Agosto, de Rubem Fonseca

Existe na escrita de Rubem Fonseca um lado negro, uma crítica social que se torna intemporal. O Brasil de todos os tempos retratado num ritmo forte, em histórias de miséria humana que atravessam todas as classes sociais. Uma lista interminável de personagens sem que o leitor se perca. Vidas que se entrecruzam, como se o Brasil fosse um espaço exíguo, como aquelas celas da delegacia que Mattos insiste em ir esvaziando. Talvez o seu erro tenha sido o de julgar encontrar na lei os limites para uma sociedade em degradação.

«Um policial não pode gostar de poesia. Ele tem outros cadáveres com que se preocupar.»

(ler mais no Acrítico – leituras dispersas)

“O Bicho de sete cabeças – História de uma eleição democrática” | Carmen Zita Ferreira

Livro recomendado pelo PNL – Plano Nacional de Leitura (para apoio a projetos relacionados com Cidadania para os 3º, 4º, 5º e 6º anos de escolaridade).
Carmen

Sinopse:

Esta é a história de uma eleição, na cidade de Cata-vento, em que o vencedor é um cidadão muito especial: o Bicho de sete cabeças. Cada uma das suas cabeças representa uma qualidade indispensável para bem governar Cata-vento, mas na hora da coroação surge um problema, porque só existe uma coroa. Qual das cabeças será a mais importante? Da dúvida surgirá um resultado bem curioso e quem fica a ganhar nesse dia é toda a cidade, porque soube analisar, em conjunto, o problema e encontrar solução para ele.
Através de uma história simples, magistralmente ilustrada por Sandra Serra, este livro leva o leitor a desenvolver a sua capacidade crítica sobre um tema que interessa a todos: a educação para a cidadania.
Conforme afirma Eduardo Marçal Grilo, no Posfácio ao livro, “Esta história (…) é uma dessas que nos encanta e que ainda nos ensina como é importante ser bom, justo, humilde, determinado, honrado, sabedor e imparcial”.

Casas Pardas | Maria Velho da Costa

Maria_Velho_CostaCasas Pardas cartografa Lisboa no final dos anos sessenta, em plena agonia do regime salazarista: crise política e social, rumores das guerras coloniais e dos tumultos estudantis. O Portugal pardacento à espera do terramoto que virá em 1974, enquanto se escreve o caos afetivo em comunidade, por dentro das casas do amor e desamor de Elisa, Mary, Elvira e companhia. Mas Casas Pardas é acima de tudo a casa da língua portuguesa e dos seus vários linguajares, aqui em jubiloso processo de miscigenação com outras falas do mundo, através do grande virtuosismo da escrita de Maria Velho da Costa.
Deste romance fala-nos também Mário de Carvalho: «Casas Pardas é um maravilhoso torvelinho de linguagens, uma evocação concreta e exata de comportamentos sociais de várias classes no final do fascismo, uma revisitação dos lugares da literatura e da poesia (também nas suas vertentes populares), uma polifonia de falas genialmente captadas, uma subversão endiabrada dos processos narrativos e uma prática de jogos de linguagem que lembram o barroco, mas também os grandes efabuladores do século XVIII, como Fielding ou Sterne. A ironia e a réplica acerada pairam em todo o romance, repartido em várias “casas”, pluralidade de focos que centram uma escrita em que passado e presente, a concretude do quotidiano mais trivial, mas também a citação literária de vários graus, ou mesmo a toada infantil, a reflexão às vezes iluminada, de envolto com o paradoxo e a paródia, nos desafiam página a página.»
Casas Pardas esteve recentemente em cena no Teatro Nacional de São João, no Porto, com adaptação e dramaturgia de Luísa Costa Gomes e encenação de Nuno Carinhas.

Prémio Camões 2002, Maria Velho da Costa (n. 1938) é licenciada em Filologia Germânica pela Universidade de Lisboa. Foi leitora do King’s College em Londres, presidente da Associação Portuguesa de Escritores e adida cultural em Cabo Verde. Ficcionista, ensaísta e dramaturga é co-autora com Maria Isabel Barreno e Maria Teresa Horta de Novas Cartas Portuguesas. A sua escrita
situa-se numa linha de experimentalismo linguístico que viria a renovar a literatura portuguesa nos anos 60 e, como afirmou Eduardo Lourenço, é «de um virtuosismo sem exemplo entre nós».

Bares de Leitura

13957-v1-338x338Publishers, booksellers, and other booklovers have all mixed books with adult beverages at one time or another. One Twin Cities entrepreneur, however, has brewed a potent concoction with the tagline, “Reinventing the Book Club – as a Show,” that’s creating a sustained buzz. Books & Bars, which entered its 10th year this month, is a monthly public book club during which anywhere between 12-200+ participants — 60%-65% female/35%-40% male (depending upon the book being discussed), many of them in that elusive 20-40-year-old age range — eat, drink, and talk about books for 90 minutes while moderator, Jeff Kamin, 42, who performed improv comedy in Los Angeles clubs for four years before moving to Minnesota in 2001, both leads the discussion and entertains the crowd. It’s a heady mixture of intelligent conversation, juicy author and book gossip, and clever witticisms.

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Em 25 anos de integração europeia, a fatia média do orçamento familiar dedicada aos tempos livres subiu de 5% para 7%. Ler um livro é atividade pouco praticada por cá, em comparação com outros povos europeus.

Cultura e lazer não são propriamente prioridades para os portugueses. A conclusão é do estudo “25 anos de Portugal Europeu”, coordenado por Augusto Mateus a pedido da Fundação Francisco Manuel dos Santos.

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Publicó un mensaje buscando un marido millonario y un millonario le respondió de una forma genial

Una mujer publicó un mensaje en el portal financiero de un diario de los Estados Unidos pidiendo consejos sobre la manera idónea de encontrar un marido millonario. Si la situación ya de por si es de risa, lo mejor fue la respuesta que recibió de un hombre que asegura que tiene mucho dinero. Gracias Aleks por el aporte.

Mensaje que escribió la mujer:

”Soy una chica hermosa (yo diría que muy hermosa) de 25 años, bien formada y tengo clase. Quiero casarme con alguien que gane como mínimo medio millón de dólares al año.

¿Tienen en este portal algún hombre que gane 500.000 dólares o más? Quizás las esposas de los que ganen eso me puedan dar algunos consejos.

Estuve de novia con hombres que ganan de 200 a 250 mil, pero no puedo pasar de eso, y 250 mil no me van a hacer vivir en el Central Park West.

Conozco a una mujer, de mi clase de yoga, que se casó con un banquero y vive en Tribeca, y ella no es tan bonita como yo, ni es inteligente.

Entonces, ¿qué es lo que ella hizo y yo no hice? ¿Cómo puedo llegar al nivel de ella?

Rafaela S.”

Respuesta del millonario:

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1822 – Laurentino Gomes

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Como um homem sábio, uma princesa triste e um escocês louco por dinheiro ajudaram D.Pedro a criar o Brasil – um pais que tinha tudo para dar errado.

