Rebeldia, o romance mais recente de Cristina Carvalho | por Eduardo Pitta

Hoje na Sábado escrevo sobre Rebeldia, o romance mais recente de Cristina Carvalho (n. 1949), no qual a autora recria o universo de um certo Portugal, nos anos 1950. O detonador da intriga é o desejo de emancipação da protagonista e narradora, alguém que tem um olhar muito crítico sobre o atavismo da sociedade à sua volta. Da modesta pensão de Coimbra, gerida pelos pais, à casa da madrinha, em Lisboa, persiste o desdém por gentes e costumes: «Cavalheiros e mastronças que a única coisa que desejavam era casar as filhas de véu e grinalda, tudo branco e, claro, verdadeiramente virgens.» Ao contrário da vontade da narradora, adepta confessa de «uma valente foda». Em obras anteriores, a autora tem dissecado todo o tipo de comportamentos, dos mais convencionais aos de índole esotérica, mas tem-no feito quase sempre sem recurso ao jargão rude da coloquialidade. Nesse aspecto, Rebeldia marca um ponto de viragem. São recorrentes frases como, «O miúdo masturbava-se e nós fodíamos à noite…» A violência verbal manifesta-se mesmo nas mais prosaicas reflexões sobre a vida portuguesa durante os anos ominosos do Estado Novo. O fio da história é linear. A narradora descreve um casamento frustrado com a tinta forte do realismo sem filtro. O desprendimento familiar é de rigueur. Em compensação, sobreleva um peculiar ‘apego’ aos porcos chafurdando nas pocilgas. Os odores do chiqueiro, tão apreciados pela narradora, arrastam consigo uma forte carga sexual. Leninha tem 24 anos quando desembarca em Santa Apolónia. «Vou ser médica. Está resolvido!», dissera aos pais atónitos. Em Lisboa vai morar para a Ajuda, zona da cidade que não seria o nirvana, mas uma ida à Baixa não altera o estado de espírito: «Umas ruas atrás das outras, prédios escuros, lojas de panos, alfaiates e pastelarias.» A heterodoxia não conhecia limites. Chegou a pensar que invejava «a sorte e o destino das putas da Calçada da Memória.» Mal por mal… Os anos passam, Leninha casa com um homem que desaparece de vez em quando, a vida conjugal roça a abjecção, o filho é um estorvo. A linguagem crua é um dos traços distintivos do romance. Veja-se, logo no primeiro capítulo, o relato da urinação de pé, colada aos arbustos de um muro. Quatro estrelas. Publicou a Planeta.
Eduardo Pitta

Retirado do Facebook | Mural de Cristina Carvalho

http://daliteratura.blogspot.pt/2017/08/cristina-carvalho.html

AS FABULOSAS HISTÓRIAS DA TAPADA DE MAFRA | Cristina Carvalho

tapada-200Nas livrarias a partir de 22 de Setembro

(…) Sou a maior ave de rapina nocturna do mundo inteiro! E a mais bela! E a mais silenciosa no voo!
No dia em que nasci, nesse dia em que o ovo estalou e o céu se abriu num todo claro e imenso consegui, por fim, espreitar a medo, cá para fora. Eu vivia, por essa altura, num emaranhado de babas gelatinosas e mal podia ser distinguido. Era um bico, apenas. Um bico aberto à sede e à fome. Neste mesmo dia em que apareci no mundo, nasceu também o meu adorado amigo. Eu fui um pássaro. Ele foi um homem.

(…) Logo que nasci, fiquei ali, meio fora, meio dentro da casca do meu ovo branco a piar, a piar num alvoroço doido de penas e líquidos gelatinosos que bordavam todo o redondo do ninho. E ouvia muito bem o potente som que a minha mãe emitia, aquele Hooooo Hooooo prolongado, suave e, ao mesmo tempo, poderoso e quente. Conseguia ouvir o som da minha mãe ainda que ela estivesse bastante longe, a caçar para me alimentar. Depois, já muito de noite, ela chegava com pequenos ratos pendurados no bico que largava perto de mim. Quando eu ainda era muito pequeno e sem forças, ela segurava o ratico e ali ficávamos, eu a petiscar o bicho e ela a segurá-lo para que eu me alimentasse devidamente.
(…)

Cristina Carvalho – excerto de “AS FABULOSAS HISTÓRIAS DA TAPADA DE MAFRA” – publicado por Sextante / Porto Editora.

“CONTOS IMPERFEITOS” | Cristina Carvalho

contos imperfeitos(…)
Os guilros são os donos deste mundo. Os guilros elevam-se até às gárgulas do Mosteiro, lá no alto, nos pináculos. As gárgulas riem-se às gargalhadas, assobiam, cantarolam e velam, velam sempre por detrás das suas carantonhas malévolas lembrando que o diabo existe, lembrando as pessoas que o diabo toma muitas formas. Gárgulas e guilros conhecem o mundo.
As gárgulas aparam a água que escorre dos céus; os guilros dessedentam-se nessas águas para poderem esvoaçar, sôfregos, à volta de outras raparigas que, por sua vez, dançam na praça e enlouquecem os homens, seja isto ontem ou hoje ou amanhã.
Depois, de repente, inesperadamente, começam a debandada na direcção da serra que existe por detrás das casas, por detrás das árvores, na direcção da serra presente ao longe. Abandonam o Mosteiro. A terra treme.
Sempre aos gritos desvairados, esvoaçando pelos céus agora escurecidos, os guilros desaparecem. Deixam um rasto de incompreensão, de susto, de trevas.
Cheira ao pó da eternidade. Depois, a porta pesadíssima, enorme do Mosteiro fecha-se sobre mim que ainda continuo sentada ali nas lajes em frente. Permaneço na mesma posição há centenas e centenas de anos. Tal como as vozes e os gestos dos pedreiros indiferentes ao desenrolar dos tempos.
Para eles é que vão os meus murmúrios. Para os construtores das gárgulas de todos os templos.

Cristina Carvalho – excerto de “OS GUILROS E AS GÁRGULAS DO MOSTEIRO”, conto incluído no livro “CONTOS IMPERFEITOS”, uma publicação de Arquivo – Bens Culturais em Fevereiro de 2016

Prémio Autores SPA/RTP 2016

romance modigliani - 200Cristina Carvalho nomeada para o Prémio Autores 2016, na categoria de LITERATURA – Melhor Livro de Ficção Narrativa – pela sua obra “O Olhar e a Alma” publicado por Planeta.

O vencedor será conhecido no dia 22 de MARÇO no decorrer da Gala Prémio Autores SPA/RTP 2016, no Teatro Nacional D.Maria II.

A Gala será transmitida em directo pela RTP 2.

