Tony Judt | Historiador e Intelectual Público | de Rui Bebiano

Da contracapa:
A partir de uma observação da biografia e da obra do historiador britânico Tony Judt (1948-2010), Rui Bebiano analisa algumas das transformações relativas ao lugar e ao papel do intelectual público, desde o final da Segunda Guerra Mundial até à atualidade. Confronta-se aqui a possibilidade ou a necessidade de a história confluir, como saber e como representação, com as grandes mutações de natureza política e cultural e com os dilemas e opções que estas sempre levantam ou produzem. Em particular quando ocorrem em períodos mais recentes e quando se cruzam com escolhas cujo eco permanece. A partir da intervenção e da escrita de Tony Judt, o autor enfatiza e valida o lugar, o trabalho e a necessidade do «historiador público», reequacionando o próprio conceito de história à luz da intervenção na contemporaneidade.

Como passámos a ter estradas onde corremos o risco de ser incinerados | JORGE PAIVA in “Jornal Público”

Não me vou alongar demasiado com a história do desastre da cobertura florestal deste desgraçado país, pois está explicitada no artigo “Os incêndios e a desertificação de Portugal florestal”, publicado no PÚBLICO, há cerca de dez anos. Apesar de andar a alertar para as causas dos piroverões anuais que acontecem há cerca de quatro dezenas de anos e como se pode resolver o problema, os governos sucessivos que temos tido, não só nada fizeram, como também têm sido colaboracionistas na florestação mono-específica, contínua e contígua, sem o mínimo de ordenamento e regras.

Sabemos que antes da última glaciação (Würm) a laurisilva [floresta (silva, em latim) sempreverde, com predominância de árvores da família dos loureiros (laurus, em latim)] era a floresta que tínhamos no país. Durante o período glaciar, esta floresta praticamente desapareceu em Portugal Continental (existem apenas algumas espécies reliquiais), teve uma cobertura florestal semelhante à actual taiga que circunda a parte continental norte do globo terrestre, em torno do círculo polar árctico. São disso testemunho as relíquias do pinheiro-de-casquinha (Pinus sylvestris) que ainda se encontram em algumas das zonas montanhosas mais frias do Gerês. Finda essa glaciação, isto é, após o início do período actual, o Holoceno (Antropogénico), com o desaparecimento da laurisilva e da taiga, o respectivo nicho ecológico continental foi ocupado por uma nova floresta na qual predominam árvores da família das Fagáceas (Fagaceae), como carvalhos, a faia e o castanheiro. Designo por fagosilva este tipo de floresta, em consonância com a referida laurisilva. Quando o homem inicia o cultivo de cereais e a domesticação de animais, há cerca de 8-7 mil anos, inicia-se a degradação da fagosilva. Os Descobrimentos e respectiva Expansão provocaram uma tremenda devastação da fagosilva, completada, mais tarde, com a construção da rede de caminho-de-ferro, cujas travessas das vias férreas eram de madeira de carvalho.

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Os anti-intelectuais: Teólogos, pensadores e comentadores | Carlos Matos Gomes

Eles não pensam. Ou pensam como os teólogos, que apresentam provas da existência do deus que estiver na moda e as regras para os pobres de espírito alcançarem o paraíso na vida eterna que sejam mais convenientes aos seus soberanos.

Num artigo de Maio de 2015, António Guerreiro escrevia no Público sobre os comentadores da comunicação social e os seus percursos de vida: “Reconhecemo-los à distância, mal aparecem no pequeno ecrã a comentar, nos jornais como escritores subalternos e nos postos oficiais onde o culto do arrivismo passa por razão de Estado.” Referia-se aos eternos ex-, os renegados da extrema-esquerda que renunciaram à utopia, os arrependidos de ideias, agora tão realistas por princípio que o seu realismo é uma nova ideologia, tão autoritária como a anterior. Mas esta pequena matilha não se resume aos ex da extrema-esquerda, inclui ex de todas as formações e a mais numerosa talvez seja a dos ex-sociais-democratas, feitos em cozedura rápida à volta de Sá Carneiro, que comprou a marca social-democrata numa loja de conveniência em 1974 e até alguns do Partido Socialista. Escrevia ainda António Guerreiro: “Não é a apostasia que deve ser criticada. Espantoso e criticável é que se tenham conformado aos mesmos estereótipos e repitam a disposição mental de notários que o escritor Marcel Jouhandeau (…) previu que seria a evolução dos manifestantes de Maio de 68: “Voltem para casa! Daqui a dez anos serão todos notários”.

