Devia morrer-se de outra maneira | José Gomes Ferreira, in Poeta Militante

Devia morrer-se de outra maneira.

Transformarmo-nos em fumo, por exemplo.

Ou em nuvens.

Quando nos sentíssemos cansados, fartos do mesmo sol

a fingir de novo todas as manhãs, convocaríamos

os amigos mais íntimos com um cartão de convite

para o ritual do Grande Desfazer: “Fulano de tal comunica

a V. Exa. que vai transformar-se em nuvem hoje

às 9 horas. Traje de passeio”.

E então, solenemente, com passos de reter tempo, fatos

escuros, olhos de lua de cerimónia, viríamos todos assistir

a despedida.

Apertos de mãos quentes. Ternura de calafrio.

“Adeus! Adeus!”

E, pouco a pouco, devagarinho, sem sofrimento,

numa lassidão de arrancar raízes…

(primeiro, os olhos… em seguida, os lábios… depois os cabelos… )

a carne, em vez de apodrecer, começaria a transfigurar-se

em fumo… tão leve… tão subtil… tão pólen…

como aquela nuvem além (vêem?) — nesta tarde de outono

ainda tocada por um vento de lábios azuis…

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Sozinho Com Todo O Mundo | Poema de Charles Bukowski com narração de Mundo Dos Poemas

Poesia e poema de autor americano. Charles Bukowski (1920-1994). Poeta, contista, romancista e novelista foi considerado o último “escritor maldito” da literatura norte-americana. Henry Charles Bukowski Jr. (1920-1994) nasceu em Andernach, Com 15 anos de idade começou a escrever suas primeiras poesias. Em 1939 ingressou o curso de Literatura na Los Angeles City College, onde permaneceu durante dois anos. Com 24 anos Charles Bukowski escreveu seu primeiro conto “Aftermath of a Length of a Rejectio Slip”, que foi publicado na Story Magazine. Dois anos mais tarde publica “20 Tanks From Kasseidown”. Depois de escrever durante uma década desilude-se com o processo de publicação de seu trabalho e resolve viajar pelos Estados Unidos fazendo trabalhos temporários e morando em pensões baratas. Em 1952 emprega-se como carteiro no Correio Postal de Los Angeles, onde permanece durante 3 anos. Entrega-se à bebida e em 1955 se hospitalizasse com uma úlcera hemorrágica muito grave. Quando deixou o hospital começou a escrever poesias. No início dos anos 60 voltou a trabalhar nos correios. Mais tarde viveu em Tucson, onde fez amizade com Jon Webb e Gypsy Lon, que o incentivaram a publicar e viver de sua literatura. Começou a publicar alguns poemas em revistas de literatura. Loujon Press publicou “It Catches My Heart in Its Hands” (1963) e “Crucifix in a Deathhand” (1965).Em 1969, foi convidado pelo editor John Martin da Black Sparrow Press, por uma boa remuneração, para se dedicar integralmente a escrever seus livros. A maioria de seus livros foi publicada nessa época. Em 1971 publicou “Cartas na Rua”, em que o protagonista, seu alter ego, o acompanhou em quase todos os seus romances. Em 1976 conhece Linda Lee Beighle e se mudou para São Pedro, no sul da cidade de Los Angeles, onde permaneceram juntos até 1985. Bukowski fala dela em suas novelas “Mulheres” (1978) e “Hollywood” (1989), através do personagem Sara. Charles Bukowski deixou uma vasta obra marcada por seu humor ferino e seu estilo obsceno, sendo comparado com Henry Miller, Louis-Ferdinand e Ernest Hemingway. A sua forma descuidada com a escrita, onde predominam personagens marginais, como prostitutas, corrida de cavalos, pessoas miseráveis etc. Foi visto como um ícone da decadência norte-americana e da representação niilista característica presente após a Segunda Guerra Mundial. Publicou: “Notas de Um Velho Safado”, “Crônicas de Um Amor Louco”, “Ao Sul de Lugar Nenhum” e “O Amor é Um Cão dos Diabos”, entre outros. Charles Bukouwski faleceu em São Pedro, Califórnia, Estados Unidos, no dia 9 de março de 1994.

C. R. Boxer, um historiador como poucos, por Adelto Gonçalves

Obra de Kenneth Maxwell reconstitui a saga do estudioso inglês que desvendou  a vida colonial no Brasil e foi acusado de traidor em seu país 

O livro Kenneth Maxwell on Global Trends – an historian of the 18th century looks at the contemporary world (Kenneth Maxwell sobre tendências globais: um historiador do século 18 olha para o mundo contemporâneo), publicado em 2023, em  Londres, por Robbin Laird, editor (Second Line of Defense), acaba de ganhar edição em capa dura (hardcover) acrescida de prefácio deste articulista, de um artigo de dezembro de 2023 (“The new historical era seen from space: the case of the Middle East”) e de mais dois instigantes ensaios de 2001 (“Trap and blank check: a cautionary note about Bush and Afghanistan” e “The C. R. Boxer affair: heroes, traitors, and the Manchester Guardian”. 

Dentro do limitado espaço que oferece uma resenha e por sua inegável importância para os estudos da História do Brasil, vai-se destacar aqui apenas o ensaio dedicado ao historiador britânico Charles Ralph Boxer (1904-2000), grande conhecedor da história colonial de Portugal e Holanda. Em linhas gerais, o que se pode adiantar é que Boxer foi educado no Wellington College e no Royal Military College, em Sandhurst, tendo sido tenente no regimento do Lincolnshire de 1923 a 1947.  

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Duanne Ribeiro: a poesia em busca da infância perdida, por Adelto Gonçalves   

I
        O jornalista Duanne Ribeiro, depois de incursionar pelos gêneros romance e novela e publicar outras produções em antologias e periódicos, chega ao público-leitor com uma obra de poesia que surpreende por seu experimentalismo. Trata-se de *ker– (Goiânia, Editora Mondru, 2023), que surpreende até mesmo pelo título pouco usual, em que reúne peças que passam longe do que se entende por uma poesia lírica e bem comportada, mas que, acima de tudo, procuram reconstituir o mundo perdido de uma infância passada nos anos 90, a última década em que as crianças ainda foram bem crianças, em meio a jogos, minigames e desenhos animados malucos e divertidos, antes da chegada dos tablets, celulares, videogames de última geração e redes sociais, como facebookinstagram e outras.

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AUGUSTO CURY EXPLICA COMO SOBREVIVER À INTOXICAÇÃO DIGITAL, O MAL DO MILÉNIO

No seu mais recente livro, o psiquiatra mais lido da atualidade sugere soluções para uma vida mais tranquila, plena e presente, evitando a intoxicação digital provocada pelos aparelhos eletrónicos e pelas redes sociais.

Mais de quatro mil milhões de humanos, ou seja, metade da população mundial, têm ou vão ter um transtorno psiquiátrico, como a síndrome do pensamento acelerado ou a síndrome da intoxicação digital, que resultam de fenómenos contemporâneos como a massificação dos telemóveis e das redes sociais. Destes, provavelmente nem 1% se tratará, seja porque o tratamento é caro, porque faltam profissionais de psicologia e psiquiatria ou porque as pessoas não têm noção de estar doentes.

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Sessão de lançamento de «Piero Solidão», de Leonor Baldaque

Quinta-feira, 9 de maio, decorre a sessão de lançamento do livro Piero Solidão, de Leonor Baldaque, às 18h30, na Casa do Comum, em Lisboa.  Com apresentação de Raquel Marinho, de o poema ensina a cair.

Piero Solidão, um romance terno, melancólico, em busca da beleza pura, marca a estreia de Leonor Baldaque como romancista em Portugal, com tradução de Antonio Sabler.

Eunice Lourenço, Editora de Política do Expresso, “O que ando a ler”: “O século XX esquecido” de Tony Judt

Não ando a ler, vou lendo, umas vezes ao sabor da atualidade, outras em função do que me apetece ou de algum tema que me interessa de forma particular. “O século XX esquecido” de Tony Judt, professor de História em Cambridge, Oxford, Berkeley e Nova Iorque, vencedor de vários prémios, é todo um exercício de memória contra o que o autor considerava a “era do esquecimento” que estamos a viver. É uma coletânea de ensaios organizado em quatro partes: O Coração das Trevas, A Política do Compromisso Intelectual, Perdido na Transição e O (meio) Século Americano.

Pelas suas mais de 400 páginas podemos ‘reler’ Primo Levi; repensar a modernidade (ou não) de João Paulo II, perceber a importância da Bélgica ou tentar perceber Israel “o país que não queria crescer”. E, sobretudo, podemos recuperar alguma noção da história que tanto precisamos para que a memória coletiva possa evitar a repetição dos erros do século passado.

Livros dos 500 Anos Camões-Sena | Manuel S. Fonseca, Abril 23, 2024

Os governos de Portugal lá saberão de si. E saberão, porventura, porque esqueceram ou temem vir recitar em público o «Alma minha gentil» ou esse outro verso «Que eu canto o peito ilustre Lusitano / A quem Neptuno e Marte obedeceram»!  

E, no entanto, diz-nos Jorge de Sena, explicando-nos tudo com uma arrebatadora erudição e com uma devastadora sedução, Camões é um poeta do futuro. Não o poeta do passado, anacrónico, imperial, colonial (e despejem-se aqui os ismos que se queiram), mas um poeta que transcende hagiografias nacionais e que, n’Os Lusíadas e sobretudo n’Os Lusíadas, apela a toda a humanidade. Camões é um expoente de universalidade, diz, quase nos fazendo o desenho, Jorge de Sena. 

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De tarde, naquele «pic-nic» de burguesas, Cesário Verde

Naquele «pic-nic» de burguesas,

Houve uma coisa simplesmente bela,

E, que sem ter história nem grandezas,

Em todo o caso dava uma aguarela.

Foi quando tu, descendo do burrico,

Foste colher, sem imposturas tolas,

A um granzoal azul de grão de bico

Um ramalhete rubro de papoilas.

Pouco depois, em cima duns penhascos,

Nós acampámos, inda o Sol se via;

E houve talhadas de melão, damascos,

E pão-de-ló molhado em malvasia.

Mas, todo púrpuro, a sair da renda

Dos teus dois seios como duas rolas,

Era o supremo encanto da merenda

O ramalhete rubro das papoulas.

Cesário Verde, 1887

Notas

granzoal (v. 7): campo semeado de grão-de-bico.

malvasia (v. 12): vinho licoroso. 

Retirado do Facebook | Mural de Maria Teresa Carrapato, completado com https://folhadepoesia.blogspot.com/

Em Todos Os Jardins Hei-de Florir | Poema de Sophia De Mello Breyner, com Narração

Em Todos Os Jardins Hei-de Florir | Poema de Sophia De Mello Breyner, com Narração. Sophia de Mello Breyner Andresen nasceu a 6 de novembro 1919 no Porto, onde passou a infância. Em 1939-1940 estudou Filologia Clássica na Universidade de Lisboa. Publicou os primeiros versos em 1940, nos Cadernos de Poesia. Foi mãe de cinco filhos, para quem começou a escrever contos infantis. Além da literatura infantil, Sophia escreveu também contos, artigos, ensaios e teatro. Traduziu Eurípedes, Shakespeare, Claudel, Dante e, para o francês, alguns poetas portugueses. Aqui vos deixamos um dos seus poemas mais marcantes de uma autora que tinha com o mar uma relação muito especial. O poema tem narração em português.