UMBERTO ECO pertence ao mundo inteiro | Cristina Carvalho

umberto eco 02 - 200Ainda há pouco mais de um mês comprei, comprei o “O Cemitério de Praga”. Aquelas primeiras páginas, a descrição de uma loja, uma espécie de antiquário propriedade de um velho judeu, a própria figura do homem, só aquelas duas páginas deixaram-me sem respiração. Li-as várias vezes, deslumbrada. O poder descritivo, o desenho do sentido de humor a cada palavra escrita, a intensidade da própria intenção, o humanismo, a universalidade, deixa-me prostrada e cansada, mas alegremente cansada e incansável, sôfrega e sedenta de mais palavras de Eco.
Nem sempre usando as mais fáceis e imediatas expressões ou as mais directas palavras ou as mais transparentes intenções, Umberto Eco conseguiu, apesar disso, apesar dessa dificuldade transpor o que é mais importante de tudo na literatura: ultrapassar e fazer respirar e fazer compreender não as suas próprias idiossincrasias mas as questões essenciais dos homens, as questões primevas da humanidade. Como está demonstrado à exaustão, só palavras não chegam. Aparentemente, talvez mesmo prolixo e com temas que talvez não interessassem ao vasto e indiferente público, a verdade é que Umberto Eco, com o seu livro “O Nome da Rosa” (publicado em 1980) chegou a todo o planeta e se houvesse mais planetas com leitores também lá chegaria. Era a História em movimento, a História cruzada num misto de romance policial, deslumbrante no seu subtil sentido de humor com milhões e milhões de exemplares lidos por ainda mais milhões de seres.

UMBERTO ECO foi escritor, filósofo, semiólogo, linguista.
Nasceu em Itália em 1932.

Morreu ontem, 19 de Fevereiro de 2016 aos 84 anos.

Cristina Carvalho

Fotografia via Flickr.

RÓMULO DE CARVALHO / ANTÓNIO GEDEÃO por Cristina Carvalho

Romulo de CarvalhoRómulo de Carvalho / António Gedeão nasceu a 24 de Novembro de 1906.

Também se comemora hoje, 24 de Novembro, o DIA NACIONAL DA CULTURA CIENTÍFICA instituído em 1996 em sua homenagem, pelo Ministério da Ciência e da Educação.

Quase todo o espólio da sua vastíssima obra pode ser consultado pelo público em geral na Biblioteca Nacional de Portugal em Lisboa.

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Setúbal celebra 250 anos de Bocage

Foto da CM de Setúbal

Os 250 anos do nascimento de Bocage são assinalados em Setúbal com um programa comemorativo que, ao longo de um ano, até setembro de 2016, promove a realização de vários eventos culturais.

As Comemorações dos 250 Anos do Nascimento de Bocage, que incluem, por exemplo, concertos, exposições, apresentações de obras literárias e peças de teatro, procuram também, acrescentou, “internacionalizar mais Elmano Sadino”, além de “trazer Bocage para o século XXI”.

“Foi o que hoje se chamaria, um grande intelectual, ainda que esta palavra irrite meio mundo. Foi tradutor dos clássicos gregos, foi dramaturgo, foi um literato, foi um imenso poeta.”, Cristina Carvalho no  Das Letras.

Saiba mais sobre as comemorações em Setúbal aqui.

 

Estabelecimento Prisional de Caxias – ala dos homens | Cristina Carvalho

prisao
O que é que eu posso dizer sobre uma experiência tão marcante na vida de uma pessoa? Uma experiência que se alonga por aqueles corredores absolutamente inóspitos, despidos e secos de vida, sem tonalidades de nenhuma espécie, lisos e frios, compridos, sem fim.
O nosso encontro foi na Biblioteca. Havias umas mesas dispostas em rectângulo e à volta, sentados, os homens que me aguardavam. Cumprimentámo-nos. Sentei-me num dos topos da mesa. Fiquei, pois, de frente para todos. Foi assim que o meu olhar os encontrou, de frente, olhos nos olhos, sem sombra e sem barreiras de qualquer espécie. Naquele momento, eu senti-os totalmente, um por um. E percebi que, à minha frente, estavam sentados vários homens a cumprir penas umas mais longas que outras, uns preventivos a aguardar julgamento e outros já condenados a vários anos, muitos anos com muitos dias de muitos sóis a brilhar, com muitas luas de luar, com filhos a crescer, a idade sempre a avançar. Encontrei-me com homens uns novos, outros muito mais velhos punidos por variados cometimentos e incumprimentos sociais. Todos sentados ouvindo o Concerto nº 1 para piano e orquestra, 1º andamento, de Frédéric Chopin; todos aguardando sinal para começarmos a conversar sobre o livro. E conversámos muito. Muitos quiseram saber sobre Fryc, quem foi realmente, quem amou, que vida teve, como foi o seu génio, o que é o génio, o que é uma vida, como foi viver no século XIX, o que foi o século XIX, como foi viajar, como foi morrer, como é viver, ontem, hoje, como será, como será, como será?
Todas as perguntas rodaram sempre e só sobre o livro e como foi escrevê-lo, quanto tempo levou a escrever, o que é escrever, o que é ler, como, como, como?
Acabou a sessão de hora e meia. Um dos homens, numa ponta da mesa fez-me uma pergunta pessoal, a única pergunta pessoal: “O que é que os seus olhos vêem?”
Foi esta a pergunta que eu não soube responder.
Depois, despedimo-nos apertando as nossas mãos. Os guardas vieram. Abriram-me todas as portas com as suas grandes e preciosas chaves.
Eu saí para a estrada com o vento muito frio a varrer a folha prateada da água do mar que se vê ao longe. Mas não muito longe.
Cristina Carvalho
Nota: o convite foi-me feito pela tradutora e escritora TÂNIA GANHO

O Olhar e a Alma – no PNL

O-Olhar-e-a-Alma-CC“O OLHAR E A ALMA, romance de Modigliani”, o mais recente romance de Cristina Carvalho,  integra o Plano Nacional de Leitura como Livro recomendado – Formação de Adultos.

Baseado na vida de Amedeo Modigliani, o mítico pintor italiano cuja obra é considerada uma das mais importantes do século XX e a vida apesar de inspirar um fenómeno de culto, não é, afinal, tão conhecida quanto se pensa, Cristina Carvalho regressa ao terreno da ficção biográfica com um romance que põe em cena o pintor, contando-nos ele próprio a sua vida sempre difícil, muitas vezes miserável, conduzida pela paixão à arte, amparada por mulheres apaixonadas e alguns raros homens que lhe reconheceram o talento. (da Nota de Imprensa)

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O OLHAR E A ALMA, de Cristina Carvalho

O-Olhar-e-a-Alma-CCUm olhar perspicaz e intenso, que acompanha a escrita de uma narradora poderosa e, também ela, apaixonada pelo extraordinário da vida.

