “comentadores” de serviço e papagaios falantes é mera coincidência. Podemos daqui excluir alguns analistas militares que de uma forma geral procuram interpretar o que se passa no terreno.

Continuar a ler

Lavrov: Ocidente “proibiu” Zelenskyy de chegar a acordo com a Rússia | História de Nara Madeira in Euronews

O ministro dos negócios estrangeiros da Rússia atacou o apoio do Ocidente a Kiev numa conferência de imprensa, em Moscovo.

Sergey Lavrov afirmou que o seu país foi “forçado” a invadir a Ucrânia devido àquilo a que chamou de “guerra híbrida” do Ocidente contra a Rússia.

“O que está a acontecer agora na Ucrânia é o resultado de muitos anos de preparação pelos Estados Unidos e dos seus aliados para iniciar uma guerra híbrida global contra a federação russa”.

Sergey Lavrov, Ministro dos Negócios Estrangeiros da Rússia

Lavrov acrescentava que “ninguém esconde isto”, acrescentando que, “recentemente”, o Presidente croata, Zoran Milanović, afirmou que se trata de “uma guerra da NATO contra a Rússia”, o que o chefe da Diplomacia russa considerava “uma declaração simples e honesta”.

O governante parecia também descartar conversações de paz, dizendo que o Ocidente impediu Kiev de negociar.

“O Ocidente decide em nome da Ucrânia. Foram eles que proibiram Zelenskyy de chegar a um acordo com a Rússia, no final de março do ano passado, quando tal acordo estava pronto. Por isso, o Ocidente decide, e decide pela Ucrânia, sem a Ucrânia”.

Discurso defendido, há muito tempo, pelo presidente russo, Vladimir Putin. O crescente apoio do Ocidente à Ucrânia está a resultar numa retórica do Kremlin cada vez mais dura. A invasão russa da Ucrânia, e de acordo com as Nações Unidas, já matou mais de 7000 civis, os EUA falam em 40 mil.

Aquário Vasco da Gama | Dafundo, Algés, Lisboa | por António Saraiva

No Aquário Vasco da Gama, que depende da Marinha Portuguesa, ao contrário do Oceanário e Lisboa, não vão muitos turistas, nacionais ou estrangeiros.

Infelizmente, poucas pessoas sabem a importância que o Aquário Vasco da Gama, pelo imenso trabalho que lá se desenvolve, mesmo com péssimas condições de trabalho e tanques, e equipamento altamente degradado.

É nesse Aquário que se reproduzem, em tanques adequados, mas a necessitar com urgência de obras de manutenção, muitas espécies de peixes, que depois são colocados nos rios portugueses, entre muitos outros os endémicos ruivacos do Oeste.

Compreendo que, no Planetário, tenham efectuado obras profundas e de elevado custo monetário, não só porque a ciência avançou mas também porque, para a Marinha, que gere o Museus da Marinha, o Aquário Vasco da Gama e o Planetário, são, em parte sustentados pelos dinheiros pagos pelos turistas.

Deve por estar velho e caduco, mas já nasci velho porque ao longo dos meus 79 anos, houve sempre muitas coisas que nunca entendi.

Continuar a ler

Para marcar os 40 anos da geração do mimeógrafo | por Adelto Gonçalves

Coletânea reconstitui os primeiros passos da criação do grupo Picaré e traz depoimentos e poemas dos participantes

I
            Para assinalar a passagem da quarta década da aparição de um movimento literário e artístico que marcou época não apenas no Litoral paulista mas em boa parte do Estado e até do País, o poeta Raul Christiano organizou a Coletânea Picaré – 40 anos de Poesia & Artes (Santos, Realejo Livros, 2022), que, além de uma longa introdução que contextualiza o surgimento daquele grupo, traz depoimentos e peças poéticas de 38 dos 57 ativistas que fizeram parte daquela multiação literária.
Ativista cultural, Christiano foi, em 1979, ao lado de Rafael Marques Ferreira, à época recém-ingressados na Faculdade de Comunicação (Facos) da Universidade Católica de Santos (UniSantos), um dos fundadores do grupo Picaré, que encerrou suas atividades em 1983, e um dos participantes ativos das chamadas gerações do mimeógrafo e da poesia marginal nos anos 1970 e 1980.
            Como observa Christiano na introdução, o movimento Picaré tentou romper com o academicismo, sem deixar de manter uma política de boa vizinhança com escritores e entidades literárias já estabelecidas. Não se pode esquecer que, à época, o Brasil vivia sob os rigores de uma ditadura militar (1964-1985), marcada pela repressão às liberdades democráticas, com censura, perseguição política, torturas e mortes, inclusive com a presença disfarçada de agentes dos órgãos repressores nas salas de aulas da Facos. Mas, ao mesmo tempo, aquela seria uma época de muit a curtição e desbunde, especialmente em São Paulo, a partir da ação de jovens que fizeram das pichações e grafites o espaço para as suas manifestações artísticas e políticas.

Continuar a ler

DEMOCRACIA | José Manuel Correia Pinto

É hoje do conhecimento geral que a entrada da União Europeia na guerra na Ucrânia, a mando dos Estados Unidos, está destruindo as economias dos países europeus, principalmente dos mais desenvolvidos, com efeitos devastadores nos demais dada a íntima ligação das suas economias. É um mal que não se cura com o tempo. Pelo contrário, tornar-se-á tanto mais grave quanto mais tempo passar .

Este alinhamento da União Europeia e dos seus Estados membros com a política americana levou a que os custos da guerra não apenas em armamento, em si brutais, mas também nos auxílios da mais diversa natureza, sejam, sem retorno econômico, suportados pelos europeus. Se a isto juntarmos as consequências decorrentes da estúpida política das sanções “decretadas” pela União Europeia e respectivos Estados membros contra Russia, cujos efeitos devastadores recaem sobre os próprios Estados Europeus sancionadores, temos aquilo a que se pode chamar a mais perfeita auto-destruição de uma zona de conforto e bem estar invejável aos olhos da esmagadora maioria da população deste planeta que pelas mais variadas razões e causas não pode gozar de idêntica situação

Se a isto ainda acrescentarmos a inoperância da fúria sancionatória contra os seus destinatários bem como o seu efeito reflexo positivo para a política imperialista americana que por esta via reforça a seu poder hegemónico sobre um dos seus principais concorrentes a nível mundial e se nos lembrarmos que todas estas consequências eram previsíveis e antecipaveis, como se demonstra por uma simples consulta ao que nas redes sociais se foi escrevendo sobre o assunto antes iniciada a guerra bem como logo que se começaram a esboçar as principais linhas políticas norteadores da política europeia, a pergunta que inevitavelmente terá de ser feita é esta:

Quem autorizou os governantes europeus a actuar no sentido indicado? Como se pode legítimar uma política de tão funestas consequências para os povos europeus?

A resposta é aparentemente muito simples: mediante a criação de um clima emocional orquestrado por toda a comunicação social apoiada em falsas ou unilaterais notícias e imagens bem como pelo massacre diário de comentadores imbuídos das mais diversas fobias com vista a criação e exploração emocional de um ambiente maniqueísta como fonte legitimadora substitutiva da vontade popular

A isto se chama DEMOCRACIA , tida, neste ocidente em que a UE se integra, como conceito valorativo impositivo universal

ZELENSKY ARMADILHADO POR MOSCOVO E WASHINGTON | Por Thierry Meyssan, Rede Voltaire, 22/11/2022 – via Estátua de Sal

A evolução da relação de forças no campo de batalha ucraniano e o trágico episódio do G20 em Bali marcam uma viragem da situação. Se os Ocidentais continuam a acreditar na vitória próxima sobre Moscovo, os Estados Unidos iniciaram já negociações secretas com a Rússia. Eles aprestam-se a deixar cair a Ucrânia e em deitar as culpas exclusivamente a Volodymyr Zelensky. Tal como no Afeganistão, o despertar será brutal.

Conversando, há cerca de dez dias em Bruxelas, com um chefe de bancada de deputados que diria de mente aberta, escutei-o dizer-me que o conflito ucraniano era decerto complexo, mas que a coisa mais saliente era que a Rússia tinha invadido esse país. Respondi-lhe observando que o Direito internacional obrigava a Alemanha, a França e a Rússia a aplicar a Resolução 2202, o que Moscovo , sozinho, havia feito. Prossegui lembrando-lhe a responsabilidade de proteger as populações em caso de falha do próprio governo.

Ele cortou-me a palavra e perguntou-me : « Se o meu governo se queixar da sorte dos seus cidadãos na Rússia e atacar esse país, achará isso normal? ». Sim, respondi-lhe, se tiver uma Resolução do Conselho de Segurança. Você tem alguma? Apanhado de surpresa, ele mudou de assunto. Por três vezes, perguntei-lhe se podíamos abordar a questão dos « nacionalistas integralistas » ucranianos. Por três vezes, ele recusou. Despedimo-nos com cortesia.

Continuar a ler

O suicídio da social-democracia — onde está a Internacional Socialista? | Carlos Matos Gomes

Minhas amigas e meus amigos, com antecipadas desculpas por este texto fora de moda e de época. Os tempos de celebrações são de esquecimento e despreocupação. O mundo andará sem nós. Não parece fazer sentido falar da morte ou da hibernação, ou da hasta mais ou menos pública, ou de OPA mais ou menos hostil,  de uma certa ideia de governo dos povos, simpática, por sinal, e agradável, como é, ou foi a social democracia europeia no pós-guerra. 

Dentro de dias teremos um ano novo no calendário. O impasse em que estamos não terminará com a mudança de folha. Os meus desejos sinceros de Bom Ano Novo não têm, infelizmente, o poder de alterar a realidade. Este texto não apresenta boas notícias, e não é por eu ser um pessimista, mas porque estou como o homem velho no cimo da montanha de que falava Nietzsche em Assim Falava Zaratustra, vejo os vales e as nuvens no horizonte. Um Bom Ano e desculpem o incómodo. Há com certeza leituras mais animadoras e mais adequadas à época. Que raio de lembrança: a cataplesia da social-democracia no Natal!

Mas, boas festas para todos.

Carlos Matos Gomes


As burguesias: industriais, proprietários de bens de raiz, de rendimentos palpáveis, comerciantes regionais, altos funcionários foram o motor das sociedades capitalistas e demoliberais que tomaram o poder na Europa após as revoluções dos séculos XVIII em França, na Inglaterra e na Alemanha e no século XX na Rússia. Foram as classes médias europeias (as burguesias) que decidiram o colonialismo para se apropriarem das matérias-primas de África e que estiveram na origem de duas guerras mundiais.

O colonialismo e a Segunda Guerra estão na raiz da atual ordem no mundo. O colonialismo resultou das necessidades de matérias primas pela indústria da revolução industrial e a Segunda Guerra resultou das respostas das burguesias nacionais aos movimentos operários (os camponeses transformados em operários — proletários) que geraram o complexo fenómeno que por facilidade designamos comunismo. O nazismo foi uma resposta ao comunismo, a outra foi a social-democracia — os católicos referem a democracia cristã e a encíclica Rerum Novarum, do papa Leão XIII e publicada em 1891, mas esta é mais uma “orientação” para limitar a exploração gerada pelo liberalismo capitalista do que para alterar a ordem social e a hierarquia das classes.

