«Nunca, jamais, em tempo algum» | José Pacheco Pereira | in Público

O PSD E A SUA MULETA CHEGA

Dois fragmentos da crónica de José Pacheco Pereira saída hoje no Público com o título «Nunca, jamais, em tempo algum»:

«(…) A actual direcção do PSD não quer impedir a possibilidade de um entendimento com o Chega para garantir um Governo PSD, com uma frase taxativa, e é por isso que anda com rodeios de confusão e ambiguidade. É também pelos rodeios que percebemos que essa hipótese está mais que presente na cabeça dos actuais dirigentes do PSD, que sabem que não haverá maioria absoluta e que é pouco provável que os eleitos da IL cheguem para ter uma maioria de governo. Mais sabem que, no modo como as coisas estão, os eleitos do Chega vão ser suficientes, e é por isso que se anda a enganar o povo com vacuidades ambíguas.

Tudo será feito em nome do “anti-socialismo”, princípio que, para um PSD muito radicalizado à direita, se considera permitir e valer tudo. Na verdade, permite apenas chegar ao poder, e às benesses do poder que uma parte do aparelho do PSD deseja (…). Com os militantes como massa de manobra, pouco lhes importa a perda de qualquer honra passada, ou coerência política e ideológica, pelo apoio venenoso do Chega. E o Chega sabe que pode esperar sentado que o PSD ir-lhe-á pedir qualquer esmola. E ele far-se-á caro, porque também sabe que nessa altura tem o PSD na mão. Qualquer manual de Ciência Política explica para os totós que numa aliança deste tipo, mesmo minimalista que seja, é o partido mais pequeno mas indispensável que manda, que tem o outro capturado. (…)»

VIAGEM AO PASSADO POR CAUSA DO PRESENTE | por José Pacheco Pereira in Jornal Público | 22/12/2012 (nós, humanidade, não temos vergonha – vcs)

Hoje tudo é muito diferente em relação ao passado, mas também muita coisa é demasiadamente igual.

No final do século XIX, princípio do século XX, o incipiente operariado português concentrava-se em poucas fábricas dignas desse nome no Norte do país, em particular no Porto, e numa multidão de pequenas oficinas em Lisboa e Setúbal e nas principais cidades do país. Eram operários e operárias, tabaqueiros, têxteis, soldadores, conserveiros, corticeiros, mineiros, padeiros, alfaiates, costureiras, cinzeladores, cortadores de carnes verdes, carpinteiros, fragateiros, estivadores, carregadores, carrejonas no Porto, carvoeiros, costureiras, douradores, etc., etc. Havia uma multidão de criados e criadas, criadas “de servir”, e muito trabalho infantil em todas as profissões, em particular nas mercearias, onde os marçanos viviam uma infância muitas vezes brutal, dormindo na loja e carregando com cargas muito pesadas. Falei em operariado, mas na verdade, muito poucos correspondem ao conceito, porque se trata mais de artífices, trabalhadores indiscriminados, e em muitos casos com profissões hierarquizadas em que os aprendizes eram sujeitos a todos os abusos. Havia depois uma aristocracia operária, essencialmente entre os que faziam tarefas qualificadas e mais bem pagas, como era o caso dos tipógrafos, que sabiam ler e por isso tinham um mundo social diferente. Antero de Quental foi tipógrafo de passagem.

Deixo o campo de lado, em que a maioria dos portugueses ainda vivia, onde havia igualmente um território obscuro e pouco conhecido que despertou com a I República, os trabalhadores rurais alentejanos. Estes viviam uma vida violenta e esquecida no meio do deserto alentejano. Nos meios rurais vários grupos de trabalhadores vegetavam na mais negra miséria e vendiam o seu trabalho sazonalmente, nas vinhas do Douro, nos campos do Alentejo e Ribatejo como maltezes e ratinhos. O que de mau se pode dizer das cidades, pode-se dizer pior do campo ou das vilas piscatórias do litoral e mineiras do interior.

A economia do mundo operário centrava-se no salário muito escasso, na renda de casa, numa vila operária ou numa “ilha” se fosse no Norte do país, onde se amontoavam em condições higiénicas e sanitárias inimagináveis. A epidemia de cólera no Porto, e a habitual ocorrência de tifo, demoraram muito anos a lembrar os governantes do problema de insalubridade da “habitação operária” e deram origem aos bairros sociais no salazarismo.

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O MARTELO DE THOR | José Pacheco Pereira

Eu gosto muito do meu país, mas não tenho muitas ilusões sobre ele. É um país atrasado, pouco desenvolvido, sem massa crítica, pouco culto, sem grande qualificação da mão-de-obra, muito dependente de vagas de superficialidade, onde a maioria das pessoas trabalha duramente para não receber sequer o mínimo vital, sem vida cívica autónoma do Estado, com uma economia débil, desindustrializado, com uma agricultura desigual, pouco cosmopolita, com muitos aproveitadores e alguns bandidos, mas aí como os outros.
É um país que cada vez menos tem autonomia política, dependente da transferência dos centros de decisão para Bruxelas. Aquilo em que somos melhores não coloca o pão no prato ao fim do dia, como agora se diz. Temos uma língua e uma literatura de valor universal, a melhor obra dos portugueses, mas ninguém come literatura. E temos uma democracia que é um valor que só quem sabe o que é ditadura percebe qual é. É mau? Não é mau, há muito pior, mas é sofrível, e sofrível não permite andar por aí a bater em pandeiretas.

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O MARTELO DE THOR | José Pacheco Pereira

«Eu gosto muito do meu país, mas não tenho muitas ilusões sobre ele. É um país atrasado, pouco desenvolvido, sem massa crítica, pouco culto, sem grande qualificação da mão-de-obra, muito dependente de vagas de superficialidade, onde a maioria das pessoas trabalha duramente para não receber sequer o mínimo vital, sem vida cívica autónoma do Estado, com uma economia débil, desindustrializado, com uma agricultura desigual, pouco cosmopolita, com muitos aproveitadores e alguns bandidos, mas aí como os outros.

É um país que cada vez menos tem autonomia política, dependente da transferência dos centros de decisão para Bruxelas. Aquilo em que somos melhores não coloca o pão no prato ao fim do dia, como agora se diz. Temos uma língua e uma literatura de valor universal, a melhor obra dos portugueses, mas ninguém come literatura. E temos uma democracia que é um valor que só quem sabe o que é ditadura percebe qual é. É mau? Não é mau, há muito pior, mas é sofrível, e sofrível não permite andar por aí a bater em pandeiretas.

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Lançamento do Livro “Que fazer contigo, pá?” | Carlos Vale Ferraz | Apresentação de José Pacheco Pereira

Minhas amigas e meus amigos. Teria o maior prazer na vossa presença na apresentação do novo romance, que será feita pelo José Pacheco Pereira. Pela minha parte responderia `pergunta:

O livro é sobre quê?

Assim:

É sobre um homem a quem impuseram um destino que o ultrapassava e que, no fundo, ele não estava disposto a cumprir.

É um romance sobre a vaidade de ser um herói.

Sobre a ficção das histórias oficiais. Eu escrevi (tentei) uma história verdadeira sob a forma de ficção.

É sobre os salvadores das pátrias e dos povos.

É sobre a falsidade, a perversidade e a mentira

É sobre o clássico herói e salvador vencido pela história.

É um romance sobre mim.

O discurso histórico oficial é sempre uma conveniência.

Este romance é contra as conveniências do discurso oficial sobre um período recente e marcante da nossa história: o 25 de Abril, o 25 de Novembro e a violência revolucionária e contra revolucionária.