Baseado na vida de Amedeo Modigliani, o mítico pintor italiano cuja obra é considerada uma das mais importantes do século XX e a vida apesar de inspirar um fenómeno de culto, não é, afinal, tão conhecida quanto se pensa, Cristina Carvalho regressa ao terreno da ficção biográfica com um romance que põe em cena o pintor, contando-nos ele próprio a sua vida sempre difícil, muitas vezes miserável, conduzida pela paixão à arte, amparada por mulheres apaixonadas e alguns raros homens que lhe reconheceram o talento.

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Herberto Helder ( 1930 – 2015 ) – por Cristina Carvalho

HerbeHerberto Heder AlfredoCunharto Helder foi, é considerado um dos poetas maiores da segunda metade do século XX em Portugal. Personalidade misteriosa, aparentemente misantropo, seguramente avesso a prémios, aplausos e encontros, viveu e trabalhou por essa Europa fora, sempre desenhando a sua literatura poderosa em numerosas obras, livros de poesia e prosa.

Nos verdes anos frequentou o Café Gelo, onde paravam os poetas surrealistas e artistas de variados contornos. Que se saiba, frequentou a Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra e na Faculdade de Letras, o curso de Filologia Românica, sem ter terminado nenhum destes propósitos.

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Estabelecimento Prisional de Caxias – sessão de leitura com Cristina Carvalho

GradesO que é que eu posso dizer sobre uma experiência tão marcante na vida de uma pessoa? Uma experiência que se alonga por aqueles corredores absolutamente inóspitos, despidos e secos de vida, sem tonalidades de nenhuma espécie, lisos e frios, compridos, sem fim.


O nosso encontro foi na Biblioteca. Havias umas mesas dispostas em rectângulo e à volta, sentados, os homens que me aguardavam. Cumprimentámo-nos. Sentei-me num dos topos da mesa. Fiquei, pois, de frente para todos. Foi assim que o meu olhar os encontrou, de frente, olhos nos olhos, sem sombra e sem barreiras de qualquer espécie. Naquele momento, eu senti-os totalmente, um por um. E percebi que, à minha frente, estavam sentados vários homens a cumprir penas umas mais longas que outras, uns preventivos a aguardar julgamento e outros já condenados a vários anos, muitos anos com muitos dias de muitos sóis a brilhar, com muitas luas de luar, com filhos a crescer, a idade sempre a avançar. Encontrei-me com homens uns novos, outros muito mais velhos punidos por variados cometimentos e incumprimentos sociais. Todos sentados ouvindo o Concerto nº 1 para piano e orquestra, 1º andamento, de Frédéric Chopin; todos aguardando sinal para começarmos a conversar sobre o livro. E conversámos muito. Muitos quiseram saber sobre Fryc, quem foi realmente, quem amou, que vida teve, como foi o seu génio, o que é o génio, o que é uma vida, como foi viver no século XIX, o que foi o século XIX, como foi viajar, como foi morrer, como é viver, ontem, hoje, como será, como será, como será?

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António Gedeão no AJA

Gedeao_AJA_JTAja Lisboa vai evocar António Gedeão. Uma exposição elaborada para a Galeria da Casa Da Cultura | Setúbal, e mostrada por lá no segundo mês de vida da Casa, vai agora estar nas bonitas instalações da Associação José Afonso em Lisboa. Vão lá estar também a escritora Cristina Carvalho, a declamadora Eugénia Alves e o cantor Samuel Quedas. É no próximo domingo, dia 11. Apareçam.
José Teófilo Duarte www.blogoperatorio.blogspot.com

NOCTURNO, o romance de Chopin – em braille

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NOCTURNO, o romance de Chopin”, de Cristina Carvalho, publicado por Sextante / Porto Editora, recomendado no Plano Nacional de Leitura (PNL) para o ensino secundário encontra-se agora – desde hoje – disponibilizado em braille na Biblioteca Nacional de Portugal para leitores invisuais.

Depois da edição em audiolivro, leitura com duração de 4 horas e 57 minutos pela escritora Maria Manuel Viana, chega-nos numa outra forma de acessibilidade. Também está disponibilizado como livro digital.

Sinopse
Como um piano solitário em que o artista desenha os quadros musicais de melodias e harmonias com timbres, ritmos e tempos diversos, assim foi desenhado este romance polícromo, tecido de amores e paixões, que conta a vida de Chopin, desde o seu nascimento em 1 de Março de 1810, na Polónia, até à sua morte, em 17 de Outubro de 1849, em Paris. Uma história feita de subtilezas, paixões intensas, escuras intrigas, vivências e amizades sinceras, presenças e saudades.

Ana María Matute (1925-2014), por Cristina Carvalho

Ana-María-Matute

MORREU hoje aos 88 anos, na sua casa em Barcelona, uma das maiores escritoras da actualidade, a catalã ANA MARIA MATUTE.

Reconhecida e aclamada em todo o mundo, foi a terceira mulher a receber o Prémio Cervantes pela sua obra literária e também inúmeros prémios literários internacionais, tendo sido por três vezes proposta e candidata ao Prémio Nobel de Literatura.

Conhecia-a pessoalmente e apresentei-a em Lisboa, em 2011, no Instituto Cervantes.
Escreveu romances sobre a infância e para a juventude; interpretou todos os mitos dos rituais de passagem dos adolescentes à idade adulta, incluiu o sobrenatural e a fantasia e aprofundou essa necessidade de fantasia na vida dos seres humanos.
A morte de ANA MARIA MATUTE deixa-me, profundamente, triste. Por várias razões.

Cristina Carvalho, escritora. Retirado do facebook.

O Das Culturas já havia publicado um texto de Cristina Carvalho sobre Ana María Matute e o seu universo literário.

Quatro Cantos do Mundo – Lançamento

QC_eventoQuatro Cantos do Mundo é uma viagem ao planeta Terra, ao seu lado mais profundo, desconhecido e misterioso. Um devaneio literário como lhe chama a autora, uma viagem por locais físicos, percorridos pelo olhar irrequieto da nossa imaginação. Recantos apenas acessíveis a um devir poético. São quatro contos entregues a um narrador que nos chega do infinito universo, ele próprio viajante das estrelas e que nos fala a partir do ponto de vista das crianças ou dos jovens. Só a curiosidade de um coração puro vence o medo do desconhecido e só uma mente livre do peso do bem e do mal consegue escutar a voz pela qual a natureza nos fala. Então, todas as viagens se tornam possíveis.

