Tarrafal | o Campo da Morte Lenta (84.º aniversário) | Carlos Esperança

Urge lembrar o Massacre de Batepá (do português coloquial “Bate-Pá!”) atrocidade das tropas coloniais em S. Tomé e Príncipe, 3 de fevereiro de 1953, em que fuzilaram talvez mais de mil homens, mulheres e crianças, por motivos laborais e mera crueldade; o de Pidjiguiti, cerca de 50 mortos e de 100 feridos, que deu início à luta de libertação da Guiné–Bissau, também por motivos laborais; o de Wiriyamu, na guerra colonial, 16 de dezembro de 1972, com pelo menos 385 mortos da população civil.

Recordar o que foram as mortes em plena rua das cargas da GNR e da polícia de choque da PSP, é uma obrigação cívica, ainda que os requintes de crueldade e sadismo fossem atingidos pela Pide nos interrogatórios e nas masmorras, e nos assassínios arbitrários.

Mas hoje é dia de recordar o Tarrafal, esse campo da morte e da tortura onde a brandura dos costumes, alegada pelo ditador vitalício, era a imagem do regime beato e amoral.

***Para recordar as vítimas do Tarrafal, deixo um texto já antes publicado:Há 83 anos, outubro era mês e 29 o dia em que, ao Campo de Concentração do Tarrafal, chegaram 152 presos políticos, onde era mais doce a morte do que o Inferno da vida que os torturadores lhes reservavam.

Foram 11 dias de viagem, de Lisboa ao Tarrafal, que a primeira leva de vítimas levou a chegar, grevistas do 18 de janeiro de 1934, na Marinha Grande, e marinheiros dos que participaram na Revolta dos Marinheiros de 8 de setembro desse ano.

O Tarrafal foi demasiado grande no campo da infâmia e do sofrimento para caber num museu. Salazar teve aí, no degredo da ilha de Santiago, Cabo Verde, o seu Auschwitz, à sua dimensão paroquial, ao seu jeito de tartufo e de fascista.Ali morreram 37 presos políticos desterrados, na «frigideira» ou privados de assistência médica, água, alimentos, e elementares direitos humanos, alvos de sevícias, exumados e trasladados depois do 25 de Abril.

Edmundo Pedro, o último sobrevivente, chegou ali, com 17 anos, na companhia do pai. Como foi possível tanto sofrimento no silêncio imposto pela ditadura?

E como é possível o esquecimento da democracia? Dói muito, dói pelo sofrimento dos que lutaram contra o fascismo e pelo esquecimento a que os votam os que receberam a democracia numa manhã de Abril com cravos a florirem nos canos das espingardas do MFA.

Carlos Esperança

Retirado do Facebook | Mural de Carlos Esperança

TRÊS DIÁLOGOS SOBRE A MORTE | PEDRO GALVÃO | por Carlos Fiolhais

Hoje escrevo no jornal I sobre este estimulante livro de Pedro Galvão. Ignoramos em geral o tema da morte, mas o tema impõe-se como uma constante da humanidade. Transcrevo um excerto:”(…) No 3.º diálogo, que trata a questão da imortalidade (“um tédio”, para o Sr. Perrier), são apresentados dois argumentos famosos na história das ideias sobre a morte. Um deles é de Epicuro, o filósofo grego dos sécs. IV e III a.C., que, na sua Carta a Meneceu, nos sossega: “Portanto, o mais atemorizador dos males, a morte, nada é para nós, porque quando existimos, a morte não está presente, e quando a morte está presente, não existimos. Deste modo, ela nada é nem para os vivos nem para os mortos, porque os primeiros não a têm e os últimos já não existem.” E o outro é de Lucrécio, o filósofo romano do século I a. C., expresso no poema De Rerum Natura (“Da Natureza das Coisas”, nome do blogue que mantenho há anos): “Vê, olhando para trás, como nada significou para nós toda a porção de eternidade que se passou antes do nascer. Eis o espelho que a Natureza nos apresenta do tempo futuro, do que virá depois da nossa morte. Surge nisto algum horror, alguma tristeza? Não é tudo muito mais seguro do que o sono?” (há uma edição recente: Relógio d’Água, 2015, que Galvão não usa).Não sendo tratada no livro, vale a pena referir a relação profunda que há entre o sexo e a morte. Jacques Ruffié aborda-a no seu livro O Sexo e a Morte (D. Quixote, 1987): “O sexo e a morte são dois tributos que pagamos ao progresso evolutivo. São dois fenómenos complementares, mas surpreendentemente contrastados. O primeiro ocorre na alegria, no prazer, e na esperança; o segundo no sofrimento, no horror e no vazio”. E, noutro lado, “A morte é um fenómeno biologicamente necessário, sem o qual a sexualidade estaria sem objetivo”. (…)