Um livro que desvenda os acontecimentos históricos com uma metodologia sem falhar e que se lê com um sorriso nos lábios. O livro 1822 pretende mostrar que país era este que a corte de D. João deixava para trás ao retornar a Lisboa, em 1821. Vai falar do Grito do Ipiranga, das enormes dificuldades do Primeiro Reinado, da abdicação de D. Pedro, em 1831, sua volta a Portugal para enfrentar o irmão, D. Miguel, que havia usurpado o trono, e a morte em 1834.

Festa do Teatro – Festival Internacional de Teatro | Um momento cultural de relevo na cidade de Setúbal

15393A “Festa do Teatro” é um momento cultural de relevo na cidade de Setúbal, proporcionando ao público autóctone e aos visitantes momentos de verdadeiro divertimento, de enriquecimento cultural e de crescimento intelectual, em que o teatro assume o papel de dinamizador de redes de difusão, permitindo a interligação de experiências e a movimentação de espectáculos de carácter profissional.

A festa do Teatro tem como objectivo reunir públicos e artistas em torno de diferentes abordagens, artísticas, cénicas e pluridisciplinares, mundos e criações diferentes através da forma de expressão teatral que não estagnam, que vivem na incessante sede da imaginação. Sempre na tentativa de criar novas formas de potenciar a criação, reflectir sobre o que é feito e visões de novos caminhos a trilhar. Como dizia Raul Brandão: “Nós não somos inutilidades num mundo feito, mas os obreiros de um mundo a fazer.”
Num mundo em que a globalização vigente tem dado passos largos para uma normatização sem diferenças da cultura, em que o idêntico e a mimetização se tornam regra esbatendo todo o brilho e riqueza da pluralidade cultural e visões do mundo, a Festa do Teatro oferece uma programação que mostra a variedade do espectro criativo que existe de norte a sul do país e diferentes abordagens além fronteiras, potenciando hábitos de fruição cultural e apostando na formação de públicos e no desenvolvimento da sua capacidade crítica. Procura também esta verve criativa existente nas periferias, sempre pugnando pelo valor artístico e social das produções nela apresentada. Sempre na partilha de novos caminhos e visões, como afirmava Jorge de Sena “A cultura serve para mostrar a nós próprios que somos melhores do que aquilo que pensamos ser!”

De 24 a 31 de Agosto
Programa
“XV FESTA DO TEATRO”

Festival Internacional de Teatro de Setúbal

AGOSTO

24 – 19h00
. Salão Nobre – Sessão de Abertura
O Piano em Pessoa – Armando Nascimento Rosa e António Neves da Silva – entrada livre

22h – Parque do Bonfim
. Que raio de Mundo – Teatro Regional da Serra do Montemuro – M/6

25 – 22h
. Fórum Municipal Luísa Todi | A noite antes da floresta – Teatro
Estúdio Fontenova – M/16

26 – 22h
Auditório da Escola Sebastião da Gama | Branca de Neve / Leitura
Encenada seguida de conversa com a equipa artística – Uma produção de Paulo Lage – M/16

27 -22h
. Fórum Municipal Luisa Todi | Ensaio ou Café dos Artistas – Teatro dos ALOÉS – M/12

28 – 22h
. Casa da Cultura | Um Precipício no Mar – Artistas Unidos- M/12

23h – Casa da Cultura
. Mostra de Curtas-metragens – Experimentáculo –
Entrada livre

29 – 22h
.Fórum Municipal Luísa Todi | A Estalajadeira – Artistas Unidos – M/12
Apresentação conjunta do Fórum Municipal Luisa Todi e Teatro Estúdio Fontenova

30 – 22h
. Auditório da Escola Secundária Sebastião da Gama | T. 3 – Uma Criação de João de Brito, Wagner Borges e Marta Lapa – M/16

31 – 22h
. Fórum Municipal Luisa Todi | Dos à deux, 2°acto – Dos à Deux / França – M/12

Actividades paralelas:

De 13 a 31 de Agosto .
Café das Artes/Casa da Cultura | Exposição de Fotografia – alusiva a edições anteriores.

De 24 a 31 de Agosto
. Ponto de encontro / (Re)cantos à Festa– Momentos de animação e partilha entre artistas e a comunidade | Café das Artes/Casa da Cultura

http://www.rostos.pt/inicio2.asp?cronica=15393 … (FONTE)

Teatro Rápido

Hoje é 6ª e há Teatro Rápido no Chiado a partir das 18h00!

Sala 1 – Cigano de Lisboa
Sala 2 – Belo, Feio e Assim Assim
Sala 3 – Barbona
Sala 4 – Sol-ida-mente Juntos…

Amanhã, sábado 24/08, para além do programa habitual temos o regresso ao TR Bar de ELAS SOU EU!

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Ana de Londres, de Cristina Carvalho

Ana de LondresNos anos 60, Portugal vive a angústia de ver partir a sua juventude para a guerra. Fechado sobre si mesmo, é um país triste e retrógrado que contrasta com a explosão de vida na Europa.

Neste ambiente, Ana, com dezoito anos, não consegue realizar os seus sonhos. Contra a vontade dos pais que a empurravam para um futuro que não desejava, confiante no amor, parte para Londres. Na capital inglesa, planeia uma nova vida, independente e livre junto de quem mais ama, João Filipe, que fugira da Guerra Colonial. Mas estará Ana preparada para enfrentar tantas e tão intensas transformações?

Cristina Carvalho, escritora que a cada novo livro confirma uma originalidade admirável, surpreende com Ana de Londres, memória de uma juventude que escolheu a emancipação e ousou libertar-se das amarras de uma sociedade redutora. Uma obra intensa, ilustrada com a visão talentosa do pintor Manuel San-Payo e com um esclarecedor prefácio de Miguel Real, este livro apresenta não só um retrato impressionista de um tempo histórico que deixou profundas marcas individuais e colectivas na sociedade portuguesa, como constitui o retrato de uma geração que não teve medo de viver.

Nas livrarias a 5 de Setembro. Um livro das Edições Parsifal.

Futuro escravo

Tra­bal­har num call cen­ter é viver num mundo de pobreza, insta­bil­i­dade, pressões e humilhações.

Para Nuno, o pior de tudo era ter de enga­nar os clientes. Tra­bal­hou no enorme call cen­ter da Por­tu­gal Tele­com em Coim­bra, antes de vir para a Teleper­for­mance, em Lis­boa. Em Coim­bra tra­bal­hou no sec­tor “out­bound” (quando é o oper­ador que faz a chamada, geral­mente para vender) da MEO. “Tín­hamos de dar a enten­der às pes­soas que, se não com­prassem o serviço MEO, ficariam sem tele­visão, o que era men­tira”, recorda Nuno, ao PÚBLICO. Era o período em que foi intro­duzida a Tele­visão Dig­i­tal Ter­restre (TDT). Quem não tinha qual­quer serviço por cabo, teria de insta­lar um descod­i­fi­cador para con­tin­uar a ter sinal de tele­visão. Não era necessário aderir ao MEO, mas os oper­adores só expli­cavam isto se o cliente o per­gun­tasse explici­ta­mente. As instruções que tin­ham eram claras quanto a isto.

