O Livro do Império | João Morgado

Um manuscrito resgatado pela Inquisição para redenção de Portugal.

«Portugal tem um império em declínio, com um rei destemido, mas influenciado por uma nobreza e um clero corruptos. Omnipotente, a Inquisição não hesita em prender, matar e destruir as mentes e as obras mais brilhantes.

No país vizinho, observam a decadência de Portugal, jogam com o poder e o apoio dos jesuítas, e mantêm a esperança de voltar a dominar toda a península.

Mas eis que um trota-mundos sem eira nem beira, apesar de uma vida de prisões, putaria e inimigos poderosos, decide cantar as glórias desse povo num poema épico que lembra todos “aqueles, que por obras valerosas” se foram da “lei da morte libertando”. Mas ao cantar uma estirpe de homens que se igualara a deuses, por contraste compunha também um libelo acusatório contra a depravação vigente. Como foi possível que el-rei e o Santo Ofício tenham deixado publicar esta obra?

Livro do Império narra a vida de um poeta arrependido e a história de Portugal em vésperas da batalha de Alcácer-Quibir.»

JL Jornal de Letras “Glória, Decadência, Redenção”, por Miguel Real (19.12.2018)

“Se um Eça do nosso tempo se atrevesse a perguntar a João Morgado – Filho, tu estavas lá? – teria rigorosa resposta – Sim, estive lá. Porque a expressão aliciante da sua prosa consegue despertar a convicção de que o autor estava efectivamente esteve lá, e tudo o que diz tem igual autoridade à dos documentos que lhe permitem enriquecer a crónica dos acontecimentos, que recria e medita com a minúcia do seu espírito criador”,

Prof. Adriano Moreira Apresentação da obra, 17.DEZ.18

“Após séculos de mal-entendidos, «O Livro do Império» vem, por fim, reconciliar um Camões humanizado com o público leitor”, numa obra que “pela sua argúcia analítica, pela cultura da época, riqueza da linguagem e ritmo narrativo, consagra João Morgado como um escritor de referência no romance histórico e na literatura portuguesa.”

F. Delfim dos Santos, Universidade Nova. Apresentação da Obra, FNAC Chiado, 17.DEZ.18

Miguel Real, filósofo: “a nossa elite é canina na obediência e macacóide face ao estrangeiro” | In jornal de Leiria

Ensaísta, romancista e escritor preconiza teorias sobre as maleitas que nos afligem e o caminho para a lucidez. “Somos um povo que acredita que, sem a cunha, sem o Euromilhões e sem Fátima não consegue passar da mediania”, afirma

Costuma dizer que uma das coisas que o aborrecem é a falta de cuidado de alguns escritores ao escrever romances históricos. Por contraste, para os seus livros, admite fazer sempre trabalhos de preparação e pesquisa exaustivos…

Um romance histórico exige uma grande investigação. Se for passado no Brasil, que é o caso do meu livro A Guerra dos Mascates [2011], implica uma ida lá e não basta “apanhar as frutas no Pão de Açúcar”, que é o que vejo que muitos fazem. Tem de se ir ao Pernambuco, à Bahia ou, no caso de se escrever sobre o padre António Vieira, a Belém do Pará, ou ao Maranhão. Tem de se investigar nos arquivos históricos de lá, porque há sempre uma série de circunstâncias que os livros de história dos investigadores não têm. Tem de se contactar com a população e apanhar o léxico da zona, com todos os lindíssimos aspectos semânticos do Pernambuco ou Maranhão. Aborrece-me imenso ler um romance histórico e ver erros clamorosos por, justamente, não ter sido feita a investigação. Um dos últimos que vi está num romance passado em São Tomé, onde um escravo negro diz ao seu senhor que “ficou gelado” quando viu a sua ama a fazer determinada coisa. Ficou… “gelado”. Isto passa-se no século XVI em São Tomé! Ficar “gelado” é absolutamente impossível. O leitor nem se apercebe porque o gelo é uma realidade dos século XX e XXI e tem gelo em casa todos os dias e não acha desconforme, mas quem é crítico literário e também autor, vê que há ali algo oco. Noutro romance que li há pouco, Vasco da Gama chega à Índia e o samorim de Calecute “oferece-lhe” uma cadeira para se sentar. Não havia cadeiras, na Índia do século XVI. Há tronos onde só o samorim se senta e as restantes pessoas sentam-se no chão, sentam-se em escanos – pequenos banquinhos -, sentam-se em almofadas, mas não há cadeiras. Ninguém vai dar cadeiras a Vasco da Gama para se sentar… ele teria, obrigatoriamente, de falar de pé, em frente ao samorim. Isto acontece não por falta de qualidade dos romancistas, mas por preguiça mental, falta de tempo e de dinheiro para ir aos locais. O autor tem de ser como um investigador da universidade. A ausência de investigação é, muitas vezes, compensada pela retórica. Muitas vezes, os autores são professores e escrevem bem, mas isso não chega para fazer um bom romance.