Este livro vai ser apresentado por CARLOS FIOLHAIS, físico, professor universitário, divulgador da ciência e ensaísta português. É um dos cientistas e divulgadores de ciência portugueses mais conhecidos em Portugal e no mundo.

Leituras por ANDRÉ GAGO.

Que ninguém falte! Leia a recensão no Acrítico – leituras dispersas.

Quatro Cantos do Mundo

quatro-cUma homenagem a quatro grandes exploradores, que é também uma homenagem à curiosidade que faz avançar o conhecimento e a imaginação da Humanidade.

Neste novo livro, Cristina Carvalho reúne quatro aventuras em quatro ambientes diferentes do planeta Terra: o Pólo Norte, o deserto, a selva, o fundo do mar. Todas elas nos são contadas por um Viajante das Estrelas, que se aproximou do planeta e conta histórias que conheceu em quatro cantos do mundo…

Ao mesmo tempo, cada uma destas histórias é dedicada pela autora a um grande explorador do planeta, quatro figuras que foram para ela importantíssimas para estimular a imaginação e dar respostas à curiosidade pelo planeta que nos rodeia:

  • Amundsen, no Pólo Norte;
  • Livingstone, no deserto;
  • Richard Attenborough, na selva;
  • Cousteau nas profundezas do mar.

Uma aventura sem limites para leitores de todas as idades.

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Quatro Cantos do Mundo

Quatro_Cantos

QUATRO CANTOS DO MUNDO é o mais recente livro de Cristina Carvalho, a sair brevemente.

Uma homenagem a quatro dos principais e históricos cientistas e exploradores deste planeta Terra:

Roald Amundsen – A história “Vidas Brancas”

Jacques-Yves Cousteau – A história “Viajando sob o Azul Intenso das Águas”

David Livingstone – A história “A Noite é o Lugar mais Tranquilo do Mundo”

David Attenbourough – A história “Casa Verde”

Publicado por Planeta Manuscrito com ilustrações de Manuel San-Payo.

Cristina Carvalho na Alemanha

Numa iniciativa promovida pelo Instituto Camões e a exemplo de algumas06_6 visitas que já efetuou noutras Universidades da Europa, a escritora Cristina Carvalho estará em Berlim, Hamburgo e Leipzig, na Alemanha, entre os dias 5 e 9 de Maio, para um encontro com alunos de escolas e universidades.

Ao Das Culturas afirmou:

“O meu contacto com alunos estrangeiros é tão reconfortante como as conversas que tenho com alunos portugueses. Todos querem saber, todos interrogam. E fazem o mesmo tipo de perguntas que me são feitas aqui em Portugal, “como é ser escritora”, “como aparecem as ideias para escrever um livro”, “o que gosta mais de escrever”, “descreva-nos o seu dia a dia enquanto escritora a tempo inteiro”, etc, etc, ou seja, a curiosidade é universal. Da minha parte, enquanto surgirem os convites e sempre que eu possa, lá estarei, aqui, ali, mais longe, mais perto, mas sempre com orgulho e esperança de poder ser útil a todos os que me procuram.”

Cristina Carvalho, Abril 2014

KingsKings College, Londres, Março de 2013

Conheça alguns dos títulos da autora no Acrítico – leituras dispersas.

Citando Ana María Matute

Olhou-me pela primeira vez, com os seus grandes olhos azuis, parecidos ou talvez iguais aos do Unicórnio, e acrescentou: «Deve ter outra linguagem.» Com outra linguagem, e sabendo que as flores murchas podem ressuscitar de noite, e também contam as suas histórias as chávenas, os garfos, as agulhas de pontear e as frigideiras, passava eu, no meu barquinho de papel de jornal, até à gruta debaixo do alto e incómodo sofá, onde me permitiam ver, ouvir e cheirar todas aquelas criaturas, que fingiam não me ver mas que gostavam de mim.

Ana María Matute, escritora Catalã editada pela Planeta (excerto de Paraíso Inabitado)

“Ana María Matute enche-me de orgulho como mulher, como escritora, como exemplo de conhecimento, de experiência, de sabedoria, de humanidade e celebro-a em todas as suas vertentes e capacidades. Exalto-a e elevo-a. Desejo-lhe, com toda a admiração e a par desta complexa e temporária passagem pelo planeta Terra, muita saúde e as maiores felicidades em tudo, na sua condição humana e na sua literatura.” Cristina Carvalho

A Mulher e a Literatura – Encontro

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Três escritoras e uma editora. Esta é a proposta doMuito cá de casa para este sábado, dia 8, dia Internacional da Mulher.

Em As Mulheres da Fonte NovaAlice Brito, oferece-nos o retrato de uma cidade conserveira a trabalhar para encher a despensa de uma europa à beira da guerra. Os homens no mar e as mulheres nas fábricas de conservas. Uma indústria de mulheres cheia de artes e segredos, cheia de lógicas próprias, perícias únicas e muita pulhice patronal. A riqueza fica nos bolsos dos patrões, a cidade e o país desperdiçam a oportunidade de melhorar o nível de vida das populações. As mulheres são operárias, donas de casa e mães. Pede-se-lhes ainda que sejam honradas. Os homens, sem direitos de cidadania, têm a autoridade definitiva sobre as mulheres e sobre elas impõem o que a sua educação machista lhes ensinou.
Ao longo do livro, ocasionalmente, uma voz desponta, uma voz contemporânea ao ato da escrita, ao nosso momento de leitura, que interroga a autora. Uma voz crítica, que vigia e chama a atenção: “Já disseste isso lá atrás…” Uma voz de mulher. Existe na escrita no feminino uma maior acutilância? Uma apurada consciência de combate?

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Cristina Carvalho na Culsete

O universo da escrita de Cristina Carvalho move-se entre o fantástico e o romance de narrativa mais clássica. O conto marca também uma presença assídua, quer para adultos como na sua participação na coletânea Contos Capitais, quer para um público infanto-juvenil como em Tarde FantásticaAna de Londres, antes de ser romance, foi publicado como conto.

Dentro do fantástico, Lusco-Fusco é um breviário dos elementais e O Gato de Upsala a descoberta da idade adulta. Agneta e Elvis partem com a ilusão ver o Vasa, o maior navio de guerra até então construído e, quem sabe, subir bordo e conhecer terras distantes. O Vasa afundar-se-á diante dos seus olhos sem lhes levar o sonho de uma vida a dois que então começava. Homem e mulher completando-se como nas histórias mais antigas.

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Poesia – considerações de Cristina Carvalho

Que não é estado de espírito; que não é necessidade; nem intempérie de amor, nem rumor ou piedade, nem doença nem saudade.