(Adivinho o comentário: compara o nazismo à social-democracia! — não, o que quero dizer é que o mesmo problema (no caso a revolta dos proletários) pode originar diferentes soluções políticas e que reconhecer a diversidade de opções é a base do pluralismo. Depois há soluções melhores, piores e péssimas.)

Partindo desses pressupostos, chegamos ao artigo de Alexis Corbiére no Nouvelle Observateur, L’Obs para os amigos e ao artigo de Novembro: Porque não sou social-democrata.

Continuar a ler

Amílcar Cabral e a Ordem da Liberdade  |  a visão do futuro de Marcelo Rebelo de Sousa

Dia 10 de Dezembro, no âmbito de uma visita a Cabo Verde para participar na cerimónia de doutoramento Honoris Causa a título póstumo de Amílcar Cabral, o presidente da República Portuguesa, Marcelo Rebelo de Sousa, condecorou com o colar da Ordem da Liberdade o fundador do PAIGC, o partido independentista da Guiné e Cabo Verde.

A Ordem da Liberdade é uma ordem honorífica portuguesa, criada após o 25 de Abril de 1974, que se destina a distinguir serviços relevantes prestados na defesa dos valores da civilização, em prol da dignificação do Homem e à causa da liberdade. A Ordem da Liberdade pode ser atribuída a entidades portuguesas e estrangeiras.

Amílcar Cabral cumpre com distinção os requisitos. Apenas por curiosidade, à data da morte e durante toda a sua vida, Amílcar Cabral foi oficialmente cidadão da República Portuguesa! Mais, foi um cidadão da luta pela dignidade de todos os povos do mundo, em particular dos que estiveram sujeitos ao domínio do colonialismo. No pós-Segunda Guerra Mundial, como resultado da nova ordem internacional, da perda de centralidade da Europa, da emergência de novos valores entre os povos do mundo, impôs-se o Movimento Descolonizador como novo paradigma e o colonialismo foi considerado pela Assembleia Geral das Nações Unidas um crime contra a humanidade!

Continuar a ler

A NATO E AS ORIGENS DA GUERRA NA UCRÂNIA | Embaixador americano John Matlock Jr

Artigo publicado pelo embaixador americano John Matlock Jr., em fevereiro deste ano, recordando o erro que foi a desnecessária expansão da NATO para leste e o perigo extremo de um confronto com a Rússia a que nos poderia – pode levar a situação na Ucrânia.

===========================================

Após a queda da União Soviética, eu disse ao Senado que a expansão nos levaria até onde estamos hoje.

Jack F. Matlock Jr. , Embaixador

========================================

Hoje enfrentamos uma crise evitável entre os Estados Unidos e a Rússia que era previsível, intencionalmente precipitada, mas pode ser facilmente resolvida pela aplicação do bom senso.

Mas como chegamos a este ponto?

Permitam-me, como alguém que participou das negociações que acabaram com a Guerra Fria, trazer um pouco da história para lidar com a crise atual.

Todos os dias nos dizem que a guerra pode ser iminente na Ucrânia. As tropas russas, dizem-nos, estão se concentrando nas fronteiras da Ucrânia e podem atacar a qualquer momento. Os cidadãos americanos estão sendo aconselhados a deixar a Ucrânia e os dependentes da equipe da embaixada americana estão sendo evacuados. Enquanto isso, o presidente ucraniano alertou contra o pânico e deixou claro que não considera uma invasão russa iminente. Vladimir Putin negou que tenha qualquer intenção de invadir a Ucrânia. Sua exigência é que cesse o processo de inclusão de novos membros na OTAN e que a Rússia tenha a garantia de que a Ucrânia e a Geórgia nunca serão membros.

O presidente Biden se recusou a dar tal garantia, mas deixou claro sua disposição de continuar discutindo questões de estabilidade estratégica na Europa. Enquanto isso, o governo ucraniano deixou claro que não tem intenção de implementar o acordo alcançado em 2015 para submeter as províncias de Donbass na Ucrânia com um alto grau de autonomia local – um acordo com Rússia, França e Alemanha que os Estados Unidos endossaram.

Essa crise era evitável?

Continuar a ler

Era uma noite fria. Esticando as mãozitas para a lareira a criança aquecia-se | João Gomes

Era uma noite fria. Esticando as mãozitas para a lareira a criança aquecia-se. A sopa e os doces haviam-lhe aconchegado a fome e a mãe cirandava pela cozinha, arrumando a loiça. Sentia o encosto do gato, aninhado ao seu lado. No conforto do fogo, nem percebia a ausência do pai, ausente no trabalho. Era a noite de Natal e o pai tinha a missão de conduzir comboios, transportando as pessoas para todo o lado. Já era hábito ser assim. No Natal anterior tinha ficado com o pai, enquanto a mãe não chegava do hospital, onde era enfermeira. O gato, esse estava sempre presente. E que sorte ela tinha por o ter sempre aninhado, junto de si e à lareira. Cresceria percebendo que os Natais eram com a mãe ou o pai, enquanto não tivesse a sua própria família. Ainda não sabia que profissão queria ter. Mas certamente não seria enfermeira ou maquinista. Desejaria trabalhar em algo que lhe permitisse estar com os filhos, nas noites de Natal. E casaria, certamente, com alguém que assumisse um trabalho qualquer, desde que ficasse com ela e os filhos, um gato e um cão, numa lareira quente. Era essa a prenda que mais desejava para o futuro. As outras prendas tinham-se tornado uma consolação para as noites de uma certa solidão.

João Gomes

Até amanhã!

Arte de Paul Delvaux, Solitude, 1955

Então a Europa também é corrupta? | Pedro Tadeu | in DN

s suspeitas de corrupção que atingem o Parlamento Europeu e levaram a justiça belga a propor uma prisão preventiva para uma vice-presidente da instituição, a grega Eva Kaili, suscitam-me, para já, muitas mais perguntas do que propriamente conclusões.

A investigação, que levou à descoberta de pacotes de dinheiro escondido em casas de vários políticos europeus, no valor 1 milhão e 500 mil euros, suspeita, diz a imprensa, que o governo do Qatar subornou essas pessoas em troca de “favores políticos”.

Ora a primeira pergunta que me veio à cabeça, e para a qual não vi resposta em lado algum, é esta: de que “favores” estamos a falar?

Era apenas a aprovação, que estava em marcha e agora foi suspensa, de entrada na União Europeia de qatarenses com passaporte, sem necessidade da formalidade dos vistos? Foi alguma coisa relacionada com o Mundial de Futebol? Com as moções e tomadas de posição sobre Direitos Humanos e de trabalhadores no Qatar? Sobre a aprovação de projetos que, de alguma forma, beneficiassem o governo e as empresas do Qatar?

Continuar a ler

Messi vai à montanha, a crónica do dia na Tribuna | Bruno Vieira Amaral

“Talvez o que me irrite em Messi seja a persistência do génio, a forma metódica, maníaca, como não desperdiçou uma gota do talento com que nasceu, como, ao fim de quase décadas no topo, por lá se mantém sem um ano sabático, sem uma reforma antecipada que lhe permitiria o regresso triunfal, sem uma pausa, apenas um ligeiro declive após a saída do Barcelona.

Irrita-me porque a perfeição perfeita, infalível, é absolutamente desumana, desinteressante, vazia. É como um Deus todo-poderoso, infinito e imortal. Maradona era um deus grego, com o seu génio e mau génio, irascível e abrasivo, sanguíneo e sentimental. Sentíamo-nos abençoados por vê-lo e, lá no fundo, sentíamos que também ele precisava de nós. Era de carne e osso.

Messi é um deus abstrato, uma ideia. Sem rosto e sem história. Indiferente ao tempo, invulnerável. Como escrevia um amigo na ressaca de mais uma exibição fulgurante, ele faz aos 35 anos o que fazia aos vinte. É o mesmo jogador que sempre foi. Não se reinventou e nem sequer se aperfeiçoou porque tudo o que ele é agora já era quando começou.

O próprio tempo, ofendido com a audácia, tentou derrotá-lo, pondo-lhe um croata de vinte anos ao caminho, e Messi dobrou o tempo e o pobre croata com uma dança vertiginosa, como um parapsicólogo dobra colheres com o poder da mente. É o Alfa e o Ómega, não tem começo nem terá fim.

Bem, parece que terá um fim pois anunciou que a final será o seu último jogo com a seleção argentina. Mas o fim não lhe foi imposto pelo tempo, pela decadência. Foi ele que o decidiu. Estará aqui o seu gesto de húbris? Terá despertado finalmente a fúria dos outros deuses que guardaram para o fim a sua vingança? Lembro que, em 2006, Zinedine Zidane, outro génio, esteve a minutos de sair banhado com a glória suprema, embora para ele repetida, de campeão do mundo. E bastou um gesto para o condenar.

Talvez a explicação para a persistência do génio de Messi, para a sua assombrosa longevidade, seja mais simples: ao contrário de outros – Pelé, Maradona, Zidane, Ronaldinho – não foi campeão do mundo quando era jovem. E essa única, mas enorme, lacuna manteve o fogo vivo. Quando os outros já tinham descido a montanha, Messi continuava a imaginar o que haveria lá no cimo e, aos 35 anos, pôs-se uma última vez a caminho. No próximo domingo ou desce sem a revelação ou volta com o rosto transfigurado por se ter aproximado da presença divina. E não me admirava que no cimo do monte Horeb não estivesse uma sarça ardente, mas um espelho.”

Retirado do Facebook | Mural de Bruno Vieira Amaral

XANANA GUSMAO | por AS Curvelo-Garcia

De seu nome José Alexandre Gusmão, nasceu em Laleia, Manatuto, Timor-Leste, então colónia portuguesa, em 20 de junho de 1946. Frequentou um colégio jesuíta, nos arredores de Dili. Aos 15 anos saiu do colégio, por motivos financeiros da sua família, continuando os estudos numa escola noturna e exercendo diversas profissões não qualificadas. Durante o governo português em Timor-Leste, de 1966 a 1968, foi funcionário do Departamento de Silvicultura e Agricultura. Em 1968 foi incorporado no exército português, onde esteve durante três anos, conforme o que se passava na altura com todos os jovens em Portugal e nas suas colónias: Portugal mantinha a guerra colonial em diversas frentes!

