Projecto para preservar minderico procura financiamento na Internet | O Mirante

dictionaryO Centro Interdisciplinar de Documentação Linguística e Social (CIDLeS) lançou uma campanha para financiar o projecto de revitalização do minderico, variação linguística surgida no século XVII entre fabricantes e vendedores das mantas de Minde, que está em risco de extinção.

Vera Ferreira, linguista e fundadora do CIDLes, dá a cara pela campanha de ‘crowdfunding’ (procura de financiamento colectivo através da Internet) lançada em meados de Agosto em https://hubbub.net/p/minderico para, nomeadamente, conseguir financiamento para manter o ensino da língua na escola de Minde, vila do concelho de Alcanena.

Vera Ferreira disse que a campanha decorre até 15 de Outubro, sendo necessário, para conseguir o financiamento, chegar aos 8.900 euros, verba que permitirá dar uma aula por semana a cada um dos quatro anos do primeiro ciclo, criar o manual de apoio às aulas, dar formação a professores e editar um livro infantil em minderico com ilustrações feitas pelas crianças.

O objectivo mais ambicioso é alcançar uma verba de 12.000 euros, o que permitirá realizar também ‘workshops’ para pais e falantes passivos e editar um livro de receitas tradicionais em minderico.

Vera Ferreira receia que o “défice muito grande de conhecimento” sobre a diversidade linguística existente no mundo (existem 7.000 línguas e quase metade estão em risco de desaparecer), e da importância da preservação do conhecimento e da cultura existente em cada uma delas, venha a dificultar a adesão das pessoas.

Actualmente com 150 falantes activos e cerca de mil passivos (que compreendem mas não falam), o minderico surgiu no século XVII como uma língua secreta, usada por fabricantes e vendedores das mantas de Minde, mas acabou por se tornar no principal meio de comunicação na vila, alargando o vocabulário e o seu âmbito de aplicação (sendo usado em todos os contextos da vida diária).

O número de falantes diminuiu drasticamente nos últimos 40 anos, muito devido ao declínio da população e à crise da indústria têxtil, e o seu uso foi-se restringindo a contextos familiares, sobretudo entre os mais velhos.

O trabalho de revitalização do minderico foi iniciado em 2000, no âmbito do trabalho de pesquisa que a linguista desenvolveu integrado na tese de doutoramento que fez na Alemanha e que permitiu construir a candidatura aprovada em 2008 pela Fundação Volkswagen para um projecto que decorreu entre 2009 e 2011.

Estabelecimento Prisional de Caxias – ala dos homens | Cristina Carvalho

prisao
O que é que eu posso dizer sobre uma experiência tão marcante na vida de uma pessoa? Uma experiência que se alonga por aqueles corredores absolutamente inóspitos, despidos e secos de vida, sem tonalidades de nenhuma espécie, lisos e frios, compridos, sem fim.
O nosso encontro foi na Biblioteca. Havias umas mesas dispostas em rectângulo e à volta, sentados, os homens que me aguardavam. Cumprimentámo-nos. Sentei-me num dos topos da mesa. Fiquei, pois, de frente para todos. Foi assim que o meu olhar os encontrou, de frente, olhos nos olhos, sem sombra e sem barreiras de qualquer espécie. Naquele momento, eu senti-os totalmente, um por um. E percebi que, à minha frente, estavam sentados vários homens a cumprir penas umas mais longas que outras, uns preventivos a aguardar julgamento e outros já condenados a vários anos, muitos anos com muitos dias de muitos sóis a brilhar, com muitas luas de luar, com filhos a crescer, a idade sempre a avançar. Encontrei-me com homens uns novos, outros muito mais velhos punidos por variados cometimentos e incumprimentos sociais. Todos sentados ouvindo o Concerto nº 1 para piano e orquestra, 1º andamento, de Frédéric Chopin; todos aguardando sinal para começarmos a conversar sobre o livro. E conversámos muito. Muitos quiseram saber sobre Fryc, quem foi realmente, quem amou, que vida teve, como foi o seu génio, o que é o génio, o que é uma vida, como foi viver no século XIX, o que foi o século XIX, como foi viajar, como foi morrer, como é viver, ontem, hoje, como será, como será, como será?
Todas as perguntas rodaram sempre e só sobre o livro e como foi escrevê-lo, quanto tempo levou a escrever, o que é escrever, o que é ler, como, como, como?
Acabou a sessão de hora e meia. Um dos homens, numa ponta da mesa fez-me uma pergunta pessoal, a única pergunta pessoal: “O que é que os seus olhos vêem?”
Foi esta a pergunta que eu não soube responder.
Depois, despedimo-nos apertando as nossas mãos. Os guardas vieram. Abriram-me todas as portas com as suas grandes e preciosas chaves.
Eu saí para a estrada com o vento muito frio a varrer a folha prateada da água do mar que se vê ao longe. Mas não muito longe.
Cristina Carvalho
Nota: o convite foi-me feito pela tradutora e escritora TÂNIA GANHO

Rendimento básico incondicional

Rendimento-Basico

O que é | http://rendimentobasico.pt

O Rendimento Básico Incondicional é uma prestação atribuída a cada cidadão, independentemente da sua situação financeira, familiar ou profissional, e suficiente para permitir uma vida com dignidade.