Não é, certamente, um acumular de palavras num esforço patético de dar voz aos amores e dar voz a coisa nenhuma.

A poesia, o texto poético nasce da vida e acompanha a vida numa união imperceptível que se adensa na progressão infinita, que se espraia e se entende e purifica e anima e constrói. É uma arte. E como toda a arte tem uma linguagem que permite tudo, sempre. As obras e os atos do homem ou se condenam ou se purificam e a poesia ou os eleva ou os atinge.
Um livro de poemas não é algo que se devore instantaneamente. O leitor recebe a poesia preparado para a receber. Não porque um poeta seja uma pessoa diferente das outras. A poesia é que é uma arte distinta, é uma arte de palavras e nada tão difícil de saborear como uma palavra nascida e escrita e alinhada que pretende dizer sobre a alma, sobre a vida, sobre os Homens. A poesia pode dizer tudo o que quiser. Pode ser lamacenta ou transparente, vertigem ou luz do luar.

(Este texto está incluído no livro Rómulo de Carvalho/António Gedeão – Biografia)

Leia a recensão no Acrítico – leituras dispersas.

Citando Cristina Carvalho

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(…) Por esta altura do dia em que já era noite, os teus pais dormiam, todos dormiam em todo o lado excepto tu que pé ante pé e com dedos de veludo abrias a porta da rua e deixavas entrar esse rapaz. Ele tinha subido a escada quase invisível e no maior silêncio. Entrava. Não havia o menor ruído, nem beijos, nem afagos, nada! Deslizavam, então, para a cozinha e fechavas a porta. Um risco! A vida era arriscada! Uma aventura de ovos mexidos com rodelas de chouriço e os restos do pão do jantar. Esfomeados! Vocês andavam esfomeados! Havia o risco do cheiro das rodelas do chouriço a fritar na pequena frigideira, havia o risco do ruído produzido pelos maxilares a triturar o pão já ressequido, o risco dos ovos a ser partidos, o risco do garfo a bater os ovos, o risco da vontade de comer, o risco da vontade de beijar, o risco da vontade de tu mexeres no corpo dele, o risco da vontade dele mexer no teu corpo, o risco dos dois corpos, o risco do desejo, o risco de o conter, o risco de o não conter, o risco do risco. A tua vida era um risco.

Cristina Carvalho em “ANA DE LONDRES” – publicado por Parsifal. No PNL (Plano Nacional de Leitura) para o ensino secundário (10º, 11º e 12º anos)

Leia a recensão no Acrítico- leituras dispersas.

 

O Príncipe Perfeito – Rómulo de Carvalho / António Gedeão

Hoje, dia 24 de Novembro, faz anos que nasceu Rómulo de Carvalho. Pela sua contribuição como pedagogo e divulgador da ciência comemora-se  o Dia Nacional da Cultura Científica.

Existem homens que são maiores do que o seu tempo e por isso lhes foi reservado a eternidade. Permanecem, lá onde os podemos rever: na sua obra, na sua integridade e no seu exemplo de vida. …não existe a ausência nem a distância. Nem saudade. Existe vida. Estão vivos na nossa memória e na forma como entendemos o mundo, a história, a ciência e a arte. Na humanidade acontecem homens assim, mas são raros.

A Rómulo de Carvalho aconteceu-lhe ser um desses homens, …foi um eclético da ciência. Foi, realmente, um Homem do Renascimento e bem ficou demonstrado através de todas as inúmeras e diversificadas atividades e que, para mim, constituem uma interrogação, uma grande interrogação: como é que uma pessoa desenvolve, ainda que num longo percurso de vida, tanta, tanta produção com tão diferentes interesses que vão desde a sua paixão – o dedicado ensino – à divulgação da ciência, à investigação da História de Portugal, à fotografia, à construção de móveis de madeira, à poesia, à escrita de dezenas e dezenas de obras.

Estas citações pertencem à biografia escrita por Cristina Carvalho, Rómulo de Carvalho / António Gedeão – Príncipe Perfeito.

Uma leitura que recomendo vivamente. Este livro faz parte do Plano Nacional de Leitura para a leitura acompanhada no Secundário.

Leia mais no Acrítico – leituras dispersas.

Ana de Londres, de Cristina Carvalho no PNL

cc“ANA DE LONDRES” – Edições Parsifal – 2013

Livro incluído no PNL (Plano Nacional de Leitura) como leitura recomendada para os 10º, 11º e 12º anos

Sufocantes, excitantes, únicos e inesquecíveis os anos 60 do século XX. De louca e arriscada travessia.
Em Portugal, vivia-se na ditadura. Londres, um sonho. Londres, o grito de alegria, tudo é novo, nada visto, único, longe, longe, distante de tanto mal!
1961 – Portugal iniciava a Guerra do Ultramar oferecendo a morte como certa a milhares e milhares de rapazes. Nessa altura, a Europa passou de miragem a ponto de esconderijo. E por aqui, mais valia suportar uma ausência de mistério e de segredos, sabendo que eles estavam por aí espalhados, do que sabê-los, em pesadelo, uns mortos, outros perdidos e estropiados nas matas desconhecidas.
Então, eram as mães e os pais e as namoradas e as amigas e as vizinhas e todos, todos sem excepção que procuravam empurrá-los para um outro destino. A angústia, a espera, o desespero eram as expressões do nosso quotidiano, em cada aldeia, em cada cidade, nos bairros, nas ruas, nos prédios, em cada patamar de todos os prédio.
Ana, apaixonada Ana não aguentou a separação, ela em Campo D’Ourique, o seu namorado em Londres. Contra os pais, tristes pais, amedrontados e incrédulos, Ana luta pela sua independência e por um amor que se recusa a perder. Londres é já ali. É só apanhar o comboio.
Foi o que fez.
Este livro conta a história de uma rapariga, de tantas e tantos adolescentes que em plena ditadura portuguesa, num pequeno país a agonizar, sem interesses, sem cultura, sem esperança, sombrio e serôdio de costumes, nada tinha a oferecer. Desaparecer, foi para muitos, a única vida possível.

Cristina Carvalho em “Ana de Londres”

Prefácio de Miguel Real

Capa e ilustrações do interior de Manuel San-Payo

Sobre o Ana de Londres aqui no Acrítico – leituras dispersas

 

Ana de Londres – Transmission Bar

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Ontem foi noite de festa no Transmission Bar e o palco encheu-se. Manuel San-Payo falou do seu trabalho de ilustrador, das suas cumplicidades com a autora Cristina Carvalho e de como este “Ana de Londres” lhe diz muito; ele que foi educado numa escola estrangeira para se preparar para o salto. Esse ato de partir, não só em busca de um futuro melhor, mas de deixar um país que o condenaria à guerra nas picadas de África. Salvou-o o 25 de Abril.