No seu livro o Último Europeu: 2284, faz uma série de previsões futuristas. Também fez um trabalho de pesquisa, mas virado para o futuro. Onde se inspirou para prever materiais e novos modos de interacção interpessoal?
Tinha escrito um romance sobre o terramoto de 1755 [A Voz da Terra] e constatei que tudo o que havia em Lisboa, nesse ano, hoje não existe, a não ser a pedra e restantes elementos da natureza. Não existia plástico, nem as formas de comunicação actuais – estradas e caminho- de-ferro -, electricidade, telefonia, televisão, etc. Daqui a 250 anos, no meu livro, não há carros, as estradas são uma espécie de tapetes rolantes e as pessoas já não comunicam oralmente, mas mentalmente, usando um cérebro novo, que se chama hipercórtex. Desenho uma sociedade com base em ciência que não existe hoje e que torna o Homem feliz. Mas isto acontece apenas numa parte da Europa onde vive apenas uma minoria de 100 milhões. No resto, onde vivem 400 milhões, vive-se o caos. É um cenário de utopia que vive, lado-a-lado, com a distopia.

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O Deputado da Nação, de Manuel da Silva Ramos e Miguel Real | 30 de Março – 18h30

miguel real - silva ramos

Umbelino Damião nasceu pobre. Ainda jovem, emigrou para Paris, onde viveu o Maio de 1968, andou pelo Brasil fugido de Faustina, uma compatriota por ele tomada de amores, e combateu em Moçambique, na Guerra Colonial. De regresso a Lisboa, sem trabalho, decide abrir um bordel, frequentado pela alta sociedade, onde conhece o futuro presidente do Partido. Por essa razão, decide entrar na política, sendo deputado durante várias legislaturas. Fora do Hemiciclo, faz negócios pouco transparentes com autarcas e chineses e inventa um creme de leite de burra que faz rejuvenescer as mulheres.

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MIGUEL REAL | Alemanha é “a âncora de uma futura Europa”

Miguel RealMiguel Real afirma que Portugal é governado por uma classe política “relativamente medíocre”, numa União Europeia que se transformou “numa empresa de negócios” dominada por burocratas que esqueceram o sonho. Acredita que o futuro da Europa está na sua singularidade: a classe média, cujo “esteio” e “grande baluarte” do futuro é a Alemanha.

Aos 61 anos, o filósofo, ensaísta e romancista Miguel Real lança mais um romance. Agora, em vez de ficcionar sobre a actualidade ou sobre a história, constrói uma utopia ficcional em que projecta o futuro: O Último Europeu, Edições D. Quixote.

Olhando para o que poderá ser o mundo em 2284, Miguel Real questiona e reflecte sobre o presente, as opções, as tendências, as divergências, as diferenças, os conflitos, as contradições. É um retrato duro das sociedades modernas e dos riscos que elas comportam, em especial a Europa, sobre cujo presente este pensador tem um olhar crítico.

Ler entrevista:  http://www.publico.pt/politica/noticia/alemanha-e-a-ancora-de-uma-futura-europa-1686786

O Último Europeu, de Miguel Real

O Último EuropeuEm 2284, a Europa é maioritariamente composta por Baldios governados por clãs guerreiros que escravizam as populações esfomeadas; subsiste, porém, um território isolado por um cordão de segurança com uma sociedade que, por via da ciência e da tecnologia, atingiu um nível altíssimo de felicidade individual, pois todos os desejos podem ser consumados, ainda que mentalmente.

Nesta Nova Europa, as relações sexuais são livres e não se destinam à procriação: as crianças, desconhecendo os pais, nascem nos Criatórios em placentas sintéticas e seguem para Colégios onde, sem a ajuda de livros, andróides especializados incrementam as suas competências como futuros Cidadãos Dourados. As famílias reúnem-se por afinidades, ninguém trabalha e nem sequer existem nomes, para que ninguém se distinga, já que todas as conquistas se fazem em nome da comunidade.