Carlos Fiolhais

Retirado do Facebook | Mural de Carlos Fiolhais

Elīna Garanča | SCHUMANN & BRAHMS

Robert Schumann
Frauenliebe und Leben op. 42

Johannes Brahms
Heimweh II: “O wüsst’ ich doch den Weg zurück” op. 63 no. 8
Liebe und Frühling II: “Ich muss hinaus” op. 3 no. 3
Liebestreu op. 3 no. 1 · Mädchenlied op. 107 no. 5
O kühler Wald op. 72 no. 3 · Verzagen op. 72 no. 4
O liebliche Wangen op. 47 no. 4 · Geheimnis op. 71 no. 3
Wir wandelten op. 96 no. 2 · Alte Liebe op. 72 no. 1
Die Mainacht op. 43 no. 2 · Von ewiger Liebe op. 43 no. 1
Elīna Garanča
Malcolm Martineau November 6, 2020

Pandemia, Política e Decência | Rodrigo Sousa e Castro

Se o País fosse declarado em estado de guerra, não passava pela cabeça de ninguém que aos diversos ramos das forças armadas não se juntassem outras forças armadas, como as policias, GNR, guardas de outra natureza, proteção civil e corpos de bombeiros.

Era então certo que haveria um comando único com o seu estado maior, uma hierarquia única e um plano de combate que todos deveriam realizar.

Pode então perguntar-se, porque é que numa situação pandémica com um forte agravamento em curso, todos os órgãos e estabelecimentos ligados ao sistema de saúde, hospitais sejam eles privados públicos ou sociais, clinicas, academias médicas, inem, centros de saúde básicos ou intermédios não são colocados sob uma comando único, obedecendo a uma mesma hierarquia, perdendo temporariamente as condições especificas de gestão que após a pandemia debelada recuperariam ?

A resposta a uma questão tão óbvia é bem fácil e de constatação dolorosa:- a Politica governamental e Presidencial segue o seu caminho demagógico e titubeante mesmo em tempos pandémicos;- A ganância do lucro oblitera o sentido patriótico que a parte privada do sistema tinha a estrita obrigação de ter nesta conjuntura;- agentes altamente responsáveis, desde sindicalistas a bastonários agem com a fria determinação de aproveitaram em modo de abutres uma situação onde só deveria caber, sacrifício, luta, compaixão e dever patriótico.

A distância entre a generosidade e esperança de quem baniu a ditadura e sonhou um regime livre e justo é agora mais evidente.

Retirado do Facebook | Mural de Rodrigo Sousa Castro

A Náusea | Jean Paul Sartre

Os homens. É preciso amar os homens. Os homens são admiráveis. Sinto vontade de vomitar – e de repente aqui está ela: a Náusea. Então é isso a Náusea: essa evidência ofuscante? Existo – o mundo existe -, e sei que o mundo existe. Isso é tudo. Mas tanto faz para mim. É estranho que tudo me seja tão indiferente: isso me assusta. Gostaria tanto de me abandonar, de deixar de ter consciência de minha existência, de dormir. Mas não posso, sufoco: a existência penetra em mim por todos os lados, pelos olhos, pelo nariz, pela boca… E subitamente, de repente, o véu se rasga: compreendi, vi. A Náusea não me abandonou, e não creio que me abandone tão cedo; mas já não estou submetido a ela, já não se trata de uma doença, nem de um acesso passageiro: a Náusea sou eu.

Jean Paul Sartre

Papa cristão | Daniel Oliveira | in Jornal Expresso

Ao defender uma lei civil que enquadre as relações entre pessoas do mesmo sexo, o Papa Francisco não reconheceu ou aceitou o casamento. Mas deu mais um passo. E se este gesto pode não ser importante para o conjunto da comunidade, porque os Estados laicos não precisam de bênção papal para garantirem igualdade de direitos, é-o para milhões de católicos LGBT, que passam a sentir-se um pouco mais em casa na sua Igreja. Como mostrou com os divorciados, o Papa quer recuperar aqueles que a Igreja foi deixando pelo caminho e que já não aceitam a culpa dessa exclusão.