A ficção é a minha forma de transmitir a minha verdade.

Eu tenho uma verdade sobre o 25 de abril, sobre o 25 de novembro, sobre a nossa história. Este romance é o romance da minha verdade.

Os leitores poderão ver aqui quem quiserem, Otelo e Calvão, Eanes, Jaime Neves, o cónego Melo ou o Carlos Antunes, o ELP e as FP, mas o que está neste romance sou eu e a minha verdade sobre um período da nossa história.

É um romance sobre o outro que todos os sensatos têm de reserva.

Este é também um romance sobre loucos. Sobre os loucos que ocupam os marcos da História.

O que é um ex-revolucionário?

Como perdemos os ideais?

Ser generoso, dar a sua vida por uma causa é prova de quê? De inteligência? De estupidez! Só temos uma vida.

Gostaria muito de os ter nesta apresentação

Carlos Vale Ferraz

JOSÉ PACHECO PEREIRA | OPINIÃO | Aprender com a crise da Fundação Mário Soares | in Jornal Público

A crise na FMS tem outro efeito perverso que é a desconfiança de que a entrega de espólios e acervos a instituições que pareciam sólidas se revele instável com o tempo.

Este artigo pode ser entendido como manifestando um conflito de interesses. Fica já isto dito à cabeça, embora pense que na verdade não o seja, visto que o que me move é uma questão de interesse público que está muito para além de também eu “andar aos papéis” para o Arquivo Ephemera.

O assunto é, como é óbvio, a crise da Fundação Mário Soares (FMS), uma instituição com enorme mérito, que muito estimo e que acompanho praticamente desde a sua criação. Aproveito, aliás, para dizer que o que se diz pelas redes sociais e nos comentários, mesmo de leitores do PÚBLICO, sobre essa crise me merece a maior repulsa e um sentimento de vergonha pelos meus semelhantes capazes de se regozijarem com o que se está a passar em nome do ódio a Mário Soares. Esse ódio justifica para eles uma política de terra queimada, o equivalente a queimar livros numa pira como se fazia nos tempos do nacional-socialismo. A crise da FMS empobrece-nos a todos e torna Portugal pior.

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Pensar fora da caixa ou seja fora do “economês” da troika | José Pacheco Pereira in jornal “Público”

Estamos tão viciados na maneira de pensar ao modo da troika que não somos capazes de colocar as prioridades no sítio certo.

Aquilo que talvez mais distinga a possibilidade de se poder andar para a frente num país como Portugal é a capacidade de sair do pensamento, do vocabulário, do argumentário, da política e mesmo da filosofia dos anos da troika e da herança ainda demasiado viva e poderosa do “economês” da troika. Os anos de lixo que vivemos são–nos apresentados como tendo sido um período de resistência “reformista”, quase heróico, após a bancarrota, atravessando todas as dificuldades e conseguindo no fim “sair” sem consequências de maior e ainda por cima “mais bem preparados” para o futuro imediato, “permitindo” a “coragem” “passista” a recuperação “costista”. Teria sido um período de “verdade” da nossa economia e sociedade, uma espécie de limpeza lustral de tudo aquilo que nos tinha “afundado” na bancarrota, o Estado, o despesismo, o “viver acima das suas posses”, os excessos sindicais, o crescimento da função pública, o “socialismo”, a “social-democracia”, e a corrupção BES-Sócrates, e uma sociedade de “direitos adquiridos”, ou em que os mais velhos exploravam “injustamente” os mais novos, porque tinham reformas e pensões.

Eu quase que tenho que pôr todas as palavras entre aspas para indicar que o seu uso é ideológico, e sem qualquer correspondência com a realidade, e que remetem para um universo orwelliano de manipulação das palavras e das ideias. Nem houve reformas, o que houve foi um “brutal aumento de impostos” de que ainda não saímos, nem podemos sair, visto que ele é a coluna vertebral do cumprimento das chamadas “regras europeias”. Nem houve qualquer “recuperação” estrutural da nossa economia, muito menos resultante das “reformas” laborais que tornaram ainda mais desigual a relação entre patrões e trabalhadores, nem houve qualquer diminuição do peso do Estado na economia, bem pelo contrário. E pagou-se um preço caro na institucionalização à margem da vontade popular e da Constituição, de uma servidão a uma certa política europeia, com perda de poderes dos parlamentos e de soberania.

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O grande abandono | José Pacheco Pereira in Jornal “Público”

Eles sabem que o CDS, o PSD, o PS os abandonaram à sua sorte, estão-se literalmente borrifando para as “causas fracturantes” do Bloco de Esquerda, e a “linguagem de pau” do PCP não os mobiliza. Eles esperam no seu fel – até um dia.

Na semana passada a televisão portuguesa fez várias notícias sobre a recepção de refugiados yazidis sírios e iraquianos e as condições que lhes estão a ser preparadas por algumas organizações, autarquias e o próprio Estado. Mostrava-se o interior de uma casa que ia ser entregue a uma família refugiada, e as condições em que iam recomeçar a sua vida em Portugal. Estava a ver essas imagens num café e restaurante popular, onde várias mulheres trabalham na cozinha. Conheço-as pessoalmente – é gente que tem um salário mínimo e que trabalha em muito más condições, num local quente e acanhado, durante imensas horas. Não são estatisticamente pobres, mas são pobres. Têm salário, têm uma profissão, precária que seja, têm famílias e filhos, são umas novas e outras de meia-idade, mas são pobres.

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A ascensão da nova ignorância | José Pacheco Pereira in “Público”

jpp-200Nada é mais significativo e deprimente do que ver pessoas que estão juntas, mas que quase não se falam, e estão atentas ao telemóvel.

Entre os temas tabu dos nossos dias está a ignorância. Parece que falar da ignorância coloca logo quem o faz numa situação de arrogância intelectual, o que inibe muita gente de a nomear. Mas não há muita razão para se enfiar essa carapuça, tanto mais que o problema é enorme e está agravar-se e a assumir novas formas, socialmente agressivas. Acompanha outro tipo de fenómenos como o populismo, a chamada “pós-verdade”, a circulação indiferenciada de notícias falsas, e, o que é mais grave, a indiferença sobre a sua verificação. Não explica, nem é a causa de nenhum destes fenómenos, mas é sua parente próxima e faz parte da mesma família. É, repetindo uma fórmula que já usei, como se de repente se deixasse de ir ao médico, e se passasse a ir ao curandeiro.

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O esquecimento como arma política – I | José Pacheco Pereira | in Jornal “Público”

pacheco-pereiraA direita é hoje uma entusiasta do investimento público, do fim da austeridade, de uma baixa generalizada de impostos, em particular para os mais ricos, do acelerar de “reversões” de medidas que ela própria tomou como sendo temporárias no IRS e — espante-se! — pouco entusiasta do controlo do défice e da execução orçamental, coisas “menores” que são obsessão deste Governo.

O esquecimento é uma poderosa arma política que compõe a panóplia de mecanismos orwellianos que são uma parte importante da acção político-mediática dos nossos dias. O esquecimento é muito importante exactamente porque faz parte de um contínuo entre a política e os media dominado por um “jornalismo” sem edição nem mediação centrado no imediato e no entretenimento, com memória abaixo de passarinho. Ele vive hoje dos rumores interpares nas redes sociais, de consultas rudimentares no Google e não se dá ao trabalho sequer de ir ler ou ver como se passaram os eventos sobre os quais escreve e fala, há um ou dois anos. O tempo mediático é cada vez mais curto e isso é uma enorme oportunidade para uma geração de políticos assessorados por “especialistas em comunicação”, agências de manipulação e uma rede de influências no próprio círculo jornalístico, em que cada vez mais existe uma endogamia de formações, de habilidades e ignorância, de meios e métodos, e de confinamento social e cultural.