Vinte e cinco anos depois da queda do Muro de Berlim, Miguel Real constrói uma utopia sublime no contexto de um novo paradigma civilizacional, revelando o seu talento de escritor e filósofo e, ao mesmo tempo, chamando a atenção para o esgotamento da Europa actual.

Citando Miguel Real

Sebastianismo

Assim, ser sebastianista hoje significa ter plena consciência de que em Portugal só se atinge um patamar próspero de vida se algo (uma instituição) ou alguém dotado de elemento carismático nos prestar um auxílio que nos retire, por meios extraordinários, do embrutecimento e empobrecimento da vida quotidiana: a subserviência rastejante ao Partido, a cunha do “Senhor Doutor», a crença no resultado do totoloto ou do euromilhões, a promessa a Nossa Senhora de Fátima ou santo congénere… Esse algo ou alguém, quando negado em Portugal, impele à emigração, forçando o português a buscar no estrangeiro o que, devido às políticas de autofavorecimento das elites, lhe é negado na sua terra natal.

Nova Teoria do Sebastianismo, de Miguel Real.

mais sobre o livro na D. Quixote.

Citando Luísa Franco

titanic

O cemitério onde repousarei conterá, por baixo, a lava primitiva da ilha e, por cima, as escorrências milenárias vivas da sua erosão, transformadas em pedra negra. Assentarei definitivamente entre dois deuses naturais – a lava de pedra e a terra da vida -, como se assentasse no colo de deus, protegida pelos seus braços e o seu hálito. Não preciso de outro deus, chega-me a Montanha. Entendo o Espírito Santo como o Espírito da Montanha, sempre presente na ilha, modelando-a geograficamente e modelando o viver dos homens em torno do mar. A Montanha é o meu Espírito Santo, a morada da minha alma, em vida e na morte.

A Montanha e o Titanic, de Luísa Franco (edição de Miguel Real)

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O lugar de um povo numa revolução

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Em maio de 1975 Gabriel Garcia Márquez chega a Lisboa, cidade de «restaurantes populares, onde se come um delicioso arroz com sangue de galinha, e os empregados debatem-se com uma dúvida: no regime atual, é justo que recebam gorjeta?»
O escritor estava boquiaberto. Não era preciso ser estrangeiro para ficar surpreendido. Ninguém que vivia em Portugal podia imaginar, ou imaginou, o que se ia passar entre 1974 e 1975 naquele canto da Europa Ocidental.

Nesta obra, História do Povo na Revolução Portuguesa 1974-75, Raquel Varela, apresenta-nos um retrato fundamentado e estruturado da participação popular na revolução do 25 de Abril. O povo pobre, analfabeto e pouco politizado que acorda para a revolução, para os seus direitos e para uma sociedade sem mais exploração do homem pelo homem; os artistas expressando a sua liberdade nos murais, no teatro, na escrita e nas canções; os que, tendo uma maior consciência política, partiram para o exílio e oposição ao regime e regressam para integrar a vida partidária; o papel da mulher na sociedade; a crescente consciência política da autodeterminação dos povos coloniais; etc. Este era o povo de Abril: o povo que já não tem medo.

Hoje, este livro tem a sua primeira apresentação no Festival Literário da Madeira,às 18h, no Teatro Municipal Baltazar Dias, a cargo do escritor Miguel Real.

Raquel Varela no FLM

RaqVa

Historiadora Raquel Varela apresenta novo livro no Festival Literário da Madeira.

História do Povo na Revolução Portuguesa 1974-75, o novo livro da investigadora Raquel Varela, terá a sua primeira apresentação no Festival Literário da Madeira, que decorre entre 17 e 23 de março. A sessão será no próximo dia 20 de março, às 18h, no Teatro Municipal Baltazar Dias. O livro será apresentado pelo escritor Miguel Real.

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Nova Teoria do Sebastianismo

Nova Teoria do SebastianismoNova Teoria do Sebastianismo é um ensaio que reflecte sobre o mito sebastianista como alucinação racionalmente falsa mas sentimentalmente verdadeira e nos dá a conhecer os autores que trataram o tema, desde Bandarra e Padre António Vieira até aos filósofos contemporâneos, passando por Fernando Pessoa, António Quadros, António Sérgio e Eduardo Lourenço.