Paulo Moura in repórter à solta,  blogues do Público

Ensaio crítico resgata Gonzaga, por Ronaldo Cagiano

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Fruto de uma incursão crítica em sua vida e obra, o poeta Tomás Antônio Gonzaga acaba de merecer um justo resgate em publicação da Academia Brasileira de Letras, que em sua coleção “Série Essencial” convida um especialista para discorrer sobre autores que inauguraram as cadeiras da Casa de Machado de Assis.

Coube ao professor, crítico e ensaísta Adelto Gonçalves, um os grandes estudiosos da bibliografia do patrono da Cadeira 37, mergulhar no universo gonzaguiano (nascido no Porto em 1744), buscando nas suas raízes históricas a gênese estética de sua poesia, a partir de sua vida e de seus estudos, divididos entre a infância/juventude na Bahia, Recife e Rio de Janeiro e seu bacharelado em Coimbra.

Nesse livro, que tem a chancela editorial da Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, o professor Adelto colige alguns de seus melhores poemas,  com estudos e comentários que situam a produção do autor do antológico “Marília de Dirceu” no contexto histórico em foram produzidos, na esteira do que já havia publicado em seu Gonzaga, um Poeta do Iluminismo (Ed. Nova Fronteira, Rio, 1999), resultando de sua tese de doutorado na USP.

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Camilo Pessanha na intimidade

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Depois de publicar Clepsidra e outros poemas, para o qual escreveu o prefácio e fixou o texto, com ilustrações de Rui Campos Matos (Lisboa: Livros Horizonte, 2006), e A imagem e o verbo: fotobiografia de Camilo Pessanha (Macau: Instituto Cultural do Governo da R.A.E. de Macau e Instituto Português do Oriente, 2005), o pesquisador literário Daniel Pires (1951) acaba de lançar Correspondência, dedicatórias e outros textos, de Camilo Pessanha (Campinas: Editora Unicamp; Lisboa: Biblioteca Nacional de Portugal), que reúne 19 cartas do poeta português que se encontravam parcial ou integralmente inéditas e 59 que estão disseminadas por livros esgotados e por periódicos de difícil acesso. Obra desde já imprescindível para quem se aventurar a escrever sobre Camilo Pessanha (1867-1928), o livro traz ainda uma minuciosa cronologia que avança até 2010, acrescentando obras, teses acadêmicas, filme e exposições realizadas sobre a vida e a obra do poeta. Nos anexos, além de dedicatórias feitas a amigos e admiradores, há dois textos da lavra do funcionário público Camilo Pessanha: um relatório encaminhado ao secretário-geral do Governo de Macau sobre a atividade pedagógica das Irmãs Canossianas na cidade e uma ata secreta do Governo de Macau, que consta de acervo do Arquivo Histórico de Macau. No primeiro documento, Pessanha, presidente de uma comissão nomeada pelo governo, avalia a atuação de uma congregação religiosa na prática educacional. De sua leitura, vê-se a influência e conseqüências em Macau da revolução republicana de 5 de outubro de 1910, depois da deposição da monarquia em Portugal.  O segundo documento, de certa maneira, relata o inconformismo do poeta diante da provável execução, se fosse extraditado, de um alto dignitário chinês, Lam-Kua-Si, perseguido pelo vice-rei de Cantão. Como observa Daniel Pires no ensaio que escreveu à guisa de prefácio, em razão da dependência de Macau em relação à China, todas as personalidades portuguesas convocadas a aconselhar o governador diante do pedido feito pelo vice-rei se colocaram a favor da extradição, com exceção de Pessanha, que justificou em separado a sua posição, ainda que não houvesse “decerto bandidos mais bestialmente cruéis do que esse Lam-Kua-Si”, como escreveria mais tarde, em 1912. É que ao poeta repugnava o comportamento indigno dos tribunais chineses bem como os métodos desumanos com que as autoridades do país faziam cumprir a pena, métodos tão abjetos que talvez só concorressem em crueldade com os que seriam praticados pelos esbirros da ditadura militar brasileira de 1964. Eis como Pessanha descreve um deles num prefácio que preparou para o livro Esboço Crítico da Civilização Chinesa, de J. António Filipe de Morais Palha, publicado em Macau em 1912: “(…) Entre os suplícios restaurados havia a sensacional morte de gaiola, em que o paciente era suspenso pelo gasnete, mas de modo a poder apoiar no chão os dedos dos pés, e deixado nessa divertida posição, de equilíbrio instável, até morrer de esgotamento”. Continuar a ler

Gonçalo M. Tavares fez sessão no Litercultura, Curitiba

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O premiado escritor Gonçalo Tavares, que tem mais de 220 traduções de suas obras, em 45 países, abriu as sessões da tarde deste sábado no Litercultura, Festival Literário Curitiba 2013 que começou na sexta e vai até domingo. Para quem considera a literatura de Gonçalo Tavares um tanto fria ele diz que prefere provocar menos surpresas e transmitir  emoções mais perenes.

“Não acredito na emoção dos programas de TV em que o apresentador chora. É uma emoção violenta, mentirosa.  Cinco minutos depois ele está rindo”, afirmou Gonçalo ao responder uma pergunta do mediador Flávio Stein.

Ao responder uma pergunta sobre seu processo criativo disse que quando escreve não atende telefone. “Para conversar comigo meus pais colocam um bilhete por debaixo da porta. Se nos encontramos, por acaso, na cozinha quando faço um intervalo para um café, eles já nem me dão bom dia. O mundo da escrita para mim é quase hipnótico”.  Gonçalo resgatou seu cotidiano para explicar porque acredita que muitas vezes  é mais fácil se defender dos inimigos do daqueles que nos amam. O escritor, que está com 43 anos e teve seu  primeiro livro publicado em 2001, prefere escrever pela manhã porque considera estar em  seu melhor estado de lucidez.

Gonçalo falou em lucidez em mais um momento da sessão, ao abordar a transformação que a literatura pode provocar. “Não penso em alteração, penso em lucidez. Lucidez é perceber o que acontece ao redor. Saber que se foi violento com alguém, perceber  isso”, comentou ao se referir ao tema que norteou a conversa “O Bairro e o Reino, o Mal e a Ficção”.

As sessões que aconteceram ao longo da tarde tiveram as presenças dos escritores Miguel Sanches Neto, com mediação de Sidney Rocha. O tema do bate-papo foi “O Escritor como leitor, estratégias e obsessões de leitura de quem produz literatura”.

Em seguida Cristovão Tezza respondeu as perguntas do mediador Christian Schwartz que discutiram o impacto das leitura na formação do leitor e do escritor. Um debate sobre quadrinhos com José Aguiar,Antonio Eder e Fulvio Pacheco abordaram tópicos relacionados a adaptações literárias.

