Poema de Alberto Caeiro –  “O Guardador de Rebanhos, XXXVIII

Bendito seja o mesmo sol de outras terras

Que faz meus irmãos todos os homens

Porque todos os homens, um momento no dia, o olham como eu,

E nesse puro momento

Todo limpo e sensível

Regressam lacrimosamente

E com um suspiro que mal sentem

Ao Homem verdadeiro e primitivo

Que via o Sol nascer e ainda o não adorava.

Porque isso é natural — mais natural

Que adorar o ouro e Deus

E a arte e a moral…

Retirado do Facebook | Mural de Maria Isabel Fidalgo

Deixa-me lembrar de ti | Maria Isabel Fidalgo

Deixa- me lembrar de ti. Sei que nunca virás, por isso vai devagar onde houver sombras , a mão na minha e uma lua alta a escorrer de sedução para que possa morrer nos teus braços ou morrermos os dois na dança de todos os sonhos.

A noite é a sede  do teu nome no meu pensamento, por isso danço, canto, deslizo no porto do destino onde nunca desembarcámos.

Estou a olhar o calor noturno e uma leve luz ilumina os meus pensamentos.

Vens então devagar para que nunca chegues e eu possa continuar a  rodar na valsa quimérica da meia noite envolta nos teus braços de neblina.

Maria Isabel Fidalgo

Águas sem retorno | Maria Isabel Fidalgo

Amo cada minuto onde o teu coração respira longe do meu e tão perto.

Anda o sol desvairado a encher os espaços e são barcos o que procuro para navegar numa praia impossível.

Amo – te com o pensamento colado ao coração e são quentes as memórias onde vives.

Não ouço aves. Tudo no silêncio que abrasa são beijos quentes que nunca te darei em mais nenhum verão, que a juventude escondeu-se de nós, em águas indomáveis de lonjura.

À minha mãe | poema de Maria Isabel Fidalgo

Sempre do chão me levantaste

e nas tuas mãos de oração

o terço por mim tanto gastaste

ó minha rosa de linho e de brancura!

Deste-me asas de tule e eu voei

libelinha das brisas inseguras

nos recantos dos frutos e do mar.

Chamo por ti no silêncio desta bruma

e o teu sorriso vem ainda quente

no silêncio do ventre inicial.

Peço-te o aperto dos teus braços

e tu as asas abres das Alturas

  • não chego lá, mãe!

Então, por um milagre qualquer

que desconheço,

me tomas do chão

nas tuas mãos de berço.

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Mif | Antes de mim um verso, Poética Edições

Poema | Verão sobre o corpo | Maria Isabel Fidalgo

O verão há de durar sobre o meu corpo

sobrepor-se ao inverno e aos temporais

porque o amor abrasa a água,

incendeia de sol os meus olhos de outono,

revigora de verde as vinhas de setembro

a sonharem com a espuma do vinho

nas vestes das parras.

Será verão quando escreveres versos no mar da salvação

para que Romeu e Julieta renasçam do inefável silêncio

e  repitam as palavras salvíficas:

“Não sei como vieste, mas deve haver um caminho para regressar da morte”

Maria Isabel Fidalgo | Poema dos sete beijos

Dá- me sete beijos de papel em folha de papiro com laço de seda que bem mereço.

Não perguntes deste meu desejo irreal a que chamarás absurdo.

Sabes que vivo de ilusões

e de sonhos de impossibilidade ilimitada.

Só por isso sobrevivo na grande nave do mundo sem precisar de ir ao espaço.

Sete beijos em papel de papiro

e uma taça de champanhe para comemorar a audácia de os ler

com o estrondo da garrafa que embebede de espuma a fita de seda

e a boca que houver.

Poema | Maria Isabel Fidalgo

Não me firas com o teu silêncio.

Enche com os teus  olhos de  ausência os meus olhos de pássaro.

Traz- me a leveza das tuas mãos que tão breves partiram sem aceno.

Clama pelo meu nome como se a primeira estrela fosse a noite com o teu rosto.

Não me castigues de catos.

Traz- me rosas sobre os lábios e pica-me de beijos que sangrem.

Afasta a solidão e traz o teu silêncio.