O presente título insere-se numa colecção na qual foram já publicados dois outros títulos de Miguel Real: Nova Teoria do Mal e Nova Teoria da Felicidade enquanto propostas para uma ética do século XXI.

Nas livrarias a 18 de Março

TERTÚLIAS DE LISBOA | 2ª sessão 9 NOV. 2013 | Livraria Ler Devagar

A arte de sonhar, a utopia  e o Quinto Império | André Barata e Miguel Real

Andre-Miguel

André Barata (Faro, 1972) é professor da Faculdade de Artes e Letras da Universidade da Beira Interior desde 2002. Fez toda a sua formação, em filosofia, pela Faculdade de Letras de Lisboa, onde se doutorou em 2004, depois de uma licenciatura e de um mestrado, acompanhados sempre por muito empenho no movimento associativo. Desde 1995, fez crítica de ensaio nos suplementos literários do Público – Leituras, Mil Folhas, Ípsilon.

Trabalhou com os filósofos Fernando Gil e João Paisana, tendo dirigido a revista Análise (2005/6) e integrado a direcção fundadora da revista de fenomenologia Phainomenon. Também fez parte da direcção da Sociedade Portuguesa de Filosofia.

Participou da fundação do curso de Ciência Política e Relações Internacionais da UBI, de que foi director desde finais de 2009. Em 2011, foi professor visitante na Universidade do Estado do Rio de Janeiro.

O seu gosto filosófico é dominantemente existencialista, com muitos trabalhos publicados sobre o pensamento de Sartre e as temáticas da consciência, da liberdade e das relações interpessoais. Nesse quadro, tem colaborado com as sociedades de formação de psicoterapeutas existenciais, tanto em Portugal como no Brasil.

Além de uma trintena de artigos e capítulos de livros, é autor de quatro livros:

Metáforas da Consciência. Porto, Campo das letras, 2000.
Sentidos de Liberdade. Covilhã, Ta Pragmata, 2007.
Círculos – Experiências Descritivas, Caminho, 2007 (Em co-autoria com Rita Taborda Duarte).
Mente e Consciência. Lisboa, Centro de Filosofia da Univ. Lisboa, 2009.

Miguel Real

Sintrense, Miguel Real, professor do ensino secundário e investigador no CLEPUL – Centro de Literatura de Expressão Portuguesa da Faculdade de Letras de Lisboa, publicou os romances A Voz da Terra (2005), O Último Negreiro (2006), O Último Minuto na Vida de S.(2007), O Sal da Terra (2008), A Ministra (2009) eMemórias Secretas da Rainha D. Amélia (D. Quixote), e os ensaios O Marquês de Pombal e a Cultura Portuguesa (2005), O Último Eça (2006), Agostinho da Silva e a Cultura Portuguesa (2007), Eduardo Lourenço e a Cultura Portuguesa (2008) e Padre António Vieira e a Cultura Portuguesa (2008) na editora Quidinovi, bem como os ensaios A Morte de Portugal (2007, Campo das Letras), Matias Aires. As Máscaras da Vaidade(2008, Setecaminhos) e José Enes, Filosofia, Açores e Poesia (2009). Publicou também, em 2003, o romanceMemórias de Branca Dias, sobre a primeira mulher a praticar cultos judaicos no Brasil, a primeira “mestra de meninas” (professora) e a primeira senhora de engenho do Pernambuco (Temas e Debates), levada à cena pelo Cendrev, de Évora, em 2008, com representação de Rosário Gonzaga e encenação de Filomena Oliveira.
No teatro, sempre em co-autoria com Filomena Oliveira, para além da dramaturgia de Memorial do Convento, de Saramago, encenado por Joaquim Benite, e de nova dramaturgia para cinco actores, em cena no Convento de Mafra, escreveu as peças Os Patriotas, sobre a Geração de 70 (Europress), O Umbigo de Régio e Liberdade, Liberdade, esta última sobre os presos políticos durante o regime do Estado Novo, e 1755 O Grande Terramoto (Europress), levado à cena no Teatro da Trindade, Lisboa, entre Abril e Julho de 2006. A peça, Vieira – O Céu na Terra, representada nas ruínas do Convento do Carmo, em Lisboa, no Verão de 2008, teve encenação de Filomena Oliveira e produção do Teatro Nacional D. Maria II.
Recebeu os Prémios Revelação Ensaio da Associação Portuguesa de Escritores, o Prémio de romance Ler/Círculo de Leitores, o Prémio de Romance Fernando Namora, o Prémio Jacinto do Prado Coelho e, com Filomena Oliveira, o Grande Prémio de Teatro da Sociedade Portuguesa de Autores 2008 com a peça Uma Família Portuguesa, representada no teatro Aberto, em Lisboa, em 2010, com encenação de Cristina Carvalhal.