No início da noite Ana Maria Machado, conversou com Sílio Boccanera, num bate-papo intitulado Palavras, palavrinhas, palavrões.

José e Pilar, um filme de Miguel Gonçalves Mendes

 Este filme acompanha o dia-a-dia do casal José Saramago e Pilar del Rio, mostrando-nos o processo criativo do livro a “A Viagem do Elefante”. Momentos do cotidiano, ponteados pelas reflexões de José Saramago, enquanto Pilar, como uma abelhinha, vai cuidando do dia-a-dia do casal, da agenda de Saramago e do próprio Saramago.

Existe uma forte união entre os dois, sem que um apague o outro. Disso mesmo nos dá conta o filme, mostrando Pilar nas suas próprias iniciativas, em diversas conferências e presenças na comunicação social.

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Comunicação social e poder político

kjhhTenho, como se sabe, há muito uma vi­são crítica da comunicação social e da sua relação com o poder. Essa relação é bipolar: incorpora com facilidade a lin­guagem do poder e assume-se retoricamente como contrapoder. Nenhuma das duas atitudes é particularmente saudá­vel para aquela que deve ser a sua função essencial, que, por bizarro que pareça, tem de ser lembrada: informar-nos. Não é educar-nos, nem industriar-nos, nem mobilizar-nos, nem recrutar-nos. É in­formar-nos e, se o fizer com eficácia, tudo o resto vem daí.

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Atração pelo lixo cultural

Cecilia Giménez, a octogenária que em Agosto de 2012 restaurou o quadro de Elías García Martínez, Ecce Homo, também conhecido como Cristo de Borja – que decora o Santuário da Misericórdia em Saragoça – tem agora, nessa mesma localidade, uma exposição de pintura aberta ao público.

O fatídico restauro, que destruiu por completo o quadro original, já atraiu 70 mil turistas e rendeu 50 mil euros em entradas. Esta atração cultural, baseada na redução ao absurdo e no gosto pelo muito mau, move milhares de pessoas.

Com tão pouco se contentam as pessoas. O puro lixo rivaliza com a melhor oferta cultural. Provavelmente teremos esta simpática anciã a representar Espanha na próxima bienal em Veneza.

(leia aqui o artigo do Público)

Os 10 melhores livros, de ficção e poesia, da história da literatura brasileira

Em comemoração ao Dia Nacional do Escritor, celebrado em 25 de julho, perguntamos a colaboradores, leitores e seguidores do Twitter e Facebook — escritores, jornalistas, professores de literatura —, quais são os melhores livros — de ficção e poesia — da história da literatura brasileira. Discutível como qualquer lista de melhores, esta também não pretende ser abrangente e reflete apenas a opinião dos participantes da enquete. Abaixo, em ordem classificatória, a lista com os 10 livros que obtiveram o maior número de citações.

Memórias Póstumas de Brás Cubas | Machado de Assis

O mais importante romance brasileiro de todos os tempos. Moderno avant la lettre, revolucionário na forma fragmentária, no tempo narrativo não- linear, no estilo realista-irônico, é ao mesmo tempo um dos mais agudos retratos das elites brasileiras – além de repositório de algumas das passagens mais famosas da literatura em língua portuguesa. Fixação do texto e notas por Marcelo Módolo (professor do Departamento de Letras Clássicas e Vernáculas da USP). Prefácio de Abel Barros Baptista (doutor em estudos portugueses pela Universidade Nova de Lisboa; professor do Departamento de Estudos Portugueses da Universidade Nova de Lisboa). Prólogo da 4ª. edição por Machado de Assis.

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Grande Sertão: Veredas | Guimarães Rosa

Este é o único romance do escritor mineiro João Guimarães Rosa. Aqui ele utiliza o idioma do próprio sertão, falado por Riobaldo numa extensa e perturbadora narrativa. Conheça as lembranças desse jagunço em suas desventuras no espaço mítico dos campos gerais e seu impossível amor por Diadorim.

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Urbano Tavares Rodrigues (1923-2013)

“O meu amigo Urbano morreu, e eu de súbito fiquei desamparada, sem chão, o dia perdeu claridade.
Era muito nova quando nos conhecemos, e desde o primeiro momento, a sua generosidade, a sua solidariedade, fez toda a diferença.
Ontem, de um momento para o outro, senti-me absolutamente só, a pensar que lhe devia ter dito mais vezes, quanto o admirava, quanto ele fora importante para mim. Mas, também, agradecer-lhe o exemplo de hombridade, de honra e de coragem, que me deu sempre.
O Urbano foi o homem mais corajoso que conheci.
O Urbano era um homem da liberdade.
Obrigada querido Urbano por teres sido como foste.”

Maria Teresa Horta    (publicado no Facebook)

Veja aqui a reportagem da RTP

SOBRAS DE LOUCURA | Cecília Prada

Há na história da literatura uma variedade de escritores que vêm vindo, desde os primórdios da civilização humana,  dois tipos de escritores: os que se dizem “sãos”, normais; e os que são definidos como “loucos”, diferentes– em vários matizes, tonalidades e aceitações. Ou rejeições. Os primeiros são os meninos bonzinhos, o primeiro da classe – ou, meramente, o funcionário público da literatura, aquele que, em nosso tempo principalmente, está mais interessado em sua agenda, conta bancária e feiras de livros, de preferência internacionais. A receita de sua ficção – nós os temos aí às toneladas – é  a falta de estilo pessoal, vertida em prosa sem pensamento ou sobressalto, engordativa e abundante em enredos complicados (os históricos andam muito em moda), de preferência já votados a polpudas versões telenovelescas ou cinematográficas.

Os segundos : é grande sua variedade, englobados que estão dentro da categoria geral de todos aqueles escritores que vieram vindo, séculos afora, nos vários cantos da Terra, empenhados de modo tão visceralmente doloroso e difícil naquela luta “tão vã”– como dizia o poeta Drummond – a luta pela palavra, pela expressão do estranhamento cotidiano de si, do outro, do universo em que estamos todos metidos. Aqueles para os quais escrever é um imperativo interior que pode levá-los a extremos de satisfação ou de sofrimento, uma arte exigente, implacável, e certamente a mais solitária que existe.

Há mesmo na Inglaterra um curioso monumento, não me lembro em que lugar, “em homenagem ao escritor solitário”– uma enorme cadeira vazia que se levanta para  o céu – por entre suas pernas passa a história da humanidade. Homenageia um estranho, atordoado  e já raro ser – o “escritor literário” – que, se ainda não extinto hoje, estertora em meio à enxurrada editorial quantitativa despejada cotidianamente sobre sua cabeçapor todos os meios tradicionais ou up-to-date midiáticos, enquanto ele ainda tenta, qual Camões, salvar-se do naufrágio mantendo intacto o manuscrito de um poema, ou de um romance,  fora das águas.