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APELO AOS AMIGOS DO EPHEMERA | José Pacheco Pereira

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Neste momento, o ritmo das ofertas e das aquisições semanais subiu muito, e tem havido um crescente número de voluntários para trabalhar no ARQUIVO / BIBLIOTECA. Torna-se necessário uma espécie de entreposto em Lisboa, onde se possa recolher material, dar-lhe um primeiro tratamento e organização e ter um posto de digitalização. Por isso, precisamos da cedência de um espaço que não precisa de ser muito grande, com condições mínimas para que se possa fazer estes trabalhos, ou pro bono, o que seria ideal para não agravar as despesas, ou com uma renda nominal. De nossa parte, podíamos fazer pequenas obras de manutenção, garantir os gastos de electricidade e água e cuidar da segurança do espaço. Há por toda a cidade espaços vazios, lojas e pequenos apartamentos vagos, que podem servir para este objectivo,. A acessibilidade é também importante. O período da cedência seria de cerca de dois anos.

Obrigado.

Ó minha pátria amada, onde nós chegámos | José Pacheco Pereira | in Revista Sábado 2016-02-05

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Isto de escrever numa situação volátil é sempre complicado. Mas embora possa haver uma ou outra novidade, no fundo, “onde nós chegámos”, já estamos lá. No fundo, na fossa, num buraco, num sítio que o pudor impede de classificar com as palavras duras que se exige. Onde nós chegámos… à situação de uma nação que pouco mais é do que uma província longínqua de um centro europeu constituído por um conjunto de países, a começar pela Alemanha, mas não só, que entende que o seu interesse nacional e a sua “posição na Europa” implica colocar na ordem os países cujos governos e cujos povos pareçam recalcitrantes face ao seu poder. É por isso que o que aconteceu na Grécia devia ter sido um forte sobressalto, mas uma mistura de cobardia e de nonchalance ajudou a aceitar-se aquilo que é uma versão moderna da política de canhoneira, ou de uma Europa moldada aos princípios soviéticos da “soberania limitada”.

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Álvaro Cunhal Vol 4 , O Secretário-Geral | José Pacheco Pereira

acunhalÁlvaro Cunhal tinha saído algemado da casa clandestina do Luso em 1949. Agora, em 3 de Janeiro de 1960, estava livre mas continuava perseguido e entra de novo na clandestinidade. Tinham-se passado quase onze anos de prisão, uma das penas políticas mais longas do século XX português. Tem quarenta e seis anos, a sua vida pessoal mudaria significativamente a muito curto prazo e a sua acção política torná-lo-á de novo o dirigente máximo do PCP. Depois de uma atribulada estadia no interior de Portugal, sai para a URSS e depois para França, de onde só regressa em 1974. Na década de sessenta, terá uma afirmação indiscutível, como um dos grandes dirigentes comunistas mundiais, internacionalmente reconhecido.O seu pensamento e a sua acção nestes anos moldaram a história de Portugal e das colónias portuguesas até aos dias de hoje.

Derrota ideológica e vitória política | José Pacheco Pereira in “Público” de 16-01-2016

jpachecopereiraUma coisa a esquerda deve compreender com toda a clareza: a direita venceu a batalha ideológica nos últimos anos. Mais: essa vitória tem profundas repercussões nos anos futuros e molda a opinião pública. É uma vitória muito perigosa e pegajosa, porque se coloca no terreno daquilo que os sociólogos chamam “background assumptions”, molda o nosso pensamento sem trazer assinatura, parece a “realidade” quando é uma construção ideológica. No entanto, convém não confundir duas coisas distintas, a ideologia e política. E a direita perdeu a batalha política, o que ajuda a ocultar a sua vitória ideológica. O problema é que a solidez da vitória ideológica é maior do que a solidez da vitória política.

Para começar, obrigou-me a contragosto a ter que retomar uma linguagem esquerda-direita, que de há muito penso estar ultrapassada e ter mais equívocos do que vantagens. Sim, já sei, conheço a frase de Alain sobre que quem pensa que não é de esquerda nem de direita é de direita, mas hoje a frase oculta mais do que revela.

Considero este retorno a um quadro de dualidades, que só pode ser usado numa perspectiva histórica ou sentimental, um dos estragos mais recentes sobre possibilidade de se sair de uma política do passado. Pode servir para dar identidade, mas explica cada vez menos o que se passa. Um exemplo, é a crítica ao consumismo oriunda da esquerda que preparou o terreno e encaixou perfeitamente na crítica da direita ao “viver acima das suas posses”, em ambos os casos centrando-se na culpabilização dos consumos típicos da classe média. Mais do que de esquerda e direita, estas posições são socialmente reaccionárias.

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Portugal em 2015 | José Pacheco Pereira

pacheco_rtpPortugal em 2015  está um país muito esquisito, amorfo e ao mesmo tempo zangado; cansado e ao mesmo tempo agitado, cheio de “criadores culturais” e ao mesmo tempo ignorante como nunca; egoísta, mas incomodado pelo seu egoísmo, com má consciência.

O Portugal urbano, precise-se. O rural move-se por outros mecanismos, mas não tem visibilidade a não ser na televisão aos domingos. O Portugal urbano de Lisboa, e, como o mal é contagioso, o do Porto vai a caminho. Coimbra continua muito solidamente provinciana e tem estudantes a mais. Muitos estudantes significam um deserto cultural extenso. Praxes, copos e Rosinha. A Rosinha ainda é o melhor.

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Olhe-se em volta. Nos cinemas dos centros comerciais (não há outros), a parte da Humanidade que é do sexo feminino faz fila para comprar bilhetes para ver um vago filme erótico, com chicotes e algemas, mas onde tudo é bonito, milionário, com gosto e controlado, asséptico. Parece que o sadomasoquismo chique está na moda entre as mulheres. Na verdade, não é uma grande novidade, mas presumo que os homens se interrogam sobre o que é que não tinham percebido nas suas mulheres, companheiras, namoradas, amantes e seja lá o que for. Vão continuar sem saber nada.

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A crise grega entra nas redes sociais por via da roupa do ministro Varoufakis. Discute-se o blusão de couro, o cachecol, as camisas de fora ou de dentro. Não admira. Muita da nossa inteligência feminina, metrossexual e gay gosta muito de discutir roupas e ocasionalmente gatinhos. Sendo assim, não admira que tenham passado dos sapatos Prada, dos fatos Armani e Boss do nosso ex-primeiro-ministro caído em desgraça, para a discussão contínua das gravatas e terminar na mais imbecil crítica feita alguma vez a Passos Coelho, a dos fatos suburbanos de segunda. Essa gente não se enxerga mesmo. É isto segredo para alguém, indiscrição, boato, ou má língua? Não, não é. É o conteúdo habitual desse ruído moderno do Twitter e do Facebook, feito por gente que diz abominar a Caras e a Lux e faz muito pior.
Portugal, 2015 (4)
O que tem mais graça, aliás o que é mais ridículo, é que esta gente que discute roupas, restaurantes e outros ademanes da cultura urbana, que fazem a Time Out ganhar a sua vida (honestamente), é toda muito de esquerda, muito de causa dos costumes, muito do social, muito modernaça. Seja dito, no entanto, que há também uma fauna de direita, muito “ajustadora”, que é exactamente igual. Aliás dão-se bem e exercem activamente a boa prática do fishing for compliments, ajudando-se uns aos outros na luta pela vida.”