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De Pedrógão Grande à Feira de Carcavelos. As televisões vendem tudo e tudo é contrafeito | Carlos Matos Gomes

Conclusões do que aconteceu em Pedrógão: Depois das reportagens de Fátima, das reportagens da celebração do campeonato de futebol, as televisões comprovaram que o populismo existe e está tão encarniçado como as labaredas do grande fogo que mataram e devastaram. O populismo é o apelo à excitação e à irracionalidade. Depois do que as televisões, principalmente as televisões que são o grande meio de manipulação de massas, fizeram a propósito de um fenómeno religioso, da excitação de um fenómeno desportivo, as televisões exibiram as suas melhores figuras, desorbitadas, de pregadores das igrejas dos últimos dias no aproveitamento de uma tragédia. As televisões provaram que não faltam atiçadores de populaça para qualquer campanha. As labaredas de Pedrógão mataram pessoas e destruíram bens materiais, mas mataram queimaram a ideia de uma televisão como meio credível de informação e esclarecimento. A televisão, enquanto meio de comunicação, sai queimada de Pedrógão. A televisão portuguesa despiu-se de pruridos e apresentou-se como é: Um Big Brother, uma Casa de Segredos. As vedetas das televisões são clones da Teresa Guilherme.

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DiEM25 | Juntos estamos a construir mais do que um movimento – explicamos porquê.

Sempre defendemos que a agenda progressista do DIEM25 merece expressão eleitoral. Nos últimos meses, avançamos com esta ideia em grande. Aqui está um sumário do que foi feito:

  • A 25 de Março em Roma, apresentamos o European New Deal, um plano compreensivo para estabilizar e salvar a nossa União.
  • Fizemos também um an open call a atores políticos, movimentos e redes na Europa para apreentá-lo nas urnas. Porquê? Porque apesar dos modelos políticos atuais estarem desactualizados, são os únicos disponibilizados. Para implementarmos mudanças, podemos e devemos usá-los ao mesmo tempo que trabalhamos para os tornar melhores.
  • A pedido dos nosso membros, mobilizámos os nossos ativistas para determinar que partidos ou candidatos deveriam ser apoiados pelo DIEM25 nas eleições do Reino Unido, França, Itália e Croácia.
  • No nosso evento de Berlim que ocorreu dia 25 de Maio, anunciamos que vamos enfrentar o sistema de frente criando o primeiro partido político transnacional e pedimos aos nossos membros para prosseguirem nas suas deliberações sobre se, como e quando é que isto pode ser uma realidade.
    (Vê este vídeo rápido do nosso evento em Berlim: “Next Stop 2019?”)

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Apresentação Festival Materiais Diversos 2017 | 21 de junho, 18h30 | Museu de Aguarela Roque Gameiro | Minde

 

CONVITE

Festival Materiais Diversos em Transações e Transformações

Apresentação Festival Materiais Diversos 2017

21 de junho, 18h30

Museu de Aguarela Roque Gameiro

Largo Justino Guedes, N. 25-27, Minde – Alcanena

A Associação Materiais Diversos convida-o(a) para o encontro de apresentação da edição de 2017 do Festival Materiais Diversos que se realiza no dia 21 de Junho, pelas 18h30, no Museu de Aguarela Roque Gameiro em Minde, vila onde o projeto nasceu em 2009.

O Festival Materiais Diversos 2017 inspira-se no binómio “Transações/Transformações, processos sobre os quais pretende refletir junto com o público, os profissionais e os artistas participantes na nona edição, que decorrerá entre os dias 14 a 23 de setembro com atividades alargadas às localidades de Minde, Alcanena e Cartaxo.