Um ser que insiste em estar mergulhado, sempre, na compulsão de uma criação cujo mistério chega a desafiar até mesmo um dos maiores escritores da atualidade, Gabriel Garcia Marques, que pergunta: “Que tipo de mistério é esse, que faz com que o simples desejo de contar histórias se transforme numa paixão, e que um ser humano seja capaz de morrer por essa paixão, morrer de fome, de frio ou do que for, desde que seja capaz de fazer uma coisa que não pode ser vista nem tocada, e que afinal, pensando bem, não serve para nada?”

 

(É disso que trata meu décimo-terceiro livro, “PROFISSIONAIS DA SOLIDÃO”(artigos sobre literatura), que acaba de ser lançado pela Editora SENAC, de São Paulo – para o qual, gostaria muito esta autora de encontrar também editor em Portugal e em outros países lusófonos…)

O DEBITADOR por Cristina Carvalho

cc 01E então o rapaz levanta-se, entorta, ligeiramente, mas só ligeiramente a cabecinha para um lado – reminiscências de infância! -, ajeita os seus dois relógios, um em cada pulso, um verde, outro amarelo, esfrega as mãos, simula um auto-abraço, entrelaça os dedos das mãos, começa a andar de um lado para o outro do palco, com frenesim e alguma estudada e ensaiada atitude nervosa e começa a debitar um incompreensível, na sua totalidade, amontoado de palavras.

Dirige-se a um público atordoado – pensa ele – por tantas e singulares afirmações, um público que nem sabe bem onde é que está e o que veio ouvir.

O jovem debitador vomita e defeca palavras que não existem, questiona, ilude, prestidigita, inventa; o jovem debitador apresenta uma energia doentia, é baixote e ágil como um ladrão; forma frases compridíssimas, com mais palavras estrangeiras que portuguesas; tenta convencer em acto desesperado; de tempos a tempos, ergue os braços e incita a plateia a levantar-se e a aplaudir e faz-se de tal maneira insinuante que, num primeiro vislumbre, até confunde. E faz gestos que incitam a plateia a levantar-se, observa, ri-se e manda sentar, de novo! Apreciou a constatação: levantaram-se e baixaram-se a seu comando!

Eu sou quase Deus!

O jovem debitador não diz absolutamente nada. Nada de nada! É de uma banalidade confrangedora. São toneladas de lugares-comuns, resmas de frases feitas, pensamentos cansados, esgotados de tanto ouvidos. É um autómato, uma figura de cera que, se fôr deixada ao sol, derreter-se-à num ápice. Ele não sabe, ele não sente. Não deve ter sangue. A sua proclamada ambição e o seu expresso desejo é que todos os jovens deste desgraçado país trabalhem. E ele existe para nos convencer que, se não trabalham, é porque não querem e que se trabalhassem tinham sucesso garantido! Basta a vontade!! O rapaz é cansativo. Rebenta-nos de cansaço! Fala à velocidade da luz e não dá tréguas. Não tem tempos. Não tem noções. Impõe. Exige! Ordena!

Expulsa! Tudo explode à sua volta! Não! Não quero ouvi-lo nem mais uma fracção de segundo em todo o resto da minha vida!! Irra!

O debitador tem sido recebido em todo o lado. Nas televisões, nas rádios, nos jornais como se de um Messias se tratasse, um espalhador da palavra, um arrebimba-o-malho de certezas e confianças no nada, no zero. Nada! Diz nada! Não há, naquele discurso, nada de coerente, de sábio, de conhecedor. Não há vida. No seu discurso existem todas as sombras de todos os desesperos, de todas as angústias, de todas as incertezas.

O ignóbil disto tudo é o sorriso satisfeito dos que o elegeram para encabeçar um movimento destes: o empreendedorismo jovem! E também daqueles que lhe dão cobertura mediática. É que isto chama audiêêências! Muitas!

No olhar deste rapaz não existe nada a não ser a vontade desmedida de se fazer notado seja de que maneira seja. Um case study, para usar umas das suas muitas lenga-lengas anglo-saxónicas e que passo a dar exemplos:

Mind set, interface, feedback, swaip, pitch, slide, as we speak, expertise, spam, newsletters e desculpem-me os erros, que alguma coisa deve estar mal escrita.

Não existe naquele olhar uma única estrela! Nem um grão de pó de estrela! Não há o desenho do infinito, não há um horizonte de sonho, ainda que possa parecer. Daquele sonho inalcançável, que faz dos homens seres excepcionais. Não há sedas, nem veludos, nem esconderijos secretos, nem absurdos de fantasias! Não há nada que se vislumbre naquele olhar de tão perdido que anda!

Que triste vida!

Cristina Carvalho

Agosto 2013 – Pnet Literatura

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Sem Barreiras Arte Russa 1985-2000: Que farei com esta liberdade?

Quem visitou São Petersburgo talvez se recorde de ter visto, no Museu Russo – que alberga uma das maiores e mais imponentes colecções de arte russa do mundo – o quadro de Karl Briullov (1799-1852), um dos mais reconhecidos artistas do seu tempo, “A morte de Inês de Castro” (1834). Este encontro inesperado com uma página da história portuguesa na capital cultural da Rússia não deixa certamente de emocionar. Também o registou Fernando Namora, em “Os adoradores do sol” (1971), crónica de viagens à Escandinávia e a São Petersburgo, então Leninegrado. Na mesma obra, escreveu, também “O sol, como a saúde, como a liberdade, só se dá por ele se é escasso. Ou se o perdemos”.

Semaforo 02

Vêm estas palavras à memória, transmutadas em perguntas, a propósito da exposição “Sem Barreiras Arte Russa 1985-2000”, inaugurada no mesmo Museu Russo em Dezembro de 2012. Que acontece quando se reencontra a liberdade? Ou se adquire uma liberdade que nunca se teve antes?

Retrato de um tempo enquanto meio do artista que o retrata

1985-2000: estes foram os anos das reformas globais do sistema socialista soviético, a “Perestroika”, anos de revoluções profundas e sucessivas em todas as esferas da vida de um país que acabaria por deixar de existir e da dos países que lhe sobreviveram. Recordemos algumas datas fundamentais: em 1985-1990 dá-se o início da liberalização política; surge a imprensa independente, são legalizadas fontes de informação ocidentais, é publicada literatura antes silenciada; fazem-se as primeiras tentativas de reforma da economia planificada; 1989 é o ano da queda do Muro de Berlim e do fim da Guerra Fria; desenrola-se o processo de desintegração da União Soviética, cuja existência cessa oficialmente em 1991, processo que envolveu confrontos com intervenção de forças militares nas ex-repúblicas; entretanto, intensifica-se a crise económica, verifica-se um défice total de produtos de primeira necessidade; em 1992 são levadas a cabo reformas económicas “de choque” de transição para a economia de mercado; a inflação sobe em flecha; em 1993 dá-se uma crise constitucional acompanhada por um conflito armado em Moscovo; em 1994 ocorrem actos terroristas em Moscovo e outra cidades russas, e também no Cáucaso; em 1998 dá-se uma profunda crise económica, com a desvalorização abrupta do rublo e a derrocada do sistema bancário; inúmeros cidadãos perdem as suas poupanças.