Quer impedir que a Igreja Católica se transforme num reduto de ultraconservadores, incapaz de lidar com a pluralidade dos seus fieis. Dirão que se adapta aos tempos modernos. É o contrário. Estes não são tempos de inclusão e pontes, são de polarização. O Papa Francisco tenta livrar a Igreja de uma guerra cultural que tem sido suicida para sectores políticos tradicionais e que a entregaria a nichos fanatizados. (…) Tenta colocar a Igreja num lugar mais próximo da radicalidade do cristianismo. (…)

Para os que se habituaram a ver a Igreja como um lugar de castigo, que usam o perdão como forma de agressão, que se armam com a religião para perseguir o que não compreendem, que vivem obcecados com o sexo consensual entre adultos mas fecharam os olhos ao abuso de menores, deve ser perturbante ter um Papa cristão.

O Amor é fodido | Miguel Esteves Cardoso | Prefácio de Ricardo Araújo Pereira

“O sobressalto começa no título. Mesmo o leitor menos experiente suspeita que, embora escritores de todos os tempos e lugares se tenham dedicado a tentar definir o amor, talvez seja improvável que alguém alguma vez tenha optado por terminar uma frase começada pela expressão «o amor é» com a palavra «fodido». O amor costuma ter, apesar de tudo, boa imprensa – o que, pensando bem, é incompreensível. Dizer que o amor é fodido é, finalmente, tratá-lo como ele merece. É resumir, para quem não quer perder tempo com eufemismos eruditos, a etimologia da palavra paixão.” Ricardo Araújo Pereira

Baruch Espinosa | Carta sobre o Infinito

CARTA N.° 12 – (OU CARTA SOBRE O INFINITO)

(RIJNSBURG, 20 DE ABRIL DE 1663)

Ao mui sábio e experiente Lodewijik Meijer, doutor em Medicina

Meu excelente amigo,

Recebi duas cartas tuas, uma de 11 de janeiro (que me foi entregue por nosso amigo N.N.) e outra de 20 de março (enviada de Leyden por um amigo desconhecido). Ambas me encheram de alegria, sobretudo porque compreendi que tudo vai muito bem para ti e que te lembras de mim. Agradeço-te pela bondade e pela consideração com que me honras; peço-te para creres que também te sou muito devotado e que me esforçarei para mostrá-lo sempre que a ocasião e minhas fracas forças o permitirem. Para começar, tentarei responder ao que me perguntas nas cartas. Pedes também que te comunique o que penso sobre o infinito. Fá-lo-ei de bom grado.

A questão do infinito sempre pareceu dificílima para todos, até mesmo inextricável, porque não distinguiram entre aquilo que é infinito por sua natureza, ou pela força de sua definição, e aquilo que não tem fim, não pela força de sua essência, mas pela sua causa. E também porque não distinguiram entre aquilo que é dito infinito porque não tem fim, e aquilo cujas partes, embora conheçamos o máximo e o mínimo, não podem ser explicadas ou representadas apenas por um número. Enfim, porque não distinguiram entre aquilo que só pode ser inteligido, mas não imaginado, e aquilo que também podemos imaginar. Se tivessem prestado atenção nisso, jamais teriam sido esmagados sob o peso de tantas dificuldades. Com efeito, teriam claramente compreendido qual infinito não se divide em partes (ou que não tem partes) e qual, ao contrário, pode ser dividido em partes sem contradição.

As cartas de Nise da Silveira a Spinoza

CARTA I

Meu caro Spinoza,

Você é mesmo singular. Através dos séculos continua despertando admirações fervorosas, oposições, leituras diferentes de seus livros, não só no mundo dos filósofos, mas, curiosamente, atraindo pensadores das mais diversas áreas do saber, até despretensiosos leitores que insistem, embora sem formação filosófica (e este é o meu caso), no difícil e fascinante estudo da filosofia.

Mais surpreendente ainda é que, à atração intelectual, muitas vezes venham juntar-se sentimentos profundos de afeição. Assim, Einstein refere-se a você como se, entre ambos, houvesse “familiaridade cotidiana”. Dedica-lhe poemas. O poema para A Ética de Spinoza transborda de afeto: “Como eu amo este homem nobre / mais do que posso dizer por palavras”.