Jovens e consagrados, portugueses e estrangeiros, o festival estima reunir mais de seis dezenas de artistas em cartaz e nas várias rubricas do programa, que arranca a 14 de setembro com “Gatilho da Felicidade” de Ana Borralho & João Galante, integra a apresentação de mais nove Espetáculos, dois destes em estreia absoluta, a Comunidade Artística Emergente com formação alternativa para estudantes de artes oriundos de várias escolas do país, Aulas Diárias a cargo dos artistas convidados e abertas ao público, encontros profissionais e temáticos com conversas, tertúlias e workshops, e as aguardadas Noites Longas consagradas ao convívio e à música numa parceria com o Festival Bons Sons.

No encontro de apresentação de dia 21 de junho, será possível ficar a conhecer em pormenor e em primeira mão o cartaz, programa e locais onde no mês de setembro o festival volta a apresentar uma cuidada seleção de projetos de dança, teatro e música contemporâneos.

PROGRAMA APRESENTAÇÃO FESTIVAL MATERIAIS DIVERSOS 2017:

18h30    Receção e boas vindas

18h40    Intervenções dos parceiros: Câmara Municipal do Cartaxo, Câmara Municipal de Alcanena, República Portuguesa – Cultura / Direção-geral das Artes

19h10    Apresentação do Festival Materiais Diversos 2017: Elisabete Paiva, diretora artística Materiais Diversos, e intervenções dos artistas participantes

19h40    Cocktail

20h00    Encerramento

Sobre o Festival Materiais Diversos:

O Festival Materiais Diversos é Minderico, nasceu em 2009 na vila de Minde e a partir daí expandiu-se a outras localidades das regiões do Médio Tejo e Lezíria, onde se dedica a explorar a diversidade do território das artes performativas e do próprio país. O festival leva a populações e palcos fora dos grandes centros urbanos uma seleção cuidada de projetos artísticos nas áreas da dança, teatro e música, assinadas por jovens criadores e artistas consagrados, portugueses e estrangeiros. É um projeto pioneiro na promoção do acesso à criação e descentralização artística, afirma-se um cartaz contemporâneo dos territórios onde programa e um festival obrigatório no calendário cultural português, com mais de 120 espetáculos, 790 artistas e 52 mil espectadores envolvidos nas suas oito edições. O Festival Materiais Diversos é membro da EFFE – Europe for Festivals Festivals for Europe e conta com o Alto Patrocínio de Sua Excelência, o Presidente da República.

Sobre a Associação Materiais Diversos:

Associação cultural sem fins lucrativos fundada em 2013 que incentiva a investigação e experimentação artísticas. Tem como missão atrair e sensibilizar múltiplos públicos para as artes performativas, incentivar a investigação e experimentação artísticas, com especial enfoque na dança. Apoia a criação e a difusão de projetos associados dos artistas Filipa Francisco, Marcelo Evelin, Pablo Fidalgo Lareo e Raquel André. Programa e promove em parceria com vários municípios do país Espetáculos, Ações de Formação e de Mediação, Residências Artísticas e Técnicas. Organiza o Festival Materiais Diversos, evento anual dedicado às artes performativas. A Associação Materiais Diversos integra a REDE Associação de Estruturas para a Dança Contemporânea nacional e é uma estrutura financiada pela República Portuguesa – Cultura / Direção-geral das Artes, e pelos municípios de Alcanena e Cartaxo.

materiaisdiversos.com

facebook.com/materiaisdiversos

youtube.com/MateriaisDiversos

OS NOVOS VAMPIROS | Tomás Vasques

Onde estão as televisões e os jornalistas quando não há incêndios? Fazem reportagens sobre a floresta? Entrevistam quem as devia limpar? Questionam o governo e demais autoridades sobre o assunto? Não. Passam horas à procura de um suspiro do Ronaldo ou em programas de “entretenimento”, onde sacam dinheiro em chamadas telefónicas a idosos e em outras idiotices. As televisões e os jornalistas, por incompetência e desleixo na informação e investigação, são dos maiores responsáveis pelos fogos nas florestas. E depois, caem sobre a desgraça, a dor e o sofrimento como vampiros. O exemplo de Judite de Sousa, ontem à noite, em estilo “noite de gala”, junto de um cadáver (certamente que não era de um seu familiar próximo) a debitar palavras como se estivesse no Coliseu, a entregar os óscares da TVI, serve por todos.

