PRECISAMOS MESMO DE UM NOVO AEROPORTO? | RAZÃO E PRECONCEITO | por Viriato Soromenho Marques – DN

Como disse Einstein: “É mais fácil desintegrar um átomo que um preconceito”. Sobretudo, quando o preconceito alimenta uma restrita, mas influente, rede de interesses envolta na retórica do interesse nacional.»

«Numa notável crónica, Daniel Deusdado demonstrou de modo fundamentado e convincente a insensatez da insistência em construir na Margem Sul qualquer aeroporto complementar ao da Portela (DN, 07 03 2021). Mesmo antes da pandemia, todo este processo – que agora ainda fica mais desfocado com o ressuscitar da falsa opção entre Montijo e Alcochete – estava à partida programado para dar um resultado favorável, independentemente dos fortíssimos factores contrários: as irregularidades no processo de avaliação ambiental (tanto na vertente da protecção da biodiversidade como dos impactos das alterações climáticas); a falta de objectividade do Ministério do Ambiente; as objecções dos representantes dos pilotos sobre os enormes riscos colocados à segurança de aeronaves e passageiros; uma análise custo-benefício irrealista…

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Viriato Soromenho Marques | O melhor da condição humana | in DN/Opinião, 22 Abril 2023 

Quando a política entra demasiado nas nossas vidas, causando guerra e sofrimento, em vez de paz e justiça, isso significa, quase sempre, que aqueles a quem foram entregues os destinos dos povos estão a trair, por motivos diversos, a confiança que lhes foi depositada.

Hoje quero sair desse pior da humanidade – a má política feita por gente que sem ela seria invisível – para dar lugar ao melhor da humanidade, aquela que se transcende pela arte, pela poesia, pelo pensamento.

Noite de estreia da peça de Florian Zeller, O Filho, no Teatro Aberto em Lisboa. Quando o pano caiu na última cena, o público permaneceu num silêncio hirto e comovido, apenas quebrado por um longo e reiterado aplauso, quando os atores se apresentaram, finalmente, perante os espectadores. Depois do imenso sucesso de A Mãe (2010) e de O Pai (2012), O Filho (2018) é claramente a obra mais trágica da trilogia de Zeller. Um enredo simples: um pai (Paulo Pires) separa-se da sua mulher (Cleia Almeida) para começar uma nova relação (Sara Matos). Um filho adolescente (Rui Pedro Silva), vivendo com a mãe, afasta-se da escola e dá sinais de desinteresse pela vida. O pai e a nova companheira recebem o filho, empenhando-se para o apoiar. Só falta o coro para declarar o império do destino… Numa entrevista, Florian Zeller explica como o pai é o agente maior desse processo. Ele está de tal modo convicto da sua culpa que descarta outros apoios, nomeadamente médicos, para o mal do filho, tomando decisões erradas. Diz Zeller: “é ao lutar [o pai] com todas as forças contra o seu destino que o cumpre inescusavelmente.” O excelente desempenho dos atores é servido por uma versão, cenografia e encenação de grande qualidade da responsabilidade de João Lourenço e Vera San Payo de Lemos.

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Entre Clausewitz e a roleta russa | Viriato Soromenho Marques | Opinião/DN

Nunca como hoje se tornou tão profundo o abismo entre a gravidade do mundo e a superficial banalidade de quem o deveria governar.

Nunca como hoje se tornou tão profundo o abismo entre a gravidade do mundo e a superficial banalidade de quem o deveria governar. Há 45 anos, no nosso campo ocidental, até os políticos profissionais perceberiam que numa guerra entre potências nucleares não poderá haver vencedores, apenas vencidos. Hoje, até os “peritos” contratados como consultores dos governos disfarçam a sua ignorância do que está em causa sob o manto postiço de uma convicta determinação.

A encruzilhada entre a guerra e a paz sempre foi a magna questão da vida dos povos. Os indivíduos aceitaram o jugo dos Estados pela promessa da segurança das suas vidas e bens. O mestre incontestável na compreensão da essência da guerra foi um general prussiano, Carl von Clausewitz (1780-1831), que passou pelos campos de batalha contra a França revolucionária e depois napoleónica. Vencida a Prússia pelo Corso, em 1806, Clausewitz continuaria a sua luta nas fileiras do império russo. Mas a sua herança foi o seu livro fundamental, Da Guerra (Vom Kriege), que a sua mulher publicou em 1832.

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O HOMEM QUE SALVOU O MUNDO – Stanislav Petrov | Viriato Soromenho Marques | Opinião/DN

Quase duas gerações depois do fim da guerra-fria, eis-nos de regresso a uma escalada bélica que tem como limite a sombria possibilidade de uma hecatombe nuclear.

Num artigo recente no Financial Times, John Tornhill analisava o debate que está a ser travado nos EUA para dar mais tempo aos decisores que sejam confrontados com um aviso, eventualmente falso, de ataque com mísseis balísticos, de modo a evitar o risco de uma guerra por acidente. Tornhill recordou, a propósito, a decisão do tenente-coronel soviético Stanislav Petrov (1939-2017), que em 26 de setembro de 1983 terá evitado a morte violenta de centenas de milhões de pessoas.

Em 1983 as tensões entre o Ocidente, liderado pelos EUA do vigoroso Reagan, e a URSS do debilitado Yuri Andropov estavam num pico de tensão alarmante.

Como se não bastasse a corrida aos armamentos na Europa – a chamada crise dos euromísseis – a 1 de setembro o voo 007 das Korean Air Lines, depois de ter violado o espaço aéreo soviético, acabou por ser abatido pela aviação de Moscovo. Os erros de navegação do avião civil e a precipitação do piloto do SU-15 transformaram um incidente menor numa tragédia em que pereceram 269 pessoas.