 

PACHECO PEREIRA – retirado do Facebook

PORQUE É QUE NÃO VALE MUITO A PENA TER ESPERANÇA … | José Pacheco Pereira

jppereira… como no Inferno quando se entra pela porta maldita e se deixa a dita esperança à entrada. Agosto é um bom mês para percebermos tudo. Milhares e milhares de jovens que não lêem um livro, passam o mês em festivais no meio do lixo, do pó, da cerveja e dos charros. Milhares e milhares de adultos vão meter o corpo na água e na areia, sem verdadeira alegria nem descanso. Outros muitos milhares de jovens e adultos nem isto podem fazer porque não tem dinheiro. No interior, já que não há correios, nem centros médicos, nem tribunais, proliferam as capitais, da chanfana, do caracol, do marisco, do bacalhau, dos enchidos, da açorda, as “feiras medievais” de chave na mão, as feiras de tudo e mais alguma coisa desde que não sejam muito sofisticadas. Não é uma Feira da Ciência, nem Silicon Valley.

As televisões, RTP, SIC e TVI “descentralizam-se” e fazem arraiais com umas estrelas pimba aos saltos no palco, mais umas “bailarinas”, nem sequer para um grande público. Incêndios este ano há pouco, pelo que não há imagens fortes, ficamos pelo balde de água. Crimes violentos “aterrorizam” umas aldeias de nomes entre o ridículo e o muito antigo, que os jornalistas que apresentam telejornais com tudo isto gostam de repetir mil vezes. Felizmente que já começa outra vez a haver futebol, cada vez mais cedo. O governo, com excepção das finanças e dos cortes contra os do costume, não governa, mas isso é o habitual.

A fina película do nosso progresso, cada vez mais fina com a crise das classes ascendentes, revela à transparência todo o nosso ancestral atraso, ignorância, brutalidade, boçalidade, mistura de manha e inveja social. No tempo de Salazar falava-se do embrutecimento dos três f: futebol, Fátima e fado. Se houvesse Internet acrescentar-se-ia o Facebook como o quarto f. Agora não se pode falar disso porque parece elitismo. Áreas decisivas do nosso quotidiano hoje não são sujeitas à crítica, porque se convencionou que em democracia não se critica o “povo”.

Agosto é um grande revelador e um balde de água fria em cima da cabeça para aparecer na televisão ou no You Tube. Participar num rebanho, mesmo que por uma boa causa, podia pelo menos despertar alguma coisa. Nem isso, passará a moda e esquecer-se-á a doença. Pode ser que para o ano a moda seja meter a cabeça numa fossa séptica, a favor da cura do Ebola.

Assim não vamos a lado nenhum. Como muito bem sabem os que não querem que vamos a qualquer lado.

http://abrupto.blogspot.pt/2014/08/versao-da-porque-e-que-nao-vale-muito.html … (FONTE)

Em defesa de Lobo Xavier e Pacheco Pereira | Pedro da Silva Pereira

Pedro-Silva-PereiraVítor Gaspar sentiu-se atingido por Lobo Xavier e Pacheco Pereira terem reconhecido, com honestidade, que a verdadeira razão que levou Portugal a ter de pedir ajuda externa foi o assalto ao poder lançado pela direita com a rejeição do PEC IV, que tinha recebido o apoio do BCE e dos nossos parceiros europeus.

A resposta de Gaspar insiste na falsificação da história.

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José Pacheco Pereira | Bloquear, bater contra uma parede, chegar a um beco sem saída…

portugal-bandeiraComo é que não há bloqueio se numa sondagem a sério, as eleições, apenas 27% votou nos dois partidos do governo, nos dois sublinhe-se, e em sondagens mais precárias, mas todas coincidentes, mais de 60% dos portugueses querem Costa à frente do PS e pouco mais de 18% querem Seguro? Com este estado de opinião e voto, como é que a maioria dos portugueses se pode sentir representada pelos partidos que se reivindicam do “arco da governação”?
(…)
Se a vida fosse a ideal, o PSD mudaria de liderança, mas, mais importante que tudo, deixaria para trás esta continuada traição ao seu programa, à sua génese, ao seu papel histórico (…)

http://www.publico.pt/politica/noticia/bloquear-bater-contra-uma-parede-chegar-a-um-beco-sem-saida-1639798?page=-1

As responsabilidades de Rui Rio e António Costa | José Pacheco Pereira in Jornal Público

Tirando Rio e Costa, não há nos partidos quem possa dar corpo a uma alternativa que dê esperança ao país.

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A profundidade do pântano da vida política portuguesa adensa-se todos os dias. Quando Guterres falou de pântano, estava apenas a temer a “coisa” e a ver se não entrava nela. Pode-se considerar que já lá tinha os pés, mas uma parte considerável do corpo ainda se encontrava fora, embora a responsabilidade de Guterres em perder a última oportunidade de sair sem dor do “monstro” seja enorme. Mas se o plano inclinado continuava, a alternância política como mecanismo renovador e dador de esperança ainda existia.

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A “NOVA NORMALIDADE” | José Pacheco Pereira in Abrupto

É por isso que, quando os governantes dizem que é apenas porque são obrigados pelatroika a tomar medidas como os cortes retrospectivos nas pensões e reformas, estão de facto a enganar-nos. Na verdade, é intencional e faz parte de um plano. É ali que atacam, não pelo peso dessas prestações sociais, (o mesmo se passa no processo paralelo do embaratecimento do valor do trabalho), mas sim porque isso é um elemento do seu plano. Podiam ter todo o ouro do mundo para pagar as dívidas, que não o usariam. Eles têm um alvo.

Ler tudo aqui:

http://abrupto.blogspot.pt/2014/01/a-nova-normalidade-alguns-dos-autores.html

BARÕES | José Pacheco Pereira in “Abrupto”

O PSD, como o PS, é hoje controlado internamente de forma muito rígida por uma nomenklatura de carreira, que encontra no acesso ao poder partidário o principal mecanismo “profissional” de promoção, assim como múltiplas oportunidades de “negócio”, a todos os níveis.

(…)

Só aí, os dois únicos homens, Rio e Costa, que acumulam o raríssimo prestígio da acção política prática, nas duas maiores câmaras do país, com o voto dos portugueses, podem lá chegar. Eles são também a última oportunidade do sistema político partidário português sobreviver.

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A Identidade de um País | José Pacheco Pereira

pacheco-pereiraTenho muita dificuldade em discutir o que é que é a identidade de um país. Portugal é um país pequeno (mesmo quando teve uma dimensão imperial), periférico. Para chegar a qualquer sítio onde havia, como diria Eça de Queirós, “civilização”, tinha que se passar por Espanha. Esse carácter paroquial e periférico é muito acentuado pela pobreza.

O facto de ser um país pequeno e pobre também significa que somos todos primos uns dos outros. Estamos todos uns em cima dos outros. Ou estamos todos a ocupar um lugar para o qual há dez candidatos. Temos muita inveja socializada, falta de espírito crítico, dificuldade em respirar liberdade.