A arte do ilustrador trabalha imagens sobre as imagens naturais da escrita, aquelas que o leitor cria à medida que vai lendo. Trata-se de um trabalho de risco; o conflito pode surgir a todo o momento, perder-se o efeito de contribuir para a narrativa, dando-lhe uma outra dimensão.

O André Gago leu de improviso um trecho do livro, com a segurança dos mestres. A autora falou-nos da Ana de Londres e dos tempos da Ana de Londres. Aproveitou para deixar claro que não se trata de um livro autobiográfico.

O editor Marcelo Teixeira, da editora Parsifal, está de parabéns.

(Na foto, das esquerda para a direita, André Gago, Manuel San-Payo, Cristina Carvalho e Marcelo Teixeira)
Sobre este livro, a minha crónica no PNet Literatura

Ana de Londres, de Cristina Carvalho

Ana de LondresNos anos 60, Portugal vive a angústia de ver partir a sua juventude para a guerra. Fechado sobre si mesmo, é um país triste e retrógrado que contrasta com a explosão de vida na Europa.

Neste ambiente, Ana, com dezoito anos, não consegue realizar os seus sonhos. Contra a vontade dos pais que a empurravam para um futuro que não desejava, confiante no amor, parte para Londres. Na capital inglesa, planeia uma nova vida, independente e livre junto de quem mais ama, João Filipe, que fugira da Guerra Colonial. Mas estará Ana preparada para enfrentar tantas e tão intensas transformações?

Cristina Carvalho, escritora que a cada novo livro confirma uma originalidade admirável, surpreende com Ana de Londres, memória de uma juventude que escolheu a emancipação e ousou libertar-se das amarras de uma sociedade redutora. Uma obra intensa, ilustrada com a visão talentosa do pintor Manuel San-Payo e com um esclarecedor prefácio de Miguel Real, este livro apresenta não só um retrato impressionista de um tempo histórico que deixou profundas marcas individuais e colectivas na sociedade portuguesa, como constitui o retrato de uma geração que não teve medo de viver.

Nas livrarias a 5 de Setembro. Um livro das Edições Parsifal.

O DEBITADOR por Cristina Carvalho

cc 01E então o rapaz levanta-se, entorta, ligeiramente, mas só ligeiramente a cabecinha para um lado – reminiscências de infância! -, ajeita os seus dois relógios, um em cada pulso, um verde, outro amarelo, esfrega as mãos, simula um auto-abraço, entrelaça os dedos das mãos, começa a andar de um lado para o outro do palco, com frenesim e alguma estudada e ensaiada atitude nervosa e começa a debitar um incompreensível, na sua totalidade, amontoado de palavras.

Dirige-se a um público atordoado – pensa ele – por tantas e singulares afirmações, um público que nem sabe bem onde é que está e o que veio ouvir.

O jovem debitador vomita e defeca palavras que não existem, questiona, ilude, prestidigita, inventa; o jovem debitador apresenta uma energia doentia, é baixote e ágil como um ladrão; forma frases compridíssimas, com mais palavras estrangeiras que portuguesas; tenta convencer em acto desesperado; de tempos a tempos, ergue os braços e incita a plateia a levantar-se e a aplaudir e faz-se de tal maneira insinuante que, num primeiro vislumbre, até confunde. E faz gestos que incitam a plateia a levantar-se, observa, ri-se e manda sentar, de novo! Apreciou a constatação: levantaram-se e baixaram-se a seu comando!

Eu sou quase Deus!

O jovem debitador não diz absolutamente nada. Nada de nada! É de uma banalidade confrangedora. São toneladas de lugares-comuns, resmas de frases feitas, pensamentos cansados, esgotados de tanto ouvidos. É um autómato, uma figura de cera que, se fôr deixada ao sol, derreter-se-à num ápice. Ele não sabe, ele não sente. Não deve ter sangue. A sua proclamada ambição e o seu expresso desejo é que todos os jovens deste desgraçado país trabalhem. E ele existe para nos convencer que, se não trabalham, é porque não querem e que se trabalhassem tinham sucesso garantido! Basta a vontade!! O rapaz é cansativo. Rebenta-nos de cansaço! Fala à velocidade da luz e não dá tréguas. Não tem tempos. Não tem noções. Impõe. Exige! Ordena!

Expulsa! Tudo explode à sua volta! Não! Não quero ouvi-lo nem mais uma fracção de segundo em todo o resto da minha vida!! Irra!

O debitador tem sido recebido em todo o lado. Nas televisões, nas rádios, nos jornais como se de um Messias se tratasse, um espalhador da palavra, um arrebimba-o-malho de certezas e confianças no nada, no zero. Nada! Diz nada! Não há, naquele discurso, nada de coerente, de sábio, de conhecedor. Não há vida. No seu discurso existem todas as sombras de todos os desesperos, de todas as angústias, de todas as incertezas.

O ignóbil disto tudo é o sorriso satisfeito dos que o elegeram para encabeçar um movimento destes: o empreendedorismo jovem! E também daqueles que lhe dão cobertura mediática. É que isto chama audiêêências! Muitas!

No olhar deste rapaz não existe nada a não ser a vontade desmedida de se fazer notado seja de que maneira seja. Um case study, para usar umas das suas muitas lenga-lengas anglo-saxónicas e que passo a dar exemplos:

Mind set, interface, feedback, swaip, pitch, slide, as we speak, expertise, spam, newsletters e desculpem-me os erros, que alguma coisa deve estar mal escrita.

Não existe naquele olhar uma única estrela! Nem um grão de pó de estrela! Não há o desenho do infinito, não há um horizonte de sonho, ainda que possa parecer. Daquele sonho inalcançável, que faz dos homens seres excepcionais. Não há sedas, nem veludos, nem esconderijos secretos, nem absurdos de fantasias! Não há nada que se vislumbre naquele olhar de tão perdido que anda!

Que triste vida!

Cristina Carvalho

Agosto 2013 – Pnet Literatura

http://pnetliteratura.pt/cronica.asp?id=5947 … (FONTE)

Livraria Centésima Página – Braga

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Dia 4 de Julho pelas 18:30, na LIVRARIA CENTÉSIMA PÁGINA em BRAGA, a escritora Cristina Carvalho vai animar uma sessão com os seus dois livros mais recentes, “Rómulo de Carvalho/António Gedeão – Biografia” publicado por Editorial Estampa em Outubro de 2012 e “MARGINAL” publicado por Planeta Manuscrito em Março 2013.

Apareçam, o espaço é fantástico e o debate será animado.

