Como é possível à gente da minha terra “quaresmar”? | José Alberto Catarino

Como é possível à gente da minha terra – Cardigos (Mação) “quaresmar”?

A gente vai de passagem pela sede de freguesia (Cardigos), entra num estabelecimento comercial “ao acaso”, para cumprimentar um familiar, e sai carregado de pecados mortais (qual Quaresma qual carapuça):
1) – a melhor morcela do país, ali do lado, de Vale da Urra – (Vila de Rei) boa. Boa boa boa … daquelas que sabem verdadeiramente a cominhos!
2) – uma farinheira de “cair para o lado” feita mesmo ali em Cardigos. Comer e chorar por mais (na dúvida compram-se várias para não ter de ficar a chorar por mais).
3) – o pão de Cardigos. Verdadeiro “pecado mortal” (sempre que eu dizia às minhas doentes que eu era de Cardigos vinha sempre a mesma resposta: “Ah, é a terra do meu padeiro!”). Este pão não é carne, mas não deixa de ser pecaminoso porque atrai a gula (a gente ouve o pão a chamar pela manteiga … pelas azeitonas … a gritar; “transformem-me em açorda!”
4) – e quando pensamos que o demo larga por ali do nosso pé … aparecem as tijeladas de Abrantes (agora já feitas ali ao lado, no Azinhal). E ficamos com pecados suficientes para esgotarmos as hipóteses de ainda pensar no Purgatório. É direitinhos ao Inferno.
– ( só faltou um plangaio de Proença-a-Nova, mas esses há 50 anos que não lhes ponho o dente em cima …

Abençoada terrinha!

Zalberto Catarino

Retirado do Facebook ! Mural de Zalberto Catarino

Migas de Marisco | António Galopim de Carvalho

A expressão “migas de marisco” é, em nossa opinião, mais correcta do que a bem conhecida açorda de marisco, de que há muitas versões por todo o país, dando razão a Maria de Lourdes Modesto (1982), quando refere a infinidade de variantes que cada receita comporta. A “açorda” de marisco da nossa casa é a melhor de todas, no dizer dos filhos, familiares e demais amigos. É uma gentileza que compensa todo o tempo necessário à sua confecção.

Cozem-se, em pouca água e durante um tempo mínimo, os camarões e uma dezena de caranguejos. À parte, cozem-se lulas pequenas ou chocos, bem limpos de tinta e peles. À parte, numa panela tapada, abrem-se amêijoas e mexilhões, comprados já limpos de areia e depurados. Se incluir lagosta coza-a também à parte. Tenha-se em atenção que apenas os camarões não perdem qualidade como congelados. Assim, todos os restantes ingredientes têm de ser necessariamente frescos (lulas, chocos, bivalves e crustáceos). Corta-se pão caseiro (alentejano ou de tipo saloio) com dois ou três dias, em fatias tão finas quanto o consinta o jeito de quem o corta.

Descasque os camarões deixando uma dezena deles intactos. As cascas dos camarões juntamente com os caranguejos cozidos são depois bem pisados. O pisado obtido é, de seguida, diluído num pouco da respectiva água de cozedura e coado por uma peneira fina ou num pano e aí bem espremido. O caldo resultante desta operação, muito rico em paladar, mistura-se com a dita água de cozedura.

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Bolas de Berlim | Inês Salvador

Comprei umas bolas de Berlim. As bolas de Berlim que eu comprei não valem nada. Pensei, estas bolas não são de Berlim. Fui ver a etiqueta na embalagem e confirmei, Vila do Conde?! As bolas são de Vila do Conde. Uns gajos de Berlim irem para Vila do Conde fazer bolas só podia dar nisto, as bolas não valem nada.

Retirado do Facebook | Mural de Inês Salvador

SOPA FAVA-RICA

Até ao início do século XX esta sopa era vendida, pelas ruas de Lisboa, por mulheres que apregoavam em voz cantada “Fava Riiiiiica!”.
Fava-rica era uma sopa muito apreciada pelas classes populares por ser um alimento muito nutritivo, devido ao seu alto teor de proteínas.
O termo culinário fava-rica designa a «fava seca, que, depois de cozida, é refogada com azeite, alhos e pimenta» (Dicionário da Língua Portuguesa, Academia das Ciências de Lisboa).