Pousa-o sobre  a leveza do meu corpo e seremos um oásis manso de paixão.

Vem e faz- me acreditar que o sol ainda arde na labareda da fome.

MIF

“Não esqueças o meu nome” | Maria Isabel Fidalgo | Poética Edições

Um nome é uma eternidade mesmo no silêncio,

quando as aves não regressam à árvore e a noite se fecha.

Digo o teu nome, uma sílaba, e uma cascata de luz consubstancia a verdade.

Sal de lume, se te chamo, mais alto que os voos, o teu nome.

Maria Isabel Fidalgo, in “Não esqueças o meu nome”, Poética Edições.

Celebração | Maria Isabel Fidalgo

Roda a luz de manhã nos dias lisos

de leves brisas fogosas.

O sol despe-a e exibe-a aos olhos

numa transparência diáfana quase divina

quase água, quase saliva ardida

uma clarabóia de fogo

numa dança solar

a festejar o corpo.

Ao crepúsculo ainda é festa

a luz

memorial de beijos e beleza

de céu sargaço, silêncio e mar.

Apetece então a celebração do poema

um nome amoroso bordado a sal

num concerto de búzios.

Ao lusco-fusco a ventilação do sol

é ainda um amor crescente

murmúrio de águas

a celebrar a maré

nas margens da corrente

essa respiração em brasa

Maria Isabel Fidalgo

Rapariga era eu | Maria Isabel Fidalgo

Silêncio à proa das sílabas

onde as palavras roçam a sombra

que vem da vaga despedida do dia

ou do roçar da melancolia

no berço da noite.

Queria ser rapariga com sol dentro

a desbravar o fogo no lume verde

da erva dos meus olhos.

Se chamo

não vem a mansidão da madrugada

na voz dos búzios.

Nem tu.

Dorme a vida numa vigia muda

longe do arfar das ondas

ao lusco-fusco do desejo.

Queria ser rapariga

cana verde

assobio

malhão

vira

fado

rosa

ó és tão linda…!

Mas os ferrinhos desafinam

os tambores não rufam

o poema não tem folhos

nem colho alecrim aos molhos

na dolência do poema.

É sempre no amor que pouso os ramos | Maria Isabel Fidalgo

É sempre no amor que pouso os ramos
e nele planto acácias ou faço florescer
rosas e cerejas no inverno gélido.
Dir-me-ás que repito as flores e os frutos
que massacro de primavera os versos
que soletro gorjeios violáceos
para falar de amor.
E eu dir-te-ei que sim
que é sempre no amor que pouso os ramos
e que nele colho o sémen a bússola a maravilha.
Porque o amor faz-me dançar nas árvores altas
faz-me correr nos bosques
castiga-me de estrelas
traz-me um tempo de palavras cálidas
nas cordas do frio rigoroso.
Por isso,
é sempre no amor que pouso os ramos
e crescem-me galhos de aves no coração.

maria isabel fidalgo

Poesia | Sou viagem | Lançamento a 16 de Maio | Maria Isabel Fidalgo

No dia 16 de Maio será lançado, via online, mais um livro de Poesia de Maria Isabel Fidalgo, pela Poética Edições, com o título ” Sou Viagem”. Alegoria da vida, os poemas retratam uma alma aberta à beleza, aos odores e rumores do mundo, sem esquecer os lados mais dramáticos da existência. E ainda a morte, fronteira aberta para o país do pó.

 

 

 

 

Sou Viagem
vela desfraldada em pleno alto mar
em ondas revoltas
barco seguro do apeadeiro
ao longe.
Sou Viagem
fruto mais que maduro
a medir o chão na árvore alta.
Fui viagem
ventre vento leve
batente luminoso
a colorir colos berços beijos
acordar de asa a mensurar alturas.
Sempre.
Sou viagem.
Cambraia cama lavra
cinto de terra
a medir o chão do alto da árvore.

Maria Isabel Fidalgo

Poema | Maria Isabel Fidalgo

Um dia morrerão todos os dias

e sem barulho ou vaidade

adormeceremos longe do orvalho

das gaivotas loucas na orla das ondas

da luz infinita da sede no alvor da madrugada.