Em 1971, ingressou numa organização nacionalista encabeçada por José Ramos-Horta; até 1974, esteve ativamente envolvido em protestos pacíficos dirigidos ao sistema colonial. Em 1974, quando o governo português promoveu a descolonização de Timor-Leste, tornou-se membro da ASDT (Partido Social-Democrata de Timor-Leste), mais tarde transformado na FRETILIN (Frente Revolucionária para a Independência de Timor-Leste). Integrou o Comité Central da FRETILIN. Em 1975 uma intensa luta interna

ocorreu entre duas fações rivais no Timor Português. Xanana Gusmão envolveu-se profundamente com a FRETILIN, tendo sido preso e encarcerado pela fação rival, a União Democrática Timorense (UDT), em meados de 1975. A Indonésia começou

imediatamente uma campanha de desestabilização, e frequentes incursões no Timor Português foram realizadas a partir de Timor Ocidental indonésio. No final de 1975, a FRETILIN ganhou o controlo do Timor Português e Xanana foi libertado, sendo

conduzido ao cargo de secretário de imprensa dentro da organização. Em 28 de novembro de 1975, foi declarada a independência do Timor Português como “República

Continuar a ler

O ESTRANHO DESAPARECIMENTO DA OSCE | por Carlos Matos Gomes

O que aconteceu à OSCE? Finou-se em segredo! Raptaram-na? O desaparecimento da OSCE tem um significado: a tentativa dos EUA de impedir o multilateralismo nas relações internacionais.

A guerra na Ucrânia, é um dos resultados do desaparecimento da OSCE e da reposição da ordem bipolar — bons e maus; nós e os outros — da guerra fria. O desaparecimento sem dor nem deixar rasto da OSCE é a vitória da política de confronto, de alinhamentos, da ideia de quem não é por mim é conta mim, da visão do mundo a preto e branco. Os atuais dirigentes europeus enfiaram a Europa nesse beco sem nada terem perguntado aos europeus. Antes pelo contrário, ludibriando-os, iludindo-os, metendo questões inconvenientes debaixo do tapete. Onde está OSCE?

A OSCE — a Organização para a Segurança e Cooperação na Europa — desapareceu. Segundo as notícias antigas, incluindo do governo português no seu site, a dita criatura havia nascido na sequência de um processo político, iniciado em 1973, intitulado “Conferência para a Segurança e Cooperação na Europa” (CSCE), que visava melhorar o clima entre o bloco soviético e o bloco NATO, e reforçado em 1990, com a “Carta de Paris para uma nova Europa”, adotada na sequência do fim da União Soviética.

Continuar a ler

Pepe, o nome de um monstro | João Querido Manha

O senhor Anael Ferreira podia ter escolhido para o filho o seu nome hebraico de arcanjo, vulgar de Lineu, o sueco que inventou o método de baptizar os grupos biológicos, mas não. Quis ir ainda um pouco mais longe para distinguir o primogénito, nascido na recôndita Maceió, dos confins do Nordeste brasileiro, povoado de gerações de luso-descendentes únicos e diferenciados.

O senhor Anael obteve autorização de Dona Rosilene para chamarem o menino de Kepler Laveran, no longínquo ano de 1983, quando ainda não havia internet e as enciclopédias eram privilégio de curiosos ávidos de conhecimento. Um nome único no mundo, acredito, porque juntar o de um astrónomo e matemático alemão do século XVII ao de um francês Prémio Nobel da Medicina de 1907, é tão rebuscado e original que muito cedo a família se terá cansado de dar explicações a familiares, vizinhos e amigos.

Continuar a ler

O Sul Global gera um novo sistema de pagamento revolucionário | por Pepe Escobar | 30/11/2022

Desafiando o sistema monetário ocidental, a União Econômica da Eurásia está liderando o Sul Global em direção a um novo sistema de pagamento comum para contornar o dólar americano.

A União Econômica da Eurásia (EAEU) está acelerando seu projeto de um sistema de pagamento comum, que tem sido discutido de perto por quase um ano com os chineses sob a administração deSergey Glazyev, ministro da UEEA encarregado da Integração e Macroeconomia.

Através de seu órgão regulador, a Comissão Econômica da Eurásia (CEE), a UEEA acaba de estender uma proposta muito séria aos países BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) que, crucialmente, já estão a caminho de se transformar emBRICS +: uma espécie de G20 do Sul Global.

O sistema incluirá um único cartão de pagamento – em concorrência direta com a Visa e a Mastercard – fundindo o já existente MIR russo, o UnionPay da China, o RuPay da Índia, o Elo do Brasil e outros.

Isso representará um desafio direto ao sistema monetário projetado (e aplicado) pelo Ocidente, de frente. E vem na esteira de membros do BRICS que já transacionam seu comércio bilateral em moedas locais e ignoram o dólar americano.

Esta união EAEU-BRICS estava há muito tempo em construção – e agora também se moverá em direção à prefiguração de uma nova fusão geoeconômica com os países membros da Organização de Cooperação de Xangai (SCO).

A UEEA foi criada em 2015 como uma união aduaneira da Rússia, Cazaquistão e Bielorrússia, à qual se juntaram um ano depois a Arménia e o Quirguistão. O Vietnã já é um parceiro de livre comércio da UEE, e o Irã, membro recentemente consagrado da OCS, também está fechando um acordo.

Continuar a ler

Palestina (1947–2022) — 75 anos de Direito Internacional | por Carlos Matos Gomes

29 de Novembro, o Dia Internacional da Solidariedade com o Povo Palestino, é uma data comemorativa, instituída pelas Nações Unidas, para lembrar o aniversário da Resolução 181 da Assembleia Geral das Nações Unidas, de 29 de novembro de 1947, que aprovou, sem consulta aos habitantes locais, o Plano de Partição da Palestina. O Plano consistia na divisão da área do Mandato Britânico da Palestina em dois estados: um estado judeu e outro um estado árabe.

O Estado judeu (o primeiro estado teocrático, que contrariava a Declaração dos Direitos Humanos da própria ONU, que declara a inadmissibilidade de discriminação racial e religiosa) foi imediatamente constituído, iniciando os recém chegados judeus vindos de todas as partes do mundo e as suas organizações armadas de imediato a expulsão violenta dos habitantes locais, palestinos, das suas casas. O Estado árabe, que não era árabe, mas palestino, nunca foi constituído. Setenta e cinco anos após a Declaração da ONU, esta é letra morta e letra de mortes, de milhares de mortes.

Tive a honra de ser convidado pelo MPPM — o Movimento para a Paz e a Palestina Livre — para fazer o discurso de evocação desta data de exposição da sangrenta hipocrisia do que é invocado como o Direito Internacional, numa cerimónia realizada na Casa do Alentejo e com a presença do embaixador da Autoridade Palestiniana, a entidade que representa o que deveria ser o Estado Palestino e dotado de idêntica dignidade do embaixador do Estado de Israel.

Continuar a ler

AS MODELAÇÕES DA PAZ NA UCRÂNIA

Major-General Carlos Branco, in Jornal Económico, 25/11/2022



1 A guerra na Ucrânia foi um pretexto para Washington materializar o seu projeto geopolítico, tão bem descrito por vários pensadores e think tanks norte-americanos.

2 – É essencial para os EUA impedir essa aproximação. Foi exatamente isso que aconteceu, no final da Guerra Fria, quando Moscovo ambicionava aproximar-se da Europa e integrar as instituições europeias, nomeadamente a Comunidade Europeia e a NATO.



Mais recentemente, temos assistido a intervenções de várias entidades apelando à obtenção de uma solução política para o conflito, todas admitindo a possibilidade da amputação territorial da Ucrânia.

Foram precisos nove meses de guerra, a destruição de 50% das infraestruturas energéticas da Ucrânia, a ruína do seu tecido industrial, uma crise sem precedentes de refugiados (cerca de oito milhões) e de deslocados internos, a redução de 33,4% do seu PIB, mais de cinco milhões de desempregados, e centenas de milhares de vidas humanas ceifadas para se começar a falar de paz. Importa perceber a origem desta mudança discursiva.

Continuar a ler

Europe accuses US of profiting from war

EUROPA ACUSA EUA DE ESTAREM A BENEFICIAR COM A GUERRA

Nine months after invading Ukraine, Vladimir Putin is beginning to fracture the West | EU officials attack Joe Biden over sky-high gas prices, weapons sales and trade as Vladimir Putin’s war threatens to destroy Western unity.

As principais autoridades europeias estão furiosas com a administração de Joe Biden e agora acusam os americanos de fazer fortuna com a guerra, enquanto os países da UE sofrem.

“O facto é que, se você olhar com seriedade, o país que está lucrando mais com esta guerra são os EUA porque estão vendendo mais gás a preços mais altos e porque estão vendendo mais armas”, disse um alto funcionário ao POLITICO.

Os comentários explosivos – apoiados em público e em privado por autoridades, diplomatas e ministros de outros lugares – seguem-se à crescente raiva suscitada na Europa pelos subsídios americanos que ameaçam destruir a indústria europeia. O Kremlin provavelmente receberá bem o envenenamento da atmosfera entre os aliados ocidentais.

“Estamos realmente numa conjuntura histórica”, disse aquele alto funcionário da UE, argumentando que o duplo impacto da interrupção comercial causada pelos subsídios dos EUA e pelos altos preços da energia corre o risco de virar a opinião pública contra o esforço de guerra e a aliança transatlântica.

“A América precisa perceber que a opinião pública está mudando em muitos países da UE.”

O diplomata-chefe da UE, Josep Borrell, pediu a Washington que responda às preocupações europeias. “Os americanos – nossos amigos – tomam decisões que têm impacto económico sobre nós”, disse ele em entrevista ao POLITICO.

Continuar a ler

O Maestro do 25 de Novembro de 1975 | por Carlos Matos Gomes

Os acontecimentos da História são notas para várias sinfonias e distintas interpretações. A História conta-se através da interpretação de temas. A realidade transmitida pelos acontecimentos é apenas um tema conduzido por um maestro através dos executantes da orquestra que dirige.

O golpe de Estado 25 de Abril de 1974 e o processo político que o continuou até ele culminar no golpe de Estado de 25 de Novembro, um clássico putsch militar para alterar um regime, podem ser analisados como uma peça musical com vários andamentos, intérpretes, e um maestro que recebeu uma partitura com um tema: transformar um pequeno “perturbador rebelde” num menino invisível e bem comportado. Francisco da Costa Gomes recebeu essa partitura em Helsínquia, na Conferência para Segurança e Cooperação Europeia, no Verão de 1975, das mãos dos senhores do mundo dessa época, Gerald Ford, Leónidas Breshnev e os dirigentes da troika europeia, a Alemanha, a França e o Reino Unido. O 25 de Novembro constituiu o último andamento da sinfonia, em Moderato.

O 25 de Abril de 1974 foi um golpe militar da total responsabilidade de uma fação das forças armadas portuguesas para derrubar um regime de ditadura que levara o país a um beco sem saída com uma guerra colonial. A execução golpe não teve interferências estrangeiras. A ação dos “capitães” processou-se sem “autorização” de Estados estrangeiros, nem apoios externos.

Já o processo político desencadeado pelo 25 de Abril de 1974 teve, esse sim, fortíssimas intervenções externas até ao seu epílogo, em 25 de Novembro de 1975.