Materiais Diversos | Livro “Paisagens Imprevistas” | 10 anos de Festival Materiais Diversos

Materiais Diversos apresenta livro Paisagens Imprevistas – Outros lugares para as artes performativas e reflete sobre 10 anos de Festival Materiais Diversos | dia 24 de Outubro, às 16h, no Cine-teatro Rogério Venâncio – Minde
O livro Paisagens Imprevistas – Outros lugares para as artes performativas celebra as 10 edições do Festival Materiais Diversos e traz diferentes olhares sobre o panorama da criação e programação artística fora das grandes cidades. 
Em 2019, o Festival Materiais Diversos comemorou 10 anos de existência, com núcleos de programação em Alcanena, Minde e Cartaxo. A propósito do aniversário, a Materiais Diversos propôs-se reflectir e sistematizar 10 anos de edições do festival, mas não só. Observar a história do Festival Materiais Diversos foi o mote para traçar e escrever sobre as artes performativas e a sua relação com os novos centros de criação, programação e divulgação, fora das grandes cidades.
A par do desenvolvimento deste livro, a Materiais Diversos tem-se dedicado a um trabalho de análise do seu investimento e impactos nos territórios onde actua e das suas relações com habitantes, organizações privadas e públicas e empresas locais. 
Gostaríamos muito de o/a convidar para o lançamento do livro em Minde, no próximo dia 24 de Outubro, às 16h, no Cine-teatro Rogério Venâncio (convite em anexo) onde partilharemos também esta visão e análise do investimento humano, programático e financeiro da Materiais Diversos no concelho de Alcanena. 
Em anexo enviamos um breve dossier que apresenta dados do trabalho realizado nos últimos 10 anos no concelho de Alcanena, bem como observações e comentários de parceiros da região.     

La société autophage | Capitalisme, démesure et autodestruction | Anselm Jappe | in Facebook Mur de Yacine Bouzaher

” La société capitaliste est-elle en train de s’auto-dévorer ? On voit partout les signes non seulement d’un effondrement économique, mais aussi d’un délitement des structures psychiques qui ont caractérisé la modernité. Le narcissisme est en train de devenir la pathologie dominante. La critique radicale de la valeur et de l’argent, du travail, de la marchandise et de l’État peut-elle aider à mieux comprendre ces phénomènes ? “

Le mythe grec d’Érysichthon nous parle d’un roi qui s’autodévora parce que rien ne pouvait assouvir sa faim – punition divine pour un outrage fait à la nature. Cette anticipation d’une société vouée à une dynamique autodestructrice constitue le point de départ de La Société autophage. Anselm Jappe y poursuit l’enquête commencée dans ses livres précédents, où il montrait – en relisant les théories de Karl Marx au prisme de la « critique de la valeur » – que la société moderne est entièrement fondée sur le travail abstrait et l’argent, la marchandise et la valeur.Mais comment les individus vivent-ils la société marchande ? Quel type de subjectivité le capitalisme produit-il ? Pour le comprendre, il faut rouvrir le dialogue avec la tradition psychanalytique, de Freud à Erich Fromm ou Christopher Lasch. Et renoncer à l’idée, forgée par la Raison moderne, que le « sujet » est un individu libre et autonome. En réalité, ce dernier est le fruit de l’intériorisation des contraintes créées par le capitalisme, et aujourd’hui le réceptacle d’une combinaison létale entre narcissisme et fétichisme de la marchandise.

Le sujet fétichiste-narcissique ne tolère plus aucune frustration et conçoit le monde comme un moyen sans fin voué à l’illimitation et la démesure. Cette perte de sens et cette négation des limites débouchent sur ce qu’Anselm Jappe appelle la « pulsion de mort du capitalisme » : un déchaînement de violences extrêmes, de tueries de masse et de meurtres « gratuits » qui précipite le monde des hommes vers sa chute.Dans ce contexte, les tenants de l’émancipation sociale doivent urgemment dépasser la simple indignation contre les tares du présent – qui est souvent le masque d’une nostalgie pour des stades antérieurs du capitalisme – et prendre acte d’une véritable « mutation anthropologique » ayant tous les atours d’une dynamique régressive.