A Inconfidência revisitada de Kenneth Maxwell, por Adelto Gonçalves

Nova obra do historiador britânico Kenneth Maxwell analisa a trajetória do Brasil no século XXI e reconstitui a história da conjuração mineira de 1789.

                                                             I
               Uma revisão, praticamente, completa da chamada Inconfidência Mineira – até porque, em História, nunca se pode definir um estudo como completo porque sempre haverá a possibilidade de se localizar documentos esquecidos ou perdidos – é o que o leitor vai encontrar no longo ensaio “Imagined Republics: the United States of America, France, and Brazil (1776-1792)”, que constitui a segunda parte de Brazil in a Changing World Order – Essays by Kenneth Maxwell (Robbin Laird, editor, Second Line of Defense, 2024), obra que acaba de sair à luz na Inglaterra e que, por sua importância capital, está a exigir a sua publicação o mais rápido possível por uma editora brasileira.

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50 anos do 25 de abril | Manuel Alegre

Eu vi Abril por fora e Abril por dentro

vi o Abril que foi e o Abril de agora

eu vi Abril em festa e Abril lamento

Abril como quem ri como quem chora.

Eu vi chorar Abril e Abril partir

vi o Abril de sim e Abril de não

Abril que já não é Abril por vir

e como tudo o mais contradição.

Vi o Abril que ganha e Abril que perde

Abril que foi Abril e o que não foi

eu vi Abril de ser e de não ser.

Abril de Abril vestido (Abril tão verde)

Abril de Abril despido (Abril que dói)

Abril já feito. E ainda por fazer.

Manuel Alegre

(Nascimento Águeda, 12 de maio de 1936) é um escritor e político português

Luís de Camões, Vergílio e Horácio . por Frederico Lourenço

Apesar das suas muitas afinidades com os dois maiores poetas da Roma antiga, Camões foi mais longe do que Vergílio e Horácio. Mais longe na poesia e mais longe na vida. Vergílio nunca escreveu poesia lírica; Horácio nunca escreveu poesia épica: mas Camões triunfou nos dois géneros. Na vida, Vergílio e Horácio viajaram de Itália para a Grécia e voltaram depois a Itália. Mas Camões foi o primeiro génio da literatura ocidental a passar a linha do Equador: foi o primeiro a conhecer o hemisfério sul. Viu gentes e paisagens novas; sentiu climas diferentes; e experimentou costumes com que nenhum Grego ou Romano alguma vez sonhara. Além disso, Camões foi o primeiro autor europeu a escrever um poema de amor dedicado a uma mulher não-europeia. 

PS: Na imagem: «Olympia» do genial pintor francês Édouard Manet

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Edição comemorativa da Ética de Aristóteles

António de Castro Caeiro assina a tradução, o prefácio, as notas e o glossário

Lisboa, 16 de abril de 2024 – Vinte anos depois da primeira edição, a Quetzal
volta a publicar a tradução integral de Ética a Nicómaco, um dos textos fundamentais de Aristóteles e da cultura ocidental, pela mão de António de Castro Caeiro, responsável também pelo prefácio, pelas notas e pelo glossário. Esta é uma edição especial, de capa dura e com uma reprodução integral do fresco Escola de Antenas, de Rafael, dos Museus do Vaticano.
Ética a Nicómaco trata da felicidade como projeto essencial do ser humano. Das virtudes, da sensatez, do que se pode e do que se deve fazer. Trata da possibilidade de se existir de acordo com as escolhas que fazemos. De se ser autónomo, de viver com gosto. Trata da procura do prazer pelo prazer – e do prazer pela honra. Da justiça. Das formas de vida que levam à felicidade. Da procura do amor. Temas dominantes no pensamento universal.
«Cabe a cada um contribuir para que os seus próprios filhos e amigos obtenham uma orientação em direção à excelência, ou pelo menos para se decidirem nessa direção», defende Aristóteles, ciente dos desafios de uma vida plenamente feliz: «É difícil responder a todas as situações no dia a dia com gentileza, suavidade, serenidade, tranquilidade.»
A nova edição de Ética a Nicómaco fica disponível a 18 de abril.

Sonata de Abril | Maria Isabel Fidalgo

Trago a poesia das searas

num anseio suspirado

pela luz de Maio 

do primeiro dia

e de um Abril cantado

folar de cravo

sol em folia. 

Emerge de novo a noite 

dos passos senhoriais

e gemem as doces brisas

nos pinheirais.

Mas a voz será de canto

se alguém quiser

na arma a mão da criança

se cravo houver.

«Antes de Mim um Verso», Poética Edições

“O Labirinto dos Perdidos” | Amin Maalouf

SINOPSE

Amin Maalouf é um jornalista e romancista libanês. Venceu o Prix des Maisons de la Presse, o prémio Goncourt e o prémio Príncipe das Astúrias.
É membro da Academia Francesa desde 2011. Foi chefe de redação, e mais tarde editor, do Jeune Afrique.
Durante 12 anos foi repórter, tendo realizado missões em mais de 60 países.

CRÍTICAS DE IMPRENSA

«Uma meditação poderosa e angustiante sobre o futuro do mundo e, ao mesmo tempo, uma magistral lição de História.»
Le Figaro

“Ancoradouro” | Carlos Barroso Esperança

O «Ancoradouro», que começou a chegar esta semana às livrarias, já está na FNAC e Bertrand das grandes cidades e em várias cidades de média dimensão.

Está também disponível na âncora Editora e nas livrarias online. Em Coimbra já está em livrarias da Baixa e em Lápis de Memória, no Bairro Norton de Matos.

ALTA CULTURA: LUXO OU NECESSIDADE?

O que é Alta Cultura? Qual a missão desta página (no Facebook)? Pareceria, dado a adjetivação, que pretendemos hierarquizar diferentes culturas arbitrariamente, um apelo etnocentrista ou “elitista”, com algum viés ideológico ou religioso. Mas não se trata disso. A página não tem qualquer finalidade ou compromisso político e ideológico.

Matthew Arnold, poeta e crítico britânico, em seu célebre ensaio “Cultura e Anarquia”, publicado em 1865, definiu ‘alta cultura’ como “o melhor do que uma sociedade pensou e falou”. 

No uso popular, o termo “alta cultura” identifica a cultura da classe alta (a antiga aristocracia), ou de uma classe de status (como a intelligentsia – elite intelectual); ou, ainda, e o principal, segundo o filósofo britânico e especialista em estética, Sir Roger Scruton, “o conjunto de produções culturais, principalmente artísticas, realizadas por meio de grande apuro técnico, levando em conta a tradição e a beleza”.

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OS GREGOS TÊM QUE VER COM TUDO | Manuel S. Fonseca

E depois de se entreterem com esta prosa, vá lá, meio-cinéfila, comecem a dirigir-se para o El Corte Inglès. Lá vos espero, esta 2.ª feira, às 18:30, no 6.º andar para  vos apresentar o livro mais vivo e irreverente sobre o 25 de Abril. Façam o favor de não me deixar a falar sozinho.

OS GREGOS TÊM QUE VER COM TUDO

O cinema é uma invenção grega. Digo isto, com o meu melhor ar de Mickey Rourke, e já sei que tenho o Matt Dillon aos gritos comigo. Lembram-se da explosão dele no Rumble Fish do Coppola? “Man, what the fuck did the Greeks have to do with anything?”

Desculpa Matt Dillon, mas têm! Homero inventou o cinema há 30 séculos, inventando as duas grandes formas narrativas que, mais às escondidas ou mais à descarada, estão presentes em centenas de filmes. 

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Porto Editora | Lançamento de Geração D

CONVITE

A Porto Editora, o Âmbito Cultural do El Corte Inglés e o autor convidam-no/a para o lançamento do livro Geração D , de Carlos de Matos Gomes , que se realiza a 11 de abril (quinta-feira), pelas 18:30, na Sala de Âmbito Cultural (piso 6) do El Corte Inglés de Lisboa.

O autor estará à conversa com José Fanha.

Camões e Jau | Frederico Lourenço

Uma das razões pelas quais a vida de Camões continua a ser um objecto de permanente fascínio é o facto de sobre ela sabermos quase nada.

Além da realidade material do livro «Os Lusíadas» publicado em 1572, são poucas as provas documentais que atestam acontecimentos na vida de Camões (note-se que, na sequência do Concílio de Trento, a obrigatoriedade dos registos de baptismo só entrou em vigor no reinado do cardeal D. Henrique). O que temos então de concreto? Há o documento do perdão concedido por D. João III (7 de Março de 1553), depois de Camões ter sido preso por causa da briga em que se envolveu perto do Rossio (em Lisboa), documento esse que também refere a partida iminente de Luís para a Índia. E há vários documentos relacionados com a pensão («tença») que lhe foi concedida por D. Sebastião. 

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Eduardo Fontes: poesia em tempos de covid-19 por Adelto Gonçalves

Poeta, que sobreviveu a muito custo à pandemia, arranca versos da tragédia e mostra que é possível fazer poesia mesmo em situações de desafio.

                                                        I
            Autor de vastíssima obra, que inclui 24 obras publicadas e mais três por publicar, Eduardo Fontes (1947), poeta cearense bastante conhecido no Nordeste, talvez porque em seus versos nada herméticos e extremamente líricos sempre se mostrou muito preocupado em exaltar suas origens, está de novo no mercado com um livro de poemas, escrito entre os anos de 2020 e 2022, como resultado da reclusão forçada pela incidência da pandemia de coronavírus (covid-19), que também o atingiu, mas da qual a muito custo escapou. Por isso, dedica a obra às vítimas da pandemia, “sobreviventes da hecatombe, tratada como mimimi”, mas que matou mais de 700 mil pessoas no Brasil.

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Camões: 500 anos | Frederico Lourenço

A Grécia teve Homero e Roma teve Vergílio. Itália teve Dante. Na literatura portuguesa, há um autor que não fica um milímetro abaixo destes três génios supremos da arte poética: Luís de Camões. Na verdade, os três génios supremos da poesia são quatro: Homero, Vergílio, Dante e Camões.

Sabemos que Dante nasceu em Florença e que Vergílio veio ao mundo perto de Mântua. Até sabemos a data exacta em que Vergílio nasceu: 15 de Outubro de 70 a.C. Mas, na incerteza sobre o lugar do seu nascimento, Camões é um pouco como Homero. Havia tradicionalmente sete cidades gregas que reivindicavam a honra de terem sido o berço de Homero; mas, na realidade, ninguém sabia onde e quando o grande poeta grego nascera. No caso de Camões, não serão sete as cidades que reclamam (de forma realista…) a sua naturalidade: na contenda estão apenas Coimbra (referida como local do seu nascimento por Domingos Fernandes em 1607); e Lisboa (referida nas biografias que vieram depois). 