O derrube da ditadura portuguesa e a instauração de um regime de liberdade e de direitos políticos alterava a situação na Península Ibérica, onde conviviam duas ditaduras, e podia motivar fenómenos idênticos de intervenção democrática nas Forças Armadas de Espanha, com o ressuscitar de conflitos vindos da sangrenta Guerra Civil. Portugal era membro da NATO, um membro fundador e fiel, qualquer alteração política em Portugal e, mais ainda, causada por militares, implicava uma intervenção da NATO e em especial dos Estados Unidos. A Europa vivia ainda um momento de entusiasmo com o reforço da CEE devido à entrada do Reino Unido, existia um clima de détente na Guerra Fria, com a preparação de acordos de limitação de armas e forças entre a NATO/Estados Unidos e a URSS, que iriam conduzir aos Acordos de Helsínquia, que nem Gerald Ford e Kissinger, nem Breshnev queriam ver perturbados pela agitação num pequeno e periférico país, e, por fim, decorria o processo de descolonização com os negociações para a independência de Angola, a última joia da coroa do colonialismo europeu, cujo domínio interessava às duas superpotências, mas também, a toda a África Austral, à China e a Cuba.

Continuar a ler

A Europa de Braudel e a Europa da Casa Branca | por Carlos Matos Gomes

Falar de Europa é forçosamente confrontarmo-nos com o problema dos dez últimos séculos da história do planeta: do domínio do mundo por um continente tão minúsculo. (…) Dir-se-á que a Europa foi genial, mais genial do que a humanidade não europeia, que a sua técnica foi superior às outras, que a sua agressividade foi mais eficaz, que a sua economia foi mais dinâmica… Mas estas afirmações limitam-se a formular o problema. (Formular os problemas é o que a maioria dos comentadores do espaço público tem feito, os melhores, a maioria limita-se a proferir ladainhas.)

A afirmação a itálico é de Fernand Braudel (1902–1985), um dos nomes maiores da historiografia do século xx, diretor da coletânea de textos reunido no livro «Europa», Terramar, 1996, num artigo intitulado: «A Europa conquista o planeta.» Nos círculos do pensamento único, Braudel seria hoje proscrito como um russófilo, um capacho de Putin.

Que resposta dá Fernand Braudel para o papel da Europa nos últimos dois mil anos?

“Há séculos que a Europa ultrapassou os obstáculos fantásticos da geografia e da dimensão, rompendo os seus «limites naturais». Voltada ao mar e o oceano, muito cedo se tornou num continente «sem margens»: conquistou, dominou os caminhos sem fim da água marinha. E, vista através das suas imagens essenciais de poderio, a Europa é acima de tudo, há séculos, os navios, as frotas que saem dos seus portos ou a eles regressam.

A proeza é a mesma, na verdade, do lado da densidade das terras, rumo à imensidão asiática. A Europa é, por vezes, de acordo com juízos apressados, confinada aos limites orientais da Polónia, mas isso não passa de uma opinião insustentável, isto porque, após o século XVIII, ela anexa de facto as florestas, as planícies, os pântanos, os cursos de água, as cidades, os povos da Rússia, até aos montes Urales, como diziam os velhos. […] Assim, podemos sustentar que uma certa Europa se espraia, sem perder o fôlego, através da imensidão da Sibéria, até Vladivostoque. A Rússia, Europa por si só, filha de Bizâncio e da Grécia, inventou a Sibéria, tal como o Ocidente inventou a América.

Rússia, Sibéria, América esboçam as superfícies essenciais da explosão da Europa através do mundo. São, por excelência, as zonas do seu enraizamento, da sua permanência.”

Braudel, escreveu este artigo antes da subida ao poder de Gorbachev (1985) que prenunciou a dissolução da URSS (1991) e a queda do Muro de Berlim (1989). Para ele, como para os políticos e intelectuais europeus que após a II Guerra Mundial reconstruíram a Europa e idealizaram uma Europa do Atlântico a Vladivostoque — que integrasse as planícies, os pântanos, os rios para além da Polónia, a Ucrânia, de hoje, a Rússia era Europa “ Numa dada igreja do Kremelim com quadros mais que familiares: o Juízo Final, Jonas a sair do ventre da baleia, as trombetas de Jericó…”

Aos pais fundadores da Europa do pós-Segunda Guerra, da reconstrução sempre atentamente controlada de perto pelos Estados Unidos, esses sim, uma criação da Europa e não um elemento dela, sempre foi clara natural a pertença da Rússia ao seu mundo civilizacional, à sua cultura e à sua história. Construir uma Europa com a Rússia era um objetivo estratégico do mais alto alcance, e mereceu sempre a oposição declarada dos EUA, para quem a Europa seria uma província sua, uma velha quinta de família, uma base contra a Rússia, dentro da sua estratégia de novo império em afirmação.

Os Estados Unidos foram controlando com desconfiança e sabotando sempre que puderam e através do Cavalo de Troia da Inglaterra o processo de União Europeia e de integração da Rússia nesse projeto. O ponto de rutura — escamoteado — dos EUA com este projeto ocorre com a dupla Reagan- Tatcher, com a criação do mercado global (a inclusão da China na Organização Mundial do Comércio, que substituiu o acordo geral de taxas e comércio — GATT), com a utilização da China para enfraquecer a Europa através da deslocalização da sua indústria para a Ásia, pela recusa em aceitar uma política comum de defesa europeia, de um mercado comum de energia e de comunicações.

A criação da União Europeia, em substituição da Comunidade Económica Europeia (Tratado de Maastrich — 1993), dotando a União de objetivos políticos para além de um mercado comum, violou as linhas vermelhas estabelecidas pelos ocupantes da Casa Branca de Washington para a Europa. Uma violação que se agravou com a criação do Euro (1999) e, por fim, com o Tratado de Lisboa de 2009.

É curioso notar que o Reino Unido procurará sabotar o processo de criação de uma União Europeia em todas as fases e momentos. Foi sempre essa a sua missão, ao serviço dos EUA (uma tarefa de sapador que De Gaulle percebeu desde o início, impedindo que a Inglaterra entrasse para o clube fundador). A Inglaterra, com Tatcher e depois com Tony Blair, colocará entraves a todas as medidas integradoras das políticas europeias, arrastará a Europa para as intervenções americanas no Médio Oriente, para o desmembramento da Jugoslávia, para o apoio à ocupação da Palestina e a ocupação dos campos de petróleo da Líbia. Mas, principalmente através de Blair, os ingleses promoveram a chamada política do “sapo fumador” para rebentar com a União Europeia, propondo sucessivas e rápidas integrações dos estados do Leste que haviam pertencido ao Pacto de Varsóvia e ao Comecon (caso da Hungria, da Polónia, da Checoslováquia, da Roménia, dos Estados Bálticos), violando o acordo estabelecido pelo “Ocidente” (Estados Unidos) com Gorbachev de não os incluir nem na UE, nem na NATO. O alargamento da UE de forma indiscriminada e incluindo membros sem atributos que cumprissem as regras estabelecidas para a ela pertencerem, a violação de acordos foram o “trabalho” da Inglaterra neste processo, onde se distinguiu Blair. Terminado o “trabalho” de sabotagem a Inglaterra podia voltar à servidão dos EUA, e provocou o Brexit.


Nas causas longínquas da atual guerra na Ucrânia encontramos uma violação de acordos estabelecidos pelos EUA com a Rússia, que antecedem a recusa ou a violação dos recentes acordos de Minsk por parte do atual regime da Ucrânia suportado pelos EUA. A justa guerra do Ocidente começa com duas faltas de palavra!


Também não deixa de ser revelador da estratégia dos EUA de implosão da UE, de que a guerra na Ucrânia parece ser o ato final e o toque de finados, que os presidentes da Comissão Europeia, a partir da sua constituição tenham sido duas figuras tão medíocres e submissos quanto o italiano Romano Prodi (1999–2004) e Durão Barroso (2004–2014) o rececionista da Cimeira das Lages, a vergonhosa encenação para justificar a invasão do Iraque, pago por esse papel com o lugar em Bruxelas, arranjado por Blair. Estas duas tristes personalidades substituem políticos do gabarito de Jacques Dellors, por exemplo. Para a última fase da implosão da UE foi selecionada uma belicista para fazer coro com o secretário-geral da NATO.

A Europa vista pelos olhos dos políticos europeus do pós-Segunda Guerra, pelos olhos dos historiadores europeus, dos seus pensadores continentais é a Europa de Braudel, a Europa que inclui a Rússia e Sibéria, mas também o Mediterrâneo. O «Mediterrâneo», que numa obra clássica Braudel apresentou como uma personagem da História, tal como a Europa e que é visto por ele como personagem ou protagonista, ativo e até determinante da própria História. É um Mediterrâneo do comércio, dos intercâmbios económicos, de deslocamentos demográficos de sucessivas migrações dos povos. A União Europeia seria mais do que um simples apêndice dos EUA e para isso incluiria naturalmente a Rússia. Essa Europa deveria tornar-se uma entidade autossuficiente e, mais que isso, um centro de poder decisivo no mundo. Um concorrente que os EUA não podem admitir e que castraram antes de se desenvolver.

Essa Europa, como o império romano, morreu por traições internas e às mãos dos bárbaros que lhe introduziram o Cavalo de Troia.

É triste, mas é a realidade, verificar quanto a propósito dos tempos que vivemos os que podiam utilizar os instrumentos do saber adquirido ao longo da história, dos pensadores e historiadores substituíram o pensamento por provas e teses de doutoramento, a reflexão por uma ida à televisão, a independência intelectual por um convite a uma conferência. Estão no mercado, justificam-se uns, são moralistas, dizem outros e estão do lado do Bem, os invasores subtis do Oeste contra os invasores de Leste, os Maus.

Há europeus que tinham da Europa a visão de Braudel — perderam. Há europeus que preferiram a da Casa Branca, ganharam, a sua Europa será um dos vários exemplos de sucesso deixados pelos americanos aos seus vassalos depois de os utilizarem, do Vietname ao Afeganistão, passando pelo Iraque, pela Líbia, pelas repúblicas bananeiras da América do Sul…

Carlos Matos Gomes

Golpe de Putin | Autor: Mike Whitney | Editora: Walt | 21 de novembro de 2022

Para ler e refletir:

Golpe de Putin – Autor: Mike Whitney | Editora: Walt | 21 de novembro de 2022

“Os ucranianos estão em péssimo estado… Não vai demorar muito para que os ucranianos fiquem sem comida. Não vai demorar muito para eles congelarem… Eles fizeram tudo o que podemos razoavelmente esperar deles. É hora de negociar… antes que a ofensiva comece, porque uma vez que ela comece, não haverá mais discussão entre Moscovo e Kiev até que seja concluída a contento dos russos.” (Coronel Douglas MacGregor) (1)

“A rigor, ainda não começamos nada. ” (Vladimir Poutine)

Os ataques implacáveis ​​à rede elétrica da Ucrânia, unidades de armazenamento de combustível, centros ferroviários e centros de comando e controle marcam o início de uma segunda fase mais mortal da guerra. O ritmo acelerado de ataques de mísseis de alta precisão e longo alcance sugere que Moscovo está preparando o terreno para uma grande ofensiva de inverno a ser lançada assim que os 300.000 reservistas russos retornarem às suas formações no leste da Ucrânia. A recusa de Kiev em negociar um acordo que aborde as principais preocupações de segurança da Rússia deixou o presidente russo, Vladimir Putin, sem escolha a não ser derrotar as forças ucranianas no campo de batalha e impor um acordo pela força das armas. A iminente ofensiva de inverno foi projetada para desferir o golpe decisivo que a Rússia precisa para atingir seus objetivos estratégicos e acabar com a guerra rapidamente.