Sorveremos exaustos o silêncio térreo

longe dos deuses mortais que tudo sabem

dos festins do metal e deferências.

Um dia iremos para além da noite

sem que nos seja possível o retorno

da felicidade infinita num jardim menino.

Um dia, apesar do amor

o peso das canseiras

transformará o suor em frio

um galo há de cantar de madrugada

a chuva calará a sede dos campos

o sol repetirá a nobreza da alegria

como graça divina

e numa manjedoura, príncipes do nada

repetirão o pão que o diabo amassou.

 

Maria Isabel Fidalgo

Poema | Maria Isabel Fidalgo

Nesta manhã de sol rasgado
domingo triunfante de preguiça
a nitidez da luz esmorece os sobressaltos.
Resplandecem cores quase estrangeiras ao longe
ocorrem-me primaveras intensas na rosa encarnada da jarra
que me consente a breve graça da alegria.
Hoje exalto o dia e o mistério efervescente de claridade
este sagrado brilho onde o coração dos pássaros se ergue alto na ara dos olhos.
Hoje exalto esta matina clara
a planar numa colina onde se erguem voos
rendidos à destreza dos sentidos.
Depois cantamos.
és-me tão sempre quando te fazes cântico depois da noite.

Sonata de Abril | Maria Isabel Fidalgo

Trago a poesia das searas
num anseio suspirado
pela luz de Maio 
do primeiro dia
e de um Abril cantado
folar de cravo
sol em folia.

Emerge de novo a noite
dos passos senhoreais
e gemem as doces brisas
nos pinheirais.

Mas a voz será de canto
se alguém quiser
na arma a mão da criança
se cravo houver.

«Antes de Mim um Verso», Poética Edições | maria isabel fidalgo

Poema em forma de prosa | Maria Isabel Fidalgo

nesta manhã de sol, a intensidade da luz é um oboé de esperança. sopro e ocorrem-me primaveras intensas, tanta a beleza do verde ao longe. a noite, em marés de receios é um apeadeiro de desgraças. hoje canto o dia e o mistério da claridade a sacudir os sentidos. sagrado este brilho onde o coração dos pássaros se ergue alto.
hoje celebro o dia, a manhã clara para planar numa colina de sonho onde haja futuro para os nossos voos.
depois sorrimos. és tão depressa quando me fazes sorrir depois da noite.

Se eu morrer | Maria Isabel Fidalgo

Se eu morrer grita aos céus que foi por ti. vela o meu rosto com um leque de seda e encosta-o ao teu bafo quente para que o frio não me quebre. ficarei assim um pouco mais de tempo sobre o mundo num agasalho de hálito perfumado. não me despenteies. olha-me como no primeiro momento em que me cegaste com os ponteiros do olhar e talvez eu acorde para uma última despedida. pega no meu corpo inerte como num lenço de vidro e pousa-o sobre o mar no travesseiro das ondas onde o teu busca a liquidez no verão. escreve no azul – amo-te- e sorrir-te-ei em cada braçada de água como um verso que se desnuda quando se diz amor pela primeira vez.

mif

Querida Mãe Natal | Maria Isabel Fidalgo

Querida Mãe Natal

aí onde estás, não entre as renas,
mas vestida de estrelas soalheiras,
espaço estelar onde o espírito cintila
nas palavras que me inspiras,
faz-me ser, se possível for essa proeza,
ser eu, cada vez mais, a filha tua,
à altura da pessoa do teu nome
e no amor lavado com que me vestias
no dia a dia, que por o ser,
era sempre Ano Novo.
não deixes esmorecer a tua Bela
para ti, sempre vela natural,
e incendeia de chama, brasa,
luz de ti,
a braseira da minha alma de natal.