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SABOTAGEM CORTA CORDÃO ENERGÉTICO DA EUROPA | Dentro do pandemónio | Viriato Soromenho Marques | in Opinião DN

A sabotagem dos pipelines Nordstream 1 e 2 cortou brutalmente o cordão umbilical energético da Alemanha com a Rússia. Parece óbvio para todos de que se trata de terrorismo com origem num “ator estatal”, como disseram de imediato os responsáveis dinamarqueses e suecos. Inevitavelmente, Zelensky acusou a Rússia. Mas esse reflexo de Pavlov carece de justificação.

Seria totalmente irracional que Moscovo destruísse não apenas uma copropriedade onde investiu 475 mil milhões de rublos, mas, sobretudo, seria absurdo que anulasse o seu instrumento principal de pressão contra as sanções da UE. Sem pipelines, Moscovo e Berlim ficam em mundos paralelos.

O jornal ECO noticiava que num tweet, Radoslaw Sikorski – ex-Ministro da Defesa e ex-MNE polaco, eurodeputado do PPE, e um peso pesado na política global -, agradeceu aos EUA os danos causados aos pipelines russos. Noutro tweet, Sikorski explicava que os “danos no Nordstream reduzem o espaço de manobra de Putin. Se quiser retomar o fornecimento de gás à Europa, terá de conversar com os países que controlam os gasodutos Brotherhood [Ucrânia] e Yamal [Polónia]”.

O “agradecimento”, gravemente acusatório a Washington, vindo de um seu fã incondicional, apenas o compromete a ele. Contudo, revela também como os demónios europeus estão à solta. O ódio à Alemanha, e não apenas à Rússia, faz hoje parte integrante da política oficial em Varsóvia, como ficou demonstrado no renovado pedido a Berlim por indemnizações pelas perdas da II Guerra Mundial.

A UE, que alguns adeptos do Dr. Pangloss consideram mais forte e unida do que nunca, recebe hoje sinais de menosprezo das chancelarias por esse mundo fora. Com a CE de Von der Leyen, a “Europa Alemã”, que segundo o malogrado Ulrich Beck resultou da gestão da crise do euro por Angela Merkel, está febril. Para merecer respeito em política é preciso conhecer os seus interesses cruciais. E saber defendê-los. A resposta europeia à invasão russa da Ucrânia foi desmesurada, ignorou completamente interesses e fragilidades, curvando-se num servilismo acrítico perante Biden. A coligação de Berlim destruiu, de um golpe, os alicerces de uma UE liderada pela Alemanha: segurança de abastecimento energético; estabilidade do euro; alguma (frágil) capacidade de manobra dentro da NATO. Sem estratégia e à deriva, os próximos meses dirão até que ponto é que a estrada de autoflagelação europeia terá alguma margem de mitigação.

A política em Portugal isolou-se numa exígua redoma de minudências. Os assuntos na agenda política minguaram. Para além de aceitarmos incondicionalmente a política monetária do BCE, já desistimos também de ponderar nas políticas externa e de defesa. Estamos a caminhar para uma situação em que a possibilidade de uma guerra nuclear limitada na Europa vai em crescendo. E perante tal enormidade, escutamos o PM e o MNE a repetirem, mecanicamente, os mantras de Josep Borrell e de Jens Stoltenberg. Nem uma hesitação. Nem uma dúvida. Fica-nos como magna questão nacional, a eterna localização do novel aeroporto de Lisboa. Mesmo sem devastação bélica, a Europa empobrecida talvez acabe até por tornar excessiva a atual capacidade da Portela. As torneiras que a Espanha fechou no Douro, congelando, com aviso prévio, a Convenção de Albufeira, dão-nos uma amostra da abundante solidariedade que nos aguarda num futuro cada vez mais fustigado pela crise ambiental e climática. Portugal foge da realidade, mas esta nunca se esquecerá de nós.

DOS LIMITES POLÍTICOS DA GUERRA | Viriato Soromenho Marques | in Opinião/DN

Os peritos militares que durante a guerra-fria aconselharam os governos, olhariam para o que está a suceder com a atual guerra na Ucrânia com incredulidade. A razão por que nunca os EUA e a URSS, mais a multidão dos Estados seus dependentes, chegaram a um conflito direto foi a convicção, partilhada em Moscovo e Washington, de que uma guerra central dificilmente poderia ser controlada.

A escalada, isto é, a subida de intensidade no conflito acabaria por conduzir ao colapso infernal de uma destruição mútua assegurada com o uso generalizado de armas atómicas.

Uma forma de homenagear a memória de Gorbachev será a de recordar que um dos seus méritos foi o de ter recusado a perigosa ilusão de que seria possível travar uma guerra nuclear limitada à Europa central (afetando “apenas” a RFA, a RDA, a Checoslováquia e a Polónia).

Na verdade, até ao quebrar do gelo entre a OTAN e o Pacto de Varsóvia pelas iniciativas de paz de Gorbachev, estavam vigentes, tanto a Ocidente como a Leste, doutrinas militares ofensivas que previam o eventual uso de armas nucleares táticas no próprio campo de batalha.

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O futuro, segundo Maria de Lourdes Pintasilgo | Por Viriato Soromenho Marques | in DN

O Museu da Presidência da República (MPR) tem aberta ao público, até 31 de agosto, uma notável exposição dedicada à figura singularíssima daquela que foi a primeira mulher portuguesa pioneira em várias funções, nomeadamente a de primeiro-ministra: Maria de Lourdes Pintasilgo. Mulher de um Tempo Novo. Para a levar a cabo, e sob coordenação da sua diretora, Maria Antónia Pinto de Matos, o MPR recorreu ao concurso de várias entidades da esfera social e académica, reunindo também os contributos de várias dezenas de ensaios e testemunhos, onde se incluem textos do próprio presidente Marcelo Rebelo de Sousa, de António Ramalho Eanes e de António Guterres. Um extenso e muito bem concebido Catálogo permite guardar, não apenas na memória, o espólio exposto.