Ler mais: http://anabelamotaribeiro.pt/67397.html … (FONTE)

Síria | José Pacheco Pereira

2013-08-30A Síria é hoje o terreno mais minado para a manipulação dos factos. Regime e oposição (oposições), aliados e inimigos, participam interesseiramente numa campanha de desinformação destinada a justificar e permitir acções favoráveis a um ou outro lado.
 Bashar al-Assad é um ditador cruel e assassino. Se precisar de utilizar, em desespero de causa, armas químicas, utiliza sem hesitações. Os grupos de oposição a Assad são cruéis e assassinos. Se precisarem de provocar um ataque químico (eles têm armas químicas) para instigar uma intervenção internacional, num momento em que militarmente estão quase derrotados, utilizarão as armas sem qualquer hesitação. Se tivessem armas nucleares também as usariam.
Ler mais:

Comunicação social e poder político

kjhhTenho, como se sabe, há muito uma vi­são crítica da comunicação social e da sua relação com o poder. Essa relação é bipolar: incorpora com facilidade a lin­guagem do poder e assume-se retoricamente como contrapoder. Nenhuma das duas atitudes é particularmente saudá­vel para aquela que deve ser a sua função essencial, que, por bizarro que pareça, tem de ser lembrada: informar-nos. Não é educar-nos, nem industriar-nos, nem mobilizar-nos, nem recrutar-nos. É in­formar-nos e, se o fizer com eficácia, tudo o resto vem daí.

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O NAVIO FANTASMA | José Pacheco Pereira in “Abrupto”

Do outro lado, tem um enorme vazio, António José Seguro, o homem que não existiu nesta crise, porque eleições antecipadas era a última coisa que queria, em razão inversa das vezes de que falou nelas. À direita aconselham-no a “fazer de morto”, para castrar todas as veleidades de ele fazer qualquer oposição que se veja. É um conselho errado, porque ele está já de há muito morto, não precisa de se “fazer”.

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Nunca em toda a minha vida, antes ou depois do 25 de Abril, senti um tão agudo ambiente de “luta de classes”. Os de baixo contra os de cima. os de cima contra os de baixo. Os de cima que fazem de conta que não há os de baixo, não existem, ponto. Os de baixo que se pudessem apanhar os de cima, sem a corte de guarda-costas, os fariam passar um mau bocado. Sem organização, sem instigação, como quem respira.
Em 1974-5, o conflito era de outra natureza, era dominantemente político, e não tinha essa fractura social evidente e agressiva como base. Era sobre liberdade e ditadura, sobre o Portugal do passado mais do que sobre o Portugal do futuro. Com excepção dos retornados, pouca gente sofreu nesses anos, nem mesmo os presos pelos mandatos de captura em branco do Otelo, ou  as centenas de MRPP presos. Dez anos bastaram para normalizar a democracia, acabar com os restos do PREC, absorver os retornados, sem feridas permanentes.
Agora as feridas vão ser profundas e vão durar muito tempo. A identidade do país soçobrou dentro da Europa a favor da burocracia de Bruxelas e do directório alemão. Antes era por inconsciência, agora é pela necessidade. Mas, antes e agora, porque a nossa elite dirigente tem em pequena conta o país, não gosta dos portugueses, desconhece a nossa história e tradições, e está dominada por interesses. Não lhes passa pela cabeça que, agora que as pessoas têm que comer terra, talvez escolhesssem comer a mesma terra que comem e vão comer no futuro, sem ter que suportar a tutela arrogante de quem, nos desprezando, nos dá lições de moral e disciplina.
O tecido social está rasgado, o país deslaçado, onde um discurso de guerra civil penetra, fazendo o vizinho dono de um pequeno café, vergado de impostos, voltar-se contra o vizinho professor em vésperas de ser  “requalificado”, em vez de olhar para cima, para quem de forma leviana e muitas vezes incompetente, balizado apenas pelo círculo de ferro do nossso establishment, no qual a banca define a pertença e a exclusão, está a conduzir uma operação de empobrecimento colectivo de muitos para salvar a “economia” de poucos. E esses poucos, são os que nos colocaram na situação em que estamos.
Hoje há reacção, reacção de reaccionarismo. Há um acantonamento de emergência com armas e bagagens do lado do governo, preparado para tudo, para ser agressivo, para fazer todas as chantagens (a chantagem teve um papel nesta crise) , a cilindrar tudo e todos à frente. Do outro lado, tem um enorme vazio, Antònio José Seguro, o homem que não existiu nesta crise, porque eleições antecipadas era a última coisa que queria, em razão inversa das vezes de que falou nelas. À direita aconselham-no a “fazer de morto”, para castrar todas as veleidades de ele fazer qualquer oposição que se veja. É um conselho errado, porque ele está já de há muito morto, não precisa de se “fazer”.  E está morto do lado deste Navio Fantasma que é o governo.
E depois tem um BE encurralado e sem estratégia, e um PCP, há muito tempo numa posição defensivaque tem um papel fundamental nos sindicatos (sem a acção sindical de resistência, real ou potencial, ninguém falaria de “cansaço da austeridade” e o governo e a troika teriam ido muito mais longe na criação do país de mão de obra barata e disciplinada que pretendem) , mas é inútil no plano políticoOs “indignados” e companhia tem folclore a mais e a actuação pelas redes sociais é no essencial preguiçosa e atentista. 
Ou seja, a maioria dos de baixo está entregue à fúria populista e ao desespero.
José Pacheco Pereira
 
(Continua.)

O NAVIO FANTASMA | José Pacheco Pereira in “Abrupto”

jpachecopereiraA demonização das eleições é um dos traços autoritários mais preocupantes dos dias de hoje. As eleições são apresentadas como sinónimo de um “país que pára”,  um acto inútil “porque tudo fica na mesma”, um enorme desperdício de dinheiro a evitar a todo o custo. Ouvindo com atenção os argumentos hostis à possibilidade de eleições imediatas percebe-se que eles não dizem respeito apenas à antecipação de eleições no actual contexto de crise, mas a todas as eleições, às eleições de per si. São, no seu entender, um momento anti-económico e um obstáculo a que o país “trabalhe” e “ande para a frente”. A questão tem a ver  com a ideia de que a democracia é uma perturbação inaceitável, ou apenas aceite no limite da condescendência, para um ideal de funcionamento tecnocrático, aplicado por uma burocracia “racional”, a mando de não se sabe de quem.
PS: Os mesmos que se queixam de que, se houver eleições, “o país pára oito meses” (uma patetice  sem qualquer correspondência com a realidade), andam há muito a prometer que encurtam os prazos eleitorais na lei, e, de legislatura em legislatura, não tomam nenhuma iniciativa nesse sentido, mantendo prazos e tempos de campanha excessivos.

O NAVIO FANTASMA | José Pacheco Pereira

jppÉ preciso muito cuidado em  aceitar pelo seu valor facial tudo o que se anda por aí a dizer. O Navio Fantasma vai ser assim, muita mentira, desespero, muito desespero com carreiras e resultados eleitorais. Alguém mentiu a Portas. E vice-versa. Alguém mentiu a Passos Coelho. E vice-versa.  Alguém mentiu a Cavaco Silva.  Alguém mentiu a todos nós.  Alguém mentiu e mente aos portugueses. Já estamos em eleições.

http://abrupto.blogspot.pt/2013/07/o-navio-fantasma-2.html … (FONTE)

A greve | José Pacheco Pereira in “Público” 15 junho 2013

kjhhNão é pela “defesa da escola pública”, nem por qualquer objectivo assim definido programaticamente, que a greve pode ter sucesso, em particular face à ofensiva governamental que conta com muito mais apoio na comunicação social do que se pensa. É pela condição do trabalho, pelo emprego, que, no actual contexto, são muito menos egoístas do que podem parecer. (José Pacheco Pereira)

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O que está em causa para o Governo na greve dos professores é mostrar ao conjunto dos funcionários públicos, e por extensão a todos os portugueses que ainda têm trabalho, que não vale a pena resistir às medidas de corte de salários, aumentos de horários e despedimentos colectivos, sem direitos nem justificações, a aplicar a esses trabalhadores. É um conflito de poder, que nada tem a ver com a preocupação pelos alunos ou as suas famílias.