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Uma visão da literatura brasileira de hoje Nova obra de Silas Corrêa Leite, “Ensaios Gerais”, por Adelto Gonçalves

Silas Corrêa Leite, em “Ensaios Gerais”, reúne resenhas e breves ensaios que valorizam os autores nacionais
Adelto Gonçalves (*)
I
             O romancista, contista, poeta e ensaísta Silas Corrêa Leite acaba de reunir em livro resenhas, críticas literárias, artigos e breves ensaios publicados nas duas últimas décadas em jornais, revistas e sites, direcionados especialmente às obras de autores brasileiros, entre os que já fazem parte da história da literatura nacional e outros, mais jovens, que ainda buscam o reconhecimento da crítica e dos historiadores, sem deixar de analisar também alguns clássicos da literatura mundial. O resultado está em EnsaiosGeraiscompêndiodecríticaslíteroculturais, lançado pela Caravana Grupo Editorial, de Belo Horizonte, editora que, em seu início, chamava-se Sangre Editorial e produzia apenas formatos artesanais, costurados manualmente, em sua oficina de Buenos Aires.  

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Capitão de Abril, Capitão de Novembro, Rodrigo Sousa e Castro

Dos pecados mortais de Spínola às armas em boas mãos de Otelo

COMO JAIME NEVES NÃO QUIS SER NOVAMENTE HERÓI. OS «PECADOS MORTAIS» DE SPÍNOLA. OTELO PÕE AS ARMAS EM «BOAS MÃOS».

O coronel Sousa e Castro foi um dos mais destacados protagonistas do ciclo de mudanças políticas, militares e sociais que Portugal viveu entre o 25 de Abril e o 25 de Novembro. Neste livro, Rodrigo Sousa e Castro faz o relato de um dos períodos mais turbulentos do século XX português.

Percorremos com o autor os bastidores da história. Como ele somos espectadores privilegiados e emocionados da preparação do 25 de Abril, do plano de batalha que os capitães traçaram e da explosão pós-revolucionária que se lhe seguiu.

Sousa e Castro mostra-nos sobretudo a face oculta da história. O verdadeiro teatro que foi o Verão Quente de 75, a contagem de espingardas que precedeu o 25 de Novembro, e o definitivo estabelecimento da democracia que nesse dia Portugal ganhou.

No «quem é quem» e no «quem fez o quê» da história, Rodrigo Sousa e Castro revela-nos muitas surpresas e estilhaça alguns mitos.

« […] é curioso ver como Rodrigo de Sousa Castro chegou a 1974, como descreve o 16 de Março, o 25 de Abril e o 25 de Novembro, como critica Spínola ou Otelo, como faz sobressair Vasco Lourenço, Melo Antunes e Eanes, como conta a sua experiência de conselheiro da Revolução.» | do prefácio de Marcelo Rebelo de Sousa

Publicado pela primeira vez no blog em  23 de abril de 2018 às 07:11 

País de Abril, de Manuel Alegre

País de AbrilNeste livro, País de Abril – Uma Antologia, estão reunidos os poemas de Manuel Alegre que previram e anunciaram a Revolução de Abril. Poemas que falam de Abril antes de Abril e de Maio antes de Maio.

Em O Canto e as Armas, escrito em 1967, há aqueles quatro versos de «Poemarma» que, decerto, anunciam o primeiro comunicado da Revolução:

Que o poema seja microfone e fale 
uma noite destas de repente às três e tal
para que a lua estoire e o sono estale
e a gente acorde finalmente em Portugal.

Nas livrarias a 25 de Março ( publicado pela 1ª vez no blog em 20-03-2014 )

Portugal em Paris | Manuel Alegre

Solitário
por entre a gente eu vi o meu país.
Era um perfil
de sal
e abril.
Era um puro país azul e proletário.
Anónimo passava. E era Portugal
que passava por entre a gente e solitário
nas ruas de Paris.

Vi minha pátria derramada
na Gare de Austerlitz. Eram cestos
e cestos pelo chão. Pedaços
do meu país.
Restos.
Braços.
Minha pátria sem nada
sem nada
despejada nas ruas de Paris.

E o trigo?
E o mar?
Foi a terra que não te quis
ou alguém que roubou as flores de abril?
Solitário por entre a gente caminhei contigo
os olhos longe como o trigo e o mar.
Éramos cem duzentos mil?
E caminhávamos. Braços e mãos para alugar
meu Portugal nas ruas de Paris.

Manuel Alegre | 04-08-2023 (1ª publicação no blog)

Manuel Alegre, in Sete Sonetos e Um Quarto

nú
 
Nos teus olhos alguém anda no mar
alguém se afoga e grita por socorro
e és tu que vais ao fundo devagar
enquanto sobre ti eu quase morro.
                                                           

E de repente voltas do abismo
e nos teus olhos há um choro riso
teu corpo agora é lava e fogo e sismo
de certo modo já não sou preciso.

Na tua pele toda a terra treme
alguém fala com Deus alguém flutua
há um corpo a navegar e um anjo ao leme.

Das tuas coxas pode ver-se a Lua
contigo o mar ondula e o vento geme
e há um espírito a nascer de seres tão nua.

Manuel Alegre, in Sete Sonetos e Um Quarto
 

Engenharia Civil: Uma Perspetiva Sobre a Formação e a Profissão | Divulgação de livro

O Conselho Diretivo da Ordem dos Engenheiros – Região Sul promove no dia 21 de março, pelas 18h00, a divulgação do livro dos Engenheiros Carlos Matias Ramos e Elói Figueiredo “Engenharia Civil: Uma Perspetiva Sobre a Formação e a Profissão”.

“Como gosto, meu amor, de chegar antes de ti para te ver chegar”: Nuno Júdice 1949-2024 | in CNN Portugal

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Nuno Júdice, um dos maiores nomes da poesia contemporânea nacional, morreu este domingo aos 74 anos. Deixamos aqui cinco poemas sobre o amor, a vida e a morte para o conhecer melhor. Só um pouquinho melhor. Portanto: podíamos saber um pouco mais acerca de Nuno Júdice. Mas não seria isso que nos impediria de ir comprar mais logo os livros dele.

Princípios

Podíamos saber um pouco mais

da morte. Mas não seria isso que nos faria

ter vontade de morrer mais

depressa.

Podíamos saber um pouco mais

da vida. Talvez não precisássemos de viver

tanto, quando só o que é preciso é saber

que temos de viver.

Podíamos saber um pouco mais

do amor. Mas não seria isso que nos faria deixar

de amar ao saber exactamente o que é o amor, ou

amar mais ainda ao descobrir que, mesmo assim, nada

sabemos do amor.

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Sessão de lançamento do livro “Como Sobreviver depois da Morte”, de André Canhoto Costa

A Quetzal Editores e a FNAC Portugal têm a honra de o/a convidar para a sessão de lançamento do livro Como Sobreviver depois da Morte, de André Canhoto Costa, que decorre na quarta-feira, 20 de março, às 18h30, na FNAC Chiado, em Lisboa.  Com apresentação de Francisco José Viegas.

Há muito tempo que, na ficção portuguesa, não havia um romance tão surreal, cheio de magia, fantasia e domínio da história como o que André Canhoto Costa traz na estreia como autor Quetzal. 

O contrabando no Brasil no século XVIII | Ernst Pijning, historiador holandês | por Adelto Gonçalves

Tese de doutoramento de 1997 do historiador holandês Ernst Pijning ainda aguarda sua publicação no Brasil

                                                             I
               Tradicionalmente, faz-se resenha de livro impresso lançado recentemente, mas o que o leitor vai encontrar aqui é uma recensão de tese de doutoramento defendida em 1997 na Johns Hopkins University, de Baltimore, Maryland/EUA, que, passadas quase três décadas, incompreensivelmente, ainda não despertou o interesse de nenhuma editora brasileira ou portuguesa, apesar de sua excepcional importância para a história do Brasil colonial e de Portugal. Tem como título Controlling Contraband: < i>Mentality, Economy and Society in EighteenthCentury Rio de Janeiro (Contrabando: Mentalidade, Economia e Sociedade no Século XVIII no Rio de Janeiro) e seu autor é o historiador holandês Ernst Pijning (1963), professor titular de História da Minot  State University, de Dakota do Norte/EUA, desde 1999.
               O tema de suas pesquisas é o comércio de contrabando no Brasil colonial e suas relações com Portugal e os Países Baixos (Holanda), especialmente no período que vai de 1690 a 1808.

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Crematório Frio – Memória do Território de Auschwitz de József Debreczeni | Com prefácio de Irene Flunser Pimentel e chancela Temas e Debates

«Acredito que algures na Europa Oriental, junto a uma floresta verdejante, ao longo de um talude ferroviário, ocorreu uma extraordinária metamorfose. Foi aí que as pessoas deste comboio infernal fortemente trancado foram transformadas em animais. Do mesmo modo que todas as outras – as centenas de milhares de pessoas que a loucura arrancara a quinze países e levara para fábricas de morte e câmaras de gás.»

Quando teve conhecimento de que a Hungria iniciara negociações na Itália e na Turquia com os Aliados ocidentais para assinar uma paz separada, Hitler tomou a decisão de ocupar o país até então seu aliado. A 19 de março de 1944, o SS-Obersturmbannführer Adolf Eichmann e o seu Sondereinsatzkommando chegavam a Budapeste para organizar o terrível plano de deportação do último grande grupo de judeus sobreviventes da Europa. O primeiro transporte com destino a Auschwitz-Birkenau partiu a 29 de abril de Kistarcsa, perto de Budapeste, com 1800 homens e mulheres; o segundo saiu a 30 de abril do campo de trabalho de Topolya, na Jugoslávia ocupada pela Hungria, com cerca de duas mil pessoas.

Entre elas, encontrava-se o poeta, jornalista e autor deste livro, József Debreczeni.

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De (Alberto Caeiro –  “O Guardador de Rebanhos, XXXVIII) | por Maria Isabel Fidalgo

Bendito seja o mesmo sol de outras terras

Que faz meus irmãos todos os homens

Porque todos os homens, um momento no dia, o olham como eu,

E nesse puro momento

Todo limpo e sensível

Regressam lacrimosamente

E com um suspiro que mal sentem

Ao Homem verdadeiro e primitivo

Que via o Sol nascer e ainda o não adorava.

Porque isso é natural — mais natural

Que adorar o ouro e Deus

E a arte e a moral…

From Russia with love: Alexander Pushkin remembered | Phrases

1 – Amar? Para quê? Por um tempo, não vale a pena.
E, para sempre, é impossível.

      2 – A melhor universidade é a felicidade de viver.

      3 – AOS MEUS AMIGOS

      Os deuses ainda vos dão
      Dias e noites de alegria,
      E amáveis moças vos estão
      A examinar com simpatia.

      Folgai, cantai, ficai a fruir
      A noite, amigos, passageira,
      E a vosso prazer sem canseira
      Hei-de, entre lágrimas, sorrir.

      4 – Eu amei-te; mesmo agora devo confessar,
      Algumas brasas desse amor estão ainda a arder;
      Mas não deixes que isso te faça sofrer,
      Não quero que nada te possa inquietar.
      O meu amor por ti era um amor desesperado,
      Tímido, por vezes, e ciumento por fim.
      Tão terna, tão sinceramente te amei,
      Que peço a Deus que outro te ame assim.

      5 – Todos dizem: “Não há justiça na terra.” Mas também não há justiça lá no alto!

      António Damásio, “A Estranha Ordem das Coisas. A Vida, os Sentimentos e as Culturas Humanas”, Temas e Debates, 2017 | in A VIDA BREVE

      O neurocientista luso-norte-americano António Damásio nasceu em Lisboa, a 25 de Fevereiro de 1944.