Carta escrita à minha mãe, depois da sua travessia, em noite de consoada…
maria isabel fidalgo

À beira cais | Maria Isabel Fidalgo

O inverno ajeita-se sobre o corpo
e o frio esfia-se em filamentos de água na cortina dos vidros.
Queria ter-te à mão, juventude, e cantar
cantar
até florescerem rosas nos quintais vadios
que eram quase todos esmeraldinos
quando a primavera complacente
não desfalecia com a nudez das árvores.
Queria ter-te à mão, loucura ou poesia,
musa fiel da claridade
promessa perdurável de beleza
que o tempo ruiu.
Queria tanto ter-te, ó maciez do azul,
subtil sonho de rapariga fugidia
a que fui.
Agora
o inverno ajeita-se sobre o corpo
e se cantar me quero
-ó ai ó linda-
a voz se quebra
à beira cais.

maria isabel fidalgo 

” Eu, pecadora, me confesso a Deus” | Maria Isabel Fidalgo

Lémen podia ser uma criança
perdida nos seus sonhos
uma folhagem deslumbrada
com um acontecer de primavera
uma ave
uma alba
uma nuvem
um céu musical aberto em rosa
uma cerejeira bicada de pássaros
uma erva macia onde o corpo caísse leve.
Lémen podia ser um outro olhar
uma casa horizontal
cuja voz acordasse os regatos
e meninos descalços enfeitassem de risos
as águas maculadas.
Lémen podia ser o coração do homem
antes do inferno
chamas de ódio
em corpos descarnados.
Lémen podia ser um um rosto
e não um esqueleto vivo
uma côdea de osso
sem força para chorar
a nossa culpa.

Maria isabel fidalgo

Uma guitara perpetua o verão | Maria Isabel Fidalgo

Longínqua, uma guitarra perpetua o verão
na larga casa da saudade.
Abro as janelas do mar
e no clamor das ondas
o sol de agosto desce calmo
sobre os barcos.
Sou jovem em qualquer lado
onde há o brilho indomável
dos anos, antes destes,
e de outros, longe de ti.
Chegam pescadores do lado
dos búzios e dos limos
com os pés calçados de sargaço
e a tarde é um farol nas nossas mãos.
Cada palavra que dizes
é um rio junto à fonte,
uma claridade a abrir,
a subir a pique sobre o mundo.
Ouso pedir-te
que te escondas comigo
nesta ilusão de juventude
plasmada na minha varanda
aberta sobre o mar;
que não apresses a voz;
que me deixes cerzida num abraço,
e que a tarde caia sobre nós
fulgente de ouro e luz
alheia ao peso do cansaço.

maria isabel fidalgo

Dia Mundial do Livro | Maria Isabel Fidalgo

Dedico ao meu olhar o livro 
pejado de ruas onde me passeio
e me sinto resvalar por atalhos e vielas
mapas de mundos abertos
para a lucidez das janelas.
Meu amigo fiel e companheiro
no livro busco o que não tenho
nas horas incompletas:
o outro olhar das coisas
o ser e o sentir
o ver que me não cegue
para a poeira das horas
para o abismo crepuscular
para a surdez da névoa
para o patamar estagnado
do sossego.
Dedico o meu olhar às linhas
que trazem o rumor dos astros
e o silêncio triste dos aflitos
e quanto mais as leio
mais as sinto tremeluzir
numa carícia de água
donde jorram as fontes.

maria isabel fidalgo

À roda da saia | Maria Isabel Fidalgo

A autora, Maria Isabel Fidalgo, “à roda da saia” obriga o leitor a entrar na roda, na roda da vida. Uma obra absolutamente feminina, sem idade,eternamente jovem, pronta a ser rodada no corpo de uma outra mulher , como património (ou matrimónio?) de uma cultura enraizada num lugar que se vai universalizando com o olhar fresco da geração que se segue: ” minha mãe deu-me uma saia / a saia de sua mãe/ a saia roda no corpo/ da minha filha também/ minha neta pequenina/ anda também a rodar / na roda da saia dela / em todas que há de gerar”.
Nestes versos vive uma sensualidade misturada com maternidade impressionantes.Porque “as mães têm braços enormes (p. 18),e (n)as rodas da saia ” uma manhã carnal entra pela luz”(p.41). Mas é na ria de Aveiro que a leveza de ser… ” um pedacinho me basta/ para ser asa que passa/ rente à água” (p51). E há uma vida, única, que continua ” como um fio de água que escorre pela nascente/assim me construí”. E a sensualidade aprende-se devagar ” saio do teu corpo / como se lá não estivesse estado” (p.65).E o corpo assume o seu grau maior de identidade e beleza ” rodinha da minha saia / meu tesouro de araça/não me quero noutro corpo/ com a roda que esta dá”. Mas, como em todos os poetas, o seu tempo era mais além e ” não me preveni contra o tempo/ sempre achei que a vida era para lá dos dias/ e que a ceifa do corpo/ era numa azenha muito ao longe”. Mas as rodas da saia continuam…” já não roda a saia/ rompe-se o vestido/ vem amor dormir/ um verso comigo.”
Um livro que merce ser dançado com vigor e mestria. A autora, Maria Isabel Fidalgo, está de parabéns. A obra foi editada por ” Poética Edições” em Janeiro de 2018.