A Mensagem, de Fernando Pessoa – edição comentada

84015c_c3d8058068d5f9252a4aa80bbb5ca683.jpg_srz_348_548_75_22_0.50_1.20_0.00_jpg_srzA Mensagem, obra maior da poesia contemporânea, é um dos textos essenciais da cultura portuguesa.
Esta edição de uma das mais famosas criações de Fernando Pessoa analisa detalhadamente cada poema, desvenda as palavras do poeta e clarifica a informação histórica que lhe está subjacente.
Elaborada de forma a possibilitar uma leitura acessível, quer ao aluno do ensino secundário, quer ao leitor mais íntimo da obra pessoana, Mensagem comentada por Miguel Real é uma obra obrigatória para se conhecer de forma mais profunda e rigorosa o maior poeta do século XX e um dos textos fundamentais da cultura portuguesa.

Edições Parsifal, 2013

Miguel Real oferece-nos uma leitura lúcida e inteligente deste belíssimo poema, respeitando-lhe a alma, permitindo ao leitor apreender, em toda a sua extensão, a simbologia e misticismo de que está impregnado. As ilustrações de João Pedro Lam dão ao livro um aspecto menos pesado, fazendo-nos abstrair do lado académico e mais formal desta obra.

Acrítico – leituras dispersas.

Miguel Real | Nova Teoria do Mal

Estamos a matar o homem europeu, que construiu a civilização mais racional, mais humanista, mais liberal que existiu na terra, que misturou raças, criou a democracia, a vontade popular democrática, criou a Carta dos Direitos Humanos, a Carta dos Direitos da Criança, defendeu os Direitos Ambientais.

Uma Europa de que a última tentativa de ser resgatada foi o projecto de comunidade europeia. E os valores portugueses e europeus estão a ser mortos por uma geração de economistas, que substitui o homem pelo número. Podem dizer que isto é demagógico, mas é a verdade.

[…] Hegel disse que a China estava a dormir há três mil anos, agora é a Europa que ficará a dormir, três mil anos ou mais. Como homem europeu, sinto revolta.

Miguel Real, in Nova Teoria do Mal

Miguel Real

Nova Teoria do Mal

Este livro, segundo o seu autor, tem origem numa revolta: “a revolta moral contra o estado de vida degradado, autenticamente terceiro-mundista, de mais de 2 milhões de habitantes de Portugal; Não podia encarar grande parte da classe política que nos governa desde meados da década de 1980 sem encontrar nos seus olhos, na sobranceria das suas atitudes, na prepotência das suas leis (extorquindo dinheiro à população, favorecendo os que mais o têm), no ar enfastiado e enfatuado com que no estrangeiro se referem ao povo português, culpando-o de um atraso cuja responsabilidade só às elites pertence, sem detectar neste conjunto de atitudes uma visível tendência para o mal, um genuíno prazer no mal que iam cometendo lei a lei.” (pág. 13)

Tal como a vida “não nasceu contra o caos, mas sobre o caos” (pág. 109), é natural que esta revolta também nasça sobre a desagregação da nossa sociedade, sobre este amortecimento português sem um aparente desígnio de maldade.

Homens normais, sem aleijões psíquicos, entorses sociais de infância ou traumas psicanalíticos, subscrevem políticas que lançam populações inteiras na miséria ou limitam o tratamento a doentes que se podiam salvar e dessa forma vão morrer porque o país está em dificuldades económicas. Como entender esta “banalidade do mal”?