Retirado do Facebook | Mural de Tomás Vasques

RECORDAR O ANO DA MORTE DE JOSÉ SARAMAGO | Maria Isabel Fidalgo

Faz hoje sete anos que José Saramago resolveu juntar-se a Blimunda, a sete-luas e a Baltasar, o sete-sóis. E também ao padre Bartolomeu de Gusmão. E a Scarlatti. Não sei qual o espaço onde habitam, mas ressoa a música, a passarola flutua e as vontades desprendem-se leves.
Por cá, a terra continua a arder.

Retirado do Facebook | Mural de Maria Isabel Fidalgo

QUEREM ACABAR COM OS FOGOS…? | Herlander Fernandes

Fazer o Cadastro Predial e ordenar a floresta, parecem ser as duas únicas coisas ainda não tentadas pelos sucessivos governos desde há décadas…
Os milhões de hectares ardidos desde há 20 ou 30 anos, tiveram um custo para o país muito superior aos custos necessários à realização daquelas duas tarefas…
Um país com Cadastro Predial pode organizar o seu território, sem ele, nunca será possível fazê-lo.
Fazer o Cadastro Predial e ordenar a floresta, criariam milhares de postos de trabalho e um considerável incremento no PIB por via das actividades florestais (atente-se na Finlândia por exemplo…).
Poupavam-se o ambiente e a destruição da economia por via dos fogos…
Perdiam-se os negócios ligados aos fogos, como os aviões e a madeira barata…
Mas, sobretudo, evitavam-se estas tragédias humanas de dimensão indescritível.

Políticos que nos governam e têm governado, oiçam por favor o que vos dizemos: nenhuma vida tem preço…, saiam da vossa zona de conforto, abandonem as palavras de circunstância e ajam, mas ajam bem desta vez, por favor.

Retirado do Facebook | Mural de Herlander Fernandes

Nouvelle Librarie Française | R. Pinheiro Chagas 50B, Lisboa (ao Saldanha)

http://nlf-livraria.com 

Ouverte depuis mai 2004 et installée à Lisbonne entre la Fondation Gulbenkian et la place Saldanha (à 50 mètres de son ancienne adresse de l’Institut français du Portugal) la NLF -Nouvelle Librairie Française- est la seule librairie généraliste française au Portugal.

Un lieu unique où vous trouverez une sélection de plus de 10 000 ouvrages privilégiant l’actualité éditoriale de langue française en sciences humaines, littérature, jeunesse ; un choix très diversifié de bandes dessinées et un rayon consacré au monde lusophone.

Temos novela, falta um Molière | Carlos Matos Gomes

Em Portugal não há doentes imaginários. Em Portugal é considerado um insulto dizer a alguém que ele está com boa saúde. Ou que parece estar. A resposta é uma lista de achaques e de consultas marcadas para várias especialidades atirada à cara do energúmeno que ousou tal ofensa à doença. Os portugueses têm o maior armário da casa cheio de caixas de remédios. Acredito que muitos portugueses foram à escola apenas para lerem as bulas dos medicamentos. O medicamento é sagrado.
É, pois, compreensível a luta de vida ou morte dos edis e outros chefes locais para a sua terra albergar a sede da Agência Europeia do Medicamento. Oferecer a oportunidade dos eleitores se aviarem de pílulas e xaropes mesmo ali e por conta da Europa é eleição garantida. Ter farmacêuticos, analistas, médicos, aviadores de receitas vindos de Londres ao pé da nossa porta levará, com certeza, muitos dos nossos compatriotas a aprender línguas estrangeiras.
As eleições autárquicas, além das curas para as doenças, puxam sempre pelos brios regionais. O Porto quer a Agência em nome da descentralização – Biba o Porto e o Norte! Coimbra quer a Agência porque é o Centro e tem universidade. Aguarda-se a todo o momento que Vila Real, a Guarda, Viseu, Santarém e Beja apresentem as suas candidaturas em nome do Interior sempre preterido e despovoado em favor do Litoral. Têm todas as cidades a vantagem de bons ares, especialmente a transmontana Vila e a beirã Guarda. E haverá ainda que atender as zonas fronteiriças de Chaves, Vilar Formoso, Elvas, que poderiam servir os dois países vizinhos.
Temos novela, falta um Molière.