Nos doze anos que medeiam entre o 25 de Abril e a entrada na CEE, o país oscilou numa arriscada situação de impasse entre vários caminhos possíveis, à semelhança do que tinha ocorrido na década após a independência do Brasil, quando Almeida Garrett publicou o livro Portugal na Balança da Europa (1830). Ao contrário das dúvidas alimentadas pelos nossos intelectuais e políticos no século XIX, depois de abril de 74, a Europa comunitária aparecia como um cada vez mais consensual e inevitável destino nacional. Lembro-me de várias vezes ter lido textos de MLP criticando a orientação cada vez mais mercantilista e financeira do rumo europeu, em detrimento das vertentes social e cívico-política que estiveram na raiz do empenhamento de tantos dos militantes da Europa nas ruínas de 1945. MLP correspondia bem ao lema da filosofia de Ernst Bloch (1885-1977) para quem a consciência humana, por ser “uma consciência antecipativa”, está sempre projetada para o devir.

A religião não era propriamente uma Revelação tranquilizadora, mas antes um imperativo de ação em conformidade com valores de justiça e fraternidade.

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Sanções à Rússia ou “fogo amigo”? | por Viriato Soromenho Marques | in Opinião/ DN

Não é preciso ser praticante de artes marciais orientais para compreender que num combate temos de ser capazes, não apenas de antecipar os golpes do adversário, mas também de evitar que a desmesura da nossa resposta possa favorecer o nosso oponente. A questão da análise das sanções energéticas à Rússia carece, claramente, de uma avaliação de risco.

Desde pelo menos 2007, quando a Comissão Europeia (CE) lançou a sua estratégia de Energia e Clima, que o tema da dependência europeia da Rússia em combustíveis fósseis (carvão, crude e gás natural) era objeto de ponderação crítica.

Países como a Alemanha foram frequentemente alertados para o perverso efeito retardador que essa dependência implicava para uma descarbonização mais rápida, assim como para o risco de uma eventual rutura de abastecimento poder ser usada como chantagem política pelo Kremlin.

Hoje, a situação inverteu-se. Com a invasão russa da Ucrânia é a UE que pretende cortar amarras com os fornecimentos russos, de modo a enfraquecer financeiramente o esforço de guerra de Moscovo.

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A paz antes da justiça | Viriato Soromenho Marques | in Diário de Notícias

Sobre as razões da desordem do mundo, o nosso Padre António Vieira (1608-1697) soube definir com clareza, não só as duas categorias principais que permitiriam substituir o caos pela ordem como também a respetiva prioridade entre elas: “Abraçaram-se a justiça e a paz, e foi a justiça a primeira que concorreu para este abraço. Porque não é a justiça que depende da paz (como alguns tomam por escusa) senão a paz da justiça” (Sermão ao Enterro dos Ossos dos Enforcados).

A tese de que é à justiça que cabe criar as condições para a paz, parece ser confirmada tanto pela razão como pela longa experiência da história doméstica dos povos. A injustiça praticada por classes e fações sobre outras pode conviver, temporariamente, numa aparente ausência de conflito, mas nunca como uma paz solidamente ancorada. Contudo, já no plano internacional essa regra não se aplica universalmente. Vejamos o caso da guerra que nos tira o sono. A invasão russa da Ucrânia configura o crime de agressão de um Estado a outro, curiosamente, introduzido no direito internacional depois da II guerra mundial pela ação do jurista soviético Aron Trainin (1883-1957).

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Sair do labirinto | Viriato Soromenho Marques | Opinião / DN

Com a brutalidade da guerra em crescendo, aumenta a constatação de vivermos num sistema internacional espectral. As Nações Unidas, construídas no culminar da experiência dolorosa da II Guerra Mundial, têm manifestamente vindo a perder força e crédito, muito embora a sua permanência, mesmo frágil, seja infinitamente preferível ao vazio de uma anarquia nua, sem uma ágora onde, pelo menos, o direito à lamentação pública seja contemplado. Dito de outro modo, as relações internacionais efectivas – tendo como protagonistas os Estados e outros actores globais não-estaduais – não têm hoje um sistema eficaz de regulação que lhes preste o serviço fundamental de gerar equilíbrio, gerir conflitos, preservar e fomentar a paz sob todas as suas formas.

Construir o edifício de um sistema internacional não é coisa nem fácil nem banal. Nos últimos quatro séculos apenas foram construídos três. O sistema de Vestfália (1648); o sistema de Viena (1815); e o actual sistema das Nações Unidas (1945). Em todos os casos, o padrão é semelhante: as regras de uma nova ordem só ocorrem depois de um longo e sangrento lavrar do caos: a Guerra dos Trinta Anos, para nascer Vestfália; quase duas décadas de campanhas napoleónicas, até que Metternich pudesse desenhar uma nova geografia política da Europa e arredores; a Segunda Guerra dos Trinta Anos- designação popularizada por Winston Churchill para designar uma leitura conjunta das violentas décadas entre 1914 e 1945 – até às Nações Unidas e a sua Carta. As analogias, por mais que fascinem a nossa natural sede de compreensão, não nos podem levar a esquecer as diferenças. Quem considere ser de esperar que esta guerra tenha de seguir o seu curso de destruição até que uma nova ordem se possa reerguer, está a esquecer que uma guerra central entre potências nucleares apenas trará consigo a paz eterna dos cemitérios.

Por isso tenho defendido a prioridade de travar diplomaticamente a guerra. Pois é aí que está o rastilho aceso que pode incendiar o mundo e deitar tudo a perder. Sem a morte à solta, haverá mais condições para discutir tudo. Apesar das suas limitações, o actual sistema das Nações Unidas parece-me ainda possuir virtualidades para acomodar a realidade do mutante mundo de hoje, que se define por dois desafios: aceitar o facto da multipolaridade; perceber que a ameaça existencial da crise ambiental e climática exige uma cooperação compulsória das grandes e das pequenas potências, sob pena de sucumbirmos juntos sob o peso do fracasso. O miraculoso e pacífico final da Guerra Fria, ofereceu o momento ideal para operar as reformas do sistema internacional. No fundo, tratar-se-ia de retomar o espírito de F.D. Roosevelt, que, quando os EUA eram a superpotência sem rival, representando 50% da economia mundial e tendo o monopólio das armas atómicas, preferiu partilhar institucionalmente o poder – através do sistema das Nações Unidas – em vez de o exercer unilateralmente. Infelizmente, não foi esse o caminho que o mundo seguiu. A agressão russa da Ucrânia, eticamente repugnante e politicamente condenável, não pode ser separada do saldo negativo resultante da desastrada quimera unipolar perseguida pelos EUA nos últimos 25 anos. Pensar que aquilo que consideramos ser o nosso interesse pode ser a medida da ordem mundial não é só egoísmo. É um erro grosseiro. Na Terra, que tornámos tão frágil, só a aliança entre poder e generosidade estratégica é realista. Dela depende a possibilidade de um futuro habitável.

