Varoufakis: “Não abandonei o navio. Ele é que mudou de rumo” | Por Christos Tsiolkas, The Monthly

varoufakis_11Numa longa entrevista a um escritor grego-australiano, o ex-ministro das Finanças faz revelações surpreendentes, como o ambiente de depressão que encontrou no gabinete do primeiro-ministro na noite da vitória do “não”, em contraste com a euforia das ruas, e a confidência pessoal de Schäuble de que não assinaria o acordo se fosse o ministro grego. Por Christos Tsiolkas, The Monthly

(Retirado do site Esquerda.net)

Descendo a rua do meu estúdio, nos subúrbios do Norte de Melbourne, há um pequeno café ao lado de uma tabacaria. Ambos são propriedade de australianos de origem grega. Na semana anterior ao povo grego ter votado se queria aceitar a nova rodada de medidas de austeridade exigidas pela troika (Comissão Europeia, Banco Central Europeu e Fundo Monetário Internacional) de forma a libertar fundos de resgate, os donos dos estabelecimentos afixaram nas montras uma série de folhas A4 em preto e branco. Cada folha tinha uma palavra em destaque, OXI – “não” em grego.

Na manhã de 6 de julho, levantei-me antes do amanhecer, entrei na Internet e liguei a televisão, ao mesmo tempo cheio de ansiedade e temeroso de saber as notícias: o resultado teria consequências não só para a manutenção da Grécia na eurozona mas também para a própria definição de uma Europa unida. O resultado do referendo foi um OXI esmagador. Uma hora depois ainda tentava identificar porque sentia esta combinação de medo, temor e êxtase, enquanto observava as imagens vindas de Atenas de multidões em júbilo, percebi que estava a experimentar sensações que quase esquecera que podiam existir: esperança e otimismo políticos. A nação grega tinha refutado uma lógica económica quase universal, que exonerava o sistema financeiro da responsabilidade pela maior catástrofe económica desde a Grande Depressão. Era uma lógica que exigia que as pessoas comuns pagassem os erros de cálculo dos mercados globais, uma lógica que limpava as dívidas dos bancos mas não permitia tal indulgência em relação aos efeitos paralisantes da dívida nas nações individuais.

Uma semana depois, as minhas esperança e otimismo tinham-se dissipado, na medida em que o governo de coligação, dirigido pelo partido de esquerda Syriza de Alexis Tsipras, parecia à beira de aceitar os termos de um resgate que fora rejeitado pelo seu próprio povo.

Yanis Varoufakis está ao telefone. O carismático ministro das Finanças renunciara ao cargo logo a seguir à divulgação dos resultados do referendo. Varoufakis, economista de extensa carreira académica, tem dupla nacionalidade grega e australiana, depois de ter passado uma década a trabalhar na Universidade de Sydney. O seu estatuto de outsider no clube político da União Europeia, a sua recusa de usar linguagem tecnocrática ou de conformar-se com o estilo burocrático, provocavam uma constante irritação nas negociações com a troika. Mas, de muitas formas, o forte resultado do referendo pode ser visto como uma validação da sua tática e frontalidade.

A primeira coisa que lhe perguntei foi como se sentiu na noite da votação, e como se sente uma semana depois.

“Permita-me que descreva o momento que se seguiu ao anúncio do resultado” [do referendo de 5 de julho], começa. “Faço uma declaração no ministério das Finanças e depois dirijo-me às instalações do primeiro-ministro, o Maximos [residência oficial do primeiro-ministro grego], para encontrar-me com Alexis Tsipras e o resto do Ministério.”

“Posso dizer que estava eufórico. Este ‘não’ – Oxi – sonante, inesperado, era como um raio de luz que atravessa uma escuridão espessa e muito profunda. Estava encantado. Passeava pelas salas, alegre, trazendo comigo essa incrível energia do povo no exterior. Tinham superado o medo, e esse sentimento fazia-me sentir a flutuar no ar. Mas no momento em que entrei no Maximos, toda essa sensação simplesmente desapareceu. Reinava lá também uma atmosfera elétrica, mas carregada de negatividade. Era como se a direção tivesse sido deixada para trás pelo povo. E a sensação que senti foi de terror: ‘Que fazemos agora?’”

E a reação de Tsipras? As palavras de Varoufakis são medidas. Insiste que não diminuiu a sua amizade e respeito pelo primeiro-ministro cercado. Mas a tristeza e o desapontamento são evidentes na sua resposta.

“Podia dizer que ele estava desalentado. Era uma grande vitória, que eu creio que ele realmente saboreava, profundamente, mas que não podia gerir. Sabia que o seu gabinete não podia geri-la. Era claro que havia elementos no governo que o pressionavam. Em poucas horas, ele já fora pressionado pelas principais figuras do governo para transformar o ‘não’ num ‘sim’, para capitular”.

Por lealdade a Tsipras e para honrar uma promessa que lhe fez, Varoufakis não cita nomes. Mas diz-me que havia eminências pardas no interior do frágil governo de coligação “que estavam a contar com o referendo como uma estratégia de saída, não como uma estratégia de combate”.

“Quando me dei conta disso, disse-lhe que tinha uma escolha clara: usar os 61,5% de votos ‘não’ como uma energia, ou capitular. E disse-lhe, antes que pudesse responder, ‘se optares pela segunda, vou-me embora. Renunciarei se escolheres a estratégia de desistir. Não vou puxar o tapete, mas vou evaporar-me na noite.”

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