Retirado do Facebook | Mural de Carlos Matos Gomes

Pós-verdade e Pós-democracia | André Barata, Filósofo | In “O Jornal Económico”

O que se verifica hoje é a condescendência com a mentira e, na medida inversa, a verdade em perda do seu valor facial. Aqui se joga, de forma preocupante, o valor da própria democracia.

Falamos de pós-verdade, mas, por detrás do que se diz, que significado tem uma palavra que se tornou tão ubíqua? Muitas vezes a palavra nova hegemónica em vez de responder, na verdade, cala a pergunta. A maneira como se nomeia é aqui já um ponto de vista, que mais depressa pode contribuir para um juízo de legitimação conformada do que para uma apresentação do problema.

A mudança tem sido notada entre aqueles que, de forma mais presente no espaço público, especialmente políticos, evocam factos mais pelo seu poder de persuasão do que pelo que possam ter de verdade. Depressa apontamos Trump, claro, a quem devemos, sem grande exagero, o mais impressionante processo de banalização da mentira na história da representação política democrática – ainda que  não faltem antecedentes em regimes políticos que tiveram como ponto comum, no mínimo, a rejeição da democracia.  A diferença é que a coisa já não se coloca, como no passado, em termos de manipulação e usurpação da verdade por quem detém o monopólio do poder. O que se verifica hoje é a condescendência com a mentira e, na medida inversa, a verdade em perda do seu valor facial. Aqui se joga, de forma preocupante, o valor da própria democracia.
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Dimanche 29 décembre 1929 | Petite Ophélinha | Fernando Pessoa

Fernando Pessoa (13 juin 1888 – 30 novembre 1935) est un écrivain, poète et polémiste portugais trilingue dont les vers légendaires et la prose poétique ont permis l’apparition du modernisme au Portugal. Il tombe follement amoureux d’une certaine Ophélie, qu’il a sacrifiée à ses écrits. Il rompra avec elle une première fois en 1920 car, lui écrit-il, « Mon destin appartient à une autre loi dont vous ne soupçonnez même pas l’existence ». Dans cette lettre, proche de la fin de leur relation, la prévalence de son travail sur sa relation est perceptible.

Dimanche 29 décembre 1929

Petite Ophélinha,

Comme je ne voudrais pas que vous disiez que je ne vous ai pas écrit parce que je ne vous ai effectivement pas écrit, je vous écris. Ce ne sera pas seulement une ligne, comme je vous l’ai promis, mais ce ne seront pas plusieurs non plus. Je suis malade, en grande partie en raison d’une série de préoccupations et de contrariétés que j’ai eues hier. Si vous ne voulez pas croire que je suis malade, évidemment vous ne le croirez pas. Mais je vous prie de ne pas me dire que vous ne me croyez pas. Il me suffit déjà d’être malade : il n’est pas nécessaire en plus que vous en doutiez ou que vous me demandiez des comptes sur ma santé comme si elle dépendait de ma volonté ou que je sois obligé de rendre des comptes à quelqu’un de quoi que ce soit.