Lições antigas para salvar a paz global | por Viriato Soromenho Marques | Opinião/ DN

Entre 1983 e 1985 estudei obsessivamente a possibilidade de uma guerra nuclear na Europa. A crise dos euromísseis – opondo os SS 20 soviéticos aos mísseis de cruzeiro e aos Pershing 2 norte-americanos – reflectia a escalada agressiva dos dois lados da Guerra Fria, podendo resvalar para uma guerra nuclear limitada a um teatro centro-europeu. No Verão de 1983, o tema mais popular nas discotecas alemãs – da autoria de um grupo de rock de Bochum, Geier Sturzflug – intitulava-se “Visite a Europa enquanto ela ainda está de pé”… A recusa da guerra levava milhões de alemães, e outros europeus, à rua, e mesmo em partidos de governo existiam vozes, como a do presidente do estado federado do Sarre, Oskar Lafontaine (do SPD), que colocavam em causa a pertença de Bona à NATO. Em 1985, poucos antes da subida de Gorbachev ao poder, publiquei um livro sobre o que aprendera nessa viagem sobre o universo da guerra no tempo das armas atómicas. A mais importante lição foi a de perceber que a guerra nuclear é uma forma extrema de desmesura. Ela é o modo final e distópico da razão instrumental. Os estrategistas, durante os 40 anos da Guerra Fria, tentaram, em vão, racionalizar aquilo que está no plano da desrazão. A conclusão a que se chegou, a leste e a oeste, foi a de que para evitar a guerra nuclear seria necessário manter canais de diálogo e cooperação com o potencial inimigo, para evitar aquela que seria a última das guerras, pois traria, com a destruição mútua assegurada, o fim da própria civilização. Os sobreviventes amaldiçoariam a sua própria sobrevivência.

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A GUERRA DAS PAIXÕES | por Viriato Soromenho Marques | Opinião / DN

Há muitos anos, numa biblioteca da Berlim ainda dividida, perdi a pouca inocência que ainda me restava acerca da eventual superior capacidade que os intelectuais teriam – em comparação com a maioria esmagadora das pessoas que não são pagas para pensar criticamente – de, perante uma situação extrema, manter a capacidade de análise para a qual foram educados e treinados.

Consultando revistas filosóficas, alemãs e francesas, publicadas na I Guerra Mundial, surpreendi algumas antigas e futuras vedetas filosóficas, das duas margens do Reno, a juntarem as suas penas agressivas ao esforço bélico dos seus exércitos, chegando mesmo a dar crédito à propaganda mais descarada que, como estamos outra vez a recordar com a guerra na Ucrânia, consegue ser uma arma de destruição maciça, nesse campo de batalha onde se ganha e perde a adesão dos espíritos.

A invasão russa da Ucrânia provocou uma tempestade emocional nalguns dos nossos comentadores da imprensa e do audiovisual, que está a atingir os limites da decência.

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GUERRA NA UCRÂNIA | BAIXAS E DANOS DA PRIMEIRA VAGA | Viriato Soromenho Marques – Opinião/DN

A guerra pela Ucrânia continua a ser travada sobre um campo de gelo muito fino. Os erros de cálculo, combinados com gestos arriscados, como é o caso de transformação de centrais nucleares em palco de combates, tornam difícil vislumbrar até o futuro imediato. Muito embora não existam dados objetivos suficientes para perceber o verdadeiro plano operacional inicial de Putin, a simples constatação de 15 dias após a ofensiva a situação militar ter entrado numa espécie de pausa parece indicar que ele subestimou a capacidade de resistência das forças armadas da Ucrânia.

Contudo, o facto de uma coluna militar russa de 64 quilómetros se arrastar há muitos dias numa manobra de cerco de Kiev, sem ser importunada pela aviação ucraniana, e de cada vez mais os civis se juntarem à luta parece indicar que no ar e em terra o primado da iniciativa militar pertence inteiramente à Rússia. A multiplicação de iniciativas diplomáticas, e a clara redução do ritmo da ofensiva podem significar que Moscovo quer diminuir as suas baixas, mas também evitar precipitar-se numa batalha decisiva por Kiev. Se o quisesse, a Rússia poderia arrasar a capital ucraniana.

Todavia, com o permanente fluxo de armas sofisticadas da NATO a chegar aos resistentes, essa batalha seria uma hecatombe sangrenta, transmitida em direto pelas televisões do mundo inteiro. Putin percebe bem, até pela catadupa de sanções, que uma vitória brutal teria a longo prazo um sabor amargo de quase derrota.

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DERROTA MÚTUA ASSEGURADA | Viriato Soromenho Marques

Opinião / DN

Entre a chegada de Gorbachev ao poder em Moscovo (1985) e a dissolução da URSS (1991) assistimos a um acontecimento sem paralelo na história mundial: um império colocou à frente da sua própria sobrevivência, o interesse da humanidade, evitando uma guerra nuclear generalizada que conduziria a uma “destruição mútua assegurada” (mutual assured destruction).