Jantar da Tertúlia Sintrense com Cristina Carvalho | 25 Junho, 20h, Restaurante Apeadeiro

A próxima Tertúlia Sintrense, a 25 de junho, conta com a presença da escritora Cristina Carvalho, filha da também escritora Natália Nunes e do poeta António Gedeão. Entre os seus livros contam-se romances deliciosos e destinados a todas as idades como “O Gato de Uppsala” e “Lusco-Fusco”, e outros como “Nocturno: O Romance de Chopin” e o último “Marginal”, entre muitos outros livros. Cristina Carvalho tem-se dedicado também a preservar e divulgar a obra de seu pai, António Gedeão, tendo publicado recentemente “Rómulo de Carvalho/António Gedeão Príncipe Perfeito”. Conversar com ela é falar de fadas e gatos, de viagens, de palavras, de histórias que se contam como quem respira. É também trazer à baila a figura ímpar do pai, da sua obra e da sua vida como professor de Físico-Química, divulgador de temas científicos, cidadão de raro rigor, poeta nunca por demais cantado. Inscrições: 21 923 85 99 Cristina Carvalho 1

Rómulo de Carvalho/António Gedeão – Príncipe Perfeito

Existem homens que são maiores do que o seu tempo e por isso lhes foi reservado a eternidade. Permanecem, lá onde os podemos rever: na sua obra, na sua integridade e no seu exemplo de vida. “…não existe a ausência nem a distância. Nem saudade. Existe vida.” Estão vivos na nossa memória e na forma como entendemos o mundo, a história, a ciência e a arte. Na humanidade acontecem homens assim, mas são raros.

Esta não é uma biografia escrita de uma forma convencional, um conjunto de eventos enumerados por ordem cronológica ou alinhados pela sua relevância. Um objecto de estudo. Esta é uma biografia escrita por quem arrisca, quem arrisca tudo e muito, sem perder a noção do lado simples da vida: “Eu percebo-o. Não porque tenha o mesmo pensamento, mas porque o percebo. Apenas.”

Não existem obras definitivas. Esta biografía escrita por Cristina Carvalho, como é característico da autora, vai para além do cânon imposto a este género literário. Funde, numa dimensão única, a ficção com a memória, o sonho com a vida e celebra a profunda admiração e o amor por esse homem ímpar que também aconteceu ser seu pai.

(ler mais no Acrítico)

Ana María Matute, por Cristina Carvalho

A literatura é algo que, usando palavras, não se pode definir nem soletrar. É uma expressão artística ambiciosa, que usa sangue e corpo, que tem de ser livre – como todas as expressões de arte ou como a própria vida –

Deverá ser simples e compreensível como uma correnteza de água, como um estremecer de folhas de árvore.

Quanto a mim, o papel da literatura não é explicar o mundo. A literatura é o próprio mundo. Porque são sentimentos, ideais, histórias experimentadas, visitas, efabulações, desenhos de memórias, conquistas, alegria e desespero. As palavras escritas devem formar um todo compreensível, – um romance, um conto, um poema. As palavras que servem as ideias, têm de ser dádiva. As palavras não podem viver subterraneamente de modo incompreensível ou navegar ao sabor da moda; as letras não devem agrupar-se em palavras que não tenham significado. Isso não é bom. Não é essa a interrogação que a literatura precisa. Não é isso que perdura. Não é isso que prende. E está à vista de todos.

Ana María Matute enche-me de orgulho como mulher, como escritora, como exemplo de conhecimento, de experiência, de sabedoria, de humanidade e celebro-a em todas as suas vertentes e capacidades. Exalto-a e elevo-a. Desejo-lhe, com toda a admiração e a par desta complexa e temporária passagem pelo planeta Terra, muita saúde e as maiores felicidades em tudo, na sua condição humana e na sua literatura.

ler mais no PNetLiteratura (texto de Cristina Carvalho)

Rómulo de Carvalho / António Gedeão, de Cristina Carvalho

Esta não é uma biografia escrita de uma forma convencional, um conjunto de eventos enumerados por ordem cronológica ou alinhados pela sua relevância. Um objecto de estudo. Esta é uma biografia escrita por quem arrisca, quem arrisca tudo e muito, sem perder a noção do lado simples da vida: “Eu percebo-o. Não porque tenha o mesmo pensamento, mas porque o percebo. Apenas.”

É esse entendimento que Cristina Carvalho nos transmite neste livro sobre Rómulo de Carvalho, também seu pai. Usando todos os seus recursos de ficcionista ousa, de forma destemida, construir a imagem do homem que muito admirou e muito amou. Fá-lo, por vezes, em registo de miniconto, como se um ritmo próprio (e misterioso) lhe ditasse a ordem pela qual esses eventos lhe surgem na memória.

texto integral no PNet

Londres | Encontro com a escritora Cristina Carvalho no King’s College London

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A escritora Cristina Carvalho (n. 1949) vai falar da sua carreira e trabalho literários numa sessão que decorre a 14 de março, em Londres, a convite do Camões Centre for Studies in Portuguese Language and Culture do King’s College London.

Apresentada pela diretora do centro, Luísa Pinto Teixeira, a escritora que acaba de lançar em fevereiro um novo romance, Marginal, em que aborda «uma época onde a liberdade sexual se começou a afirmar e as mulheres começaram a conquistar a sua independência na sociedade portuguesa», debaterá com Maria José Homem Ribeiro, leitora do Camões, IP, e responderá a perguntas do público.

Autora de vários romances, Cristina Carvalho, filha da escritora Natália Nunes e do professor e poeta Rómulo de Carvalho, tem também publicado em revistas e jornais, nomeadamente no Jornal de Letras e revista Egoísta.

Publicou o seu primeiro livro, Até Já Não É Adeus, em 1989. Em março de 2009 saiu o romance O Gato de Uppsala, e mais recentemente, publicou, entre outras obras, Nocturno, um romance biográfico sobre Chopin, A Casa das Auroras e Lusco-Fusco. Algumas dos seus romances estão integrados no Plano Nacional de Leitura.

Data: 14 de Março 2013, 17h00
Local: King’s College London, Council Room

Marginal, de Cristina Carvalho

marginalUma miúda desce à rua para se dirigir à estação de metro. É a rua onde mora. Desce os dez degraus de pedra entre a porta do seu prédio e o empedrado do passeio. “Não ia com pressa.” Tal como este relato.

Numa paisagem urbana que lhe é familiar, a de todos os dias, a que conhece daquele percurso, demora-se a menina atenta a todos os pormenores, as ervas entre o empedrado, ali uma bolinha, umas folhas, é o seu olhar introduzindo mistérios na monotonia do seu dia.