Continuar a ler

General Raul Luis Cunha | O bombardeamento da central nuclear de Zaporizhzhia continua | Quando se sabe quem é o verdadeiro culpado, é uma estupidez atribuir as culpas a Moscovo.

O bombardeamento da central nuclear de Zaporizhzhia continua. Ontem, em 20 de novembro, foram registados mais de 15 projécteis que atingiram as instalações da estação. Desses, oito granadas de artilharia de grande calibre caíram entre a Unidade 5 e a Unidade Especial 2, e uma atingiu o teto da unidade, onde o combustível nuclear já usado está armazenado. Além disso, as Forças Armadas ucranianas dispararam vários projécteis para o local da instalação de armazenamento seco do lixo nuclear.

Em reacção a esses bombardeamentos, o Director-Geral da Agência Internacional de Energia Atómica (AIEA) pediu (https://www.cgtn.com/…/Latest-on-Russia-Ukraine-crisis…) o fim imediato do bombardeamento dessa central. A única coisa que ele não especificou foi a quem essa mensagem era endereçada. Parece que não resta óbvio para toda a gente que os militares russos não se estão a bombardear a si próprios, ou que a democracia ocidental está a ser completamente censurada, já que não pode ser abertamente nomeado o destinatário de tais apelos.

Bom, não devemos ficar surpreendidos com as tentativas do Ocidente de culpar a Rússia sob quaisquer circunstâncias, contrariando as evidências e o bom senso. O bombardeamento irresponsável da central nuclear de Zaporizhzhia ou o míssil que caiu recentemente na Polónia são disso um claríssimo exemplo. Quando se sabe quem é o verdadeiro culpado, é uma estupidez atribuir as culpas a Moscovo.

No entanto, continuaremos a ter que conviver bastante com estas tentativas de culpar a Rússia por todos os problemas do mundo, isto porque no Ocidente haverá sempre muito poucos políticos dispostos a admitir os seus erros, e muito menos os erros de Zelensky, pois uma tal atitude iria enfraquecer toda a estratégia anti-russa e, para os políticos ocidentais é preferível serem falsos e mentirosos, o que, aliás, já é do conhecimento geral.

Retirado do Facebook | Mural de Raul Luis Cunha

O decote do século XX | Manuel S. Fonseca

Nessa altura, nos meus tempos da SIC, viajava muito. Vi, então, o decote do século XX. Como aqui se conta.

Nudez, espécie em vias de extinção

A mulher nua é um escândalo do passado. Ou talvez não. Há dias, em Paris, num restaurante, o dono barrou a entrada a duas lábeis e decotadíssimas mulheres: a fenda da Tundavala que se lhes cavava no peito era uma anacronismo de fazer estremecer o século XXI. Há, estremeço também eu, um insidioso prurido a germinar na pele do século XXI. Ou virá o século XXI a ser o século do homem nu?

E já me belisco a mim mesmo: o maior decote que vi, não foi no peito, foi nas costas. Era o decote de Sharon Stone. Ela estava à minha frente, oferecendo o esplendor das costas nuas, o rendilhado desenho de uma perfeita coluna vertebral, das primeiras vértebras cervicais até essas nove vértebras fundidas e finais, cinco do sacro, quatro do cóccix, essa lança sacrococcígea a que se segue o que de mais sumptuário há na anatomia humana.

Eu vi: era o decote do século XX e foi nos estúdios da Warner, em Los Angeles, nuns longínquos MTV Awards, a Madona a dois passos. Houve convívio a seguir, mas a Stone levou-a o vento ou os deuses, e eu consolei-me a comer um hamburger com Danny Glover e a lamber um gelado com Valeria Golino. Lição moral: aquela foi a visão! Mais do que a roubada e fugaz visão do infame descruzar de pernas de “Basic Instinct”, a assumida resplandecência das costas de Sharon Stone, a insinuação do rotundo estuário onde desaguam, é a visão redentora. O que Sharon mostrou nessa noite, mostrava-o porque queria, sem medo e sem equívoco. Era para ver e eu vi: o traseiro decote do século XX.

Estará extinto o escândalo da mulher nua? E onde começou? No cinema? Lembro-me que, no cinema mudo, Mack Sennett despia as mulheres. Inundava as suas comédias de bathing beauties, como depois o genial Busby Berkeley, já o cinema falava e cantava, povoou de fatos de banho cor de pele os seus delírios musicais pré andy-wharolianos.

Continuar a ler

Francisco sobre o diálogo, as mulheres, os católicos alemães… Padre Anselmo Borges | in DN

Entre 3 e 6 deste mês de Novembro, o Papa Francisco esteve no Bahrain, no Fórum a favor do Diálogo: Oriente e Ocidente pela coexistência humana. No regresso, no avião, deu, como é hábito, uma conferência de imprensa. É sempre enriquecedor dar atenção a essas conferências, até porque há temáticas múltiplas da actualidade e uma espontaneidade acrescentada. Seguem-se alguns temas.

1. Referindo o diálogo, acentuou que é uma palavra-chave: “diálogo, diálogo”. Já tinha sublinhado, aliás, que os animais é que não dialogam, os humanos têm de resolver os seus problemas através do diálogo. Condição para dialogar é que se tem de partir da identidade própria, ter identidade afirmada, não difusa. Quando alguém não tem a sua própria identidade ou ela não é firme, o diálogo torna-se difícil, até impossível. A sua viagem foi uma viagem de encontro, porque o objectivo era estar em diálogo inter-religioso com o islão e ecuménico com os ortodoxos. Ora, tanto o Grande Imã de Al-Azhar, no Cairo, Ahmed al-Tayeb, como o Patriarca de Constantinopla, Bartolomeu, “têm uma grande identidade” e as suas ideias vão no sentido de procurar a unidade, respeitando as diferenças, evidentemente, em ordem ao entendimento e ao trabalho conjunto para o bem e a paz da Humanidade. Também se chamou a atenção para a Criação e a sua protecção: “isto é uma preocupação de todos, muçulmanos, cristãos, todos”. Os crentes das várias religiões “devemos caminhar juntos como crentes, como amigos, como irmãos.”

Continuar a ler

Por ocasião do Dia Mundial da Filosofia | André Barata

17-11-2022 | Notas soltas

Ao contrário das ciências, a filosofia não é definida por um objecto nem por um método. Na verdade, revela-se parcialmente nessa diferença. Para a filosofia, o seu método, em vez de ponto de partida, é questão e resposta a que se chega em cada proposta original. E o seu objecto pode ser qualquer um, nada havendo no real reconhecível que se possa dizer à partida filosoficamente inapropriado. Desde que a fenomenologia tomou um cocktail de apricot sorvido à mesa de uma esplanada entre amigos e o tomou com um bom tema de reflexão fenomenológica, nem o mais mundano no mundo desinteressa à filosofia. Como tudo pode ser arte, tudo pode ser filosofia.

Levada a sério a radicalidade bem-querida do seu questionar, a filosofia tem necessariamente de se fazer parte questionada. Por princípio, a pergunta “o que é a filosofia?” é uma pergunta filosófica e filosoficamente incontornável. O que torna a filosofia uma noção aberta e que não se deixa enquadrar. Além disso, uma noção contingente, que depende do acontecimento intelectual de se pôr em questão. Mas, tudo isto faz parte da própria indefinição que caracteriza, de forma necessariamente contingente, a filosofia.

E, contudo, a contingência história perturba a filosofia. Por exemplo, na sua Introdução à Antifilosofia (2009), Boris Groys escreveu que a filosofia é raramente praticada neste tempo de hoje, em que prevalece um saturado mercado de verdades. Como tudo passou a poder ser arte, também tudo passou a poder ser filosofia. O que parece muito – tudo poder ser filosofia – é afinal pouco: trata-se de um tudo pouco disponível, condicionado, até à exaustão dos praticantes, pelo formato da produção e do valor de mercado. Como temos uma anti-arte temos uma anti-filosofia, e ambas deslizam para um lugar de deserto. Não será a arte que se obceca a refutar incessantemente qualquer definição dela mesma um desses exercícios alucinatórios de novidade sem o novo? Não será exactamente assim também com a filosofia, em desenfreada produção de conceitos que se esvaem na própria sofreguidão da atualidade? Já se fez arte e filosofia, mesmo na pobreza; agora, que aderem ao regime da produção de valor, arte e filosofia arriscam a pobreza.

Ou, pelo contrário, não serão a arte e a filosofia os últimos lugares de sentido em que testamos a capacidade de fazer sobrevir o estranhamento que rompe com o banal, com a simples transmissão do movimento que nada mais deixa acontecer? E não vale esta tensão, e inerente ambivalência, para desafiar hoje especialmente a filosofia e a arte?

Continuar a ler

Ópera-performance Sun & Sea | Fundação Calouste Gulbenkian | por André Barata

Em Sun&Sea, a praia é uma janela para a sociedade. Vemo-la de cima e são muitas janelas. Os pensamentos de praia que ocorrem aos veraneantes são umas tantas, a compor um libreto cantado. Ouve-se e vê-se desigualdade, frivolidade, indiferença, compromisso político, encantamentos, diversidade, os corpos a ocuparem-se gestos de afirmação. Os livros ou revistas que eles lêem, o que comem, como se deitam na praia, no que se deitam são outras tantas janelas.

A praia é um caleidoscópio de presenças tácitas, murmúrios para dentro, da sociedade, apresentados sob o mesmo sol, a dividirem o espaço exíguo com espreguiçadeiras, toalhas, esteiras, cangas. Poderia ser uma distopia, ou a imagem dela. Não faltam razões. Nem um cão. E, no entanto, quando termina a ópera resistimos a sair. Já nos despimos alguma coisa, a entrar naquele tempo que conhecemos da praia, que dura o que o Sol der em calor. Talvez a utopia não esteja à distância da praia mais próxima, mas há ali uma força de partilha do Sol e daquele tempo que pode derreter aquela exiguidade que escancara o outro lado das janelas.

Haja praia para todos…

André Barata

Operação Militar da Rússia na Ucrânia | Raul Luís Cunha

Nos oito anos anteriores à Operação Militar da Rússia na Ucrânia, o exército ucraniano estava a combater activamente no Donbass, tendo sofrido por vezes alguns cercos e revezes e tendo experimentado muitas outras situações menos agradáveis. Durante esses oito anos (sobretudo nos primeiros), as Forças Armadas da Ucrânia cometeram a maioria dos possíveis erros numa guerra em todos os níveis de comando do exército, mas foram igualmente rápidas em corrigi-los. Todo esse processo decorreu com a participação activa de conselheiros e instrutores da OTAN, bem como com o apoio financeiro e logístico do Ocidente. De facto, no início da invasão russa, o exército ucraniano estava quase no auge das suas capacidades. Pode ainda ser dito, que desde o início da invasão, as FA ucranianas também ganharam mais experiência, mas não melhoraram muito mais, pois as suas capacidades já estavam quase no limite.