“É uma saia que é uma celebração da vida e dos afetos, feita com o melhor tecido das palavras, com as rendas da ternura e da música, com os bordados das vivências, com os folhos das alegrias e das lágrimas, com um bolso discreto cheio de ensinamentos, com bainhas feitas de sonhos e engomada com saudades. É uma herança, portanto, e disso não duvidemos nunca: herança de um eu precedido por outros seres que não se esquecem, que não passam, que ficam marcados em cada ponto a mais que se der no tecido – porque esta saia está à espera que cada um a ornamente com a sua própria vida, agora que a recebeu.”

Tiago Aires, excerto do prefácio

Poema | Maria Isabel Fidalgo

 

 

 

 

Desço pela margem da memória

e entro pelo cais do rio

onde havia o ouro das manhãs

e o sorriso lavado do vento

lento na mansidão matinal.

 

Havia o dorso molhado da água apetecível

e um ensejo de lume

sem saber que ardia

Desço sem pressa por onde andei

na idade antes desta idade

como viajante clandestino

sem rumo

no ventre azul da mocidade.

 

Era tudo bom e grande na promessa

o sol despontava como um dardo perdurável

e sem pressa desço por mim mesma

como duna estendida num lençol do areal

ou uma serpente.

 

Maria Isabel Fidalgo

Manhãs | Maria Isabel Fidalgo

Eram manhãs e manhãs
de corpo à solta
no amplo areal da juventude.
O sol gozava de aquecer
e decaía alaranjado ao pôr do dia
como quem diz adeus ao trabalho
e recolhe a casa para repousar.
Eram manhãs e manhãs de fogo
toda uma fogueira em cada dedo
com laranjas redondas despontando
nos pomares bicados de pássaros.


Eram noites e noites
luas cheias de ardores
e um love me tender
morno e mole
na campânula do poço.
Eram dias buliçosos
na clareira dos sonhos
choros, ânsias, desesperos
umas janelas mais que verdes
sempre dispostas a trinar
em nuvens coloridas de quimera
e hoje, um corpo a esmaecer,
já sem espera
na casa que resta
à beira-ver.

Maria Isabel Fidalgo

RECORDAR O ANO DA MORTE DE JOSÉ SARAMAGO | Maria Isabel Fidalgo

Faz hoje sete anos que José Saramago resolveu juntar-se a Blimunda, a sete-luas e a Baltasar, o sete-sóis. E também ao padre Bartolomeu de Gusmão. E a Scarlatti. Não sei qual o espaço onde habitam, mas ressoa a música, a passarola flutua e as vontades desprendem-se leves.
Por cá, a terra continua a arder.

Retirado do Facebook | Mural de Maria Isabel Fidalgo

FLOR DA LIBERDADE | Miguel Torga

mario-soares-d-rSombra dos mortos, maldição dos vivos.
Também nós… Também nós… E o sol recua.
Apenas o teu rosto continua
A sorrir como dantes,
Liberdade!
Liberdade do homem sobre a terra,
Ou debaixo da terra.
Liberdade!
O não inconformado que se diz
A Deus, à tirania, à eternidade.

Miguel Torga

Selecção de Maria Isabel Fidalgo

Demain, dès l’aube… | Victor Hugo

victor_hugo-exileDemain, dès l’aube, à l’heure où blanchit la campagne,
Je partirai. Vois-tu, je sais que tu m’attends.
J’irai par la forêt, j’irai par la montagne.
Je ne puis demeurer loin de toi plus longtemps.