No percurso do seu olhar uma mancha negra, uma mancha negra que se estende, que se prende à sua atenção. É então que, como num flashback, a menina inicia o processo inverso, o caminho de regresso a casa. Sobe os dez degraus de pedra entre o empedrado do passeio e a porta do seu prédio. Apanha um saco de plástico. Faz o percurso até à sua descoberta, apanha algo e volta novamente a casa. O ritmo acelera, sobe a escada, entra em casa, vai ao quarto. Momentos soletrados, sendo cada um deles uma fotografia, uma rápida sucessão de fotografias.

As nossas memórias são assim. Momentos de emoção, momentos guardados em fotografias. Podemos passá-las mais depressa ou mais lentamente. O seu mistério dita-nos o ritmo.

Uma miúda desce à rua para se dirigir à estação de metro. Não ia com pressa. Tal como eu, ainda nas primeiras páginas deste Marginal da Cristina Carvalho; desço sobre as suas páginas, leio-as sem pressa, prendo-me aos pormenores, uma erva aqui, uma bola ali, encho de mistério a minha vida.

Ler este livro tornou-se uma necessidade.

MARGINAL | Cristina Carvalho | Lançamento nas Correntes d’ Escritas

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Vai para as livrarias no próximo dia 18 de Fevereiro

Lançamento em CORRENTES D’ESCRITAS, Póvoa de Varzim

Lançamento em Lisboa em 6 de Março.

Lançamento em Setúbal em 8 de Março.

Lançamento em Sines em 9 de Março

Apresentação deste livro e de toda a minha obra no KING’S COLLEGE em LONDRES no dia 14 de Março (a convite do Instituto Camões)

Capa de JOSÉ TEÓFILO DUARTE

CRISTINA CARVALHO

CRISTINA CARVALHO em “MARGINAL”

‎(…) Desgraça era já quase não ser nem mulher nem nada. Desgraça era continuar assim seca, humilhada, inútil! Quantas vezes em noites mais quentes, o Aníbal coxo a soprar um fino fio de respiração pelas narinas, dormindo sossegadamente e ela em sufoco desesperado a encostar-se muito às suas pernas tesas, praticamente paralíticas. E encostava-se tanto e tanto e tanto e tanto e tanto que chegava a magoar-se e a sentir-se mal, subiam-lhe náuseas pelo peito acima, não queria tocar-lhe em mais lado nenhum embora lhe apetecesse muito e tinha uma resposta preparada «Que queres? Devia estar a sonhar, algum pesadelo…»

CRISTINA CARVALHO em “MARGINAL” – livro (romance) a aparecer no próximo mês de Fevereiro publicado por Planeta Manuscrito – Portugal

CC

De Natal por Cristina Carvalho

Agora que estamos quase, quase em cima do Natal terei, pois, de falar do Natal. Nem fazia sentido que falasse noutra coisa. Ou seja, eu poderia escrever sobre tudo menos sobre o Natal, mas enfim, compreendo que o deva fazer, que deva falar desta triste época que se aproxima para milhões de portugueses este ano mais pobres, eu incluída neste número imenso de gente que deixou de ter aquele dinheirinho com que contava, no final do ano, com que contava para tudo e para mais alguma coisa, por exemplo, para a compra de umas prendazecas e umas lembrançazecas que para mais não dava, depois de cumpridas certas obrigações de pagamentos disto e daquilo, amortizar a prestação não sei de quê, pagar o tal juro que se deve e depois, no fim, do que sobrar, comprar uns pacotes de farinha e uns ovos e açúcar e canela e limão e colar-se ao fogão ou ao forno, amassar, fritar, cozer, assar, bolo bom é pão de longe, bolo sem rei, sem rainha, sonhos de pesadelo, filhós de nada, pasteis de tudo, pasteis de desejos, pasteis de natal e, remexido o fundo aos bolsos, resta ainda uma moeda para aquela bola de vidro de verde e oiro pintada com que vamos enfeitar a porta e também as entradas de todas as portas que existem na nossa imaginação, uma abre para dentro, outra abre para fora, tudo isto sem dinheiro e olha a menina e olha o menino, coisas lindas de se ver, mais os velhotes lá longe, a neve a cair lá fora, o vento que varre o chão, a cidade iluminada, a vida como é costume, este ano não há mais, ai que eu sou tão controlada, ai que eu sou tão comedida, tão pacata e bem disposta, deixa lá, hão-de vir dias melhores, aguenta-te nas canetas, o melhor é estar calado, prefiro não agitar, não se tem mais, tem-se menos, a garrafita de azeite a escorrer e a pingar para este pobre país poder temperar a couvinha ou temperar as batatas, que bacalhau já nem falo.

Mas, prosseguindo nas considerações natalícias,

lá vem, finalmente, o senhor Papa Joseph Ratzinger dizer o que toda a gente já sabia há muito tempo e ele próprio também sabia. Sabia e sabe. Sabíamos e sabemos. Há quem não saiba! Isso há! Mas isto do dia de natal não ser dia de natal é assunto velho, tão velho que já nem tem mais explicações. Que tudo é simbolismo e imagética, também já sabemos. Que o sol no seu solstício longe, muito longe, dificilmente se avista de tão pequenino, mas que pode ser o menino Jesus, isso pode! Que o sapatinho é a Terra, isso é! Pode ser! Que a lareira é o fogo, claro que é! Claro! E tudo são imagens, linguagens e simbolismos com um qualquer fundamento. Contudo, ao certo, ao certo, ninguém sabe mesmo nada! Até ver.

Agora, estas informações que já toda – ou quase toda – a gente sabe, é uma coisa! Outra coisa, é vir dizer que afinal não há burro nem vaca nem nada disso! Que nunca houve. Que, provavelmente, o menino Jesus nasceu numa altura de grande calor, talvez na praia, talvez no monte…

E todas essas figuras, os reis magos, os pastorinhos, os burrinhos, as vaquinhas, o bafo quente a aquecer, o verde musgo a enfeitar, ainda a estrela polar, a estreita cama de palha, os reis magos e suas prendas, etc, etc, tudo isto vai abaixo, tudo, tudo engolido pelas areias de um deserto que afinal nunca existiu como morada de berço do Redentor.

Uma pessoa também tem de engolir isto tudo! Engolir, por exemplo, a figura do senhor Papa Ratzinger, o ano passado, a acender todas as luzes da árvore de natal gigante em Gubbio, accionando apenas e com um simples toque o controlo remoto das luzes através do seu tabletde discutível marca, sentado lá na secretária no Vaticano, muito quentinho, com pantufas eléctricas, de certeza absoluta!

Por mim, fico muito contente de saber que a informática já chegou tão longe! E a presença do burro e da vaca não me fazia confusão nenhuma! Era o ar condicionado possível da época!

Cristina Carvalho