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GUILHERME CENTAZZI: O PRIMEIRO ROMANCE MODERNO PORTUGUÊS | por Miguel Real in “inComunidade”

1. – Introdução
Uma recente descoberta de Pedro Almeida Vieira, conhecido autor de romances históricos, teorizada por Maria de Fátima Marinho, professora da Faculdade de Letras do Porto, veio revolucionar a historiografia da literatura portuguesa. Referimo-nos à publicação de O Estudante de Coimbra. Relâmpago da História Portuguesa desde 1826 até 1838, de Guilherme Centazzi, apresentado como “o primeiro romance moderno português”, editado em 1840 – 41 (3 volumes), anterior, portanto, à publicação dos dois textos considerados até hoje como os pais do romance português moderno, Eurico, o Presbítero, de Alexandre Herculano, publicado em 1845, e Viagens na Minha Terra, de Almeida Garrett, publicado em 1846 (cf. “Nota Prévia” de Pedro Almeida Vieira” e “Posfácio” de Maria de Fátima Marinho). Chama-se, assim, a atenção dos professores de Português e dos diretores de bibliotecas municipais para a necessidade de um novo enquadramento cronológico das origens do romance moderno português, com evidente futura alteração dos manuais e das histórias de literatura.

2. – Morrer na praia
Lido o romance ora ressuscitado de Guilherme Centazzi, um médico de origem italiana nascido em Faro, político tão entusiasmadamente liberal quando estudante quanto cético na maturidade, à imagem de Herculano e Garrett, de prática literária polivalente, inventor dos rebuçados medicinais “Centazzi”, emerge o sentimento paradoxal de incompletude, tanto no sentido de anunciação ou de precursão de correntes literárias posteriormente dominantes, quanto no sentido da ausência de um trabalho estético mais apurado por parte do autor. De facto, O Estudante de Coimbra estatui-se como um texto em bruto, redigido intuitivamente, sob o ardor político e literário da juventude, necessitado, porém, de ser laminado, sintetizado e, sobretudo, de sofrer o efeito de uma profunda revisão estética. Porém, o seu alto valor para a história da literatura portuguesa reside, independentemente das qualidades específicas da obra em si, no modo “amalgamado” como cruza três correntes estéticas que se tornarão, posteriormente, dominantes em Portugal até ao advento do naturalismo-realismo, no último quartel do século XIX. Referimo-nos ao romantismo, como é evidente, mas também à inspiração do romance de “capa e espada” (o folhetim jornalístico e o livro) e ao romance gótico. Com efeito, Centazzi possui o poder intuitivo de cruzar estas três correntes europeias, ainda virgens em Portugal no campo da narrativa, escrevendo um romance que, de certo modo, se singulariza por as evidenciar a todas e a nenhuma em particular.

De facto, o sentimento literário de Centazzi é idêntico ao da escrita de Garrett em Viagens na Minha Terra, que, desprezando o convencionalismo retórico clássico (os protocolos da escrita arcádica) declara, “isto tinha na alma, isto vai no papel”, abrindo caminho a uma escrita revelada pelo sentimento individual do autor (o “eu) e a um léxico burguês de caráter jornalístico, duas das premissas do romantismo presentes em O Estudante de Coimbra. Por outro lado, como Fátima Marinho salienta, Centazzi une, ao modo de Walpone, do romance gótico do século XVIII, aspetos aterrorizantes da realidade humana (guerra, grutas, fome, “fantasmas”, posteriormente desmascarados, criaturas grotescas e perversas como frei Barnabé) com a expressão de sentimentos de inocência e ternura (Maria) e de honestidade enganada (Rodolfo). Nesta vertente estética se enquadrará, porventura, a dedicatória de Centazzi a António Feliciano de Castilho, que acabara de publicar A Noite do Castelo (1836). Detetam-se igualmente em O Estudante de Coimbra traços pertinentes ao romance de capa e espada, do século XVII, que tão grande ventura popular terá ao longo do século XIX com Ponson du Terrail (Rocambole) e Alexandre Dumas (Os Três Mosqueteiros, O Conde de Monte Cristo, O Homem da Máscara de Ferro), praticado em Portugal por Carlos Pinto de Almeida (O Corsário Português, 1875) e Pinheiro Chagas (As Duas Flores de Sangue, 1875). O romance de Centazzi pratica com abundância algumas das características deste género narrativo, sobretudo a transformação involuntária de uma vida normal (o estudante) numa vida aventurosa, repleta de mil e uma peripécias (prisões, raptos, duelos, viagens por mar, por carruagem, assaltos, até uma tentativa de suicídio…), auxiliada por criados ou companheiros (Careo, criados de Rodolfo, amigas de Maria), desenvolvendo um enredo complicadíssimo, sempre com um final inesperado, como justamente acontece neste romance.