Escusado será dizê-lo, foram anos em que o Museu Russo não dispunha de meios para adquirir obras para o seu espólio. Mas foram os anos em que muitas obras que se encontravam nos depósitos foram expostas, de novo ou pela primeira vez. Entre outras, realizam-se no Museu Russo, nos finais dos anos 80, as exposições de Pavel Filonov (1883-1941), Vassili Kandinsky (1866-1944) e “Arte dos anos 1920-1930”, em 1996 a retrospectiva de Vladimir Tatlin (1885-1953) e em 1997-1998 a exposição “Mosteiros Russos: Arte e Tradição”. No vizinho Museu Ermitage, em 1988, acontece a exposição de arte ocidental do século XX “Época de descobertas”. Em 1989, no Parque de Exposições Lenexpo, também em Leninegrado, tem lugar a exposição “Da arte não-oficial à perestroika: 40 anos de underground em Leninegrado”.

Como escreveu Mark Petrov, num dos artigos incluídos no catálogo da exposição “Sem Barreiras Arte Russa 1985-2000”, assistiu-se naquele período ao “enfraquecimento abrupto das funções censório-repressivas dos institutos estatais, chamados a zelar pela cultura na sociedade do socialismo triunfante. (…) A ideologia enquanto sistema de medidas proibitivas deixa de ser factor determinante na organização da vida artística ainda antes da mudança de regime, e depois, durante os anos 90, deixa completamente de existir”.

Por escolha consciente, os mais de 200 artistas representados na presente exposição são artistas que não emigraram até 1985 ou que viviam na Rússia pré- ou pós-soviética na altura em que criaram as obras expostas. O olhar dos artistas que emigraram foi necessariamente influenciado pelas novas circunstâncias em que se encontraram, e talvez pelas expectativas da cultura com que se depararam; por exemplo, verifica-se que a desconstrução e desvalorização do sistema de símbolos soviéticos, quando patente, tem contornos mais suaves nas obras dos artistas que ficaram. Pretendeu-se que a exposição fosse sobretudo reflexo de uma vivência na Rússia em 1985-2000, mostrando os caminhos que foram trilhados como resposta à pergunta que se colocava, também, no plano artístico: que fazer com a nova liberdade?

Pintar a realidade, sem barreiras

E o que é isso de “liberdade”? Um “contra tudo e contra todos” por definição, uma liberdade egoísta e hedonista, ou responsável e com valores? E que valores, agora que “nada é proibido”? Que fazer, quando todos os caminhos, na arte como na vida, são uma possibilidade e não há regras, barreiras ou indicações, como simboliza o “Semáforo”, tela do início da década de 90, de Aleksandre Petrov (n. 1947), com as luzes vermelha, amarela e verde acesas em simultâneo?

Há ainda hábitos de receio: na tela “Autoretrato (com censura interior)” (1988), de Valeri Lukka (n. 1945), há um rosto sem feições definidas e um corpo como uma massa que se desprende, viscosamente, da massa envolvente.

Há o desejo de ironizar com os símbolos do passado soviético – a desconstrução semiótica de um sistema é uma constante da revolução que leva à mudança desse sistema. Na escultura “Lira russa” (1985), de Aleksandre Sokolov (1941-2009), a foice e o martelo transformam-se numa lira, rudimentar e tosca, mas que é, ao mesmo tempo, uma evocação do “Contra-relevo de canto” (1915) de Tatlin – símbolo da arte de vanguarda russa do princípio do século XX que foi inicialmente associada ao regime saído do Golpe Bolchevique de 1917, mas que passaria a ser, a partir dos finais dos anos vinte, arte “non grata”; na tela “Em Pereiaslavle” (1987), de Ekaterina Grigorieva (1928-2010), mulheres conversam numa praça da cidade de Pereiaslavle, levantando um braço num gesto que repete o braço estendido de Lenine na estátua no meio da praça; na paisagem fabril da tela “Levam-no” (1997-1998), de Iuri Chichkov (n. 1940), cinco homems levam em ombros uma estátua de Lenine, o mesmo braço estendido, num cortejo fúnebre, encabeçado por dois músicos de jazz; na tela “Ameixas em calda” (1988), de Oleg Zaika (n. 1963), uma lata de ameixas em calda é elevada à categoria de ícone “Soc-art” (“arte socialista”): trata-se de uma lata “artesanal” e imperfeita, em vez dos contornos bem definidos das latas de sopa Campbell’s de Andy Warhol.

Há o empenho em registar e narrar a realidade: telas realistas e hiper-realistas que não cantam a beleza idealizada do trabalho e das gentes, mas constatam a fealdade do quotidiano, como o bêbado em “Levanta-te, Ivan!” (1997), de Hélio Korjev (1925-2012), as filas intermináveis em “Fila” (1989), de Aleksei Sundukov (n. 1952) ou o desencanto no rosto dos mais velhos em “Velhice feliz” (1988), de Tatiana Nazarenko (n. 1944); que não descrevem celebrações populares solenes, mas momentos de descanso na relva, com vodca e pão com chouriço, sem pompa nem glória, como a tela “Na relva” (1983-85), de Fiodor Kunitzin (n. 1951); que não mostram as virtudes da vida no campo, mas desalento, como em “Jantar na aldeia” (1987-88), de Vladimir Cherbakov (1935-2008) – mãe e filho, pão e um ovo sobre a mesa, cansaço nos olhos da mãe, que deita leite numa chávena, mudez nos olhos do filho, que tudo vê.

Memórias, destroços, metáforas

A realidade rima com desencanto e inquietação: a escultura “Rapto” (1987), de Vladimir Soskiev (n. 1941); a tela de Igor Orlov (n. 1935), “Pressentimento” (1988), uma paisagem, à primeira vista, clássica e harmoniosa, com montes, árvores e casas, uma luz de fim de tarde, mas em que a harmonia logo se quebra, pois que as casas afinal resvalam para um abismo; “À procura de Ícaro” (1990), escultura de Pavel Chimes (n. 1930), em que Ícaro, de asas abertas, jaz, caído, e em cima dele a multidão amontoa-se, olhando para o longe à procura de um sinal, rostos que parecem murmurar “E agora?”; a escultura “Estrela caída” (1991), de Vassili Pavlovski (1932-2009).

Na tela “Recordação do futuro” (1989), de Mark Petrov (1933-2004), encontramos a saudade de ideais por cumprir, expressa nos rostos cinzentos-azulados que se recortam num fundo de referências a heróis de várias épocas, um rosto que olha para o momento presente, outro para o passado, outro para o futuro. Será também esta saudade, com ironia desencantada, que exprime Konstantin Persidski (1954-2008) na tela “O bolo” (1999-2000): a Rússia, simbolizada pela Praça Vermelha em Moscovo, é um enorme bolo coberto de velas, em cima de uma mesa à volta da qual, de pé, em vestes cinzentas e de rostos cinzentos, avidamente uns, tristemente outros, esperam, silenciosamente, a sua fatia, os “proletários e camponeses”, as longas mãos esguias e vazias. Velas que assinalam mais um aniversário do Golpe de Outubro de 1917, ou da mais recente revolução, a “Perestroika”; fatia que, claramente, não lhes chegará ao prato, como realça o contraste da cor – o bolo, cor desmaiada de tijolo, e a envolvente cinzenta da mesa e dos pratos vazios, dos corpos e das faces, do fundo azul de chumbo.