A liderança de Gorbachev salvou a paz no mundo, mas com um custo doloroso para a o povo russo. Na nova Rússia, do centralismo estalinista e de economia planificada, transitou-se para um centralismo autocrático e para um capitalismo brutal e oligárquico. Entre 1991 e 1994 a esperança de vida na Rússia diminuiu 5 anos…

Do lado ocidental, depois da simpatia inicial por Gorby, ganhou a tese de que a Rússia tinha perdido a guerra-fria, podendo doravante ser ignorada. Apesar das promessas de que a reunificação da Alemanha não implicaria o alargamento para leste da NATO, a verdade é que esta se efectuou em duas fases principais (1999 e 2004), integrando uma dezena de aliados do ex-Pacto de Varsóvia, e mesmo ex-repúblicas soviéticas, como foi o caso dos Estados bálticos. Como brilhantemente percebeu José Medeiros Ferreira (ver seu artigo de 20-02-2007 no DN), num “discurso histórico” numa conferência de segurança em Munique (10-02-2007), Putin interrompeu 15 anos de “hibernação” russa: os interesses e a segurança da Rússia não poderiam continuar a ser ignorados nas decisões dos EUA e aliados. Contudo, em 2008, a Geórgia e a Ucrânia foram convidadas a aderir à NATO.

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A teologia de Jesus | por JOSÉ BRISSOS-LINO in Revista Visão 16.02.22 | sobre texto de Viriato Soromenho Marques

Se um dia boa parte dos teólogos e das igrejas cristãs tiverem a coragem de se centrar efectivamente no discurso e obra do Mestre de Nazaré, deixando de lado o corpo das respectivas tradições, terão um choque ao verificar quão distantes se encontram daquilo a que podemos chamar a teologia de Jesus.

Grande parte das atuais controvérsias no campo religioso cristão, mas também das tensões entre este e o mundo secular relacionam-se com aquilo que S. Paulo denomina “preceitos e doutrinas de homens”: “As quais coisas todas perecem pelo uso, segundo os preceitos e doutrinas dos homens. As quais têm, na verdade, alguma aparência de sabedoria, em devoção voluntária, humildade, e em disciplina do corpo, mas não são de valor algum senão para a satisfação da carne” (Colossenses 2:22,23). Com efeito, o que os textos neotestamentários nos fornecem relativamente tanto à palavra como à ação do Cristo dos evangelhos, parece ir em contramão com a pregação, os preceitos e a praxis do cristianismo como o conhecemos, nas suas diferentes versões.

Em obra recentemente publicada (“A Teologia de Jesus: Tudo o que o Mestre falou”, Lisboa: Ed. Univ. Lusófonas, 2021) e que Viriato Soromenho Marques me deu a honra de prefaciar, procurei abordar a questão, com apoio de um esforçado colaborador nesta investigação (Vitor Rafael).

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Basta olhar em volta | Viriato Soromenho Marques | in Revista Visão

A seu modo Não Olhem para Cima é uma reflexão sobre a fase terminal da era do niilismo em que há muito entrámos. Cuja porta de saída nos obriga a pensar se alguma vez a liberdade humana foi algo mais do que uma ilusão.

Quando em 15 de Outubro de 1940, O Grande Ditador, de Charlie Chaplin, estreou nas salas de cinema dos EUA não sei se o público terá sentido aquele libertar de tensão que esse imorredoiro e inspirado filme merece, quando apreciado a uma distância temporal conveniente. Nessa altura, apesar de os EUA não terem ainda entrado diretamente no conflito, os tambores de guerra ouviam-se já, tanto dos lados do Atlântico como das bandas agitadas do Pacífico. Apesar do desejo de paz, os cidadãos norte-americanos devem ter sentido alguma amargura perante a caricatura de Hitler, que na altura tinha a Europa a seus pés, com a exceção da Grã-Bretanha de Churchill.

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A EUROPA EM NEGAÇÃO – UMA CEGUEIRA VOLUNTÁRIA | por Viriato Soromenho Marques

Uma união em negação

por Viriato Soromenho Marques

DN/Opinião

Apolítica europeia parece cada vez mais embarcada na construção de efeitos especiais, apresentados como se fossem realidades objetivas, sendo isso servido por uma enfática apologia de “valores europeus” que, depois de retirada a espuma retórica, se verifica não passar de um exercício narcisista de autocomprazimento.

A conduta política europeia constitui uma penosa recusa de enfrentar os riscos do futuro. Não se percebe como poderá surgir a lucidez e a coragem para os diagnosticar e combater, ou para os assumir como uma consequência inevitável da deliberada manutenção da UE nesta instável encruzilhada.

Estagnámos entre o completar das reformas indispensáveis para democratizar e salvar a UE ou o assumir resignado do falhanço da integração europeia, com o turbulento e devastador regresso à balança do poder dos Estados nacionais.

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BATER NO FUNDO | Soromenho Marques | in Jornal DN

«Faltou a bola vermelha no canto superior direito na transmissão do debate presidencial entre Trump e Biden. Aquele deplorável choque de anciãos, marcando pontos num pugilato verbal de mentira, ignorância e desprezo por quem se deu ao trabalho de os ver e escutar, merecia ter um aviso desaconselhando os jovens e as almas mais frágeis.

Quase duas horas a escutar aqueles improváveis campeões da política de Washington podem levar muitos a perder o pouco de confiança que ainda possa restar na humanidade. Trump foi igual a si próprio, um vulcão de descabelado narcisismo, ancorado numa autoconfiança postiça, que indicia uma tortuosa história clínica para biógrafos e outros curiosos. Biden fez a prova de vida que muitos duvidavam ser possível.O que a aldeia global assistiu foi ao aparente certificado de óbito do sonho americano, à sua crescente transformação em pesadelo.

No debate Trump-Biden corporizaram-se dois dos principais temores dos antigos autores, que no debate constitucional fundacional de 1787-1788 ficaram conhecidos como “antifederalistas, sendo o primeiro o risco de a figura do Presidente federal poder transformar-se, nas mãos de um candidato a tirano, num perigo para as liberdades públicas. Sem qualquer rebuço, Trump mostrou que não vai respeitar os resultados eleitorais se estes não lhe forem favoráveis. Explicou que irá tratar os juízes do Supremo Tribunal, destinados a serem intérpretes isentos da Constituição, como cúmplices de fação para invalidar a expressão da vontade popular.