Existe, assim, uma tripla inspiração em O Estudante de Coimbra, o primeiro romance moderno, no dizer de Pedro Almeida Vieira. Em primeiro lugar, a inspiração na vida própria, o que confere um fortíssimo grau de romantismo ao romance, e, neste sentido, é correto designar-se como um texto integrado no movimento romântico português; em segundo lugar, porventura efeito das leituras do autor em Coimbra, existe uma nítida inspiração do romance gótico, aliando o jogo sentimental a cenas e situações macabras e aterrorizantes e/ou a personagens grotescas; em terceiro lugar, a inspiração no romance de capa e espada, repleto de peripécias e aventuras, de obstáculos à realização do amor, de ajudas e impedimentos por parte de criados ou de inferiores.

Dito de outro modo, Centazzi, como autor, possuiu o instinto estético dos precursores, compondo um romance prenunciador da quase totalidade da literatura portuguesa do século XIX. Porem, como todos os pioneiros, venceu o mar mas acabou por morrer na praia, à vista da terra salvadora, desenhadora do futuro.

Parabéns ao trabalho incansável de Pedro Almeida Vieira, que ressuscitou o romance de Centazzi, o introduziu e lhe fixou o texto.

Romance de leitura absolutamente indispensável a professores de Português, diretores de bibliotecas e estudiosos de literatura portuguesa contemporânea.

O Estudante de Coimbra,
Fixação do texto e notas de Pedro Almeida Vieira,
Posfácio de Maria de Fátima Marinho
Editora Planeta, 317 pp.

Miguel Real

Miguel Real

Miguel Real

Sintrense, Miguel Real, professor do ensino secundário e investigador no CLEPUL – Centro de Literatura de Expressão Portuguesa da Faculdade de Letras de Lisboa, publicou os romances A Voz da Terra (2005), O Último Negreiro (2006), O Último Minuto na Vida de S. (2007), O Sal da Terra (2008), A Ministra (2009) e Memórias Secretas da Rainha D. Amélia (D. Quixote), e os ensaios O Marquês de Pombal e a Cultura Portuguesa (2005), O Último Eça(2006), Agostinho da Silva e a Cultura Portuguesa(2007), Eduardo Lourenço e a Cultura Portuguesa(2008) e Padre António Vieira e a Cultura Portuguesa(2008) na editora Quidinovi, bem como os ensaios A Morte de Portugal (2007, Campo das Letras), Matias Aires. As Máscaras da Vaidade (2008, Setecaminhos) e José Enes, Filosofia, Açores e Poesia (2009). Publicou também, em 2003, o romance Memórias de Branca Dias, sobre a primeira mulher a praticar cultos judaicos no Brasil, a primeira “mestra de meninas” (professora) e a primeira senhora de engenho do Pernambuco (Temas e Debates), levada à cena pelo Cendrev, de Évora, em 2008, com representação de Rosário Gonzaga e encenação de Filomena Oliveira.

No teatro, sempre em co-autoria com Filomena Oliveira, para além da dramaturgia deMemorial do Convento, de Saramago, encenado por Joaquim Benite, e de nova dramaturgia para cinco actores, em cena no Convento de Mafra, escreveu as peças Os Patriotas, sobre a Geração de 70 (Europress), O Umbigo de Régio e Liberdade, Liberdade, esta última sobre os presos políticos durante o regime do Estado Novo, e 1755 O Grande Terramoto (Europress), levado à cena no Teatro da Trindade, Lisboa, entre Abril e Julho de 2006. A peça, Vieira – O Céu na Terra, representada nas ruínas do Convento do Carmo, em Lisboa, no Verão de 2008, teve encenação de Filomena Oliveira e produção do Teatro Nacional D. Maria II.
Recebeu os Prémios Revelação Ensaio da Associação Portuguesa de Escritores, o Prémio de romance Ler/Círculo de Leitores, o Prémio de Romance Fernando Namora, o Prémio Jacinto do Prado Coelho e, com Filomena Oliveira, o Grande Prémio de Teatro da Sociedade Portuguesa de Autores 2008 com a peça Uma Família Portuguesa, representada no teatro Aberto, em Lisboa, em 2010, com encenação de Cristina Carvalhal.