Há toda uma atmosfera de desesperança e abandono: na paisagem cinzenta e branca de neve, cães e corvos na tela “No boulevard” (1983-88), de Nikolai Andronov (1929-1998); nas manchas cinzentas do céu e das asas das aves na tela “O lento voo dos corvos” (1988), de Irina Starzhenetskaya (n. 1943);  na tela de Vladimir Chinkarev (n. 1954) “No hospital Skvortzov-Stepanov” (1990), em que a enfermaria de um hospital se transforma em paisagem, também ela cinzenta, onde as paredes e o tecto são como o rio e o céu que prolongam o espaço das camas, a cidade é assim uma enorme enfermaria, um espaço colectivo de sofrimento; na tela “Chá” (1997), de Ludmila Markelova (n. 1959), onde muitas mãos se estendem para um único prato e para um único bule minúsculo, numa mesa em tons vermelhos escuros de amora e malva, visível um único rosto, cor de mostarda; na tela “Outono” (2000), de Serguei Kitchko (n. 1946), onde há maçãs e folhas caídas e caindo nas ervas e em cima de uma velha mesa e duas cadeiras de madeira, chagas abertas na tinta azul, um jarro de água esquecido sobre a mesa.

Há também a solidão: nas telas “Metro” (1986-88), de Gueorgui Koventchuk (n. 1933), em que o túnel das escadas rolantes ressoa em ondas de amarelos e vermelhos, como gritos de Edvard Munch, ou “Era uma vez Zinaida, a bela” (1992), de Vladimir Iachke (n.1948), um retrato de mulher que é uma síntese de Vincent van Gogh e Henri de Toulouse-Lautrec.

Há o preservar da memória pessoal e íntima – por oposição à memória colectiva – no espaço e nos objectos, como na “Fotografia de recordação” (1984-85), de Erik Bulatov (n. 1933), uma paisagem bucólica em que, recortados como sombras chinesas, mas a vermelho – para que a recordação seja mais vívida? – estão quatro amigos, sentados num banco, talvez para sempre fisicamente longe da paisagem que conserva a memória deles, ou na escultura em ferro fundido e bronze “A sombra da minha Avó” (1999), de Marina Spivak (n. 1955), em que os contornos, como um espectro, de uma figura de mulher, sentada a uma máquina de costura Singer, tão metálicos como a própria máquina, fazem já parte dela.

Há a memória da repressão, traduzida em metáforas na tela “Sombra mortal” (1992), de Boris Sveshnikov (1927-1998), herdeira da arte analítica de Filonov, um mosaico em tons de azul e verde, que é feito, afinal, de caveiras; nesse mosaico há também dois rostos, um deles o rosto da morte, o galo, símbolo da traição, e a dança da morte, no horizonte, como nas cenas finais do filme “O sétimo selo” de Bergman.

Há o sentimento de mudança de uma era: na tela “Movimento dos gelos” (1987), de Victor Ivanov (n. 1924), em que a estética do “estilo austero”, renovação dentro do realismo socialista nos anos 60, faz parte da metáfora, pois veste aqui uma temática não correspondente e cheia de densidade psicológica, há um grupo de homens e mulheres, uma delas com uma criança ao colo, expressivas silhuetas gráficas recortadas na paisagem azul, que observam, imóveis e solenes, a passagem das massas de gelo flutuando no rio depois do inverno.

Há o sentimento de que é preciso começar tudo de novo, e não se sabe como: na tela de Helena Figurina (n. 1955), “Brincadeira na areia” (1988), com referências às telas de Henri Matisse “A dança” e “A música” (a propósito, ambas no Museu Ermitage) mas em amarelos e laranjas, cinco homens-embriões tentam, sem instruções e sem roteiro, (re)construir a realidade a partir da areia, matéria limitada e que se lhes escapa por entre os dedos.

Renascimento

Mas há também esperança no meio dos destroços: na tela “Rapazinho colhendo ameixas” (1999), de Larissa Naumova (n. 1945), um rapazinho, banhado pelo sol da manhã, procura ameixas no meio de um amontoado de troncos de bétula caídos, um bosque branco destroçado em que as ameixas são o único toque de cor, embora triste, e olha para nós, como que surpreendido pela nossa presença, talvez com um pedido mudo de auxílio.

Há curiosidade e amor pela vida: na escultura “É só o começo…” (1989), de Adelaida Pologova (1923-2008), em que uma mulher, engelhada pela idade, tenta caminhar, podem ler-se, na base, os versos finais do poema de Paul Claudel “A resposta do sábio Hsien Yuan”: “Porque é que dizemos que é o fim de tudo, quando, na verdade, é só o começo”.

Há, enfim, renascimento espiritual e religioso, depois do colapso do sistema que, propondo-se moldar o homem novo e livre, perseguiu o Cristianismo, demoliu igrejas e catedrais, arrasou cemitérios. Uma metáfora para este renascimento é a tela de Ivan Uralov (n. 1948), “O anjo da nossa aldeia (Achado)” (1998), harmoniosa como um fresco muito antigo, acentuando a ligação com o passado, onde duas mulheres, perto de um rio, se debruçam sobre a figura de um anjo, que jaz como que numa sepultura – o anjo reencontrado da igreja da aldeia (cada igreja tem um anjo, e o anjo continua nesse lugar, mesmo se a igreja tiver sido destruída).

Alguns artistas escolhem a Paixão de Cristo como tema das suas obras: as telas “Levando a Cruz” (1996), de Serguei Repin (n. 1948), “Crucificação” (1994), de Natália Nesterova (n. 1944) e “Gólgota” (1988), de Evcei Moiceenko (1916-1988).

Também profundamente simbólica é a tela “Ícone novo” (1990), de Ivan Lubennikov (n. 1951). Representa um ícone cujos traços são quase indefinidos, como que apagados, destruídos pelo tempo e pelo abandono. Mas sobre essa forma esfumada aparece claramente recortada uma cruz branca, e ainda outra cruz preta, mais pequena, e outra, e outra, cruzes essas que são, ao mesmo tempo, atributos das vestes dos santos em alguns ícones da Rússia Antiga e referências inequívocas ao suprematismo de Casimir Malevitch. “Ícone Novo” aparece assim como uma metáfora para a regeneração da fé Cristã: a religião renegada renasce, emergindo mesmo através das formas da arte que foi um dia símbolo do sistema que a renegou.