Recusou-se a condenar as milícias da “supremacia branca”, falou sempre e só para o seu exército de obedientes seguidores, deixando latente o possível recurso à violência para se manter no comando.O segundo receio dos antifederalistas veio à evidência quando o pivô da Fox News, Chris Wallace, interrogou os dois candidatos sobre se acreditavam na responsabilidade humana pelas alterações climáticas.

A pergunta é idiota, mas, pior ainda, foi a primeira vez em 20 anos (desde o debate Gore-Bush) que num pleito televisivo presidencial o tema foi aludido! Trump reiterou a insensatez habitual e Biden acentuou a sua recusa do Green New Deal, para fugir do embaraço de poder ser conotado com a esquerda do seu partido.Como é possível que num mês em que os EUA foram atingidos com particular violência por fenómenos extremos – incluindo incêndios apocalípticos que puseram em fuga, só no Oregon, meio milhão de pessoas (mais de 10% da população do Estado!) – estes candidatos tratem das alterações climáticas como tema menor? Isso ocorre porque, como temiam os antifederalistas, o sistema político federal foi capturado pelos grandes negócios.

Os EUA aparentam ser hoje uma democracia em decomposição, transmutada em plutocracia, e isso embacia qualquer visão lúcida do futuro.Em 1990 assistimos ao milagre da implosão pacífica do império soviético. Esperemos que um milagre ainda maior possa ocorrer para evitar a explosiva desintegração dos EUA. Caso contrário, não faltarão estilhaços cortantes a irromper em todas as direções.»

VIRIATO SOROMENHO MARQUES

Retirado do Facebook | Mural de Carlos Fino

O paradoxo político de Lutero | Viriato Soromenho Marques in “Diário de Notícias”

Ontem, dia 31 de outubro, cumpriram-se 500 anos sobre o início da Reforma Luterana: a publicação na porta da Igreja do Castelo de Wittenberg das suas 95 teses contra as indulgências. Em poucos anos, o que era um protesto aparentemente localizado e sectorial contra um cristianismo ocidental romano, já com frestas mas ainda unificado, transformou-se num poderoso e plural movimento que iria cindir, violenta e definitivamente, não só o cristianismo como a política, a sociedade e a cultura do Velho Continente. Se os Descobrimentos de Portugal e Espanha tinham levado a Europa a outros mundos, Lutero contribuiu para despertar os diferentes e contraditórios mundos que se escondiam sob a aparente unidade medieval europeia. A Reforma continua a marcar-nos as vidas, mesmo sem disso termos consciência.

A maior singularidade paradoxal de Lutero, mesmo perante outros reformadores, reside no pensamento político. No seu combate à hierarquia católica e ao Papado, Lutero retirou à Igreja qualquer estatuto de privilégio. Os pastores deixaram de constituir uma “ordem” ou “estado” (Stand), como ocorria na mundivisão medieval dos três estados (clero, nobreza e povo), para preencherem um mero “cargo” (Amt). Eram funcionários submetidos ao poder da autoridade secular. Esta tese da subordinação da Igreja ao Estado foi, contudo, radicalizada pelas próprias circunstâncias da Reforma que colocaram Lutero totalmente na dependência da proteção dos príncipes feudais de uma Alemanha politicamente fragmentada. Perseguido pelo Papa e pelo Imperador Carlos V, Lutero teve de fazer uma escolha brutal e sem retorno em 1525. Nesse ano, vastas partes do território alemão foram percorridas por uma revolta social camponesa, liderada em muitos casos por frades e padres próximos do pensamento de Lutero, como foi o caso do teólogo Thomas Müntzer. Esses camponeses pretendiam algumas alterações modestas no estatuto de servidão. Tinham mesmo um programa com 12 artigos. Depressa, todavia, os protestos pacíficos degeneraram em violência. Perante isso, Lutero foi forçado a intervir. Em poucas semanas, a sua posição passou de um apelo à pacificação para uma firme tomada de partido pelos príncipes, concretizada nalgumas das páginas mais iradas e violentas escritas na língua alemã (de que ele é também um dos principais fundadores). Os camponeses foram esmagados na batalha de Frankenhausen. Entre as cem mil vítimas da repressão contava-se Müntzer.

Este episódio ajudou a radicalizar a teoria luterana dos “dois reinos” (Zwei Reichen), de acordo com a qual o bom cristão deveria uma obediência incondicional às autoridades civis. O cristão era libérrimo na Igreja, mas ficava agrilhoado na esfera política. Ironicamente, o mesmo homem que enfrentara como rebelde os maiores poderes religiosos e seculares do seu tempo, e que pregara a absoluta igualdade dos cristãos, acabou, no plano político, por dar uma chancela teológica ao poder arbitrário da aristocracia feudal que se manteria por longos séculos na Alemanha. A tendência dominante da modernidade consistiria – seja no catolicismo de Francisco Vitoria e da Escola Ibérica da Paz seja no protestantismo de Calvino ou John Knox – em aproximar a Cidade de Deus da Cidade dos Homens. Pelo contrário, ao idealizar a sua aliança conjuntural com os príncipes, justificada pela sobrevivência física pura e simples, numa doutrina teológica de temor reverencial pelo poder de César, Lutero deixou uma trágica semente de obediência irrestrita na cultura política germânica, com tristes consequências em toda a Europa.

Viriato Soromenho Marques

Retirado do Facebook | Mural de Carlos Fino

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A Reforma do Parlamento Português, de António José Seguro

PrintO livro de António José Seguro aborda, de forma pioneira e com minúcia de dados, um tema fundamental no funcionamento das democracias de hoje, e da portuguesa especialmente – o do controlo do Governo perante o Parlamento e, consequentemente, o do poder relativo de que as maiorias e minorias (ou da maioria e da oposição) dispõem no hemiciclo.