Receita
500 gr fava seca
4 colheres  sopa de azeite
4 dentes alho
1 colher sopa vinagre
sal
pimenta

. Põem-se as favas de molho em água fria de um dia para o outro.
. Depois de escorridas, colocam-se as favas numa panela com água e sal e vão a cozer. Deixar cozer, em lume brando, até começarem a desfazer-se.
. Junta-se o azeite, os alhos picados e o vinagre.
.Tempera-se com sal e pimenta a gosto. Serve-se bem quente.

Fonte: Câmara Municipal de Lisboa

http://www.cm-lisboa.pt/visitar/sabores-de-lisboa/fava-rica-sopa

O que resta da bela gastronomia portuguesa | Jorge Alves

Depois de os dinossauros terem ido à vida, os processos de extinção tornaram-se moda. Tem sido um processo lento, mas inexorável. Parece que uma chuva de meteoros se abateu gradualmente sobre a Terra, acabando com os poucos prazeres que nos restavam. E não tenhamos dúvidas que uma das principais vítimas deste cataclismo tem sido a gastronomia. O que resta da bela gastronomia portuguesa, que fazia as delícias de qualquer gajo que se prezasse, que tinha o condão de transformar pesadelos em sonhos, que salvou, enfim, um sem-número de matrimónios? Quem ignora que o caminho mais curto para o coração de um homem passa através do seu estômago não sabe nada da vida. Por exemplo, antigamente um gajo deliciava-se com uma parrilhada de marisco. Tinha direito a tudo – sapateira, santola, gambas, navalheiras, amêijoas, mexilhão, percebes, polvo… enfim, era um fartar-vilanagem. Agora não. Vem para a mesa um mini-risotto de marisco e um gajo paga e não bufa. Ou melhor, paga para ver, que é para o que a comida gourmet serve. E que dizer do belo bacalhau à Zé do Pipo? Um gajo comia até cair para o lado! Agora pede-se bacalhau e levamos com uma lasca gratinada com legumes… Nem sequer é bom falar do opíparo cozido à portuguesa. Enfardar uma bela de uma farinheira, uma morcela, um chouriço, pernil, toucinho, tudo misturado com dois quilos de legumes lá da horta, isso agora só nos filmes a preto e branco. Um gajo senta-se, pede um cozido gourmet e lá vem um quarto de rodela (fininha…) de morcela, uma caganita de carne, três feijões, paisagem (pouca…) e uma factura de 50 euros. E que dizer de umas migas com ovos escalfados? Isso era quando um gajo engolia quatro ovos misturados numa panela recheada de delícias que enchiam a alma. Agora pedem-se migas e leva-se com meia dúzia de migalhas estrategicamente espalhadas pelo prato, misturadas com uma coisa verde, outra vermelha e um ponto de interrogação azul, para dar mais cor à coisa. Enfim, resta-me esperar que caia um meteorito (dos grandes…) na próxima conferência anual de chefs…

Jorge Alves

Retirado do Facebook | Mural de Jorges Alves

AÇORDAS, SOPAS DE PÃO E MIGAS (1) | António Galopim de Carvalho

Açorda é uma herança directa da presença muçulmana neste “Garb-Al-Andaluz, antre Tejo e Odiana”, durante os séculos VII a XIII, onde se confeccionava a “ath thurda”, um alimento constituído por pedaços de pão mergulhados num caldo, mas não esmigalhados e amassados. Segundo o mestre da gastronomia, Alfredo Saramago, este tipo de alimentos, à base de ervas aromáticas, alho, azeite, pão e água quente, veio de um tempo pré-romano, atravessou os cinco século de ocupação romana, tendo sido os árabes que, durante outros cinco séculos de presença, a fixaram e lhe deram a importância que teve entre eles e ainda tem entre nós constituindo um dos nossos pratos mais regionais.