Ce que je vous ai dit à propos du fait d’aller à Cascais (Cascais signifiant un endroit quelconque en dehors de Lisbonne, mais pas loin, cela peut vouloir dire Cintra ou Caxias) est rigoureusement vrai : vrai du moins quant à mes intentions. Je suis arrivé à l’âge où l’on atteint la maîtrise parfaite de ses propres qualités et où l’intelligence a le maximum de force et de dextérité possibles. Il est donc temps de réaliser mon œuvre littéraire, en achevant certaines choses, en regroupant certaines autres, en écrivant celles qui sont à écrire. Pour finir cette œuvre, j’ai besoin de tranquillité et d’un certain isolement. Je ne peux, malheureusement pas, abandonner les bureaux où je travaille (je ne le peux évidemment pas, parce que je n’ai pas de rentes), mais je peux, en consacrant aux tâches de ces bureaux deux jours par semaine (les mercredis et les samedis) avoir pour moi, à moi, les cinq autres jours. Là surgit cette fameuse histoire de Cascais.

Toute ma vie future dépend de ce que je puisse ou non le faire et le faire vite. Du reste, ma vie tourne autour de mon œuvre littéraire — qu’elle soit ou qu’elle puise être bonne ou mauvaise. Tout le reste a pour moi un intérêt secondaire ; il y a des choses, bien sûr, que j’aimerais avoir, d’autres dont il m’est égal qu’elles arrivent ou n’arrivent pas. Il faut que tous ceux qui ont affaire à moi soient persuadés que je suis comme cela, et exiger de moi les sentiments, par ailleurs très dignes, d’un homme vulgaire et banal, c’est tout comme exiger de moi que j’aie des yeux bleus et des cheveux blonds. Et me traiter comme si j’étais un autre n’est pas la meilleure façon de garder mon affection. Il vaut mieux, dans ce cas, traiter un autre qui soit comme ça, et dans ce cas il faut « s’adresser à quelqu’un d’autre » ou quelque chose dans ce genre.

J’aime beaucoup — vraiment beaucoup — la petite Ophélia. J’apprécie beaucoup — énormément — sa nature et son caractère. Si je me marie un jour, je ne le ferai qu’avec vous. Reste à savoir si le mariage, le foyer (ou quelque autre façon dont on l’appelle) sont des choses qui se concilient avec ma vie de Pensée. J’en doute. Pour le moment, et au plus tôt, je veux organiser cette vie de Pensées et de travail qui m’est personnelle. Si je n’arrive pas à l’organiser, il est évident que je ne penserai même pas à songer  à me marier. Si je l’organise de telle sorte que le mariage me semble encombrant, il est évident que je ne me marierai pas. Mais il est probable qu’il n’en sera pas ainsi. Le futur — et il s’agit d’un futur proche — le dira.

Voilà ce que j’avais à vous dire et, par hasard, c’est la vérité. Adieu, petite Ophélia. Dormez, mangez et ne perdez pas trop de poids.

Votre très dévoué,

Fernando

Charlie Chaplin | Luzes da Cidade (City Lights)

Sinopse:

Um vagabundo (Charles Chaplin) impede um homem rico (Harry Myers), que está bêbado, de se matar. Grato, ele o convida até sua casa e se torna seu amigo. Só que ele esquece completamente o que aconteceu quando está sóbrio, o que faz com que o vagabundo seja tratado de forma bem diferente. Paralelamente, o vagabundo se interessa por uma florista cega (Virginia Cherrill), a quem tenta ajudar a pagar o aluguel atrasado e a restaurar a visão. Só que ela pensa que seu benfeitor é, na verdade, um milionário.