No presente quadro parlamentar saído das últimas eleições legislativas e, ao mesmo tempo, assinalando os 40 anos da Assembleia da República, este livro de António José Seguro é mais atual do que nunca.

Lançamento no dia 10 de março, às 18h30, no Auditório 2 da Universidade Autónoma de Lisboa. O livro será apresentado por Viriato Soromenho-Marques. A sessão conta com intervenções de André Freire e Manuel Meirinho Martins.

«Muito bem ancorado teoricamente, o trabalho de António José Seguro permite demonstrar que a tese sobre o declínio dos parlamentos […] é no mínimo parcial.»
André Freire, Professor Associado com Agregação em Ciência Política do ISCTE-IUL

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Lusofobia | Viriato Soromenho Marques in Diário de Notícias

Viriato-Soromenho-MarquesLula da Silva escolheu a Espanha para reativar um dos tiques culturais de alguma elite brasileira contra o colonizador português. Culpou Portugal pelo facto de a primeira universidade brasileira ter sido fundada apenas em 1922. Para além de ignorar as iniciativas lusas em matéria de ensino superior, em 1792, no Rio de Janeiro (Ciências Militares), e em 1808, na Bahia (Medicina), Lula fez cair para cima da herança lusa um século de independência brasileira (1822-1922). Como Pedro Calafate tem escrito, a procura de um paradigma não português para inspiração cultural alternativa atravessa todo o século XIX do país irmão. Não só o positivismo francês, imortalizado na bandeira nacional adotada em 1889, como um germanismo mítico, com Tobias Barreto, ou um indigenismo romântico em Gonçalves de Magalhães e Oswald de Andrade (tupi or not to be…). Contudo, Lula ignora os grandes vultos contemporâneos da Academia brasileira. Não só o luso tropicalismo de Gilberto Freyre, como os trabalhos monumentais de Sérgio Buarque de Holanda, Caio Prado Jr. e Darcy Ribeiro. Lula ignora que em 1815 o Brasil ganhou o estatuto de reino. E que a história de Pedro I, imperador do Brasil, que foi também Pedro IV de Portugal, é uma singularidade irrepetível na história universal. Ignora que a Universidade de Coimbra (depois do fecho da de Évora) foi a única para todo um império pobre. Contudo, foi esse espírito coimbrão, que unia a elite brasileira, coeva de José Bonifácio, aliado à sábia estrutura administrativa portuguesa, que garantiu – em contraste com a total fragmentação da América Espanhola – a unidade do Brasil. Os pobres portugueses asseguraram a integridade desse chão que fará do Brasil uma das grandes potências mundiais do século XXI. Basta que o seu grande povo escolha líderes capazes de cultivar a história, em vez de a tratarem com os pés.

Fonte: http://www.dn.pt/opiniao/opiniao-dn/viriato-soromenho-marques/interior/lusofobia-4957487.html

A Rússia não faz milagres | VIRIATO SOROMENHO MARQUES

viriatoEm 1985 publiquei um livro sobre o risco de guerra nuclear limitada na Europa (Europa: o Risco do Futuro). A decisão de o escrever foi tomada na Alemanha, no verão de 1983. Assisti a um país determinado a defender a paz. Lembro–me de Oskar Lafontaine, presidente do governo SPD do Sarre, propor que Bona saísse da NATO para quebrar o que ficou conhecido como a “crise dos euromísseis”. Todos os especialistas que consultei me confessavam, em privado, ser inevitável, mais tarde ou mais cedo, uma guerra central com armas nucleares. O argumento era simples: a história ensina-nos que todos os impérios caem de espada na mão. Duas semanas depois da saída do livro, Gorbachev assumiu o comando da URSS. Então, aconteceu um milagre: Gorbachev preferiu salvar a paz, mesmo arriscando sacrificar o império soviético. Não só a Alemanha se reunificou, como a Rússia deixou, pacificamente, partir os seus aliados e fragmentar a sua federação. Gorbachev esteve em Berlim, para comemorar os 25 anos da queda do Muro. Mas ninguém o escutou quando este acusou o Ocidente de ter traído a Rússia, cercando-a com a NATO. A UE, ao patrocinar a insurreição de rua contra o governo legítimo de Ianukovich, violou uma regra básica das relações internacionais: não se humilha um potencial inimigo, se não o queremos enfrentar. As vozes ensandecidas no Ocidente que querem combater Moscovo, até ao último soldado ucraniano, não percebem que é a atual fragilidade da Rússia que faz aumentar a probabilidade de uma escalada bélica poder conduzir, no limite, a uma guerra nuclear na Europa. Na verdade, a mesma liderança medíocre que vai arruinar a zona euro, talvez acabe por deixar mergulhar a Europa num mar de ferro e fogo. O milagre soviético não terá uma segunda edição russa.

Viriato Soromenho Marques in Diário de Notícias

Construtores do caos | VIRIATO SOROMENHO MARQUES in “Diário de Notícias”

O caso GES-BES tem suscitado uma pergunta simples: como foi possível que gravíssimas práticas fraudulentas tivessem escapado durante anos à vigilância das autoridades de regulação, incluindo à vigilância da troika sobre o setor bancário? A resposta é tão dura quanto simples: nos últimos 30 anos muitos governos (de direita e de esquerda) foram responsáveis pela criação dos alçapões e das opacidades que transformaram o sistema financeiro europeu (e mundial) num campo minado onde aventureiros põem em perigo a segurança de milhões de pessoas. Em 1933, em plena Grande Depressão, o Congresso dos EUA produziu uma lei (Glass-Steagall Act) que restaurou a confiança no sistema financeiro: separou e protegeu os bancos comerciais, face aos bancos de investimento. Por outras palavras: os bancos que recebiam as poupanças dos depositantes e que emprestavam às empresas na economia real não podiam fazer operações especulativas com produtos financeiros. Durante décadas essa higiénica distância permitiu prosperidade económica, a par de visibilidade e eficácia no trabalho dos reguladores. Contudo, o lóbi financista, embalado pelo mantra do neoliberalismo, não descansou enquanto não meteu no bolso os governos e os parlamentos necessários para misturar tudo de novo. Em 1999, o Congresso americano revogou a lei de 1933, regressando à promiscuidade especulativa. Por todo o lado, incluindo a UE, as leis “liberalizaram-se”, no sentido de criar obscuridade, onde antes havia transparência. Criaram-se condições para mascarar a exposição da poupança das famílias, no labirinto arriscado das ações, das obrigações e de uma miríade de derivados toxicamente imaginativos. Os políticos que se queixam dos banqueiros deveriam ter vergonha. O caos habita nas leis que eles próprios assinaram. Seria interessante saber como e porquê…