Um RBI é:
– Universal – não discrimina ninguém, todos o recebem
– Incondicional – um direito para todos, sem burocracias
– Individual – garante autonomia às pessoas em situação vulnerável
– Suficiente – para viver com dignidade

O objetivo deste site é informar e promover a discussão sobre o rendimento básico incondicional em Portugal, para que possam ser encontradas as melhores formas de organizar e implementar este sistema.

O Futuro nas Mãos: De Regresso à Política do Bem Comum | Renato Miguel do Carmo, André Barata

abarataUm ensaio político-filosófico que desmistifica a austeridade e clarifica as alternativas que estão ao nosso alcance. Desde o 25 de Abril que não se registava um aumento da dívida do Estado português tão elevado como nos anos da austeridade. Se o objetivo desta política era desendividar o país e restabelecer a sua soberania, falhou redondamente. É tempo de mudar o jogo, de devolver competências ao país, devolvendo oportunidades aos seus cidadãos: – Economicamente, pondo termo à austeridade e promovendo a criação de oportunidades genuínas, acessíveis à população;
– Socialmente, repudiando o elogio e a prática da precariedade como condição produtiva dos cidadãos;
– Politicamente, resgatando a força da cidadania e de uma resposta democrática inclusiva e participada. Este é um livro de encorajamento. As saídas dependem das nossas escolhas políticas. Está em causa restaurar a convicção de que o futuro coletivo está nas nossas mãos.

Bando de Raparigas, de Céline Sciamma

Um retrato magnético sobre uma adolescente em busca da sua emancipação num bairro de França. BANDO DE RAPARIGAS acompanha Marieme que cresceu num ambiente familiar opressivo e tem escassas perspectivas de futuro. Mas tudo muda quando decide juntar-se a um grupo de três raparigas. Passa a usar um novo nome, novas roupas e deixa a escola para ser aceite pelo gang, numa tentativa de se libertar da sua anterior existência.

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Então queres ser um escritor? | Charles Bukowski

 

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se não sai de ti a explodir
apesar de tudo,
não o faças.
a menos que saia sem perguntar do teu
coração, da tua cabeça, da tua boca
das tuas entranhas,
não o faças.
se tens que estar horas sentado
a olhar para um ecrã de computador
ou curvado sobre a tua
máquina de escrever
procurando as palavras,
não o faças.
se o fazes por dinheiro ou
fama,
não o faças.
se o fazes para teres
mulheres na tua cama,
não o faças.
se tens que te sentar e
reescrever uma e outra vez,
não o faças.
se dá trabalho só pensar em fazê-lo,
não o faças.
se tentas escrever como outros escreveram,
não o faças.

se tens que esperar para que saia de ti
a gritar,
então espera pacientemente.
se nunca sair de ti a gritar,
faz outra coisa.

se tens que o ler primeiro à tua mulher
ou namorada ou namorado
ou pais ou a quem quer que seja,
não estás preparado.

não sejas como muitos escritores,
não sejas como milhares de
pessoas que se consideram escritores,
não sejas chato nem aborrecido e
pedante, não te consumas com auto-devoção.
as bibliotecas de todo o mundo têm
bocejado até
adormecer
com os da tua espécie.
não sejas mais um.
não o faças.
a menos que saia da
tua alma como um míssil,
a menos que o estar parado
te leve à loucura ou
ao suicídio ou homicídio,
não o faças.
a menos que o sol dentro de ti
te queime as tripas,
não o faças.

quando chegar mesmo a altura,
e se foste escolhido,
vai acontecer
por si só e continuará a acontecer
até que tu morras ou morra em ti.

não há outra alternativa.

e nunca houve.