      “ ____ No entanto, para considerar os nossos dias como sendo os melhores de sempre seria preciso que estivéssemos muito distraídos, já para não dizer indiferentes ao drama dos restantes seres humanos que vivem na miséria. Embora a literacia científica e técnica nunca tenha estado tão desenvolvida, o público dedica muito pouco tempo à leitura de romances ou de poesia, que continuam a ser a forma mais garantida e recompensadora de penetrar na comédia ou no drama da existência, e de ter oportunidade de refletir sobre aquilo que somos ou que podemos vir a ser. Ao que parece, não há tempo a perder com a questão pouco lucrativa de, pura e simplesmente, “ser”. Parte das sociedades que celebram a ciência e a tecnologia modernas, e que mais lucram com elas, parece estar numa situação de bancarrota “espiritual”, tanto no sentido secular como religioso do termo.

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      Em 3 de Abril de 1862, Victor Hugo, escritor francês, publica ‘Os Miseráveis’ | por MAX ALTMAN in OPERA MUNDI

      Imenso sucesso popular na época, obra explora a filosofia política do autor ao abordar a cooperação – e não luta – de classes.

      Em 3 de abril de 1862, durante exílio na ilha de Guernsey, Victor Hugo (1802-1885) publicou o livro Os Miseráveis, uma verdadeira epopeia popular que imortalizaria personagens como Jean Valjean, presidiário em liberdade condicional. O pano de fundo é a história recente de então, a partir da batalha de Waterloo até a insurreição republicana de 1832.

      Filho de um general do Império constantemente ausente, Victor Hugo foi criado basicamente por sua mãe. Aluno ainda do Liceu Louis Le Grand, tornou-se conhecido ao publicar a sua primeira coletânea de poemas Odes, recebendo uma pensão de Luís XVIII.

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      Rumo ao quinto centenário de Camões | A Velha do Restelo | Frederico Lourenço

      O Velho do Restelo – lamento chocar-vos – talvez não seja um homem. Poderá ser uma mulher. Estaríamos a falar, no fundo, da Velha do Restelo.

      Por incrível que pareça, foi na jesuítica revista «Brotéria» que se deu o primeiro passo que levaria, ulteriormente, ao desvendamento da identidade escondida do Velho do Restelo, concretamente no número que saiu em Novembro de 1980. 

      Nesse volume da revista, o Dr. Joaquim Carvalho publicava um artigo sobre Os Lusíadas em que argumentava o conhecimento, por parte de Camões, do poema «Argonáutica», escrito por Apolónio de Rodes no século III antes da era cristã. 

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      «Do 25 de Abril de 1974 ao 25 de Novembro de 1975»: Irene Flunser Pimentel analisa autonomia do campo político português no período entre os dois “25”

      «Devido a um acidente e a doença, António de Oliveira Salazar foi substituído, na presidência do Conselho de Ministros, por Marcello Caetano, por decisão do presidente da República, almirante Américo Tomás, em 27 de setembro de 1968. Após convocar uma reunião do Conselho de Estado, o presidente anunciou que, “atormentado” por “sentimentos afetivos de gratidão”, decidira exonerar Salazar e nomear Marcello Caetano. Salazar manteve no papel todos os poderes e honras, com direito de permanecer na própria casa oficial do presidente do Conselho, constando que ninguém se atreveu a dizer-lhe que já não dirigia o país.»

      Assim principia, em setembro de 1968, e a poucos anos do golpe de Estado que nos abriria as portas para a democracia e possibilitaria a criação do Estado social, a liberdade de associação, pensamento, ação e mobilidade social, Do 25 de Abril de 1974 ao 25 de Novembro de 1975 – Episódios menos conhecidos – documento de leitura obrigatória em que Irene Flunser Pimentel revisita as principais instituições de poder erguidas quer entre os militares, quer entre os principais partidos políticos portugueses, durante o processo que se desenvolveu entre os anos finais da ditadura e o 25 de Novembro de 1975.

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      Do filme, As Vinhas da Ira de JOHN STEINBECK

      «Não sei para onde vou mãe (…) Andarei por aí no escuro, estarei em toda a parte. Para onde quer que olhem.

      Onde houver uma luta para que os famintos possam comer, estarei lá. Onde houver um policia a espancar uma pessoa, estarei lá. Estarei nos gritos das pessoas que enlouquecem.

      Estarei nos risos das crianças quando têm fome e as chamam para jantar.

      E quando as pessoas comerem aquilo que cultivam e viverem nas casas que constroem, também lá estarei.»

      Rose Araujo: a poesia como amor à vida | por Adelto Gonçalves 

      Em livro de estreia, a poeta surpreende por sua sutileza verbal em seu anseio por dias melhores

                                                                   I
                     Depois de participar de várias coletâneas e antologias como designer gráfica, Rose Araujo, como poeta, estreia em livro solo com Quando Vida Poesia (Curitiba, Selo Inside/Editorial Casa, 2022), obra concebida a partir de 2017, mas que tomou forma final nos anos da pandemia de coronavírus (covid-19) e traz como prefácio um ensaio do poeta Tanussi Cardoso e texto de apresentação assinado pelo escritor e revisor Ricardo Alfaya. São versos ligeiros, que, por seu lirismo e concisão, apr oximam-se do gênero haicai, modelo literário de origem nipônica que no Brasil teve como ilustres representantes Guilherme de Almeida (1890-1969), Millor Fernandes (1923-2012) e Paulo Leminski (1944-1989), entre outros.

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      Baudelaire – Embriagai-vos! | In Poemas em Prosa

      Deveis andar constantemente embriagados. Tudo consiste nisso: eis a única questão. Para não sentirdes o fardo horrível do tempo, que vos quebra as espáduas, vergando-vos para o chão, é preciso que vos embriagueis sem descanso.

      Mas, com quê? Com vinho, poesia, virtude. Como quiserdes. Mas, embriagai-vos.

      E se, alguma vez, nos degraus de um palácio, na verde relva de uma vala, na solidão morna de vosso quarto, despertardes com a embriaguez diminuída ou desaparecida, perguntai ao vento, à vaga, à estrela, ao pássaro, ao relógio, a tudo o que foge, a tudo o que geme, a tudo o que rola, a tudo o que canta, a tudo o que fala, perguntais que horas são. E o vento, a vaga, a estrela, o pássaro, o relógio vos responderão: — É a hora de vos embriagardes! Para não serdes escravos martirizados do tempo, embriagai-vos! Embriagai-vos sem cessar! Com vinho, poesia, virtude! Como quiserdes!

      — Charles Baudelaire, In Poemas em Prosa

      GIORDANO BRUNO (1548-1600) | in temposdecolera.blogs.sapo.pt

      A 8 de Fevereiro, Giordano foi publicamente degradado e excomungado do seio da Igreja. De pés descalços, ajoelhado, com a cabeça inclinada para o chão, ele ouviu, perante a assembleia solene dos cardeais, inquisidores e teólogos, presidida pelo papa e pelo governador de Roma, o veredicto há tanto tempo esperado. Seria queimado vivo, no Campo dei Fiori, oito dias mais tarde.

      Erguendo-se em desafio, no fim da sentença, gritou alto e forte: «Vós que pronunciais essa sentença, estareis porventura mais assustados do que eu que a cumprirei.»

      Uma última vez, era-lhe dado a exprimir a noção de reviravolta, que invertia os papéis. Gelou o sangue nas veias dos acusadores. Como Acteon, ao surpreender a divindade, já não tinha de procurá-la fora de si próprio.

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      CONVITE | Sessões de lançamento de «A Vida na Selva», de Álvaro Laborinho Lúcio

      A chegada de A Vida na Selva, o novo livro de Álvaro Laborinho Lúcio, às livrarias é assinalada com sessões de lançamento em Lisboa, no Porto e em Coimbra, com apresentação de Fernando AlvesCarlos Magno e Carlos Fiolhais, respetivamente, depois de uma primeira sessão no âmbito do festival Correntes d’Escritas, a 24 de fevereiro, às 12h30, na Póvoa de Varzim. Assim sendo, a Quetzal Editores têm o prazer de a/o convidar para as sessões que terão lugar na Livraria Ler Devagar, em Lisboa, no Tribunal da Relação do Porto, e na Fundação Bissaya Barreto, em Coimbra, em sessões que decorrem a 28 de fevereiro, 5 e 7 de março

      A Vida na Selva é uma viagem às memórias e histórias do autor, que se confundem entre lembranças de infância e palestras proferidas já como escritor, depois de uma carreira como magistrado, político e homem desde sempre ligado ao mundo da justiça. «Este é o produto de uma memória propositadamente não elaborada, sem trabalho de reconstituição, escorrendo em palavras a partir de uma mistura de lembranças e de esquecimentos, desprendida do rigor das provas, alheada dos documentos, dispensada de breves desígnios de certeza como fundamento de uma verdade que se quer ver reconhecida», escreve Álvaro Laborinho Lúcio, com a sensibilidade, sentido de humor e inteligência a que já nos habituou.

        

      “A Desobediente – Biografia de Maria Teresa Horta”, de Patrícia Reis. Uma vida inteira à beira do abismo

      Patrícia Reis apresenta o seu mais recente trabalho literário, “A Desobediente – Biografia de Maria Teresa Horta”, a ser lançado pela Contraponto no próximo dia 7 de março. Este é o sexto volume da coleção de Biografias de Grandes Figuras da Cultura Contemporânea e o primeiro que envolve diretamente, por meio de entrevistas, a própria personalidade biografada. O livro inclui revelações importantes sobre a vida e obra de uma das figuras mais proeminentes da literatura nacional.

      Mais do que uma narrativa biográfica, esta obra é uma conversa íntima, em vários momentos sussurrada ao ouvido, com uma mulher, poetisa, mãe, ativista política e uma das vozes mais influentes e inquebrantáveis de Portugal. Maria Teresa Horta, desde tenra idade, enfrentou as vicissitudes da vida com intrepidez, sobrevivendo não apenas às adversidades pessoais, mas erguendo-se também como uma fervorosa defensora dos direitos das mulheres e uma figura proeminente na cena política nacional.

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      NATUREZA E PODER: GIORDANO BRUNO E SPINOZA |  de Saverio Ansaldi

      Existe sem dúvida entre Giordano Bruno e Spinoza uma “afinidade eletiva” que vai além de qualquer tentativa de estabelecer uma filiação filológica ou uma derivação textual entre os dois autores. Com efeito, independentemente de uma certa “convergência” biográfica (perseguição por parte de autoridades políticas e religiosas, exílio, reputação sulfurosa dos escritos), Giordano Bruno e Spinoza partilham questões filosóficas e questões de grande importância conceptual.

      Com efeito, para além de uma hermenêutica de origem idealista e historicista que pretende sublinhar uma forte homogeneidade conceptual entre Giordano Bruno e Spinoza, parece-nos que estes dois autores procuram responder à mesma e extremamente precisa questão: quais são as consequências antropológicas da infinitização da natureza? Esta questão é, por assim dizer, imanente aos temas e tensões que regem as suas respectivas filosofias e ao mesmo tempo está implícita nos conteúdos e debates que caracterizam a cultura filosófica do seu tempo.

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      Poema | Maria Isabel Fidalgo

      Louvo sempre o mais que tenha

      que foi a sorte a ajudar

      e não ligo a quem desdenha

      que quem fala quer comprar

      Acredito no que vejo

      para poder não gostar

      mas descreio do desejo

      que morre de esperar

      E louvo a minha  riqueza

      por ter mais que o necessário

      e  abomino a avareza

      de quem não é solidário

      Creio na leal amizade

      quando dela eu preciso

      e como é doce a bondade

      que vem dentro de um sorriso

      E louvo quem nada espera

      mas em mim sempre acredita

      como  um sol de primavera

      quando a vida ressuscita.