O Ti Aurélio | Joaquim António Ramos

O Tio Aurélio representa a antítese daquela frase feita de que marinheiro tem uma mulher em cada porto por onde costuma atracar. Muitas vezes até uma família, porque quando se passa muitos dias no mar sem fêmea à vista – nos tempos em que marinheiro não era profissão também de mulher – a urgência da carne na chegada a terra firme, por cujas docas se rebolavam mulheres apetitosas e disponíveis, não se compadecia com precauções nem meias tintas. Brancas, pretas, mulatas, cabritas, de olhos pretos como a noite ou dum azul dinamarquês. Não havia marujo português que não tivesse a fama de ter mulher e filhos em Vigo, Roterdão e Hamburgo, se a rota era para norte, ou no Funchal, no Mindelo e na Cidade do Cabo, se a rotina da navegação aproava para a costa leste de África ou para as Índias.
O Tio Aurélio cozia redes de xávega, sentado nos areais da Nazaré, fosse Inverno ou Verão, camisa de xadrez e barrete preto, calças pela canela apertadas com atilhos, sempre de beata ao canto da boca. Já há anos que não ia ao mar, que isso é tarefa para gente nova e destemida, como ele fora em tempo. Sim, o tio Aurélio já fora uma estampa de homem, forte e desempenado e, nos seus tempos áureos, fizera rebolar por baixo de si, na clandestinidade duma barraca de pano corrido ou no quarto dum hotel tolerante, mulheres suecas, francesas, dinamarquesas, inglesas ou doutras nacionalidades menos vulgares, que visitavam a Nazaré atraídas pela propaganda oficial das agências turísticas. Mas também excitadas por aquela lenda que se espalhara em surdina, da boca para o ouvido, por entre as turistas dessa Europa inteira : “ Ah, les hommes de Nazaré…, “, “Oh, dear, the men from Nazaré!”, suspiravam francesas e inglesas, de olhos saudosos e peito arfante, para as amigas, quando regressavam a casa. As suecas e dinamarquesas não imagino como suspiram, nunca lhes aprendi a fala! Mas imagino que diriam a mesma coisa, que a linguagem da paixão é universal.

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Miguel Real, filósofo: “a nossa elite é canina na obediência e macacóide face ao estrangeiro” | In jornal de Leiria

Ensaísta, romancista e escritor preconiza teorias sobre as maleitas que nos afligem e o caminho para a lucidez. “Somos um povo que acredita que, sem a cunha, sem o Euromilhões e sem Fátima não consegue passar da mediania”, afirma

Costuma dizer que uma das coisas que o aborrecem é a falta de cuidado de alguns escritores ao escrever romances históricos. Por contraste, para os seus livros, admite fazer sempre trabalhos de preparação e pesquisa exaustivos…

Um romance histórico exige uma grande investigação. Se for passado no Brasil, que é o caso do meu livro A Guerra dos Mascates [2011], implica uma ida lá e não basta “apanhar as frutas no Pão de Açúcar”, que é o que vejo que muitos fazem. Tem de se ir ao Pernambuco, à Bahia ou, no caso de se escrever sobre o padre António Vieira, a Belém do Pará, ou ao Maranhão. Tem de se investigar nos arquivos históricos de lá, porque há sempre uma série de circunstâncias que os livros de história dos investigadores não têm. Tem de se contactar com a população e apanhar o léxico da zona, com todos os lindíssimos aspectos semânticos do Pernambuco ou Maranhão. Aborrece-me imenso ler um romance histórico e ver erros clamorosos por, justamente, não ter sido feita a investigação. Um dos últimos que vi está num romance passado em São Tomé, onde um escravo negro diz ao seu senhor que “ficou gelado” quando viu a sua ama a fazer determinada coisa. Ficou… “gelado”. Isto passa-se no século XVI em São Tomé! Ficar “gelado” é absolutamente impossível. O leitor nem se apercebe porque o gelo é uma realidade dos século XX e XXI e tem gelo em casa todos os dias e não acha desconforme, mas quem é crítico literário e também autor, vê que há ali algo oco. Noutro romance que li há pouco, Vasco da Gama chega à Índia e o samorim de Calecute “oferece-lhe” uma cadeira para se sentar. Não havia cadeiras, na Índia do século XVI. Há tronos onde só o samorim se senta e as restantes pessoas sentam-se no chão, sentam-se em escanos – pequenos banquinhos -, sentam-se em almofadas, mas não há cadeiras. Ninguém vai dar cadeiras a Vasco da Gama para se sentar… ele teria, obrigatoriamente, de falar de pé, em frente ao samorim. Isto acontece não por falta de qualidade dos romancistas, mas por preguiça mental, falta de tempo e de dinheiro para ir aos locais. O autor tem de ser como um investigador da universidade. A ausência de investigação é, muitas vezes, compensada pela retórica. Muitas vezes, os autores são professores e escrevem bem, mas isso não chega para fazer um bom romance.