Extremos que se tocam

Em 1985-2000, há também artistas que aparecem como herdeiros do abstraccionismo russo e soviético das três primeiras décadas do século XX. A vanguarda de ontem tansforma-se assim em tradição interrompida, à qual se retorna para expressar uma outra realidade nova. Encontramos, por exemplo, referências ao abstraccionismo expressivo de Kandinsky, na “Composição Nº3” (1990), de Leonid Tkatchenko (n. 1927) e ao construtivismo de Tatlin, no tríptico “Contra-relevo-estéreo” (1993), de Viacheslav Koleitchuk (n. 1941), em que o painel central, “Contra-relevo-estéreo em estilo arcaico”, é uma reinvenção do motivo da cruz.

Salientam-se ainda a renda geométrica dos barcos inquietos na paisagem metafísica verde de Mikhail Shvartzman (1926-1997), na tela “Perturbação” (1985), a perspectiva e a luz pastel da cidade abstracta de Valentin Levitin (n. 1931), evocando os pátios sempre presentes de São Petersburgo, na “Composição” (1990-92), a luz e as sombras nas texturas simultaneamente diáfanas e telúricas na tela “Obra apócrifa” (1999-2000), de Vladimir Dukhovlinov (n. 1950) e a arquitectura do edifício formado pela memória dos textos sucessivamente raspados e reescritos no “Palimpsesto (Deslocamento da haste)” (2000) de Serguei Sergueiev (n. 1953), tela que é mais uma metáfora para o desaparecimento de uma era e o aparecimento de outra.

Uma tradução é sempre uma interpretação, e o descodificar dos vários conteúdos apresentados na exposição “Sem Barreiras Arte Russa 1985-2000” aqui proposto propõe-se ser ponto de partida para a leitura em contexto da mesma exposição. E, porque os extremos se tocam, nas espirais do tempo e das formas, poderá ser ainda ponto de partida para outras reflexões, dramaticamente relevantes no momento presente. “Durante a vida, fui vendo cair o que, em jovem, parecia estar de pedra e cal. Ou me diziam que estava firme como o aço”, diz um dos heróis do romance “A falha” (1998), de Luís Carmelo. Que fizemos com a nossa liberdade? Que fazemos com a nossa liberdade?

Ana Luísa Simões Gamboa, em São Petersburgo

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A Alegria da Criação – José Afonso

Alegria

Na Associação José Afonso, na Casa da Cultura de Setúbal, houve a “Alegria da Criação”. Uma iniciativa do José Teófilo Duarte em forma de dinamização cultural de um espaço, em jeito de uma instalação de pintura, uma palestra, um debate, um convívio… uma intervenção visual e o inesperado do “working in progress”. A verdadeira alegria da criação. Uma iniciativa que visa comemorar o 84º aniversário do nascimento de José Afonso.

Foi bom escutar o José Teófilo falar com paixão sobre José Afonso, de forma definitiva e sem apelo ao contraditório. Vamos ter a evolução deste trabalho e o Livro do Artista, com Luísa Tiago de Oliveira, Alice Brito e outros autores serão acrescentados ao rol. Até ao final do mês a edição estará concluída. Depois serão impressos 84 exemplares – referência aos 84 anos de José Afonso -, assinados por todos os autores, e colocados à vossa disposição por dez euros. A receita vai para a casa, ou seja, para a AJA.

Em breve, será criado um mural no Face para nos manter a par de tudo. E da próxima, traz outro amigo também.

PARA ONDE O SOL ME LEVAR | Teatro Rápido

De 1 de Agosto às 18:00 até 31/8 às 20:25

TR

Agosto é sinónimo de praia, férias, sol e calor, também de viagens, emoções ao rubro, reencontros e revisitações. Viagens metafóricas; o sol como elemento de esperança. O Teatro Rápido não vai de férias, mantém-se de portas abertas, sendo uma boa opção cultural para o mês de Agosto.

Em Agosto assinalamos as estreias no TR de Alexandre Tavares, que encena Diogo Tavares, num texto de Armando Nascimento Rosa; Duarte Grilo, que já tem pisado o palco do TR BAR com Café Improv, faz a sua estreia em Sala com encenação de José Carlos Garcia. Anna Carvalho está de regresso ao TR ao lado de Marta Prieto e ainda a estreia absoluta no TR de Igor Sampaio ao lado de Isabel Damatta, pela mão de Fernarndo Gomes.
Pelo palco do TR Bar teremos o regresso de Eduardo Gaspar com o hilariante trabalho de “Elas Sou Eu” e ainda a continuidade do PFShortsFest.

Em Agosto o TR interrompe a Programação para a Infância, regressando em Setembro!

De 1 a 31 de Agosto – de 5ª a 2ª

SALA 1 – Cigano de Lisboa
Horário das sessões: 18h00 | 18h30 | 19h00 | 19h30 | 20h00
quinta a segunda | M/12 | 3€

Texto: Armando Nascimento Rosa
Encenação e Cenografia: Alexandre Tavares
Interpretação: Diogo Tavares
Produção: João Pires
SALA 2 – Belo, Feio e Assim Assim
Horário das sessões: 18h05 | 18h35 | 19h05 | 19h35 | 20h05
quinta a segunda | M/12 | 3€

Texto: Adriano Teixeira
Encenação: José Carlos Garcia
Interpretação: Duarte Grilo
Cenografia e Grafismo: Pedro Vercesi
Fotografia de Cena: Luciana Coelho
SALA 3 – Barbona
Horário das sessões: 18h15 | 18h45 | 19h15 | 19h45 | 20h15
quinta a segunda | M/16 | 3€

Texto: Marta Prieto
Encenação e Interpretação: Anna Carvalho e Marta Prieto
Imagem Gráfica, Cenografia e Produção: António Proença Azevedo
Assistência de Produção: Rita Borreccio e Ana Bicker
Espetáculo disponível em em Português; e Italiano (a partir de 17 de Agosto) mediante reserva antecipada para grupos através do 213 479 138 ou tr@teatrorapido.com
SALA 4 – Sol-Ida-Mente… Juntos!
Horário das sessões: 18h20 | 18h50 | 19h20 | 19h50 | 20h25
quinta a segunda | M/12 | 3€

Autor: Tom Lis
Encenação: Fernando Gomes
Interpretação: Igor Sampaio e Isabel Damatta
Produção: Luís de Freitas
Assistência de Produção: João Gouveia

ALEGRIA DA CRIAÇÃO – José Afonso na CCS

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ALEGIA DA CRIAÇÃO | Este trabalho é uma proposta para assinalar a data do nascimento de José Afonso. Será apresentado amanhã, dia 2, na sala da Associação José Afonso e no Café das Artes, na Casa da Cultura, em Setúbal. Trata-se de uma intervenção visual que tenho vindo a desenvolver nas últimas semanas. No início de setembro será apresentada uma publicação – livro de artista – que contará com a participação de vários convidados.
Alegria da criação é um tema de José Afonso, incluída no seu trabalho Galinhas do Mato, que foi o último disco que editou.
Da evolução deste projecto irei dando notícias nos próximos tempos.

Estão todos convidados.

José Teófilo Duarte