      MIGUEL TORGA | DO DIÁRIO – Uma História Triste

      Uma história triste agrada sempre. No seu sentido mais profundo, a vida é bela e alegre. Todos nós tivemos já a experiência disso milhares de vezes. Provas sobre provas de que não há primavera sem flores, nem outono sem frutos. Mas, apegados como estamos à aparência de tudo, esquecemos a voz do profundo, e ouvimos deliciados o som da superfície. Temos o vício da tristeza.
      Diário (1946)

      Retirado do Facebook | Mural de Maria José Diegues

      “O DESTERRADO”, DE SOARES DOS REIS, por Paulo Marques

      Em 1872, com 25 anos, como prova final do pensionato em escultura que realizou em Roma, Soares dos Reis (1847 – 1889) esculpiu em mármore de Carrara “O Desterrado”, sua obra maior, de inspiração classicista (com pormenores naturalistas e românticos perfeitamente conjugados), inspirada nos versos das “Tristezas do Desterro” de Alexandre Herculano.

      Sentado num rochedo, um jovem nu, belo e são, com as mãos cruzadas e apoiadas a um lado, costas arqueadas, cabeça pendente numa pose de abandono, com uma lágrima escorrendo-lhe pela face, olha tristemente? solitariamente? saudosamente? meditativamente? alheadamente? melancolicamente? desesperadamente? a espuma das ondas a seus pés. 

      À época, mal adivinhava Soares dos Reis que “O Desterrado” viria a ser ele próprio. Desterrado, não no sentido de ter vivido longe, ou de ter sido expulso da sua pátria, mas de ter vivido num espaço e num tempo em que nunca se enquadrou e que nunca o acolheu com a devida gratidão. 

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      Uma visão do Brasil contemporâneo | de Kenneth Maxwell | por Adelto Gonçalves

      Novo livro do historiador inglês Kenneth Maxwell analisa os caminhos percorridos pelo País nos últimos 12 anos.

                                                                   I
                     O livro Kenneth Maxwell on Global Trends – an historian of the 18th century looks at the contemporary world (Kenneth Maxwell sobre tendências globais: um historiador do século 18 olha para o mundo contemporâneo), publicado por Second Line of Defense e organizado e editado por Robbin Laird, reúne ensaios que saíram à luz de 2011 a 2023. Conhecedor profundo da história do Brasil e d e Portugal no século XVIII e autor do clássico A Devassa da Devassa (Rio de Janeiro, Editora Paz e Terra, 1977), lançado em 1973 na Inglaterra com o título Conflicts and Conspiracies: Brazil and Portugal, 1750 -1808 (Cambridge University Press), seu primeiro livro, Maxwell, embora seu trabalho basicamente enfoque o século XVIII português, tem acompanhado detidamente a evolução política tanto em Portugal como no Brasil nos últimos tempos.
                     Seus textos apresentam uma perspectiva abrangente sobre o mundo moderno e fornecem uma visão da desordem que se constata no planeta nos dias de hoje, mas especialmente se detêm sobre os caminhos que a democracia no Brasil vem percorrendo desde o fim do regime militar (1964-1985).  

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      Poema de Alberto Caeiro –  “O Guardador de Rebanhos, XXXVIII

      Bendito seja o mesmo sol de outras terras

      Que faz meus irmãos todos os homens

      Porque todos os homens, um momento no dia, o olham como eu,

      E nesse puro momento

      Todo limpo e sensível

      Regressam lacrimosamente

      E com um suspiro que mal sentem

      Ao Homem verdadeiro e primitivo

      Que via o Sol nascer e ainda o não adorava.

      Porque isso é natural — mais natural

      Que adorar o ouro e Deus

      E a arte e a moral…

      Retirado do Facebook | Mural de Maria Isabel Fidalgo

      CNV = COMUNICAÇÃO-NÃO VIOLENTA MARSHALL B. ROSENBERG

      CNV = COMUNICAÇÃO-NÃO VIOLENTA

      CNV : uma forma de comunicação que nos leva a contribuir do fundo do coração.

      Percebemos as relações numa perspectiva nova quando usamos a CNV para captar, em nós e nos outros, as necessidades mais profundas.

      Pela ênfase dada ao conhecimento profundo – o nosso e o dos outros -, a CNV promove o respeito, a atenção e a empatia, e gera o desejo mútuo de contribuir do fundo do coração. 

      MARSHALL B. ROSENBERG

      Esperarei por ti | por Maria Isabel Fidalgo

      Esperarei por ti até que a voz se cale

      e a noite tenha a graça divina das estrelas.

      São poemas com vida as esperas

      se o canto desbrava o cacimbo 

      e a transparência da harmonia

      é um percurso afinado  de cigarras

      a embelezar o que resta de mundo.

      Canta e eleva o destino da música

      esse farol de deleite desnudado 

      onde Deus pode ressuscitar sem que haja morte.

      Retrato/Pintura de Maria Isabel Fidalgo, de Autor desconhecido

      Ah o crepúsculo, o cair da noite, o acender das luzes nas grandes cidades | Álvaro de Campos

      E a mão de mistério que abafa o bulício 

      E o cansaço de tudo em nós que nos corrompe

      Para uma sensação exacta e precisa e activa da Vida!

      Cada rua é um canal de uma Veneza de tédios

      E que misterioso o fundo unânime das ruas.

      Das ruas ao cair da noite, ó Cesário Verde., ó Mestre.

      Ó do ” Sentimento de um Ocidental” !

      Que inquietação profunda, que desejo de outras coisas.

      Que nem são países, nem momentos, nem vidas.

      Que desejo talvez de outros modos de estados de alma

      Humedece interiormente o instante lento e longínquo !

      Um horror sonâmbulo entre luzes que se acendem.

      Um pavor terno e liquido, encostado às esquinas

      Como um mendigo de sensações impossíveis 

      Que não sabe quem lhas possa dar…

      Álvaro de Campos | (Desenho de Júlio Pomar)

      Um povo que fez o que fizemos, tem o dever moral de continuar | in Fogo Preso | Miguel Torga

      «(…) Um povo que fez o que fizemos, tem o dever moral de continuar. Não na esteira desfeita das percorridas rotas do passado, mas à proa das imaginosas velas do futuro. Um povo com os oitocentos anos de memória ancestral onde identifica a sua cultura não pode desmemoriar-se numa hora aziaga de confusão e de irreflexão. Que seja a voz transmontana, na sua rude sinceridade, a dar alento ao resto do país. A voz sã, animosa e tenaz de quem nunca soube desesperar. A voz de quem, contra todas as pragas e adversidades, foi sempre capaz de erguer a enxadão olimpos naturais neste chão do extremo Ocidente, e deles repartir, pelos cinco continentes, gotas de um vinho generoso e luminoso como um sol de esperança.»

      Retirado do Facebook | Mural de Maria José Diegues

      O que Fernando Pessoa não escreveu Consultar o site da Casa Fernando Pessoa

      Circulam na Internet inúmeros apócrifos de Fernando Pessoa. Ou seja, textos que não foram escritos por Pessoa, apesar de lhe ser atribuída a autoria.

      São exemplos disso o texto que refere um castelo a construir com as pedras encontradas no caminho ou a transcrição incorrecta do Guardador de Rebanhos que remete para altura do que os olhos podem ver.

      A estrutura da rede faz com se multipliquem incontrolavelmente as referências e que se prolongue o equívoco.

      Salvaguardando a obra de Fernando Pessoa, a equipa da Casa está disponível para confirmar a autenticidade de citações ou poemas, sugerindo as clarificações necessárias para evitar a perpetuação de erros. Em caso de dúvida, não deixe de nos contactar através do email info@casafernandopessoa.pt

      https://www.casafernandopessoa.pt/pt/cfp/info/noticias-publicacoes/o-que-fernando-pessoa-nao-escreveu?eID=

      “BENDITO FILHO”, ROMANCE DE SILAS CORRÊA LEITE SOBRE A INFÂNCIA DO MENINO JESUS

      Em Isaías 9:6, Isaías profetiza que Jesus Cristo viria como um bebê, Jesus é chamado por vários nomes. Miquéias 5:2—Miquéias profetiza que Jesus nasceria em Belém. Mateus 2:4–6.

      Colocar-se no lugar de uma criança – o que ela pensa, reflete; como se expõe, como reage, manifestações etc. – e escrever sobre o Menino Jesus, seu tempo, espaço e lugar; seu entorno, inclusive, só mesmo sendo uma espécie de poeta pensador, sentidor. Ser Poeta é uma forma de se continuar menino? O pai do autor descendente de judeu, cristão novo oriundo de Ilha da Madeira, Portugal. A mãe do autor cristã, com origem ancestral africana (Angola) e ainda indígena (Tupi-Guarani). Dessas somas surgiu o escritor que, premiado em verso e prosa, formou-se, e ainda atuou a defender os fracos e oprimidos, os bem-aventurados. Nesse retrospecto, o Bendito Filho é só mais um mavioso projeto. Invencionice. Lépida imaginação, mas, antes de tudo, arte literária para aqui escrever sobre céus e terras. Professor, blogueiro e escritor premiado em verso e prosa, sabe que escrever é isso: colocar a alma para respirar luz, aliás, “salmar” a alma. Nem toda infância é igual, mas, a do Menino Jesus, bendito fruto, certamente que foi bem diferenciada. Foi nessa época de meninice que o ser humano Jesus começou a formar a sua persona? O que ele iria ser quando crescesse, quando jovem, e até mesmo o adulto do futuro, já passa rigorosamente por essa época. Como foi com Jesus? Ler para crer. Os jorros de historietas, ou, feito este romance em contações, diz da vida familiar de Jesus; alguns suportes de vivências para a sua missão espiritual fora de casa. Depois, pregando os Evangelhos que, afinal, mudaram o mundo e a vida na terra, e deram um sustentáculo para os canteiros da chamada Fé Cristã, no espírito do Cristianismo.

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      Cristina Campos: “A fidelidade está sobrevalorizada” | por Cristina Campos | in DN

      Finalista do prémio Planeta 2022, o romance “Histórias de Mulheres Casadas” põe em cena quatro mulheres comuns, que, em determinado momento das suas vidas, querem algo mais do que um casamento morno e confortável. Entrevistámos a autora, a espanhola Cristina Campos.

      Não têm a altivez trágica de Anna Karenina ou a sede hedonista de Emma Bovary mas, nem por isso, as protagonistas do romance de Cristina Campos, Histórias de Mulheres Casadas, estão imunes à herança de culpa que a sociedade faz pender sobre o desejo feminino. Ou sobre a falta dele, se o leito é conjugal.

      Finalista do Prémio Planeta 2022, este livro reúne quatro mulheres da Barcelona de hoje, unidas pelo facto de todas amarem os respetivos maridos, sem que isso as impeça de pensar sobre o que realmente querem ou mesmo de se sentirem atraídas por outras pessoas. Por vezes, um olhar ou um toque são quanto basta para abrir uma clareira de possibilidades: “E se eu ousasse?” Mas, com ela, vem também um poço de recalcamento e culpabilização.