O mercado da diferença | O PCP e o BE são hoje formações políticas sociais-democratas | Carlos Matos Gomes

O mercado da diferença. Pode alguém ser o que não é? É o título de uma canção, que podia aplicar-se às dificuldades do BE e do PCP em aceitarem um compromisso com o PS para a aprovação de um Orçamento e ajuda a entender as manobras em curso. O PCP e o BE são hoje formações políticas sociais-democratas, por muito que se esforcem ao nível do discurso por se apresentarem como portadoras de um projeto revolucionário.

O processo histórico do pós-Muro de Berlim provocou uma nova divisão de modelos políticos, de um lado os neoliberais, de outro os estados que na Europa ainda mantêm a matriz de estado social, ou social democrata. Para já a situação é esta e não se alterará com o Orçamento do Estado Português para 2021.O PCP e o BE estão hoje neste grupo social democrata a competir com o tradicional ocupante do espaço, o Partido Socialista. Para sobreviverem neste mercado têm de “mostrar serviço”. Vivem a conhecida situação das mercearias que se transformaram em minimercados na zona dos supermercados. Fazem promoções nos produtos de maior impacto, são mais agressivos nas campanhas, recusam alianças, mesmo que mutuamente vantajosas, procuram fidelizar nichos de mercado, mas vendem o mesmo.

A sua sobrevivência depende da demonstração de diferença. A apresentação de um candidato à presidência de República por cada uma das formações é reveladora da indispensabilidade de cada uma “marcar a diferença a todo o custo” para sobreviver.As disputas sobre o Orçamento são parte da afirmação de existência do PCP e do BE. São opções conscientes e compreensíveis tomadas pelos seus dirigentes para se manterem no jogo da política e fidelizarem a clientela tradicional. É um jogo arriscado, que pode remeter para fábula do escorpião que ia às costas da rã e que a matou por ser a sua natureza e assim morreu também, mas é um jogo legítimo, que os órgãos de direção dos dois partidos decidiram correr e que têm praticado ao longo dos tempos. É o mercado a funcionar. A clientela decidirá.

Paulo Portas | De VÍTOR MATOS no EXPRESSO CURTO de 19/10/2020

“Entrevista de Paulo Portas ontem ao “Público”, que convém guardar para reler daqui a uns anos. O ex-líder do CDS faz o mais importante endorsment da direita a Marcelo Rebelo de Sousa. Nem Rui Rio o tinha feito nestes termos, nem Pedro Passos Coelho o faria assim, muito menos Francisco Rodrigues dos Santos. Portas surge como personalidade federadora da direita, à revelia de radicalismos e em contraste com a gritaria que para aí vai: compreende a ação de Marcelo, faz críticas ligeiras e enaltece o Presidente por defender pontos de vista caros à direita (como o papel do mercado e dos privados). A frase “Marcelo está do lado certo das coisas” mete as reservas de ‘Chicão’ no bolso, secundariza as declarações de circunstância de Rui Rio e arruma Ventura. Para memória futura fica o registo: daqui a cinco anos Portas estará no cardápio da direita para Belém, com uma posição suficientemente moderada para se apresentar preparado para o coabitar com governos de esquerda, à imagem de Marcelo. Para segundas leituras fica a ausência de comentários à situação do CDS e da direita em geral, sobretudo a omissão de qualquer análise ao fenómeno do Chega. Não é o momento de fragilizar a liderança.”

LER MAIS: https://www.publico.pt/2020/10/18/politica/entrevista/marcelo-lado-certo-1935394

Humanismo | Paulo Roberto Falcão – Mário Quintana

Mário Quintana (1906-1994) foi um enormíssimo poeta brasileiro. Entre muitos e muitos outros toca-me o seu poema “Das Utopias”, onde escreveu: “Se as coisas são inatingíveis… ora! Não é motivo para não querê-las…Que tristes os caminhos, se não fora a mágica presença das estrelas!

”Paulo Roberto Falcão (nascido em 1953) foi, por sua vez, uma estrela do futebol brasileiro, depois treinador, comentarista desportivo e jornalista. Foi considerado um dos maiores futebolistas brasileiros de sempre.