Há mesmo em curso uma tentação de cópia do thatcherismo, à portuguesa, numa altura em que uma parte do Governo pende para uma espécie de gotterdammerung revanchista e vingativo, de que as medidas ilegais como a recusa do pagamento do subsídio de férias pela lei em vigor são um exemplo. Não é porque não tenha dinheiro, é porque quer mostrar que é o Governo que decide as regras do jogo e não os tribunais e as leis. Qualquer consideração pelas pessoas envolvidas, não conta.

O Governo sabe que a sua legitimidade é contestada sem hesitações por muita gente, e pretende ultrapassar com um exercício de autoridade essa enorme fragilidade. Por isso, a greve dos professores é muito mais relevante do que o seu significado como conflito profissional, e é também por isso que o Governo, aproveitando o deslaçamento que tem acentuado na sociedade com o seu discurso de divisão, usa pais e alunos para a combater. Não é líquido que não possa ter resultados, até porque os sindicatos não têm conseguido ter um discurso límpido e claro, e os professores que se mobilizaram quase a 100% contra Maria de Lurdes Rodrigues, por causa da avaliação, estão hoje muito mais encostados à parede e enfraquecidos.

O medo dos despedimentos é muito perturbador no actual contexto de crise social, em que quem perde o trabalho nunca mais o vai recuperar. Por isso, a greve dos professores, como a greve dos funcionários públicos, é pelo emprego, em primeiro lugar, em segundo lugar e em último lugar. É também contra a imposição unilateral de condições de trabalho e horários no limite do aceitável. Mas o emprego é hoje o bem mais precioso e mais ameaçado. Aliás, o aumento do horário de trabalho é também uma medida para facilitar o desemprego.

Os sindicatos são um instrumento vital de resistência social em tempos como os de hoje, e é ridículo e masoquista ver alguns professores a “esnobarem” dos sindicatos quando mais precisam deles. No entanto, isto não pode fazer esconder que os sindicatos estão longe de estarem à altura do momento que o mundo laboral está a atravessar. É aliás aqui que os efeitos mais perniciosos da dependência partidária do movimento sindical português mais se manifesta, quer para a CGTP, quer para a UGT.

Num momento em que existe uma ofensiva em primeiro lugar contra os funcionários públicos e, depois, contra qualquer forma de resistência organizada dos trabalhadores, ou seja, também contra os sindicatos e os direitos laborais, substituir uma acção próxima dos mais atingidos por uma tentativa de lhe dar cobertura com slogans políticos é um erro que se paga caro.

Não adianta virem usar slogans, como seja a “defesa da escola pública”, apresentando-os como a principal razão de luta dos professores. Em casa em que não há pão, ninguém se mobiliza por abstracções, mobiliza-se pelo pão. É verdade que o Governo é contra a “escola pública”, mas o seu objectivo fundamental nestes dias é despedir funcionários públicos, incluindo os professores, para garantir os cortes permanentes da despesa pública a que se comprometeu, em grande parte porque, ao ter deprimido a economia no limite do aceitável, não tem outro modo de controlar o défice. Se o escolhe fazer nos mais fracos e dependentes da sua vontade, como sejam os funcionários públicos, é relevante, mas até por isso é a balança de poder que está em causa nas próximas greves.

A utilização de uma linguagem estereotipada pode ser muito confortável do ponto de vista ideológico, mas funciona como entrave quer à mobilização profissional, quer à mais que necessária mobilização da sociedade. Não é pela “defesa da escola pública”, nem por qualquer objectivo assim definido programaticamente, que a greve pode ter sucesso, em particular face à ofensiva governamental que conta com muito mais apoio na comunicação social do que se pensa. É pela condição do trabalho, pelo emprego, que, no actual contexto, são muito menos egoístas do que podem parecer. É, aliás, também nesse terreno que os funcionários públicos e os professores podem e devem “falar” com todos os outros trabalhadores do sector privado, porque aí os seus objectivos são comuns.

O que parece que os sindicatos têm vergonha de enunciar é o seu papel de defesa de um grupo profissional, como se os objectivos laborais não fossem objectivos nobres de per si, ainda mais na actual tentativa de criar uma sociedade “empreendedora”, assente na força de poucos contra o valor e a dignidade do trabalho de muitos. A incapacidade que tem a esquerda de enunciar objectivos firmes no âmbito destes valores, substituindo-os por uma retórica abstracta, acaba por resultar numa falsa politização que se torna num instrumento espelhar do mesmo discurso de divisão que o Governo faz. Ainda estou à espera que alguém me explique por que razão não se diz preto no branco, sem bullshit, que a greve é justificada pela simples motivo que nenhum grupo profissional numa sociedade democrática, seja empregado de uma empresa, ou do Estado, pode aceitar que se lhe torne o despedimento trivial, por decisões que são de proximidade (os chefes imediatos), e que não têm que ser justificadas a não ser por uma retórica vaga de “reestruturação”, um outro nome para cortes cegos e pela linha da fraqueza dos “cortados”.

E também não se diz, sem bullshit, que não é fácil manter a calma e a civilidade quando se tem que defrontar do lado das negociações pessoas que mentem quanto for preciso, e que estão apenas a ver se meia dúzia de mentiras ou ambiguidades servem para passar a tempestade e voltar à acalmia que precisam para fazerem tudo aquilo que hoje dizem que não vão fazer. Os mesmos que, nos últimos dois anos, tudo prometeram e nada cumpriram e que ainda há poucos meses juravam em público que nada disto iria acontecer. Ou seja, gente não fiável, de quem se pode esperar tudo e cujo discurso nas suas ambiguidades deliberadas está a ser feito para que tudo seja possível. Em Agosto ou em Setembro, passada a vaga de conflitualidade social, vão ver como milhares de pessoas vão para a “requalificação”, como o aumento dos horários de trabalho vai servir para tornar excedentária muita gente e como, sejam professores ou contínuos, todos vão estar no mesmo barco do olho da rua.

 

Eu continuo a achar que a decência mobiliza muito mais do que a “escola pública” e que tem a enorme vantagem de toda a gente perceber quase de imediato o que é. E tem ainda a vantagem de ser fácil explicar, e de ser fácil de compreender por toda a gente, que é indecente o que se está a fazer aos funcionários públicos e aos professores. E assim socializar o mesmo tipo de revolta que muitos dos actuais alvos do Governo sentem, porque ela não é diferente da que tem muitos milhões de portugueses. Digo bem, milhões. Não é coisa de somenos.

NOTA: à data em que escrevo, não sei ainda quais vão ser os resultados dos encontros entre o ministério e os professores, mas, sejam quais forem, o contexto é este. No actual momento da sociedade portuguesa, ou se ganha ou se perde. Não há meio termo.