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      Pedra Filosofal – António Gedeão

      Eles não sabem que o sonho
      é uma constante da vida
      tão concreta e definida
      como outra coisa qualquer,
      como esta pedra cinzenta
      em que me sento e descanso,
      como este ribeiro manso,
      em serenos sobressaltos,
      como estes pinheiros altos,
      que em oiro se agitam,
      como estas aves que gritam
      em bebedeiras de azul.

      Eles não sabem que o sonho
      é vinho, é espuma, é fermento,
      bichinho alacre e sedento,
      de focinho pontiagudo,
      que foça através de tudo
      num perpétuo movimento.

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      A poesia não se inventou para cantar o amor Eça de Queirós, in ‘A Correspondência de Fradique Mendes’

      A poesia não se inventou para cantar o amor — que de resto não existia ainda quando os primeiros homens cantaram. Ela nasceu com a necessidade de celebrar magnificamente os deuses, e de conservar na memória, pela sedução do ritmo, as leis da tribo. A adoração ou captação da divindade e a estabilidade social, eram então os dois altos e únicos cuidados humanos: — e a poesia tendeu sempre, e tenderá constantemente a resumir, nos conceitos mais puros, mais belos e mais concisos, as ideias que estão interessando e conduzindo os homens. Se a grande preocupação do nosso tempo fosse o amor — ainda admitiríamos que se arquivasse, por meio das artes da imprensa, cada suspiro de cada Francesca. Mas o amor é um sentimento extremamente raro entre as raças velhas e enfraquecidas. Os Romeus, as Julietas (para citar só este casal clássico) já não se repetem nem são quase possíveis nas nossas democracias, saturadas de cultura, torturadas pela ansia do bem-estar, cépticas, portanto egoístas, e movidas pelo vapor e pela electricidade.

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      O poeta Silas Correa Leite escreveu o livro de disparates poéticos do ‘H 2 O P U S’ durante a pandemia da COVID

      O que gera o fantasma são as fomes […].

      A queda repentina do horizonte […].

      O tiro pelas costas, a escuridão […].[ Millôr Fernandes ]

      Colha o dia.

      Acredite o mínimo possível no futuro.[ Homero ]

      A dor é constitutiva de nosso ser e de nossa vida.

      E é por isso que, por vezes, a gente escreve.

      [ João Anzanello Carrascosa ]

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      ‘Alucilâminas’: a poética do desespero | Nova obra de Silas Corrêa Leite | por Adelto Gonçalves 

      Nova obra de Silas Corrêa Leite homenageia a poeta, romancista e contista norte-americana Sylvia Plath

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                  Com versos inspirados na obra da poeta, romancista e contista norte-americana Sylvia Plath (1932-1963), Silas Corrêa Leite (1952) acaba de lançar Alucilâminas: poemas plathônicos versos atemporais da redoma de vidro de Sylvia Plath (Cotia-SP, Editora Cajuína, 2023), em que trava um diálogo com aquela que é considerada uma das mais celebradas escritoras do Ocidente, ainda que só tenha chegado a essa condição depois de cometer suicídio, em Londres, na flor de seus 30 anos.
      Repetindo o que Herberto Helder (1930-2015) e Hilda Hilst (1930-2004) já fizeram com versos de Luís de Camões (c.1524-c.1580) e Fernanda Young (1970-2019) com versos de Florbela Espanca (1894-1930) e Ana Cristina César (1952-1983), reproduzindo palavras destes autores em peças poéticas sem recorrer ao uso de itálico ou de notas de rodapé, Silas constrói poemas em que conserva o tom confessional de Sylvia Plath, chegando a um ponto em que não se sabe quem seria o verdadeiro autor do texto.

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      “Simplificar a língua” dá origem a um pensamento no presente, limitado ao momento, incapaz de projeções no tempo.

      “O desaparecimento gradual dos tempos (subjuntivo, passado simples, imperfeito, formas compostas do futuro, particípio passado, etc.) dá origem a um pensamento no presente, limitado ao momento, incapaz de projeções no tempo.

      A generalização do uso do primeiro nome, o desaparecimento das letras maiúsculas e a pontuação são golpes fatais na sutileza da expressão.

      Remover a palavra “miss” não é apenas renunciar à estética de uma palavra, mas também promover a ideia de que entre uma menina e uma mulher não há nada.

      Menos palavras e menos verbos conjugados significam menos capacidade de expressar emoções e menos oportunidade de elaborar um pensamento.

      Estudos têm demonstrado que parte da violência nas esferas pública e privada decorre diretamente da incapacidade de colocar emoções em palavras.

      Quanto mais pobre a língua, menos pensamento existe.

      Não há pensamento crítico sem pensamento. E não há pensamento sem palavras.

      Como construir o pensamento hipotético-dedutivo sem dominar o condicional? Como podemos encarar o futuro sem conjugação com o futuro? Como apreender uma temporalidade, uma sucessão de elementos no tempo, passado ou futuro, bem como a sua duração relativa, sem uma linguagem que diferencie entre o que poderia ter sido, o que foi, o que é, o que pode acontecer e o que será depois do que poderia acontecer?

      Se há um grito de guerra a ser ouvido hoje, é aquele dirigido aos pais e professores: deixem os vossos filhos, os vossos alunos, os vossos alunos e os vossos alunos falarem, lerem e escreverem.

      Ensine e pratique a língua nas suas mais variadas formas, mesmo que pareça complicada, especialmente se for complicada.

      Porque neste esforço está a liberdade.

      Aqueles que explicam o tempo todo que é necessário simplificar a ortografia, expurgar a língua de seus “defeitos”, abolir gêneros, tempos, nuances, tudo o que cria complexidade são os coveiros do espírito humano. «

      Retirado do Facebook | Mural de Hélène Pereira

      MULHER | JOSÉ CARLOS ARY DOS SANTOS

      A mulher não é só casa

       mulher-loiça, mulher-cama

       ela é também mulher-asa,

       mulher-força, mulher-chama

       E é preciso dizer

       dessa antiga condição

       a mulher soube trazer

       a cabeça e o coração

       Trouxe a fábrica ao seu lar

       e ordenado à cozinha

       e impôs a trabalhar

       a razão que sempre tinha

       Trabalho não só de parto

       mas também de construção

       para um filho crescer farto

       para um filho crescer são

       A posse vai-se acabar

       no tempo da liberdade

       o que importa é saber estar

       juntos em pé de igualdade

       Desde que as coisas se tornem

       naquilo que a gente quer

       é igual dizer meu homem

       ou dizer minha mulher

      José Pacheco Pereira | Atribuição do Prémio Vasco Graça Moura – Cidadania Cultural

      A Temas e Debates felicita o historiador José Pacheco Pereira pela atribuição do Prémio Vasco Graça Moura – Cidadania Cultural.

      O autor de Álvaro Cunhal – Uma Biografia Política – de que estão publicados quatro volumes –, As Armas de Papel – Publicações Periódicas Clandestinas e do Exílio Ligadas a Movimentos Radicais de Esquerda Cultural Política (1963-1974) Crónicas dos Dias do Lixo foi distinguido pela Estoril Sol pelo seu empenho na «defesa do interesse público quanto à preservação do património cultural».

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      A DESCOBERTA DO CORPO | SIMONE DE BEAUVOIR

      “Desde que lhes desvendara o seu mistério, os livros proibidos amedrontavam-me menos; muitas vezes deixava demoradamente cair o meu olhar nas aparas de jornais pendurados nos W.C.. Foi assim que li um fragmento de folhetim em que o herói pousava sobre os seios brancos da heroína os seus lábios ardentes. Esse beijo queimou-me: simultaneamente macho, fêmea e “voyeur”, dava-o, recebia-o e enchia-me os olhos. Decerto, se senti uma tão grande emoção era porque o meu corpo já tinha despertado, mas os meus devaneios cristalizaram-se nesta imagem e não sei quantas vezes a evoquei antes de adormecer. Inventei outras: interrogo-me de onde as extraía. O facto de marido e mulher dormirem quase despidos na mesma cama não tinha bastado até então para me sugerir o abraço ou a carícia: suponho que os inventava a partir das minhas próprias necessidades, pois fui durante algum tempo o alvo de desejos torturantes; virava-me na cama com a garganta seca, chamando por um corpo de homem que viesse contra o meu corpo, por mãos de homem que tocassem a minha pele.

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      ‘Por baixo dos pés da chuva’, obra multilinguística de Rami Saari | por Adelto Gonçalves

      Poemas do israelense Rami Saari chegam ao Brasil pela primeira vez e encantam por seu viés multicultural.

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                  Um hebreu que nasceu em Israel, filho de um romeno e de uma argentina, que vive entre Helsinque e Atenas, fala um perfeito castelhano e conhece mais de uma dezena de idiomas, e ainda é poeta, só podia produzir uma obra multilinguística e multicultural, como bem a definiu o jornalista, ensaísta e poeta Moacir Amâncio, doutor em Língua Hebraica, Literatura e Cultura Judaica pela Universidade de São Paulo (USP).
      Esse poeta chama-se Rami Saari (1963), tradutor para o hebraico de uma centena de livros das literaturas albanesa, catalã, espanhola, estoniana, finlandesa, grega, húngara, turca, portuguesa e brasileira, que agora, pela primeira vez, tem uma antologia de seus versos publicada no Brasil, com texto de apresentação de Moacir Amâncio, professor titular da USP, que fez também algumas adaptações para o Português do Brasil na tradução do hebraico, de autoria do tradutor português  Francisco da Costa Reis.

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      Comunicação Não-Violenta – O Segredo Para Comunicar Com Sucesso | Marshall Rosenberg

      Num mundo violento, cheio de preconceitos, conflitos e mal-entendidos, procuramos ansiosamente por soluções que melhorem a relação que temos com os outros. Infelizmente, durante séculos, a nossa cultura nos ensinou a pensar e a falar de maneira a perpetuar o conflito, a violência e até a dor.

      Mas saber ouvir o que está de facto a ser dito pelo outro e ser capaz de expressar o que de facto queremos dizer pode parecer simples, mas não o é. Nesta obra, Marshall Rosenberg apresenta o método da comunicação não-violenta que conjuga aptidões práticas com uma consciência e vocabulário poderosos, para ajudar qualquer pessoa a conseguir aquilo que deseja de forma pacífica.

      «Marshall B. Rosenberg pôs em primeiro plano a simplicidade da comunicação bem-sucedida. Sejam quais forem as suas questões, as suas estratégias para a comunicação com outras pessoas preparam o leitor para ganhar sempre.» TONY ROBBINS

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      Onésimo Teotónio de Almeida Despenteando parágrafos

      Neste livro, o autor aborda questões polémicas no nosso meio cultural e universitário: de onde vêm a verborreia empolada e a dificuldade lusitana de se debater argumentos sem entrar em ataques pessoais?

      Porque eram os intelectuais portugueses tão sensíveis às modas francesas?

      Porque é que os intelectuais europeus não compreendem a América?

      Porque é que o provincianismo português é tão arrogante?

      Um livro WOOK

      Poesia | Lado a Lado | Gonçalo Bastos | por Maria Isabel Fidalgo

      Tem 17 anos, gosta de poesia e tem uma cultura invulgar. Ama as estruturas clássicas e a linguagem erudita.

      Não é meu aluno, mas, se ainda lecionasse, como gostaria que fosse! 