http://www.dn.pt/inicio/opiniao/interior.aspx?content_id=4051730&seccao=Viriato+Soromenho+Marques&tag=Opini%E3o+-+Em+Foco … (FONTE)

Entre o abismo e o milagre | VIRIATO SOROMENHO MARQUES in Diário de Notícias

Viriato Soromenho MarquesA expressão “terramoto” usada pelo primeiro-ministro francês Manuel Valls para classificar a vitória esmagadora da Frente Nacional de Marine le Pen em França não é uma metáfora. Apenas uma descrição realista. Atravessando o canal da Mancha em TGV, quem desembarcar na estação de Waterloo encontrará uma Grã-Bretanha onde o arqui-inimigo da União Europeia, Nigel Farage, líder do UKIP, encostou à rede os donos do sistema bipartidário que reina há muitas gerações na Velha Albion. Estas eleições europeias iniciaram uma reativação da crise europeia, com duas diferenças. Em primeiro lugar, a crise que até agora estava localizada essencialmente na periferia europeia (de Portugal até à Grécia) passou para o núcleo duro carolíngio do projeto europeu, para os países centrais da Declaração Schuman. Em segundo lugar, a crise que era capturada por um discurso dominantemente económico e financeiro vai agora traduzir-se numa linguagem política sobre o poder, os direitos, as instituições. Até que ponto é que o governo da chanceler Merkel percebe a mensagem que lhe está a ser enviada pelos novos e bizarros bárbaros do Ocidente? Será que ela perceberá que se persistir na atual “Europa alemã”, baseada na austeridade, irá acelerar a destruição da própria ideia da unidade europeia, por muitos e dolorosos anos? Não basta dizer que importa criar emprego. É preciso rasgar o império do Tratado Orçamental, com o seu calendário de destruição económica e sofrimento social, sob pena de enlouquecer os europeus com o velho vírus da doença autoimune que, se não for combatido, acabará por incendiar a Europa.

http://www.dn.pt/inicio/opiniao/interior.aspx?content_id=3940131&seccao=Viriato+Soromenho+Marques&tag=Opini%EF%BF%BDo+-+Em+Foco#.U4cQ7zA3Cxc.facebook (FONTE)

O medo está ao leme por VIRIATO SOROMENHO-MARQUES in “Diário de Notícias”

Viriato Soromenho MarquesO Presidente da República leu no 39.º Aniversário do 25 de Abril o mais aporético e contraditório discurso da história da III República. Denunciou a incompetência da troika, mas saudou o doloroso cumprimento do seu insensato programa pelo esforçado povo português. Apelou a uma mudança do rumo da Europa, mas concordou com a tese do Governo que condena a nação a carregar a albarda dos credores até ao fim dos tempos. O discurso de Cavaco, com as suas oscilações de 180º, é um raro exemplo do medo como política pública. O País está à deriva, pois quem toma decisões está paralisado pelo pânico, em estado quimicamente puro. A única maneira de a História ser benevolente para com Cavaco Silva, o político que deu rosto a todos os pecados e omissões da III República, é a de ela nunca ser escrita. Seria a benevolência do esquecimento, resultante do desaparecimento de Portugal como sujeito histórico, como lugar onde a aventura da vida comum se cristaliza em memória. Será essa a esperança do Presidente?

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“União Europeia morreu em Chipre” | VIRIATO SOROMENHO MARQUES – DN 26-03-2013

“Quando as tropas norte-americanas libertaram os campos de extermínio nas áreas conquistadas às tropas nazis, o general Eisenhower ordenou que as populações civis alemãs das povoações vizinhas fossem obrigadas a visitá-los. Tudo ficou documentado. Vemos civis a vomitarem. Caras chocadas e aturdidas, perante os cadáveres esqueléticos dos judeus que estavam na fila para uma incineração interrompida.

A capacidade dos seres humanos se enganarem a si próprios, no plano moral, é quase tão infinita como a capacidade dos ignorantes viverem alegremente nas suas cavernas povoadas de ilusões e preconceitos. O povo alemão assistiu ao desaparecimento dos seus 600 mil judeus sem dar por isso. Viu desaparecerem os médicos, os advogados, os professores, os músicos, os cineastas, os banqueiros, os comerciantes, os cientistas, viu a hemorragia da autêntica aristocracia intelectual da Alemanha. Mas em 1945, perante as cinzas e os esqueletos dos antigos vizinhos, ficaram chocados e surpreendidos.

Em 2013, 500 milhões de europeus foram testemunhas, ao vivo e a cores, de um ataque relâmpago ao Chipre. Todos vimos um povo sob uma chantagem, violando os mais básicos princípios da segurança jurídica e do estado de direito. Vimos como o governo Merkel obrigou os cipriotas a escolher, usando a pistola do BCE, entre o fuzilamento ou a morte lenta. Nos governos europeus ninguém teve um só gesto de reprovação. A Europa é hoje governada por Quislings e Pétains.

A ideia da União Europeia morreu em Chipre. As ruínas da Europa como a conhecemos estão à nossa frente. É apenas uma questão de tempo. Este é o assunto político que temos de discutir em Portugal, se não quisermos um dia corar perante o cadáver do nosso próprio futuro como nação digna e independente.”