Por outro lado, o exército russo, iniciou o combate na Ucrânia sem nenhuma experiência em operações de combate em larga escala contra um adversário possuidor de elevada tecnologia. A experiência tida na Síria não foi essa: Aí, os oponentes não estavam tão evoluídos em termos de armamento e tecnologia, e as funções da infantaria do lado russo foram desempenhadas e a respectiva experiência foi obtida, principalmente pelas forças mercenárias Wagner e não pela infantaria regular. Somente com o início da operação militar na Ucrânia resultaram óbvias as falhas a todos os níveis nas Forças Armadas Russas. Falhas na logística, falhas no comando das tropas e na coordenação entre os ramos das forças armadas, e ainda o facto de as tácticas de combate estarem ultrapassadas para as condições actuais. Mau grado um bom desempenho ao nível da arte operacional, muitos outros erros e problemas foram evidenciados logo no início da operação militar.

Continuar a ler

INCOMODIDADES NEOLIBERAIS | por J. Manuel Correia Pinto (Jurista)

«Tanto os neoliberais como os seus aliados ostensivos ou envergonhados ficaram muito incomodados por Trump em quatro anos de mandato do Estado militarmente mais poderoso do mundo não ter desencadeado nenhuma guerra, ter acabado com outra que durava há dezassete anos, ter estabelecido relações cordiais com a Rússia e a Coreia do Norte, ter considerado a OTAN uma aliança anacrónica e sem futuro e ter ridicularizado a pseudo esquerda, politicamente correcta, que se abriga no Partido Democratico, pela defesa de causas imbecis que nada interessam ou até são rejeitadas pela maioria da população americana marginalizada e afectada pela política neoliberal.

A guerra na Ucrânia permitiu aos neoliberais que dominam a OTAN recrudescer a política belicista e expansionista da Organização, cercear drasticamente as liberdades públicas, proibindo e eliminando fontes de informação alternativas, criar por via das suas centrais de intoxicação um clima maniqueísta que faz com que imediatamente sejam associados aos “maus” todos aquele que apenas visam dar uma informação isenta tanto das causas do conflito como do seu desenvolvimento, impedindo a apresentacão ao público de uma informação plural e digna .

Os “moralistas” da guerra na Ucrânia são os aliados objectivos da OTAN, também de Zelensky e da sua camarilha. Impossibilitados pela sua “formação moral” de apoiar, justificar ou apenas compreender a acção da Rússia, aliam- se à OTAN, a Biden e a Ursula na diabolização de Putin e da sua ditadura (uma ditadura em que os potencialmente mobilizáveis para a guerra, que a ela se opõem ou nela não querem participar, puderam cruzar livremente as fronteiras do país, abandonando-o de carro).

Continuar a ler

O TERRAMOTO QUE AINDA NÃO ACABOU | Viriato Soromenho Marques | Opinião/DN

Em 1955, no bicentenário do grande terramoto de Lisboa de 1 de novembro 1755, o município da capital publicou uma antologia contendo os 3 textos de Kant (1724-1804), traduzidos por Luís Silveira, sobre essa catástrofe.

Os opúsculos de Kant – que procuravam explicar o grande sismo no quadro de leis naturais próprias autónomas, indiferentes tanto aos desígnios humanos como aos caprichos de uma qualquer divindade castigadora – são apenas uma parte dos muitos textos de grandes autores, como Voltaire e Rousseau, que foram profundamente afetados pela tragédia da mártir capital portuguesa, então uma das mais importantes cidades mundiais.

Ainda hoje abundam os ensaios que voltam à tripla catástrofe lisboeta (sismo, tsunami e incêndio) na perspetiva de avaliar o seu impacto filosófico e cultural na mudança da cosmovisão ocidental.

O que estava (e está) em causa consiste em compreender como o debate sobre o terramoto de 1755 provocou o corte abrupto com uma visão caracterizada pela confiança na bondade do mundo e no otimismo relativamente ao nosso lugar nele.

Continuar a ler

Deana Barroqueiro | a ignorância arrogante e o circo da fama.

Nos tempos que correm, começo a ter dificuldade em distinguir certos “activistas de grandes causas”, como a crise ambiental, a salvação do planeta, o racismo, a escravatura – em particular os dos movimentos criados nas redes sociais –, de simples vândalos, incultos e arruaceiros.

Destruir estátuas, que há séculos existem nas cidades e são testemunhos (bons e maus, mas testemunhos) da história colectiva de um povo, vandalizar obras de arte expostas em museus para usufruto de todos, alguma das quais são património da Humanidade, fazer censura e coarctar a liberdade de expressão, porque qualquer palavra que se use pode ofender alguém ou algum grupo. E há milhares e milhares de grupos de indivíduos “com grandes causas”, nas quais embarcam, muitas vezes por falta de estudo ou de reflexão, sem saberem o que elas representam no seu contexto ou porque acreditam nas mais bizarras e estapafúrdias teorias da conspiração.

Que contributo traz à defesa das alterações climáticas a destruição de uma pintura com décadas ou séculos de existência? Ou de uma estátua? Estas acções que me parecem feitas apenas para os “heróis” aparecerem nas televisões e terem os seus minutos de “fama”, com o nobre e altíssimo protesto de atirar o conteúdo de latas de sopa sobre os quadros dos grandes mestres (que eles não devem ter sequer capacidade ou sensibilidade para lhes apreciarem a beleza), irá seguramente ser continuada em mais países por outros primatas imitadores que pululam nas redes sociais.

Outra grande causa destes novos paladinos, pelo menos aqui, em Portugal, é a escravatura, não a moderna dos trabalhadores imigrantes e das mulheres e crianças para escravas sexuais – que existe a seu lado e de que estes justiceiros não tomam nota, mesmo quando vem plasmada nos jornais –, mas do tráfico de escravos de há 500 anos, uma valência económica universal nessa era (no Oriente e nos países muçulmanos existia desde tempos imemoriais; nas potências europeias que tinham impérios, como a Inglaterra, Holanda e a Bélgica, prolongou-se até ao século XX, muito depois de Portugal ter posto fim a esse comércio, em 1761).

Ora, se há países que têm de pedir desculpa pelo tráfico de escravos feito há séculos, terão de ser, antes de quaisquer outros, os países africanos cujos sobas e reis arrebanhavam os seus conterrâneos e vinham vendê-los nas feitorias, primeiro aos muçulmanos e depois aos portugueses e aos holandeses e outras potências escravagistas.

Graças a esta ignorância crassa e a um enviesado sentido do “politicamente correcto”, ficámos sem um Museu dos Descobrimentos ou da Expansão,que incluiria a escravatura, mas um museu nacional e abrangente, que o país merece e necessita (até para ensinar a que não sabe), por ser um período em que Portugal estava na dianteira da maioria dos países, quer nas ciências (como Medicina, Navegação, Geografia, Botânica, Astronomia, etc.), quer nas artes ou na literatura, em que ligou o oceano Atlântico ao Índico (um feito maior do que o de Fernão de Magalhães), contribuindo como nenhum outro para o Conhecimento do Mundo, desfazendo mitos e ignorância.

Devemos ser o único país do mundo, em que os seus naturais, em vez de mostrarem o que de melhor ele tem ou fez, não só procuram mostrar apenas o que é negativo, como mancham e aviltam tudo o que se fez de bom em 880 anos de História, uma História riquíssima de que nos devíamos orgulhar.

Eu jamais deixarei de dizer o que penso e não peço desculpa por qualquer tema, palavra ou ideia que esteja nos meus livros, que tratam precisamente destas épocas, por mais ofensivas que sejam para os defensores do “politicamente correcto”. Tenho uma vida longa que testemunha a minha luta contra as injustiças, o racismo, a misoginia, a ignorância. Não tenho pachorra para a ignorância arrogante e o circo da fama.

Retirado do Facebook | Mural de Deana Barroqueiro

Putin | ‘A situação é, até certo ponto, revolucionária’ | por Pepe Escobar, analista geopolítico, escritor e jornalista independente | in GeoPol

A Rússia não tem e não se considera um inimigo do Ocidente.

A Rússia tentou construir relações com o Ocidente e com a NATO – para viverem juntos em paz e harmonia. A sua resposta a toda a cooperação foi simplesmente ‘não’”.

31/10/2022

Putin de facto conseguiu acertar onde estamos: à beira de uma Revolução | Pepe Escobar


Num discurso abrangente na sessão plenária da 19ª reunião anual do Clube Valdai, o presidente Putin fez não menos do que uma crítica devastadora e multifacetada à unipolaridade.

De Shakespeare ao assassinato do general Soleimani; das reflexões sobre a espiritualidade à estrutura da ONU; da Eurásia como berço da civilização humana à interligação do BRI, SCO e INSTC; dos perigos nucleares àquela península periférica da Eurásia “cega pela ideia de que os europeus são melhores que os outros”, o discurso pintou uma tela de Brueghel-esca do “marco histórico” que se nos depara, em meados da “década mais perigosa desde o fim da Segunda Guerra Mundial”.

Putin aventurou-se mesmo a dizer que, nas palavras dos clássicos, “a situação é, até certo ponto, revolucionária”, pois “as classes altas não podem, e as classes baixas já não querem viver assim”. Portanto, tudo está em jogo, pois “o futuro da nova ordem mundial está a ser moldado diante dos nossos olhos”.

Muito para além de um slogan cativante sobre o jogo que o Ocidente está a jogar, “sangrento, perigoso e sujo”, o discurso e as intervenções de Putin nas perguntas e respostas subsequentes devem ser analisados como uma visão coerente do passado, presente e futuro. Aqui oferecemos apenas alguns dos destaques:

“O mundo está a assistir à degradação das instituições mundiais, à erosão do princípio da segurança colectiva, à substituição do direito internacional por ‘regras’”.

“Mesmo no auge da Guerra Fria, ninguém negou a existência da cultura e da arte do Outro”. No Ocidente, qualquer ponto de vista alternativo é declarado subversivo”.

“Os nazis queimaram livros. Agora os pais ocidentais do ‘liberalismo’ estão a proibir Dostoevsky”.

“Há pelo menos dois ‘Ocidentes’. O primeiro é tradicional, com uma cultura rica. O segundo é agressivo e colonial”.

“A Rússia não tem e não se considera um inimigo do Ocidente.

Continuar a ler

A crise na Ucrânia não é sobre a Ucrânia; é sobre a Alemanha | Mike Whitney | 31 de Outubro de 2022

Retirado de https://Geopol.pt

Artigo de 11 de fevereiro de 2022, duas semanas antes da invasão russa da Ucrânia

Por Mike Whitney

Aí está, preto no branco: A equipa de Biden quer “levar a Rússia a uma resposta militar” a fim de sabotar o Nord Stream


Acrise ucraniana não tem nada a ver com a Ucrânia. Trata-se da Alemanha e, em particular, de um gasoduto que liga a Alemanha à Rússia chamado Nord Stream 2. Washington vê o gasoduto como uma ameaça à sua primazia na Europa e tem tentado sabotar o projecto constantemente. Mesmo assim, o Nord Stream avançou e está agora totalmente operacional e pronto a ser utilizado. Assim que os reguladores alemães fornecerem a certificação final, as entregas de gás terão início. Os proprietários e empresas alemãs terão uma fonte fiável de energia limpa e barata, enquanto a Rússia verá um impulso significativo nas suas receitas de gás. É uma situação vantajosa para ambas as partes.