      Digam da vossa justiça.

      É o Gonçalo Bastos .Está no décimo segundo ano, no Colégio D. Diogo de Sousa, e ama a  Palavra e a sua música. É uma promessa!

      Lado a Lado 

      Senhor, Senhor, concede-me uma musa

      de ricas feições, pele rubra de vinho!

      Concede-ma já, tão linda e difusa,

      que eu… ah, ‘inda não sei amar sozinho!

      Confia-me essa flor que usa, confusa,

      sua fragrância intrusa, alva de linho,

      não p’ra sorver de nosso ninho a escusa,

      mas para o dom de si, áureo caminho!

      Vivamos sobre a Morte, bons vadios,

      mártires até que a sombra venha e tolha

      nossas rugas, bons pios, maus feitios!

      Morramos sobre a Vida, velha folha

      outonal, despojada de seus brios!

      Enlacemos as mãos – é nossa escolha!

      Os 10 melhores poemas de Fernando Pessoa nº1 – Poema em linha reta | 10-01-2024

      In ncultura.pt

      Escritor e poeta, Fernando Pessoa é considerado, ao lado de Luís de Camões, o maior poeta da língua portuguesa e um dos maiores da literatura universal. O crítico literário Harold Bloom afirmou que a obra de Fernando Pessoa é o legado da língua portuguesa ao mundo.

      Fernando Pessoa nasceu em Lisboa, em junho de 1888, e morreu em novembro de 1935, na mesma cidade, aos 47 anos, em consequência de uma cirrose hepática. A sua última frase foi escrita na cama do hospital, em inglês, com a data de 29 de Novembro de 1935: ‘I know not what tomorrow will bring’ (Não sei o que o amanhã trará).

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      Portugal | Maria Isabel Fidalgo | Antes de Mim um Verso, Poética Grupo Editorial

      Portugal

      Sempre o teu sangue me sacode,

      e cada sílaba do teu nome

      me faz descer as lágrimas,

      meu berço de três silabas,

      debruado em ondas

      dos confins do mundo.

      Ah, meu arrimo,

      pau de canela,

      fulgor d’epopeia,

      sol em candeia,

      na noite escura 

      quem te apagou?

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      O Marquês de Pombal e a Unificação do Brasil – Pombalismo, História e Literatura, de José Eduardo Franco e Luiz Eduardo Oliveira

      Lisboa, 04 de janeiro de 2024 – Dificilmente haverá, na história portuguesa e brasileira, uma figura política tão sujeita a processos de reinterpretação e construção de imagens ambivalentes, contrastadas ou mitificadas – com os mais diversos propósitos – como Sebastião José de Carvalho e Melo. Contudo, e inequivocamente, o contributo da ação reformativa do primeiro-ministro para o processo de unificação e construção de uma nação imensa na América do Sul é inegável. José Eduardo Franco e Luiz Eduardo Oliveira demonstram-no com rigor na primeira novidade da Temas e Debates para este novo ano de 2024: O Marquês de Pombal e a Unificação do Brasil – Pombalismo, História e Literatura chega às livrarias a 11 de janeiro.o.

      Sinopse

      O Marquês de Pombal é uma chave importante para compreendermos dimensões relevantes do Portugal e do Brasil de hoje e até de outros países que a sua ação política influenciou. A sua política reformista é fundamental para o processo de unificação do Brasil e das condições estruturantes para a futura independência deste que é um dos maiores países do mundo. A reforma administrativa civil que visava garantir a soberania do Estado em todo o território, a reforma linguística que impôs o português como língua única, a mudança da capital da Bahia para o Rio de Janeiro, a lei da liberdade dos ameríndios, a expulsão dos Jesuítas e o fim dos aldeamentos missionários autónomos administrados por religiosos, o estabelecimento das bases do ensino público, a criação da companhia monopolista para o Grão-Pará e Maranhão, a continuação do impedimento de criação de universidades nas colónias, que inibiu a constituição de elites diferenciadas nos diferentes pontos do território, são algumas das medidas políticas josefino-pombalinas que impediram a fragmentação política do imenso território que passou a designar-se como brasileiro, conferindo-lhe uma coerência e unidade maior. Esta política colonial dirigida sob a batuta do rei D. José I e do seu primeiro-ministro Sebastião José de Carvalho e Melo foi fundamental para a construção do Brasil que hoje conhecemos, sendo precursora do sucesso da sua autodeterminação proclamada no século seguinte, no ano de 1822, com o simbólico grito do Ipiranga de D. Pedro.

      Florbela Espanca, in “Charneca em Flor”  Ilustração por Eugène de Glass

      “Ser a moça mais linda do povoado. 

      Pisar, sempre contente, o mesmo trilho, 

      Ver descer sobre o ninho aconchegado 

      A bênção do Senhor em cada filho.

      Um vestido de chita bem lavado, 

      Cheirando a alfazema e a tomilho… 

      – Com o luar matar a sede ao gado, 

      Dar às pombas o sol num grão de milho…

      Ser pura como a água da cisterna, 

      Ter confiança numa vida eterna 

      Quando descer à “terra da verdade”…

      Deus, dai-me esta calma, esta pobreza!

      Dou por elas meu trono de Princesa, 

      E todos os meus Reinos de Ansiedade.”

      A Fava | Vasco Graça Moura

      espero que me calhe aquela fava

      que é costume meter no bolo-rei:

      quer dizer que o comi, que o partilhei

      no natal com quem mais o partilhava

      numa ordem das coisas cuja lei

      de afectos e memória em nós se grava

      nalgum lugar da alma e que destrava

      tanta coisa sumida que, bem sei,

      pela sua presença cristaliza

      saudade e alegria em sons e brilhos,

      sabores, cores, luzes, estribilhos…

      e até por quem nos falta então se irisa

      na mais pobre semente a intensa dança

      de tempo adulto e tempo de criança.

      Uma viagem ao fim do mundo | de Paulo Roberto Pereira | por Adelto Gonçalves

      Capa, lombada, quartacapa e orelhas do Livro “Atas do Quinto Seminário da Primeira Volta ao Mundo: a Estadia da Frota no Rio de Janeiro”

      Ensaios mostram como a expedição de Fernão de Magalhães/Juan Sebastián Elcano foi o ponto de partida para o atual processo de globalização.
           I
                  O Rio de Janeiro foi o primeiro porto visitado nas Américas pela expedição empreendida pelo navegador português Fernão de Magalhães (1480-1521) e pelo espanhol Juan Sebastián Elcano (1476-1526) em 1519-1522, que entraria para a história como a primeira viagem de circum-navegação mundial.  Para celebrar esse acontecimento de cinco séculos que trouxe uma nova visão do mundo e comprovou que a Terra é redonda, foi realizado o Seminário Internacional do 5º Centenário da Primeira Volta ao Mundo, nos dias 12 e 13 de dezembro de 2019, no auditório do Museu Histórico Nacional, n o Rio de Janeiro, com palestras de historiadores do Brasil, Espanha, Portugal, Argentina, Chile, Peru e Uruguai e o apoio do Instituto Camões, de Lisboa, e do Instituto Cervantes, de Madrid, e dos consulados desses países.

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      “Morte e Democracia” de José Gil

      «Morte e Democracia» de José Gil (Relógio d’Água, 2023) é constituído por um conjunto de ensaios que nos permite compreender as virtualidades e as fragilidades da organização da sociedade contemporânea.

      RESUMO | A morte traça uma fronteira-limite do pensamento. Para lá dela, nada há a experienciar ou a pensar. Fractura radical, deixa-nos à beira de um impensável abismo. Para o transpor, inventámos a transcendência e a imortalidade. E com elas surgiram as teocracias, as realezas mágicas e os regimes políticos que criaram as maiores desigualdades e injustiças. A democracia nasceu destituindo a transcendência religiosa do seu estatuto fundador da ordem política. E a imanência trará consigo, em princípio, uma possibilidade de igualdade…

      Cartas do Confinamento de 23 de Março a 1 de Maio de 2020 | Tiago Salazar e Frederico Duarte Carvalho

      Âncora Editora

      «Dois escritores, nascidos no mesmo ano, com carreira no jornalismo, um em Lisboa e outro no Porto, correspondem-se durante os primeiros 40 dias do confinamento de 2020. As missivas são uma maneira de enfrentar e manter a sanidade durante a Pandemia.


      E falam de amores, traições, sexo, dinheiro, poesia, família, política e do sentido da vida – ou da sua falta. Uma escrita pura e dura, sem rodeios. Há esperança e desespero. Ninguém sabe se vai ficar tudo bem. Tiago Salazar e Frederico Duarte Carvalho deixam-nos um documento histórico e que irá perdurar para além do tempo.»

      Glória e Tragédia de Gorbatchov | Diogo Freitas do Amaral

      Gorbatchov não foi um pensador político original, mas antes um governante que procurou fazer— e conseguiu quase até ao fim — a primeira transição conhecida, na História, do maior Estado totalitário comunista de sempre para um Estado de Direito Democrático.

      E conseguiu praticamente tudo, embora tenha sido apeado do Poder a poucos dias do triunfo final.

      Democratizou a U.R.S.S., libertou a Europa de Leste e inspirou dezenas de países na África e na Ásia (entre os quais, todas as ex-colónias portuguesas que se tinham tornado independentes em 1974-75).

      “Meu Dostoiévski: Os Minutos Finais”, obra que vai além da biografia | Autor: Edson Amâncio | por Adelto Gonçalves

      Esta é uma biografia que vai muito além dos estreitos limites do gênero. Em suas páginas, constata-se que é resultado de uma admiração que já passou de meio século por Fiodor Mikháilovitch Dostoiévski (1821-1881), o romancista e contista russo que, hoje, ombreia com grandes autores universais, como Dante Alighieri (1265-1321) e Miguel de Cervantes (1547-1616), ou outros gigantes da literatura russa, como Nicolai Gogol (1809-1852) e Alexandre Pushkin (1799-1837), ou o nosso Machado de Assis (1839-1908).
      Talvez impedido por muitos obstáculos – que incluiria a distância dos arquivos russos –, em vez de construir uma extensa biografia semelhante à que o norte-americano Joseph Frank (1918-2013) fez, que resultou em quatro volumes e mais de três mil páginas, o autor desta obra, o romancista, contista e cronista Edson Amâncio (1948), preferiu, em muitos momentos, recorrer à ficção para tentar traçar alguns ângulos da personalidade de Dostoiévski e daqueles que conviveram com ele, além de documentar o percurso de sua paixão literária, que teve início em 1962 quando se deparou na biblioteca pública de sua cidade natal, Sacramento, no interior de Minas Gerais, com Recordação da Casa dos Mortos, obra basilar do currículo dostoievskiano. 

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      INVOCAÇÃO À NOITE, de Manuel Maria Barbosa du Bocage (15 de Setembro de 1765 – 21 de Dezembro de 1805) | Tétis, de Giovanni Jacopo Caraglio.

      Oh deusa, que proteges dos amantes

      O destro furto, o crime deleitoso,

      Abafa com teu manto pavoroso

      Os importunos astros vigilantes:

      Quero adoçar meus lábios anelantes

      No seio de Ritália melindroso;

      Estorva que os maus olhos do invejoso

      Turbem de amor os sôfregos instantes:

      Tétis formosa, tal encanto inspire

      Ao namorado Sol teu níveo rosto,

      Que nunca de teus braços se retire!