Je marcherai les yeux fixés sur mes pensées,
Sans rien voir au dehors, sans entendre aucun bruit,
Seul, inconnu, le dos courbé, les mains croisées,
Triste, et le jour pour moi sera comme la nuit.

Je ne regarderai ni l’or du soir qui tombe,
Ni les voiles au loin descendant vers Harfleur,
Et quand j’arriverai, je mettrai sur ta tombe
Un bouquet de houx vert et de bruyère en fleur.

Selecção de Maria Isabel Fidalgo

Afrodite | Maria Isabel Fidalgo

Estátua_de_Afrodite_4Não negues o estio
as acácias abrem-se para as mãos
e Afrodite lava-se na fonte fria
junto ao parthénon.
Entra pela manhã
colhe a flor rosácea da luz
e desliza devagar
sobre a carícia das rosas
no ventre da água.

Solta os cabelos aos vendavais
do fogo
e morre sobre as brasas
que os deuses colhem.

maria isabel fidalgo

Páscoa | Maria Isabel Fidalgo

maria isabel fidalgo

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Um caudal de água fria
numa margem do olhar
uma friagem vítrea na carne
um farricoco quaresmal
em procissão de enterro.
Gorjeia uma ave no ar esquivo
e medito um rio azul de azul
um verde numa aguarela
perto da lonjura. Ou perto de Ti
porto para a distância.
De todos os barcos onde naveguei sobram-me remos
mas nenhum atravessa de sol a varanda fria
onde penduro o que ainda recende a flor por abrir.
Na Páscoa árida do ser um Cristo ressuscitado
vem redondo de morte. Branco na cruz
o seu corpo de arcanjo agoniza espalmado
no círculo do poema onde o sepultaram
por toda a eternidade.

maria isabel fidalgo

 

Renascer | Maria Isabel Fidalgo

O tempo nos devora
e pouco se demora
em nós a primavera
mas há sempre uma ilha
e a linfa vacilante
entre a música e a luz
no caudal ligeiro
que a corrente leva.
Bom é jorrar na margem
que se julgava estagnada
um jato de água
que devolve à paisagem
o encanto da vertigem
um alento de tempo
que ficou suspenso
no pulsar da aragem.

maria isabel fidalgo

(Running along the beach- Joaquin sorolla )

mif02

Poema | Maria Isabel Fidalgo

Não tens outro destino que não o mar
da lusitana terra portuguesa
teu berço de sangue e tua onda
azul de espuma à tua mesa.
Não tens outro remo outro navio
outro porto outra casa outra corrente
que a raiz de avós e o sangue antigo
a correr-te na veia efervescente.
Não tens outra manhã aberta sobre o peito
quando a semente é vera.mente mater
quando o céu cobre o ardor do corpo
e as mãos afagam o pulsar do coração
não tens outro destino não:
que o mar é uma canção de moinhos sobre as dunas
afagando a água onde regressas.

maria isabel fidalgo

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Em Nome do Pecado | Maria Isabel Fidalgo

É preciso recordar o medo
e trazê-lo à luz da hipocrisia.
É preciso recordar o Holocausto
com olhos viúvos de alegria.
É preciso chamar a humanidade
ao espelho da sua cobardia
e recordar os corpos desnudados
magros de sonho e fantasia.
É preciso recordar os rostos
de quem não pediu para nascer
e chorar com lágrimas de sangue
as crianças impedidas de crescer.
É preciso lavar o rosto
da poeira sinistra da amargura
dos que lixo foram antes de o ser
na cova da anónima sepultura.

maria isabel fidalgo

(escrito há oito anos)

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Maria Isabel Fidalgo

Maria-Isabel-FidalgoE Deus criou o homem e inquietou-lhe os olhos. E Deus criou a mulher e deu-lhe a extensão da água e uma fiada de violetas na bainha do azul. E Deus criou o dia que fosse três vezes três. Depois Deus escondeu-se onde O procurasses. E foi maravilhoso!

Maria Isabel Fidalgo, dando os parabéns a uma grande amiga, in Facebook