No seu livro o Último Europeu: 2284, faz uma série de previsões futuristas. Também fez um trabalho de pesquisa, mas virado para o futuro. Onde se inspirou para prever materiais e novos modos de interacção interpessoal?
Tinha escrito um romance sobre o terramoto de 1755 [A Voz da Terra] e constatei que tudo o que havia em Lisboa, nesse ano, hoje não existe, a não ser a pedra e restantes elementos da natureza. Não existia plástico, nem as formas de comunicação actuais – estradas e caminho- de-ferro -, electricidade, telefonia, televisão, etc. Daqui a 250 anos, no meu livro, não há carros, as estradas são uma espécie de tapetes rolantes e as pessoas já não comunicam oralmente, mas mentalmente, usando um cérebro novo, que se chama hipercórtex. Desenho uma sociedade com base em ciência que não existe hoje e que torna o Homem feliz. Mas isto acontece apenas numa parte da Europa onde vive apenas uma minoria de 100 milhões. No resto, onde vivem 400 milhões, vive-se o caos. É um cenário de utopia que vive, lado-a-lado, com a distopia.

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Cansaço | Álvaro de Campos, in “Poemas” | Heterónimo de Fernando Pessoa

O que há em mim é sobretudo cansaço —
Não disto nem daquilo,
Nem sequer de tudo ou de nada:
Cansaço assim mesmo, ele mesmo,
Cansaço.

A subtileza das sensações inúteis,
As paixões violentas por coisa nenhuma,
Os amores intensos por o suposto em alguém,
Essas coisas todas —
Essas e o que falta nelas eternamente —;
Tudo isso faz um cansaço,
Este cansaço,
Cansaço.

Há sem dúvida quem ame o infinito,
Há sem dúvida quem deseje o impossível,
Há sem dúvida quem não queira nada —
Três tipos de idealistas, e eu nenhum deles:
Porque eu amo infinitamente o finito,
Porque eu desejo impossivelmente o possível,
Porque quero tudo, ou um pouco mais, se puder ser,
Ou até se não puder ser…

E o resultado?
Para eles a vida vivida ou sonhada,
Para eles o sonho sonhado ou vivido,
Para eles a média entre tudo e nada, isto é, isto…
Para mim só um grande, um profundo,
E, ah com que felicidade infecundo, cansaço,
Um supremíssimo cansaço,
Íssimno, íssimo, íssimo,
Cansaço…

Álvaro de Campos, in “Poemas”
Heterónimo de Fernando Pessoa

ANGELISMO | Francisco Seixas da Costa in Jornal “Negócios”

Na língua portuguesa, a expressão é raramente utilizada. Angelismo é uma atitude de inocência ou credulidade, que descarta, ingenuamente, motivações mais interesseiras. Ao atentar na onda de loas com que foram recebidas as últimas declarações de Ângela Merkel sobre a Europa, claramente sugerindo a Alemanha como impulsionador de um processo de autonomização em matéria de defesa e segurança, perguntei-me se não estaríamos a embarcar num novo «angelismo», desta vez com etimologia derivada de Ângela e já não de anjos. Mas, no segundo seguinte, também me interroguei sobre que outras alternativas estão disponíveis no mercado de alianças.

Donald Trump, na brutalidade de muitas das suas posturas, tem a curiosa vantagem de tornar as coisas muito simples, por mais complexas que elas sejam. A nova América projeta uma agenda de afirmação nacional de interesses com imensa transparência, descurando deliberadamente a retórica acomodatícia de que, por muitos anos, se alimentou o «politicamente correto» das relações internacionais. Trump diz ao que vem: o relacionamento externo da «sua» América far-se-á exclusivamente nos termos que melhor corresponderem aos seus objetivos nacionais. E di-lo «alto e bom som», para óbvios efeitos internos, com isso reduzindo muitas das hipóteses de recuo ou compromisso.

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