Um dia, em 1983, o Hotel Majestic, em Porto Alegre, onde Quintana, já velhinho, residia há muito tempo, colocou-o no olho da rua. A miséria tinha batido à porta do poeta e jornalista e ele não tinha como pagar a sua conta. O porteiro do hotel, porque aos pobres até os outros pobres rebaixam com maldade, atira-lhe um casaco que tinha ficado no quarto, dizendo:- Toma, velho!

O poeta, sem ter para onde ir, sentou-se, pensando na vida, sobre a mala que lhe tinham colocado no passeio A sarjeta aguardava-o.

Paulo Roberto Falcão, o agora técnico de futebol e antiga estrela da seleção do Brasil ouviu na rádio, em direto, algo sobre o acontecido. Pouco depois estacionava o seu carro em frente ao hotel e observava de longe aquela cena absurda, triste. Até que saiu do carro e caminhou até ao poeta, perguntando-lhe:

– Sr. Quintana, o que está acontecendo? Mário Quintana ergue os olhos e enxuga uma lágrima, daquelas que insistem em molhar os olhos dos poetas. Naquela hora quem lhe dera ter ouvido os conselhos da sua mãe, quando era jovem, e ter estudado para engenheiro, médico, farmacêutico… e não ter vivido para a poesia. Ninguém vive da poesia. Quintana explica a Falcão que o dinheiro acabou, que está velho e se encontra desempregado, sem família, sem amigos… sozinho. Que lhe restam apenas a sua dor e aquela mala no meio de uma rua de Porto Alegre, que agora é mais um empecilho que um apoio…

Falcão pega na mala e coloca-a no porta-malas do seu carro, em silêncio. E em silêncio, abre a porta do automóvel a Mário Quintana, convidando-o a entrar.

No silencio da tristeza, duas almas de poeta (poeta não é só aquele que escreve poesia…) atravessam a tarde fria de Porto Alegre.

O carro ruma ao Hotel Royal. Falcão para, descarrega as malas e chama o gerente:- O Sr. Quintana agora é nosso hóspede!

– Por quanto tempo, Sr. Falcão? – quis saber o gerente. O homem do futebol observa o olhar tímido e surpreso do poeta e enquanto o abraça comovido, responde:

– Para sempre…O hotel pertencia ao Falcão. Mário Quintana faleceu em 5 de maio de 1994.

Frateli tutti: a política como ternura e amabilidade. Artigo de Leonardo Boff

nova encíclica do Papa Francisco, assinada sobre a sepultura de Francisco de Assis, na cidade de Assis, no dia 3 de outubro, será um marco na doutrina social da Igreja. Ela é vasta e detalhada em sua temática, sempre procurando somar valores, até do liberalismo que ele fortemente critica. Certamente será analisada em detalhe por cristãos e não cristãos pois se dirige a todas as pessoas de boa vontade. Ressaltarei neste espaço aquilo que considero inovador face ao magistério anterior dos Papas.

Viva a República!

A Revolução de 1820 (24 de agosto), o 31 de Janeiro, o 5 de OUTUBRO e o 25 de Abril são os marcos históricos da liberdade, em Portugal. Foram os momentos que nos redimiram da monarquia absoluta e da dinastia de Bragança; são as datas que honram e dão alento para encarar o futuro e acreditar na determinação e patriotismo portugueses.

Passos Coelho, Portas e Cavaco Silva eliminaram o feriado da data que mudou Portugal, pedra basilar da democracia, ofenderam a cidadania, ultrajaram os heróis da Rotunda e traíram a história, vilania que nem a ditadura ousou.

Comemorar a República é prestar homenagem aos cidadãos que não quiseram continuar vassalos. O 5 de Outubro de 1910 não se limitou a mudar de regime, foi portador de um ideário libertador que as forças conservadoras obstinadamente combateram.

Com a monarquia caíram os privilégios da nobreza, o imenso poderio da Igreja católica e os títulos nobiliárquicos. Ao poder hereditário e vitalício sucedeu o escrutínio do voto; aos registos paroquiais do batismo, o Registo Civil obrigatório; ao direito divino, a vontade popular; à indissolubilidade do matrimónio, o direito ao divórcio; à conivência entre o trono e o altar, a separação da Igreja e do Estado.

Há 110 anos, ao meio-dia, na Câmara Municipal de Lisboa, foi proclamada a República, aclamada pelo povo e vivida com júbilo por milhares de cidadãos. É essa data gloriosa que hoje se evoca, prestando homenagem aos seus heróis.