José Pacheco Pereira

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MECANISMOS DE MANIPULAÇÃO QUE FUNCIONAM | José Pacheco Pereira in “Público”

jpp1. Escolher designações habilidosas para realidades negativas.
Passarei pela rama esta muito significativa manipulação, porque já falei dela várias vezes. A regra propagandística é que quem manda nas palavras, manda nas cabeças. Por isso, o confronto fez-se pelo doubletalk. O exemplo típico é passar a falar de “poupanças” em vez de “cortes”, e o mais ofensivo da decência é chamar “Plano de Requalificação da Administração Pública” a um plano de despedimentos, puro e simples, sem disfarces. O comunicado do Conselho de Estado reproduz também este tipo de linguagem orwelliana.
2. Ocultar o que corre mal no presente com anúncios futuros do que vai correr bem.
Um exemplo típico é a última declaração do ministro das Finanças, numa altura em que se conhecem mais uma vez maus resultados da execução orçamental. Bastou ele acenar com medidas de incentivo fiscal ao investimento, em abstracto positivas, no concreto, pouco eficazes, para servirem de mecanismo de ocultação das dificuldades de execução orçamental. E como o “gatilho” (o nosso ministro pensa em inglês) dessas medidas é apresentada com a coreografia verbal da novidade e a encenação do ministro “inimigo” ao lado, estão garantidos alguns editoriais e comentários positivos. Tivemos já, há umas semanas, algo de semelhante, com o plano de “fomento industrial”, aliás um remake de vários outros anúncios entretanto esquecidos.
O problema é que o Governo já percebeu que tem que utilizar uma linguagem de “viragem para o crescimento”, mas as medidas mais significativas em curso e com efeitos imediatos são cortes no rendimento das pessoas e famílias. Não deveria o real ser tido em conta, face ao virtual? Deveria se não fosse a cenoura da novidade.
3. Escolher metas do futuro manipulando o seu significado para obter resultados propagandísticos no presente.
O melhor exemplo é a história do “pós-troika” para que colaboraram recentemente Portas e o Presidente da República. Portas fez um tardio e pouco convincente arroubo nacionalista contra “eles”, os homens da troika, justificando a sua aceitação de medidas de austeridade gravosas com a necessidade de os ver pelas costas em 2014. O Presidente fez pior: usou o “pós-troika” para minimizar o caos governativo do presente em nome de uma inevitabilidade da mesma política para o futuro. Pretendeu alargar a base de sustentação do seu discurso no 25 de Abril, consciente, mesmo que não o diga, de que ele lhe tolheu a margem de manobra. Mas o Conselho de Estado teve os efeitos contrários ao que pretendia. O que ambos, Portas, o Presidente, somados a Gaspar-Passos o actual tandem governativo, pretendem é obter dois resultados inerentemente contraditórios: festejar a saída da troika como uma grande vitória governativa e depois garantir que tudo continua na mesma sem a troika.
4. Concentrar a atenção nas medidas que vão cair e fazer passar, por distracção, outras bem mais gravosas.
Um exemplo típico foi a intervenção de Paulo Portas sobre o “cisma grisalho”. Portas concentrou-se naquilo a que chamou “TSU dos reformados” – designação que ele próprio criou com a habilidade de autor de soundbytes para, com a embasbaquice normal da comunicação social, facilitar a concentração de atenção num nome -, deixando deliberadamente na obscuridade todo um outro conjunto de medidas contra os reformados e pensionistas, muito mais gravosos do que aquele que recusava. O resto é o habitual: toda a gente passou a falar apenas das peripécias da “TSU dos reformados”, e esqueceu as outras.
5. Deixar fluídos todos os anúncios de medidas, para criar habituação e poder recuar numas que geraram mais controvérsia e avançar noutras que ficaram distraídas.
Já fiz uma vez esta pergunta e repito-a: alguém sabe, do pacote dos 4 mil milhões, o que é que está decidido, o que é que está “aberto”, o que é uma “hipótese de trabalho”, o que é para discutir na concertação social, o que foi anunciado e deixado cair, que medidas são efectivamente para valer? Não se sabe, nem o Governo sabe. Sabe as que deseja, mas hesita em função das pressões da opinião pública, do medo do Tribunal Constitucional, do receio dos efeitos na UGT, nas suas clientelas.
Por isso temos navegação tão à vista que o navio parece estar encalhado. Não está, porque, nos interstícios, as medidas que são mais fáceis do ponto de vista administrativo, dependem de despachos, e não precisam ir à Assembleia ou ao Presidente, vão sendo tomadas. São todas do mesmo tipo: retiram direitos, salários, horários, condições de trabalho.
6. Fazer fugas de informação de medidas draconianas e violentas de austeridade, para depois vir-se gabar de que as evitou.
Um exemplo típico são as conferências de imprensa em que se valoriza determinadas medidas dizendo que elas permitem evitar outras muito piores, de que se fizeram fugas deliberadas. Joga-se com o medo, e com as expectativas negativas, para manipular as pessoas de que afinal, perdendo muito, sempre estão a ganhar alguma coisa. A comunicação social participa no jogo.
7. Manipular o efeito de novidade nos media para dar a entender que o Governo mudou.
O melhor exemplo é a utilização do novo ministro das relações públicas e marketing do Governo – no passado chamar-se-ia ministro da Propaganda -, Poiares Maduro, cujas intervenções se caracterizam até agora pela repetição vezes sem conta da palavra “consenso” e depois, nas questões cruciais, a repetir o mais estafado discurso governamental. Veja-se o que disse, contrariando todo o mais elementar bom senso e as evidências públicas, sobre não haverem divergências no Governo entre Portas e Passos, ou entre a ala do “crescimento” e a ala do “rigor orçamental”. Ou, numa manipulação da ignorância mediática, de que eventos como as duas declarações sucessivas de Passos e Portas são “normais” em governos de coligação. O único caso, vagamente comparável, é o do par Cameron-Clegg, mas este tipo de eventos não são normais em nenhuma circunstância. O que seria normal é que a seguir a uma declaração com a que Portas fez, ou este pedisse a demissão ou fosse demitido. Esqueci-me de dizer que eles no intervalo da propaganda, são todos “institucionalistas”.
8. Acentuar as expectativas negativas nas próximas eleições autárquicas, para obter ganhos de causa se os resultados não forem tão maus como isso.
As eleições autárquicas reflectem a situação política nacional, mas são das eleições mais afectadas pelo contexto local, ou pelas personalidades escolhidas. O PSD terá sem dúvida maus resultados eleitorais pela reacção contra o Governo, contra Passos e Gaspar e o ex-ministro Relvas. Terá também péssimos resultados por apresentar maus candidatos às eleições em muitos concelhos, em particular os mais importantes. Nesses duplicará os factores negativos da reacção contra o Governo, com candidatos envolvidos em polémicas desnecessárias ou escolhidos apenas pelas conveniências do aparelho. Mas também é verdade que em muitos sítios, em que o voto é mais exigente, o PS apresenta também candidatos muito maus, vindos como os do PSD dos equilíbrios aparelhísticos e do pagamento de favores internos ao grupo de Seguro.
Por isso, não é líquido que não haja um efeito de minimização dos estragos que permita transformar resultados medíocres em resultados razoáveis, logo, no actual contexto, numa “vitória”, jogando com expectativas muito negativas. A comunicação social, com a habitual servidão aos lugares-comuns, ajuda ao baixar tanto as expectativas que qualquer resultado que não seja uma catástrofe nuclear possa ser visto como bom.
Há muito mais, mas fica para outra vez.