 

Charles Bukowski

Varoufakis: “Não abandonei o navio. Ele é que mudou de rumo” | Por Christos Tsiolkas, The Monthly

varoufakis_11Numa longa entrevista a um escritor grego-australiano, o ex-ministro das Finanças faz revelações surpreendentes, como o ambiente de depressão que encontrou no gabinete do primeiro-ministro na noite da vitória do “não”, em contraste com a euforia das ruas, e a confidência pessoal de Schäuble de que não assinaria o acordo se fosse o ministro grego. Por Christos Tsiolkas, The Monthly

(Retirado do site Esquerda.net)

Descendo a rua do meu estúdio, nos subúrbios do Norte de Melbourne, há um pequeno café ao lado de uma tabacaria. Ambos são propriedade de australianos de origem grega. Na semana anterior ao povo grego ter votado se queria aceitar a nova rodada de medidas de austeridade exigidas pela troika (Comissão Europeia, Banco Central Europeu e Fundo Monetário Internacional) de forma a libertar fundos de resgate, os donos dos estabelecimentos afixaram nas montras uma série de folhas A4 em preto e branco. Cada folha tinha uma palavra em destaque, OXI – “não” em grego.

Na manhã de 6 de julho, levantei-me antes do amanhecer, entrei na Internet e liguei a televisão, ao mesmo tempo cheio de ansiedade e temeroso de saber as notícias: o resultado teria consequências não só para a manutenção da Grécia na eurozona mas também para a própria definição de uma Europa unida. O resultado do referendo foi um OXI esmagador. Uma hora depois ainda tentava identificar porque sentia esta combinação de medo, temor e êxtase, enquanto observava as imagens vindas de Atenas de multidões em júbilo, percebi que estava a experimentar sensações que quase esquecera que podiam existir: esperança e otimismo políticos. A nação grega tinha refutado uma lógica económica quase universal, que exonerava o sistema financeiro da responsabilidade pela maior catástrofe económica desde a Grande Depressão. Era uma lógica que exigia que as pessoas comuns pagassem os erros de cálculo dos mercados globais, uma lógica que limpava as dívidas dos bancos mas não permitia tal indulgência em relação aos efeitos paralisantes da dívida nas nações individuais.

Uma semana depois, as minhas esperança e otimismo tinham-se dissipado, na medida em que o governo de coligação, dirigido pelo partido de esquerda Syriza de Alexis Tsipras, parecia à beira de aceitar os termos de um resgate que fora rejeitado pelo seu próprio povo.

Yanis Varoufakis está ao telefone. O carismático ministro das Finanças renunciara ao cargo logo a seguir à divulgação dos resultados do referendo. Varoufakis, economista de extensa carreira académica, tem dupla nacionalidade grega e australiana, depois de ter passado uma década a trabalhar na Universidade de Sydney. O seu estatuto de outsider no clube político da União Europeia, a sua recusa de usar linguagem tecnocrática ou de conformar-se com o estilo burocrático, provocavam uma constante irritação nas negociações com a troika. Mas, de muitas formas, o forte resultado do referendo pode ser visto como uma validação da sua tática e frontalidade.

A primeira coisa que lhe perguntei foi como se sentiu na noite da votação, e como se sente uma semana depois.

“Permita-me que descreva o momento que se seguiu ao anúncio do resultado” [do referendo de 5 de julho], começa. “Faço uma declaração no ministério das Finanças e depois dirijo-me às instalações do primeiro-ministro, o Maximos [residência oficial do primeiro-ministro grego], para encontrar-me com Alexis Tsipras e o resto do Ministério.”

“Posso dizer que estava eufórico. Este ‘não’ – Oxi – sonante, inesperado, era como um raio de luz que atravessa uma escuridão espessa e muito profunda. Estava encantado. Passeava pelas salas, alegre, trazendo comigo essa incrível energia do povo no exterior. Tinham superado o medo, e esse sentimento fazia-me sentir a flutuar no ar. Mas no momento em que entrei no Maximos, toda essa sensação simplesmente desapareceu. Reinava lá também uma atmosfera elétrica, mas carregada de negatividade. Era como se a direção tivesse sido deixada para trás pelo povo. E a sensação que senti foi de terror: ‘Que fazemos agora?’”

E a reação de Tsipras? As palavras de Varoufakis são medidas. Insiste que não diminuiu a sua amizade e respeito pelo primeiro-ministro cercado. Mas a tristeza e o desapontamento são evidentes na sua resposta.

“Podia dizer que ele estava desalentado. Era uma grande vitória, que eu creio que ele realmente saboreava, profundamente, mas que não podia gerir. Sabia que o seu gabinete não podia geri-la. Era claro que havia elementos no governo que o pressionavam. Em poucas horas, ele já fora pressionado pelas principais figuras do governo para transformar o ‘não’ num ‘sim’, para capitular”.

Por lealdade a Tsipras e para honrar uma promessa que lhe fez, Varoufakis não cita nomes. Mas diz-me que havia eminências pardas no interior do frágil governo de coligação “que estavam a contar com o referendo como uma estratégia de saída, não como uma estratégia de combate”.