Para os alentejanos, o termo migas designa um alimento igualmente à base de pão, mas embebido num caldo e, a seguir, esmigalhado e amassado. Este tipo de confecção, embora mais espapaçado, é aquilo que, em Lisboa e noutras regiões do país, impropriamente, se chama “açorda”. Cozinhadas a partir de múltiplas receitas, variando de lugar para lugar, as “açordas de marisco”, que percorrem o litoral, do Minho ao Algarve, são, na realidade, migas. Dando satisfação a numerosos apreciadores, temos, ainda a “açorda com ovas de sável”, que se faz no Ribatejo, confecção com lugar cimeiro na gastronomia portuguesa. Umas e outras estão mais de acordo com as nossas migas, inclusivé as de batata, também elas esmigalhadas e amassadas.
Assinale-se que o termo migas radica no étimo latino, “mica”, que significa migalha, partícula, o mesmo que deu nome aos minerais conhecidos por micas, a branca (moscovite) e a preta (biotite).
Consciente desta realidade cultural dos alentejanos, o poeta João de Vasconcelos e Sá, avô do nosso fadista Pinto Basto, cantou, na revista musical, “Palhas e Moinhas” levada à cena, em 1939, no teatro Garcia de Resende, em Évora, a diferença entre os usos destas duas palavras no Alentejo e fora dele.
«Terra de grandes barrigas
onde só há gente gorda.
Às sopas chamam açorda
à açorda chamam-lhe migas. »

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Da auto-indulgência | Inês Salvador

Pessoas que não são gordas, estão é fortes, e não é fácil que enfraqueçam, derivado a passar fraqueza, porque são largas de ossos. Homens que não são gordos, têm é barriga… Se tirarem a barriga… Mas não tiram, e assim se mantém infinitamente magros com barriga, a mesma barriga que até já esteve maior, no verão passado, por exemplo, quase a fazer crer que já nem é barriga, mas apenas o umbigo que cresceu em metamorfose definitiva. E quase não comem, não comem nada, toda aquela carga é que se lhes foi colando aos ossos como um injusto bónus desta passagem pelo mundo que é vida.

Retirado do Facebook | Mural de Inês Salvador

As estrelas Michelin | Inês Salvador

ines-salvador-200Ando um bocadinho apoquentada com a última saraivada do arquiteto torresmo Saraiva. Deu-lhe para desprezar as estrelas Michelin atribuídas aos restaurantes portugueses, nomeadamente, no advérbio do arquiteto, porque esses restaurantes não servem cozinha tradicional portuguesa. Mais saraivada, menos saraivada, já não se liga, o que apoquenta é ver a quantidade de apoiantes que colheu com isto. É ver num post alusivo a horda de apoiantes que junta, e pasme-se, a clamar pela quantidade de comida servida nos pratos dos chefs. Bom, está visto que esta gente toda nunca pôs o pé num destes restaurantes, não surpreende, são caros. Falam do que imaginam, do que vêem nas fotos, desconhecem o ritual, estão na fase primária de que comer bem é comer muito, é enfardar. Estão no terceiro mundo de uma infância passada com fome, senão foi a deles, foi ainda a dos pais, a dos avós. Há um gene faminto que persiste do tempo de uma sardinha para três, do tempo recente que era doutra senhora, um gene que persiste na memória, mesmo na mais inconsciente. Um gene da pobreza que estes tempos de crise acordaram a dominante. Tranquilize-se o gene. A estes restaurantes não se vai comer uma amostra de comida. Frequentemente, e assim compete, degusta-se, não se enfarda. Faz-se da mesa a arte da qualidade e não da quantidade. Faz-se da mesa uma arte, ponto.

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O Zalberto Catarino faz anos | hoje, 08 de Dezembro | Relembrando uma crónica em jeito de “Parabéns a Você” | Autor: Rudolfo Miguez Garcia

Em 27/10/2012 travou-se em Abrantes uma dura batalha contra uns lautos tachos de favas. Um dos valentes guerreiros foi o nosso amigo Zalberto Catarino, que hoje celebra o seu aniversário. Aqui fica a recordação com os desejos de muitos tachos na futura longa vida.