O establishment da política externa dos EUA não está satisfeito com estes desenvolvimentos. Eles não querem que a Alemanha se torne mais dependente do gás russo porque o comércio constrói confiança e a confiança leva à expansão do comércio. À medida que as relações se tornam mais quentes, mais barreiras comerciais são levantadas, os regulamentos são flexibilizados, as viagens e o turismo aumentam, e uma nova arquitectura de segurança evolui. Num mundo onde a Alemanha e a Rússia são amigos e parceiros comerciais, não há necessidade de bases militares dos EUA, não há necessidade de armas e sistemas de mísseis caros fabricados pelos EUA, e não há necessidade da NATO. Também não há necessidade de transacções de energia em dólares americanos, nem de armazenar os tesouros americanos para equilibrar as contas. As transacções entre parceiros comerciais podem ser conduzidas nas suas próprias moedas, o que irá precipitar um acentuado declínio no valor do dólar e uma mudança dramática no poder económico.

Continuar a ler

Herman José | Quantos génios produziu Portugal? | por Carlos Matos Gomes

Pergunta-me o agora Meta o que estou a pensar. Na hora que ganhei pensei no génio. Quantos génios produziu Portugal? Concluí que Herman José é um dos génios portugueses ao rever programas de TV que tinha deixado para melhor ocasião.

Não existe um consenso mínimo para definir o génio. Existe a ideia que cada um de nós faz do que é génio. O génio é alguém com uma aptidão fora da norma para uma qualquer atividade, conjugar notas de música, sons, cores, movimentos, dados abstratos. Alguém que vê o mundo de um ponto de vista único, que, em vez de “captar” conceitos corriqueiros troca as perguntas para encontrar respostas que são evidentes apenas depois de eles as apresentarem.

Karl Jaspers, um dos grande filósofos do século XX, realizou um estudo comparativo das trajetórias de vida e artísticas de vários artistas geniais, entre eles Strindberg e Van Gogh e descobriu em todos eles um caráter visionário acompanhado de interrogações sobre a realidade. O génio artístico seria, assim, associado a uma «tipología esquizofrénica», que faz dele um percursor de acontecimentos, alguém que desempenha o papel dos antigos oráculos, ou dos animais míticos como os corvos, as corujas. Portugal tem os seus génios, adequados à interpretação da realidade em cada tempo e circunstância.

Eu elaborei a minha lista particular: Gil Vicente, o Padre António Vieira, Fernando Pessoa, Amália Rodrigues e Herman José. Não são muitos. Não há génios na pintura – talvez Amadeo de Souza Cardozo -, nem na música, nem na arquitetura, nem na ciência – talvez Pedro Nunes.

Talvez cause surpresa a inclusão de Herman José num tão restrito número de “génios portugueses”. Julgo que Herman José, fruto, se quisermos encontrar explicações para o que é inexplicável, do cruzamento de culturas em que nasceu e viveu, da sua educação, viu desde muito cedo a sociedade portuguesa por dentro e por fora. Adquiriu uma visão 3 D. Depois foi dotado com as aptidões excecionais para expressar essas visões, inteligência, capacidade para conjugar conhecimento com realidade, dotes físicos, coordenação motora, voz, ouvido, coragem para se exibir, arrogância quanto baste para se impor e ser o centro das atenções e a estrela do espaço em que se move. E, finalmente, o instinto do matador de mediocridades. Um pícaro aristocrata como não houve em Portugal e haverá muito poucos no mundo.

Os seus programas na TV são um retrato do Portugal do seu tempo, do nosso tempo. Ele é o grande historiador contemporâneo. Os seus programas são os autos vicentinos do Portugal pós 25 de Abril. São as farsas dos autos da Índia (adultério, dissolução de costumes e falsa moral como consequência dos Descobrimentos) e de Inês Pereira (o oportunismo e a ausência de princípios: “mais quero asno que me leve que cavalo que me derrube”) que descobriram os podres do que era apresentado como uma epopeia e uma luta pelo Bem. As suas personagens são as personagens de Gil Vicente, e, nalguns casos, as de Eça de Queiroz. São as figuras refinadas do subversivo Vilhena e do pícaro Luiz Pacheco. Herman José reúne todas essas personagens e constrói com elas um painel genial, o que o tríptico de Nuno Gonçalves não consegue ser, porque a Gonçalves lhe faltava o humor, a inteligência e a perversidade de Herman.

A mais recente obra da genialidade de Herman José consistiu na transformação em esfregões de limpar o chão dos típicos comentadores arregimentados pelas TVs para fazer a propaganda da guerra na Ucrânia.

É como capachos que ele reencarna o comentador da bola José Esteves, agora de barba e cabelo branco a perorar, a babar-se e asneirar num lar da terceira idade, com um olhar desconfiado, a dar as deixas para o excelente Manuel Marques recuperar a personagem de Zé Manel, o taxista que sabe tudo e fala pelos cotovelos, agora com ar de polidor de esquinas a quem saiu a raspadinha, ou que coloca a Maria Rueff no trono da pivôa Beleza de Sousa.

Herman José conseguiu em menos de um quarto de hora esfrangalhar a manipulação que tem sido a informação das TVs sobre a guerra da Ucrânia. Tudo ficou a nu, reduzido à farsa que se esconde sob o nome de informação. E, por último, para quem não tenha querido entender o que ele disse ao apresentar aquele genial sketch explicou no programa “Primeira Pessoa”, de Fátima Campos Ferreira, que a informação é hoje um negócio e que para dar lucro e pagar os salários aos pivôs vedetas há que vender as notícias que as audiências querem. Deu como exemplo da degradação a Fox News.

Foi delicado com os seus colegas das Tvs, um ato de misericórdia.

Carlos Matos Gomes | 30/10/2022

O discurso de Putin e Napoleão | por Carlos Matos Gomes

Através de dois camaradas que muito prezo recebi entre ontem e hoje dois textos importantes, “Napoleão Bonaparte, Sobre a Guerra — A arte da batalha e da estratégia” Apontamentos e notas de Bruno Colson, enviado pelo major-general Carlos Chaves Gonçalves e do major-general Raúl Cunha a tradução de elementos significativos do discurso de Vladimir Putin, no dia 27 de Outubro, no Clube Vaidal, um think tank russo que se reúne nos arredores de Moscovo.

Os dois textos têm um elemento comum: a guerra. As causas da guerra, os objetivos da guerra e as consequências da guerra. A mim interessa-me, sempre me interessou, saber como terminam as guerras. Saber como se faz a guerra levou-me à Academia Militar e saber como se faz uma dada guerra, a guerra de guerrilha levou-me aos «comandos». Saber como terminam as guerras levou-me ao 25 de Abril de 1974, ao estudo, à investigação, à literatura.

Não sou um admirador de Napoleão, que perdeu a sua guerra, não atingindo o objetivo que se propôs e pelo qual combateu por toda a Europa, de Lisboa a Moscovo. (No tempo de Napoleão Moscovo era Europa. Agora, segundo a doutrina do secretário-geral da NATO, de que poucos saberão o nome e das afirmações da senhora Ursula Van Der Leyen, que surgiu do anonimato submisso de onde vêm geralmente os presidentes da Comissão Europeia já não é, transformou-se numa jangada, uma jangada de pedra, como a que Saramago ficcionou para a Península Ibérica.) O pensamento único Ocidental impôs que a Rússia deixasse de ser Europa, que se cindisse pelos montes Urais! Este corte ideológico e ditado por interesses alheios à Europa terá consequências. O discurso de Putin anuncia-as. É prudente conhecê-las.

Continuar a ler

As estrelas do Estado Novo | Carlos Matos Gomes

Este texto é uma peça extraordinária sobre a “história portuguesa do século XX”, de uma clarividência incomum, um ensaio brilhante de como analisar factos políticos, sociais, económicos e estratégicos. Os meus respeitos para Carlos Matos Gomes [vcs].

Extinguiu-se no dia 23 de Outubro de 2022 a última estrela política do Estado Novo, Adriano Moreira. Ele fez parte da constelação de pensadores e atores que dotaram o Estado Novo com um pensamento para além do corporativismo de matriz fascista, do integrismo de raízes miguelistas, do beatismo. Adriano Moreira pertenceu a um grupo de políticos talentosos e ambiciosos que subiram a pulso em termos sociais, seguindo o percurso de Salazar, que utilizaram a aderência aos meios e estruturas do corporativismo para ascender individualmente e que retribuíram essa escalada dotando o regime de iluminações que ultrapassassem os cirios das igrejas e as sombras dos mortos vivos que se sentavam na Assembleia Nacional e na Câmara Corporativa.

O grupo inorgânico a que Adriano Moreira pertenceu conseguiu apresentar o Estado Novo e Portugal como atores internacionais de relevo em três grandes momentos da História da primeira metade do século vinte: a Guerra Civil de Espanha, a Segunda Guerra Mundial e o Movimento Descolonizador.

A Guerra Civil de Espanha teve como personagem de primeiro plano o embaixador Pedro Teotónio Pereira, o homem enviado por Salazar para junto do governo de Franco, em Burgos, o segundo embaixador a apresentar credenciais, após o Núncio Apostólico da Igreja Católica e o primeiro embaixador em Madrid após a vitória franquista. Teotónio Pereira iria conseguir alcançar o objetivo que o Portugal de Salazar recebera dos ingleses, o de evitar e a entrada da Espanha na Segunda Guerra Mundial aliada da Alemanha nazi. Seria embaixador no Brasil, nos Estados Unidos e em Londres no período de antes da guerra, durante e no pós-guerra. Contribuiu para manter Portugal na órbita dos Aliados e para a entrada no clube da NATO. Não foi tarefa fácil fazer o Portugal rural, beato e antiliberal de Salazar ser admitido neste grupo. Os Aliados (em particular os americanos) entenderam através de Pedro Teotónio Pereira que Portugal não era Salazar (os ingleses, esses sabiam que Salazar negociaria tudo, incluindo os princípios (além do volfrâmio) para se manter no poder).

Continuar a ler

A estratégia da “meia guerra” | Carlos Matos Gomes

As desarrumações permitem descobrir fósseis que explicam o presente. Este é um recorte de “O Jornal”, um excelente semanário que desapareceu com o mercado da manipulação, do Verão de 1979. Reproduz um artigo do Nouvel Observateur, de George Buis, e anuncia a estratégia dos Estados Unidos após a retirada do Vietname. Um excerto:

“Harold Brown, secretário americano da defesa, retornou à sua doutrina de 1969 de que a América deve poder conduzir simultaneamente «uma guerra e meia», ou seja, uma guerra na Europa e outra meia num ponto qualquer do globo.”

O controlo do golfo Pérsico e da produção de petróleo era então vital (como o é hoje) para o domínio dos EUA do fornecimento de energia ao resto do planeta e para impedir a URSS de ter ali alguma influência. A “guerra do Golfo” de 1991 começou a ser prepara nos anos 80, com a constituição de uma força de reação rápida (Quick Alert Force), “capaz de alcançar qualquer ponto do globo antes dos soviéticos”. Esse é o objetivo permanente dos EUA: impor o seu domínio em todo o globo. Não há acasos e a guerra da Ucrânia não é, no essencial, diferente das outras intervenções dos EUA na região do Golfo-Eurásia, a grande reserva de combustíveis fósseis do planeta.