      Tarda ao menos o carro à Noite oposto,

      Até que eu desfaleça, até que expire

      Nas ternas ânsias, no inefável gosto.

      in “Antologia de Poesia Erótica”, organização e prefácio de Fernando Pinto do Amaral, Dom Quixote, 2017, p. 58.

      Tétis, de Giovanni Jacopo Caraglio.

      Para a minha Mãe que hoje faria 101 anos Tantas saudades!

      Para Sempre | Carlos Drummond de Andrade

      Por que Deus permite
      que as mães vão-se embora?
      Mãe não tem limite,
      é tempo sem hora,
      luz que não apaga
      quando sopra o vento
      e chuva desaba,
      veludo escondido
      na pele enrugada,
      água pura, ar puro,
      puro pensamento.

      Morrer acontece
      com o que é breve e passa
      sem deixar vestígio.
      Mãe, na sua graça,
      é eternidade.
      Por que Deus se lembra
      – mistério profundo –
      de tirá-la um dia?
      Fosse eu Rei do Mundo,
      baixava uma lei:
      Mãe não morre nunca,
      mãe ficará sempre
      junto de seu filho
      e ele, velho embora,
      será pequenino
      feito grão de milho.

      A Cultura não se Adquire, Respira-se. Thomas Mann, in “As Confissões de Félix Krull”

      A cultura não se obtém com um labor obtuso e intensivo e é antes o produto da liberdade e da ociosidade exterior. Não se adquire, respira-se. O que trabalha para ela são os elementos ocultos. Uma secreta aplicação dos sentidos e do espírito, conciliável com um devaneio quase total em aparência, solicita diariamente as riquezas dessa cultura, podendo dizer-se que o eleito a adquire a dormir. Isto porque é necessário ser dúctil para se poder ser instruído. Ninguém pode adquirir o que não possui ao nascer, nem ambicionar o que lhe é estranho. Quem é feito de madeira ordinária nunca se afinará, porque quem se afina nunca foi grosseiro. Nesta matéria, é também muito difícil traçar uma linha de separação nítida entre o mérito pessoal e aquilo que se chama o favor das circunstâncias. 

      Prelúdio de Natal | David Mourão Ferreira

      Tudo principiava 

      pela cúmplice neblina 

      que vinha perfumada 

      de lenha e tangerinas 

      Só depois se rasgava 

      a primeira cortina 

      E dispersa e dourada 

      no palco das vitrinas 

      a festa começava 

      entre odor a resina 

      e gosto a noz-moscada 

      e vozes femininas 

      A cidade ficava 

      sob a luz vespertina 

      pelas montras cercada 

      de paisagens alpinas. 

      David Mourão-Ferreira, in ‘Antologia Poética’

      Retirado do Facebook, Mural de Maria Teresa Carrapato

      Kafka and the Doll (Short story)

      “Kafka and the Doll”
      At 40, Franz Kafka (1883-1924), who never married and had no children, walked through the park in Berlin when he met a girl who was crying because she had lost her favourite doll. She and Kafka searched for the doll unsuccessfully.
      Kafka told her to meet him there the next day and they would come back to look for her.
      The next day, when they had not yet found the doll, Kafka gave the girl a letter “written” by the doll saying “please don’t cry. I took a trip to see the world. I will write to you about my adventures.”
      Thus began a story which continued until the end of Kafka’s life.
      During their meetings, Kafka read the letters of the doll carefully written with adventures and conversations that the girl found adorable.
      Finally, Kafka brought back the doll (he bought one) that had returned to Berlin.
      “It doesn’t look like my doll at all,” said the girl.
      Kafka handed her another letter in which the doll wrote: “my travels have changed me.” the little girl hugged the new doll and brought her happy home.
      A year later Kafka died.
      Many years later, the now-adult girl found a letter inside the doll. In the tiny letter signed by Kafka it was written: “Everything you love will probably be lost, but in the end, love will return in another way.”

      Amor | Miguel Torga, in ‘Libertação’

      A jovem deusa passa

      Com véus discretos sobre a virgindade;

      Olha e não olha, como a mocidade;

      E um jovem deus pressente aquela graça.

      Depois, a vide do desejo enlaça

      Numa só volta a dupla divindade;

      E os jovens deuses abrem-se à verdade,

      Sedentos de beber na mesma taça.

      É um vinho amargo que lhes cresta a boca;

      Um condão vago que os desperta e toca

      De humana e dolorosa consciência.

      E abraçam-se de novo, já sem asas.

      Homens apenas. Vivos como brasas,

      A queimar o que resta da inocência.

      Fiódor Dostoiévski | “O Cristo Morto”

      É notório o impacto emocional que Dostoiévski sentiu ao se deparar pela primeira vez com a pintura de Hans Holbein, “O Cristo Morto”. E ele procurou no romance “O Idiota” expressar – de forma artística –  os sentimentos que essa pintura evocava dentro de si.

      𝘘𝘶𝘢𝘯𝘥𝘰 𝘤𝘰𝘯𝘵𝘦𝘮𝘱𝘭𝘢𝘮𝘰𝘴 𝘢𝘲𝘶𝘦𝘭𝘦 𝘲𝘶𝘢𝘥𝘳𝘰, 𝘢 𝘯𝘢𝘵𝘶𝘳𝘦𝘻𝘢 𝘵𝘰𝘮𝘢, 𝘢 𝘯𝘰𝘴𝘴𝘰𝘴 𝘰𝘭𝘩𝘰𝘴, 𝘰 𝘢𝘴𝘱𝘦𝘤𝘵𝘰 𝘥𝘦 𝘶𝘮𝘢 𝘧𝘦𝘳𝘢 𝘦𝘯𝘰𝘳𝘮𝘦, 𝘪𝘮𝘱𝘭𝘢𝘤𝘢́𝘷𝘦𝘭 𝘦 𝘮𝘶𝘥𝘢, 𝘰𝘶 𝘮𝘦𝘭𝘩𝘰𝘳, 𝘱𝘢𝘳𝘢 𝘥𝘪𝘻𝘦𝘳 𝘥𝘦 𝘮𝘰𝘥𝘰 𝘮𝘶𝘪𝘵𝘰 𝘮𝘢𝘪𝘴 𝘧𝘪𝘦𝘭, 𝘢𝘪𝘯𝘥𝘢 𝘲𝘶𝘦 𝘦𝘴𝘵𝘳𝘢𝘯𝘩𝘰, 𝘵𝘰𝘮𝘢 𝘰 𝘢𝘴𝘱𝘦𝘤𝘵𝘰 𝘥𝘦 𝘶𝘮𝘢 𝘪𝘮𝘦𝘯𝘴𝘢 𝘮𝘢́𝘲𝘶𝘪𝘯𝘢, 𝘥𝘦 𝘧𝘢𝘣𝘳𝘪𝘤𝘢𝘤̧𝘢̃𝘰 𝘯𝘰𝘷𝘪́𝘴𝘴𝘪𝘮𝘢, 𝘲𝘶𝘦, 𝘥𝘦 𝘧𝘰𝘳𝘮𝘢 𝘢𝘣𝘴𝘶𝘳𝘥𝘢, 𝘰𝘣𝘵𝘶𝘴𝘢 𝘦 𝘪𝘯𝘴𝘦𝘯𝘴𝘪́𝘷𝘦𝘭, 𝘢𝘨𝘢𝘳𝘳𝘰𝘶, 𝘵𝘳𝘪𝘵𝘶𝘳𝘰𝘶 𝘦 𝘦𝘯𝘨𝘰𝘭𝘪𝘶 𝘶𝘮 𝘴𝘦𝘳 𝘨𝘳𝘢𝘯𝘥𝘪𝘰𝘴𝘰 𝘦 𝘪𝘯𝘦𝘴𝘵𝘪𝘮𝘢́𝘷𝘦𝘭 – 𝘶𝘮 𝘴𝘦𝘳 𝘲𝘶𝘦, 𝘴𝘰𝘻𝘪𝘯𝘩𝘰, 𝘷𝘢𝘭𝘪𝘢 𝘵𝘰𝘥𝘢 𝘢 𝘯𝘢𝘵𝘶𝘳𝘦𝘻𝘢 𝘦 𝘵𝘰𝘥𝘢𝘴 𝘢𝘴 𝘭𝘦𝘪𝘴 𝘥𝘢 𝘯𝘢𝘵𝘶𝘳𝘦𝘻𝘢, 𝘵𝘰𝘥𝘢 𝘢 𝘵𝘦𝘳𝘳𝘢, 𝘢 𝘲𝘶𝘢𝘭 𝘵𝘢𝘭𝘷𝘦𝘻 𝘵𝘦𝘯𝘩𝘢 𝘴𝘪𝘥𝘰 𝘤𝘳𝘪𝘢𝘥𝘢 𝘶𝘯𝘪𝘤𝘢𝘮𝘦𝘯𝘵𝘦 𝘱𝘢𝘳𝘢 𝘲𝘶𝘦 𝘢𝘲𝘶𝘦𝘭𝘦 𝘴𝘦𝘳 𝘴𝘶𝘳𝘨𝘪𝘴𝘴𝘦! 𝘗𝘰𝘳 𝘮𝘦𝘪𝘰 𝘥𝘢𝘲𝘶𝘦𝘭𝘦 𝘲𝘶𝘢𝘥𝘳𝘰, 𝘱𝘢𝘳𝘦𝘤𝘦 𝘲𝘶𝘦 𝘴𝘦 𝘦𝘹𝘱𝘳𝘪𝘮𝘦 𝘦𝘴𝘴𝘦 𝘤𝘰𝘯𝘤𝘦𝘪𝘵𝘰 𝘥𝘦 𝘶𝘮𝘢 𝘧𝘰𝘳𝘤̧𝘢 𝘰𝘣𝘴𝘤𝘶𝘳𝘢, 𝘯𝘶𝘢 𝘦 𝘢𝘣𝘴𝘶𝘳𝘥𝘢𝘮𝘦𝘯𝘵𝘦 𝘦𝘵𝘦𝘳𝘯𝘢, 𝘢̀ 𝘲𝘶𝘢𝘭 𝘵𝘶𝘥𝘰 𝘦𝘴𝘵𝘢́ 𝘴𝘶𝘣𝘰𝘳𝘥𝘪𝘯𝘢𝘥𝘰 𝘦 𝘲𝘶𝘦 𝘯𝘰𝘴 𝘢𝘵𝘪𝘯𝘨𝘦, 𝘲𝘶𝘦𝘪𝘳𝘢𝘮𝘰𝘴 𝘰𝘶 𝘯𝘢̃𝘰.

      ‘Desjardim’, um romance neopicaresco | Silas Corrêa Leite | por Adelto Gonçalves 

      Nova obra de Silas Corrêa Leite traz um personagem que lembra Lazarillo do Tormes e Guzmán de Alfarache

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                   Autor de vastíssima obra, Silas Corrêa Leite (1952) volta a publicar e contempla agora leitores com um romance que pode ser considerado não só uma parábola da condição humana como um genuíno exemplo de literatura neopicaresca brasileira, vertente literária assim nomeada pelo escritor argentino-brasileiro Mario Miguel González (1937-2013), que foi professor de Literaturas Espanhola e Hispano-americana na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH), da Universidade de São Paulo (USP), e  mestre de gerações de hispanistas e professores de espanhol. 

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