“Quando me dei conta disso, disse-lhe que tinha uma escolha clara: usar os 61,5% de votos ‘não’ como uma energia, ou capitular. E disse-lhe, antes que pudesse responder, ‘se optares pela segunda, vou-me embora. Renunciarei se escolheres a estratégia de desistir. Não vou puxar o tapete, mas vou evaporar-me na noite.”

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O riso, o sexo e os palavrões | HUGO GONÇALVES | DN 22-08-2015

Hugo GoncalvesPorque estou a traduzir o romance American Psycho, de Bret Easton Ellis, voltei a pensar em como a língua inglesa tem muito mais palavras do que a nossa para o verbo sorrir – to smile, to grin, to smirk, to simper – e para o verbo rir ou o ato de dar gargalhadas – to laugh, to chukle, to giggle, guffaw, to crack up. Em inglês, estes signos captam diferentes características e gradações. Um sorriso gozão, pretensioso: to smirk. Dar uns risinhos: to giggle. Uma gargalhada forte: guffaw.

De que forma, em Portugal, séculos de Inquisição, de pudor católico, da ideia de transgressão e castigo, e quase meio século de ditadura salazarista – uma polícia política, os bufos, o medo de falar, o “respeitinho é muito bonito” -, podem ter limitado a nossa habilidade de expressar felicidade e humor? Talvez se William Baskerville, protagonista de O Nome da Rosa, usasse o seu engenho neste mistério não se afastasse muito de um dos temas do romance de Umberto Eco: o riso como uma forma subversiva contra o poder. Ou, no nosso caso, a falta dele. Toda a gente faz comédia com Hitler, poucas vezes vi Salazar como protagonista de um sketch ou uma anedota.

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Táxi de Jafar Panahi

Um táxi nas ruas de Teerão. Jafar Panahi encena um documentário filmado a partir do interior do seu táxi. Logo no início, um passageiro apercebe-se de que o motorista não conhece as ruas de Teerão e denuncia-o como falso taxista. O homem/taxista que não consegue encontrar o seu caminho, numa viagem pelo Irão atual. Os passageiros, do mais humilde ao mais cosmopolita, partilham o seu táxi da mesma forma que trocam expedientes entre si. Sobre a realidade elegível e as regras de um filme distribuível, somos elucidados pela sobrinha do realizador. A jovem está a fazer um filme para a sua professora. O seu olhar oscila, deliciosamente, entre a realidade que nos rodeia e as regras estipuladas pelo regime. Um jovem, que procura o seu sustento nos caixotes do lixo, ao não devolver o dinheiro que apanhou do chão, deixa de ser elegível para o filme escolar: cometera uma má ação.

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“A corrupção é prática tão antiga quanto o Brasil” | Rivaldo Chinem

Adelto-GoncalvesAutor das biografias dos poetas Gonzaga e Bocage, o pesquisador Adelto Gonçalves desvenda a estrutura judiciária na capitania de São Paulo (1709-1822) em livro que ajuda a entender as relações entre Estado e Justiça e o movimento político que o País vive hoje

                                                                                                           Rivaldo Chinem (*)

Adelto Gonçalves, 63 anos, é jornalista desde 1972, com passagens pelos jornais A Tribuna, de Santos, O Estado de S. Paulo e Folha da Tarde e pela Editora Abril. É doutor em Letras na área de Literatura Portuguesa e mestre em Língua Espanhola e Literaturas Espanhola e Hispano-americana pela Universidade de São Paulo (usp). Seu trabalho de doutorado Gonzaga, um poeta do Iluminismo, sobre Tomás Antônio Gonzaga (1744-1810), foi publicado em 1999 pela Editora Nova Fronteira, do Rio de Janeiro.

Em 1999, com bolsa de pós-doutorado da Fundação de Amparo à Pesquisa no Estado de São Paulo (Fapesp), desenvolveu em Portugal projeto sobre a vida e a obra do poeta Manuel Maria de Barbosa du Bocage (1765-1805), publicado em 2003 pela Editorial Caminho, de Lisboa, sob o título Bocage – o perfil perdido.

Foi professor titular da Universidade Paulista (Unip), nos cursos de Direito e Pedagogia, e da Universidade Santa Cecília (Unisanta), no curso de Jornalismo, em Santos. É autor também de Mariela Morta (Ourinhos, Complemento, 1977), Os vira-latas da madrugada (Rio de Janeiro, José Olympio, 1981; Taubaté-SP, Editora Letra Selvagem, 2015), Barcelona brasileira (Lisboa, Nova Arrancada, 1999; São Paulo, Publisher Brasil, 2003), Fernando Pessoa: a voz de Deus (Santos, Editora da Unisanta, 1997) e Tomás Antônio Gonzaga (Rio de Janeiro/São Paulo, Academia Brasileira de Letras/Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2012).

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