Cândido dos Reis, Machado dos Santos, Magalhães Lima, António José de Almeida, Teófilo Braga, Basílio Teles, Eusébio Leão, Cupertino Ribeiro, José Relvas, Afonso Costa, e João Chagas, além de Miguel Bombarda, foram os mais destacados desses heróis que prepararam e fizeram a Revolução.

Afonso Costa, uma figura maior da nossa história, honrado e ilustríssimo republicano, mereceu o ódio de estimação das forças mais reacionárias e o vilipêndio da ditadura salazarista. Para ele vai a homenagem de quem respeita os que serviram honradamente a República.

Há quem vire costas à República que lhe permitiu o poder, quem despreze os heróis a quem deve as honrarias e esqueça a dívida. Há quem se remeta ao silêncio para calar um Viva à República e se esconda, com vergonha da ingratidão.

Não esperaram honras nem favores os heróis do 5 de Outubro. Não se governaram os republicanos. Foram exemplo da ética por que lutaram. Morreram pobres e dignos.

Glória aos heróis do 5 de Outubro.

Viva a República!

Carlos Esperança

(Texto antigo, adaptado)

BATER NO FUNDO | Soromenho Marques | in Jornal DN

«Faltou a bola vermelha no canto superior direito na transmissão do debate presidencial entre Trump e Biden. Aquele deplorável choque de anciãos, marcando pontos num pugilato verbal de mentira, ignorância e desprezo por quem se deu ao trabalho de os ver e escutar, merecia ter um aviso desaconselhando os jovens e as almas mais frágeis.

Quase duas horas a escutar aqueles improváveis campeões da política de Washington podem levar muitos a perder o pouco de confiança que ainda possa restar na humanidade. Trump foi igual a si próprio, um vulcão de descabelado narcisismo, ancorado numa autoconfiança postiça, que indicia uma tortuosa história clínica para biógrafos e outros curiosos. Biden fez a prova de vida que muitos duvidavam ser possível.O que a aldeia global assistiu foi ao aparente certificado de óbito do sonho americano, à sua crescente transformação em pesadelo.

No debate Trump-Biden corporizaram-se dois dos principais temores dos antigos autores, que no debate constitucional fundacional de 1787-1788 ficaram conhecidos como “antifederalistas, sendo o primeiro o risco de a figura do Presidente federal poder transformar-se, nas mãos de um candidato a tirano, num perigo para as liberdades públicas. Sem qualquer rebuço, Trump mostrou que não vai respeitar os resultados eleitorais se estes não lhe forem favoráveis. Explicou que irá tratar os juízes do Supremo Tribunal, destinados a serem intérpretes isentos da Constituição, como cúmplices de fação para invalidar a expressão da vontade popular.

Recusou-se a condenar as milícias da “supremacia branca”, falou sempre e só para o seu exército de obedientes seguidores, deixando latente o possível recurso à violência para se manter no comando.O segundo receio dos antifederalistas veio à evidência quando o pivô da Fox News, Chris Wallace, interrogou os dois candidatos sobre se acreditavam na responsabilidade humana pelas alterações climáticas.

A pergunta é idiota, mas, pior ainda, foi a primeira vez em 20 anos (desde o debate Gore-Bush) que num pleito televisivo presidencial o tema foi aludido! Trump reiterou a insensatez habitual e Biden acentuou a sua recusa do Green New Deal, para fugir do embaraço de poder ser conotado com a esquerda do seu partido.Como é possível que num mês em que os EUA foram atingidos com particular violência por fenómenos extremos – incluindo incêndios apocalípticos que puseram em fuga, só no Oregon, meio milhão de pessoas (mais de 10% da população do Estado!) – estes candidatos tratem das alterações climáticas como tema menor? Isso ocorre porque, como temiam os antifederalistas, o sistema político federal foi capturado pelos grandes negócios.

Os EUA aparentam ser hoje uma democracia em decomposição, transmutada em plutocracia, e isso embacia qualquer visão lúcida do futuro.Em 1990 assistimos ao milagre da implosão pacífica do império soviético. Esperemos que um milagre ainda maior possa ocorrer para evitar a explosiva desintegração dos EUA. Caso contrário, não faltarão estilhaços cortantes a irromper em todas as direções.»