Continuar a ler

O The Guardian é uma excelente abertura para o mundo | por Carlos Matos Gomes

Um artigo de hoje, meio escondido pelas peripécias de Boris Johnson, refere os negócios dos oligarcas americanos escondidos na guerra na Ucrânia.

A propaganda que justificava a guerra do Ocidente contra A Rússia como uma ação não só legítima, como virtuosa e em defesa dos mais nobres princípios morais, da defesa do Bem contra o Mal está a esboroar-se a olhos vistos e a deixar a nu os grandes negócios e os interesses da oligarquia americana, e as suas lutas internas.

Elon Musk, o oligarca dono da rede de 3000 satélites da sua empresa Starlink que asseguram as comunicações de banda larga para uso civil e militar deu um pontapé na apregoada defesa dos princípios ocidentais, a cargo do arcanjo Zelenski e reclamou o seu pagamento.

Parece que a administração americana se adiantou e começou a pagar por conta dos biliões que já gastou na guerra indireta com a Rússia. As rotativas de imprimir dólares funcionam e nos EUA tudo é pago, não há auxílios desinteressados.

O alarme soou quando Musk se intrometeu na estratégia de poder de outras fações da oligarquia e se propôs comprar a rede Twiter, com capitais das monarquias petroleiras do Golfo.

Continuar a ler

A guerra | A política SEM A MÁSCARA da Moral | por Carlos Matos Gomes

A guerra na Ucrânia decide a nova arquitetura do poder político mundial, não é uma luta do Bem contra o Mal.

Quando referimos a palavra política associamos o termo a pelo menos 3 realidades: em primeiro lugar associamo-lo à administração da polis — tarefas administrativas, gestão — o que hoje surge englobado sob o grande chapéu de administração pública e tarefas do Estado, em segundo lugar a disputas partidárias, negócios disfarçados de falsas alternativas eleitorais, má-língua onde surgem alhos e bugalho, comentários enviesados, em terceiro lugar, mas raramente, à política entendida como o processo de definição de modos de organizar uma dada sociedade para a integrar em espaços mais vasto, isto é, falar da política como uma forma de pensar e de construir uma realidade tão próximo quanto possível da harmonia, da virtú, de que falava Maquiavel em o Príncipe e que nunca deixou de estar presente. A política virtuosa seria aquela que não sucumbe ao “poderio da caprichosa e inconstante Fortuna do momento”, o oposto da que tem sido praticada pelos que temos tido ao comando dos nossos destinos. Político virtuoso seria o que consegue ser senhor da sorte, ser o que determina as circunstâncias e não o que se deixa ir na sua espuma. É esta terceira abordagem da política que me interessa para analisar a guerra na Ucrânia.

Continuar a ler

Crise financeira: até o FMI teme o pior | Yanis Varoufakis, in Outras Palavras, 07/10/2022

Subitamente — e contra todos os prognósticos — o FMI, o xerife da ordem económica capitalista condenou o novo favor do governo inglês aos super-ricos. Turbulências sugerem: um novo repique da crise global aberta em 2008 pode estar próximo.

Em 30 de setembro, o Fundo Monetário Internacional assustou os mercados e surpreendeu os comentaristas ao repreender o governo conservador do Reino Unido por irresponsabilidade fiscal. O choque foi evidente. A crítica do FMI ao governo de uma grande economia ocidental é como um zelador repreendendo o proprietário por colocar em risco o valor avaliado do prédio. Essa sensação de inversão da ordem usual das coisas foi ainda mais nítida porque, não esqueçamos, foram os conservadores britânicos, sob a rígida liderança de Margaret Thatcher, que ditaram a regra sobre a probidade fiscal como alicerce do neoliberalismo. O FMI passou mais de quatro décadas impondo essa ortodoxia a governos em todo o mundo.

Como numa tentativa de amplificar a agitação que certamente causaria, o comunicado do FMI chegou a censurar o governo britânico por introduzir grandes cortes de impostos (agora parcialmente cancelados após a intervenção do Fundo), porque eles iriam principalmente “beneficiar os que ganham mais” e “provavelmente aumentar a desigualdade”. Os conservadores leais à sitiada nova primeira-ministra da Grã-Bretanha, Liz Truss, os republicanos mais vigorosos dos EUA, analistas econômicos internacionais e até mesmo alguns de meus camaradas de esquerda ficaram brevemente unidos por uma perplexidade comum: desde quando o FMI se opõe a mais desigualdade? Seria difícil identificar um único “programa de ajuste estrutural” do FMI que não aumentou a desigualdade. Se duvidar, pergunte à Argentina, Coreia do Sul, Irlanda ou Grécia (onde fui ministro das Finanças e tive que negociar com o FMI) sobre as restrições associadas a seus empréstimos. Os burocratas intransigentes do Fundo teriam passado por um momento como o da “estrada de Damasco”?

Continuar a ler

O lugar da mulher na Igreja | Frederico Lourenço

As mulheres são as mães da Humanidade. Até os membros da Igreja Católica o “esquecem”. Todos, menos Jesus Cristo. O único que as respeitou e verdadeiramente amou. | [vítor coelho da silva]

Quando eu era jovem assistente na Faculdade de Letras de Lisboa, atrevi-me a perguntar a um catedrático de História (senhor de fama já lendária) porque é que tínhamos tantas colegas professoras na área da Literatura e tão poucas (ainda que distintíssimas) na área da História. A resposta que ele me deu há trinta anos parece hoje impensável: «a História chama menos as senhoras porque requer muito estudo».

A misoginia da atitude é arrepiante, mas (como todos sabemos) não é surpreendente. Mais tarde, já como professor em Coimbra, foi-me dito que havia dois professores catedráticos (também de geração salazarenta) que nunca tratavam a sua colega catedrática Maria Helena da Rocha Pereira por «Senhora Doutora» (como é normal entre colegas em Coimbra), mas sim por «Dona Maria Helena», embora eles entre si se tratassem por «Senhor Doutor» e ela própria os tratasse com essa deferência académica.

Se isto retrata a universidade portuguesa no século XX, estamos a ver bem o ambiente em que se teria desenrolado a discussão sobre se uma mulher tem capacidade para desempenhar as funções que, na Igreja Católica, são assumidas por padres, bispos, cardeais e papas.

Continuar a ler

AI PORTUGAL, PORTUGAL I De que é que estamos à espera? por Tiago Salazar

AI PORTUGAL, PORTUGAL I De que é que estamos à espera? Por ora, da enxurrada de turistas, que encham os hotéis, os Airbnbs, os restaurantes, bares, clubes, tabernáculos, botequins, feirinhas, toda a sorte de veículos de animação turística de lés a lés, que larguem o pilim e não se chorem dos preços upa upa, pois isto não é Marrocos. Tudo se vende, em última instância, como num bordel.

Lava-se dinheiro. Compra-se a Imprensa e a visibilidade nas redes sociais. Vende-se a quem der mais. Vendem-se histórias de façanhas, de heróis, de lendas e narrativas. Amália, Eusébio, Pessoa, Camões, Saramago… de pins a livros. Quem não se ajeita na mercância do Comércio e das malhas tecidas pelo defunto Império, vende o cu por 7 tostões, vende o corpinho, como se vendeu o cinema Império, o Condes, o Monumental… Comprem, comprem… atraem-se os turistas e os investidores como abelhas a favos, com a lengalenga do sol, do país seguro, do inefável fado de terra santa. O Santander agradece.

E assim vamos caminhando, endividados, agarrados a empréstimos, ao correr da bola nos relvados, esperando ter um púbere Ronaldo a germinar no salão nobre da casa arrendada a um agiota e especulador que um dia garanta o sustento e orgulho das Donas Dolores. O crescimento económico reverte para as grandes empresas e seus associados, o crime compensa. Os preços sobem e o povo, triste, deixa andar. Come menos ou vai para a fila do Sidónio, deixa andar até lhe vir o cancro.

Olha o mar, o Oceano, pensa em emigrar, mas já não tem forças. E também, para onde há de ir? Os filhos que tentem a sorte. Nós por cá ficamos, submissos aos tostões do turista inculto, desinteressado e emproado, que compra suvenirs na loja do chinês made in China, que se está cagando para as belas e duras frases de Sophia, a verve visionária de Natália, quer é gastar pouco e que o sol lhe bata levemente na moleirinha.

Retirado do Facebook | Mural de Tiago Salazar

A guerra dos EUA contra a Rússia usou a Ucrânia numa guerra por procuração que Zelensky aceitou anos antes da invasão russa. | António Abreu

Com as agressões que Zelenski agravou contra os povos do Donbass, estes viriam a pedir uma intervenção russa que lhes garantisse a sua segurança.

Com a importação de grandes arsenais de “países amigos” Zelenski anunciou que se destinavam a conter as ameaças russas.

Zelenski viabilizou a morte até agora de muitas dezenas de milhares ucranianos e russos, e permitiu que os EUA – uma vez mais! – não vissem soldados seus tombar (excetuam-se os oficiais de espionagem que, em bunkers de diversos centros de comando morreram como pessoal de inteligência de outros países, devido a bombardeamentos russos).

Hoje, no terreno, quem dirige os combates ucranianos são os oficiais de informações norte-americanos.

Porque tem este dedo sido apontado tantas vezes aos EUA?

Usamos o Blog de Washington, de 20 de fevereiro de 2015 para ilustrar a resposta.

Desde que os Estados Unidos foram fundados em 1776, ela esteve em guerra durante 214 dos seus 235 anos de existência. Em outras palavras, houve apenas 21 anos civis em que os EUA não travaram nenhuma guerra.

Continuar a ler

A GUERRA (2) – A União Europeia enredada em nacionalismos | Carlos Esperança

Poucas notícias são tão alarmantes como os exercícios militares conjuntos da China e da Rússia, duas potências rivais que a Nato uniu contra a Europa e os EUA, ainda que não coincidam sobre a invasão da Ucrânia.

A UE, ansiosa por alargar a sua influência a leste, na convicção de que seria herdeira do colapso soviético, não mediu as consequências da hipoteca ao espaço anglo-americano, e preferiu promover a expansão da Nato à sua coesão. Em vez de se tornar uma potência não hostil, garantindo a independência face aos EUA, tornou-se seu satélite, enquanto a aliança anglo-americana se reforçou. A Europa entrou na guerra, sem estratégia própria, sem prever os custos financeiros, sem gás, sem cereais e sem alternativas.

O Reino Unido, cujo império é uma fachada mantida no fausto da monarquia, corroeu a coesão europeia e estimulou a UE, depois de a ter traído, a seguir a NATO. A belicosa sr.ª Ursula Von der Leyen, sem o carácter e coragem de Jacques Delors, reduz à míngua os europeus, e alinhou a política externa pela da Nato, pseudónimo militar dos EUA.

Continuar a ler