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Nova crónica não anunciada de um almoço anunciado. “Ataque ao Tacho”

27/10/2012 – Parque de São Lourenço – Abantes, por Rudolph Miguezz

“Estamos no ano da desgraça 02, depois de PPC. Toda a Lusitânia foi há muito tempo ocupada pelo invasor oportunista e bárbaro, cujo único desiderato é possuir um tacho.

Um grupo de irredutíveis Lusitanos, oriundos da Aldeia Gaulesa de La Salle, parte para a luta. Deixam o conforto e segurança das suas paliçadas e reúnem-se na região interior da Lusitânia, em AbraAntes. A palavra de ordem é resistir ao invasor, decidida e bravamente convencidos que o modo mais radical de acabar com os tachos, é comê-los e …obrá-los!

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Inês Salvador | Mercado Biológico, Vegans e Paleolíticos

ines - 150Fui ao Mercado Biológico e ai que maravilha, por coincidência era tudo biológico! Carnes, peixes, mariscos, pão, bolos, fruta, vinhos, água, chás, cafés, detergentes, produtos para a higiene íntima, maquilhagem, etcetera, etcetera. Havia leitões que tinham largado os campos e feito maratonas para chegar à loja e desmaiar nas vitrinas ainda com as bolotas na boca, mexilhões que tinham vindo a cavalo em polvos, que percorreram a ciclovia na ponta dos tentáculos para caírem de cansaço dentro da arca frigorífica, perdizes que voaram para dentro da loja e foram sentar-se nas prateleiras dos congelados já depenadas, pães com os grãos de trigo e centeio ainda descascarem-se dentro da embalagens, água a correr da nascente mascarada de garrafa de plástico, óleos de todas as espécies e origens do que é oleoso, sacos de algas, sacos de lodo, sacos de tanta e tanta coisa, e sacos de papel reciclado para levar tudo.

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A História da Caralhota de Almeirim | in “O Culto da Mesa”

caralhotas_zorate‘Para quem não sabe o que é uma caralhota, é um pão caseiro, idêntico à merendeira, muito guloso e saboroso. Deixa água na boca quando acompanhado com sopa de pedra, com uma bifana ou simplesmente com um pequeno pedaço de manteiga.

O nome desta iguaria vem de tempos passados, “culpa” da tradição popular. Antigamente, em Almerim, os populares chamavam caralhotas aos borbotos da lã. Nessa altura, em quase todas as casas existia um forno e cozia-se o pão. Quando se tirava a massa, para depois ir para o forno, no fundo do alguidar ficavam bocadinhos de massa, idênticos a borbotos de lã. A essas pequenas bolas os populares chamavam de caralhotas. Daí vem o nome actual do pão que pode saborear nos restaurantes de Almeirim.

http://cultodamesa.blogspot.pt/2011/04/historia-da-caralhota.html

À MESA COM FRIDA KAHLO, de Luz Martínez

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Em poucos países a história estará tão representada na gastronomia como no México. À enorme diversidade de sabores, cores e ingredientes da cozinha pré-hispânica, juntou-se uma variedade de pratos resultante do contacto com os espanhóis, originando uma gastronomia rica, variada e mundialmente reconhecida.

Também a cultura está muito presente na cozinha mexicana, sendo Frida Kahlo um exemplo particularmente cativante. A grande pintora gostava de cozinhar à maneira antiga e usando métodos tradicionais, organizando longos serões com pratos que deliciavam não só o seu amado Diego como também os inúmeros amigos que acorriam à Casa Azul.

Em À Mesa com Frida Kahlo, cada receita é apresentada de uma forma clara, desde a sua preparação até ao acto de servir, e enriquecida com sugestões e truques. Ao longo do livro, os leitores podem conhecer igualmente a história de alguns ingredientes, utensílios ou pratos mexicanos, bem como aspectos da vida e a obra da artista. Desta forma, são apresentadas algumas curiosidades sobre o seu percurso, reproduzidos com uma explicação alguns dos seus principais quadros e apresentada uma cronologia com os momentos mais relevantes da vida de Frida Kahlo. O resultado é um livro inovador e surpreendente que fará as delícias de qualquer amante da cozinha e da grande pintora mexicana.

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