VIRIATO SOROMENHO MARQUES

Retirado do Facebook | Mural de Carlos Fino

Estados Unidos da América | Um debate impensável? | Manuel Augusto Araújo

Um debate impensável? Impensável porquê? Anda todo o mundo e ninguém distraído ou mentalmente intoxicado pelo que nem sequer se apercebe da realidade que há decadas é perfeitamente vísivel!!! Nos EUA o que existe é um totalitarismo corporativo bipartidário que trabalha para o complexo militar industrial e financeiro em que se elegem presidentes, senadores e representantes para a Câmara dos Representantes desde que sejam flexíveis para os lobistas que os direccionam. Têm dúvidas?

Desiludam-se !!! Comparem as gestões dos dois Bush e do Clinton e do Obama. Diferenças substanciais? Nenhumas nas políticas agressivas para o império sobreviver. O problema é que o império está em decadência económica mas continua a ser uma superpotência militar o que é um perigo real para a paz mundial. A esquerda norte-americana, com todos as suas particularidades, demite-se como o fez Bernie Sanders, da vez anterior trucidado pelos golpes sujos de Hillary Clinton que impossibilitaram a sua escolha, agora porque acabou abandonado por muitos apoios que lhe eram essenciais.

Se exceptuarmos Franklin Roosevelt, o que também muito se deve às particularidades e circunstâncias em que decorreram os seus mandatos, escolher entre um candidato republicano ou democrata é pouco expressivo no totalitarismo sistémico partilhado pelos dois partidos, o que agora provavelmente ficou mais visível pela qualidade(???) dos candidatos, para desilusão dos demo-liberais de todo o mundo que muito se comprazem com os espectáculos de opera buffa das democracias formais, o que explica os derrames lacrimosos nos media e nas redes sociais.

Leiam de Sheldon Wollin, Democracy Incorporated, Maneged Democracy and ther Specter of Iinverted Totalitarism «O governo não precisa acabar com a dissidência. A uniformidade da opinião pública imposta através da media corporativa faz um trabalho muito eficaz (…) as elites, especialmente a classe intelectual, foram compradas por meio de uma combinação de contratos governamentais, fundos corporativos e fundações, projectos conjuntos envolvendo pesquisadores universitários e corporativos.

Com doações de indivíduos muito ricos, universidades (especialmente as chamadas universidades de pesquisa), os intelectuais, os estudiosos e os pesquisadores foram perfeitamente integrados ao sistema (…) Nenhum livro é queimado, nenhum Einstein permanece na condição de refugiado (…) mas no totalitarismo invertido, o inverso é verdadeiro, a economia domina a política e com essa dominação surgem formas diferentes de crueldade (…)

Os Estados Unidos tornaram-se a vitrine de como somos tolerados como cidadãos, apenas enquanto participamos da ilusão de que vivemos numa democracia participativa. No momento em que nos rebelamos e nos recusamos a participar dessa ilusão, o rosto do totalitarismo invertido parecerá o rosto dos sistemas totalitários do passado.»

Retirado do Facebook | Mural de Manuel Augusto Araujo

O documento programático do DiEM25 sobre Paz e Política Internacional

Um comunicado rápido destinado a todos os interessados sobre a posição do DiEM25 no que diz respeito a assuntos internacionais, guerra e paz:

O prazo de contribuição para o documento programático do DiEM25 sobre Paz e Política Internacional foi alargado até ao dia 11 de outubro! Por favor dirija-se aqui para submeter as suas considerações. No DiEM25, temos orgulho de que sejam os nossos membros como um todo, e não um organismo eleito, a ditar todos os nossos documentos programáticos. Depois do dia 11 de outubro, o grupo de trabalho para a Paz e Política Internacional reverá todas as contribuições escritas, e preparará um primeiro esboço do documento programático – que será então novamente sujeito aos vossos comentários e correções. E vamos repetir o processo ainda mais uma vez, de forma a produzirmos um documento programático que tenha verdadeiramente sido produzido em co-autoria por todos os membros do DiEM25.

Lembre-se de não precisa de responder a todas as perguntas – responda apenas às que verdadeiramente lhe interessem, ou nas quais tenha uma ideia do que o DiEM25 deve exigir aos políticos. Se quiser ler algumas considerações iniciais, o grupo de trabalho publicou este pequeno folheto. Mas o conteúdo do nosso documento programático será escrito por si!