JOSÉ PACHECO PEREIRA | “Eles” (os funcionários públicos) são uma parte de “nós”

“A razão pela qual o povo português parece ser mais “paciente” resulta muito simplesmente de que muitos têm medo de perder ainda mais do que o que já estão a perder. E como o discurso da divisão deixa cada um sozinho na sua fábrica, na sua escola, na sua repartição, o medo ainda é eficaz. Mas o medo é destrutivo da sociedade e da democracia, e dá saída apenas para o desespero, o momento em que as pessoas percebem que já não há mais a perder. E nessa altura o seu desespero não se verá apenas em manifestações da CGTP ou dos “indignados”.

Uma das razões por que prefiro mesmo o desconhecido e o arriscado à situação presente, como sejam eleições antecipadas sem grandes expectativas, é que prefiro um tumulto que abra espaço político a uma situação nova, à continuidade de uma governação que é uma forma muito pior de tumulto, é a destruição de um país em que a condição de ser português não significa nada, porque já não existem laços comunitários em que nos reconheçamos.”

MENSAGEM ENVIADA AO ENCONTRO DA AULA MAGNA | José Pacheco Pereira in “Abrupto”

Caro Presidente Mário Soares,

Não podendo estar presente nesta iniciativa, apoio o seu objectivo de contribuir para  combater a “inevitabilidade” do empobrecimento em que nos querem colocar, matando a política e as suas escolhas, sem as quais não há democracia. Gostaria no entanto de, por seu intermédio, expressar com mais detalhe a minha posição.

A ideia de que para alguém do PSD, para um social-democrata, lhe caem os parentes na lama por estar aqui, só tem sentido para quem esqueceu, contrariando o que sempre explicitamente, insisto,  explicitamente, Sá Carneiro disse: que os sociais democratas em Portugal não são a “direita”. E esqueceu também o que ele sempre repetiu: de que acima do partido e das suas circunstancias, está Portugal.

Não. Os parentes caem na lama é por outras coisas, é por outras companhias, é por outras cumplicidades, é por se renegar o sentido programático, constitutivo de um partido que tem a dignidade humana, o valor do trabalho e a justiça social inscritos na sua génese, a partir de fontes como a doutrina social da Igreja, a tradição reformista da social-democracia europeia e o liberalismo político de homens como Herculano e Garrett. Os que o esquecem, esses é que são as más companhias que arrastam os parentes para a lama da vergonha e da injustiça.

Não me preocupam muito as classificações de direita ou de esquerda, nem sequer os problemas internos de “unidade” que a esquerda possa ter. Não é por isso que apoio esta iniciativa. O acantonamento de grupos, facções ou partidos, debaixo desta ou daquela velha bandeira, não contribui por si só para nos ajudar a sair desta situação. Há gente num e noutro espectro político, preocupada com as mesmas coisas, indignada pelas mesmas injustiças, incomodada pelas desigualdades de sacrifícios, com a mesma cidadania activa e o mesmo sentido de decência que é o que mais falta nos dias de hoje.

A política, a política em nome da cidadania, do bom governo, e da melhoria social, é que é decisiva. O que está a acontecer em Portugal é a conjugação da herança de uma  governação desleixada e aventureira, arrogante e despesista, que nos conduziu às portas da bancarrota, com a exploração dos efeitos dessa política para implementar um programa de engenharia cultural, social e política, que faz dos portugueses ratos de laboratório de meia dúzia de ideias feitas que passam por ser ideologia. Tudo isto associado a um desprezo por Portugal e pelos portugueses de carne e osso, que existem e que não encaixam nos paradigmas de “modernidade” lampeira, feita de muita ignorância e incompetência a que acresce um sentimento de impunidade feito de carreiras políticas intra-partidárias, conhecendo todos os favores, trocas, submissões, conspirações e intrigas de que se faz uma carreira profissionalizada num partido político em que tudo se combina e em que tudo assenta no poder interno e no controlo do aparelho partidário.

Durante dois anos, o actual governo usou a oportunidade do memorando para ajustar contas com o passado,  como se, desde que acabou o ouro do Brasil, a pátria estivesse à espera dos seus novos salvadores que, em nome do “ajustamento” do défice e da dívida, iriam punir os portugueses pelos seus maus hábitos de terem direitos, salários, empregos, pensões e, acima de tudo, de terem melhorado a sua condição de vida nos últimos anos, à custa do seu trabalho e do seu esforço. O “ajustamento” é apenas o empobrecimento, feito na desigualdade, atingindo somente “os de baixo”, poupando a elite político-financeira,  atirando milhares para o desemprego entendido como um dano colateral não só inevitável como bem vindo para corrigir o mercado de trabalho, “flexibilizar” a mão de obra, baixar os salários. Para um social-democrata poucas coisas mais ofensivas existem do que esta desvalorização da dignidade do trabalho, tratado como uma culpa e um custo não como uma condição, um direito e um valor.

Vieram para punir os portugueses por aquilo que consideram ser o mau hábito de viver “acima das suas posses”, numa arrogância política que agravou consideravelmente a crise que tinham herdado e que deu cabo da vida de centenas de milhares de pessoas, que estão, em 2013, muitas a meio da sua vida, outras no fim, outras no princípio, sem presente e sem futuro.

Para o conseguir desenvolveram um discurso de divisão dos portugueses que é um verdadeiro discurso de guerra civil, inaceitável em democracia, cujos efeitos de envenenamento das relações entre os portugueses permanecerão muito para além desta fátua experiência governativa. Numa altura em que o empobrecimento favorece a inveja e o isolamento social, em que muitos portugueses tem vergonha da vida que estão a ter, em que a perda de sentido colectivo e patriótico leva ao salve-se quem puder, em que se colocam novos contra velhos, empregados contra desempregados, trabalhadores do sector privado contra os funcionários públicos, contribuintes da segurança social contra os reformados e pensionistas, pobres contra remediados, .permitir esta divisão é um crime contra Portugal como comunidade, para a nossa Pátria. Este discurso deixará marcas profundas e estragos que demorarão muito tempo a recompor.

O sentido que dou à minha participação neste encontro é o de apelar à recusa  completa de qualquer complacência com este discurso de guerra civil, agindo sem sectarismos, sem tibiezas e sem meias tintas, para que não se rompa a solidariedade  com os portugueses que sofrem, que estão a perder quase tudo, para que a democracia, tão fragilizada pela nossa perda de soberania e pela ruptura entre governantes e governados, não corra riscos maiores.

Precisamos de ajudar a restaurar na vida pública, um sentido de decência que nos una e mobilize. Na verdade, não é preciso ir muito longe na escolha de termos, nem complicar os programas, nem intenções. Os portugueses sabem muito bem o que isso significa. A decência basta.

José Pacheco Pereira in Abrupto

http://abrupto.blogspot.pt/2013/05/mensagem-enviada-ao-encontro-da-aula.html … (FONTE)

José Pacheco Pereira | (…) o caminho para a desobediência civil | In blog “ABRUPTO”

kjhhHoje é um dia em que a politiquice, a pura coreografia política, a ilusão, o dolo, vão atingir limites de insulto a todos os portugueses que estão a empobrecer. Esta dança entre Passos Coelho e Portas (e deliberadamente escrevo antes de Portas falar) é a utilização da comunicação social e de alguns truques demasiado conhecidos para “todos se sairem bem”, com o objectivo de nos distrair e enganar. É corrrupção das mentes, tão grave quanto a dos bolsos, é exactamente tudo aquilo que desagrega velozmente uma democracia. Metáforas habilidosas, recursos semânticos de um autor de títulos de soundbyte, frases que pretendem ser virais, desculpas apresentadas como vitórias, imagem, imagem, imagem, vaidade, vaidade, vaidade. E pequenez disfarçada de esperteza.
O combate contra o governo incompetente, arrogante e destruidor que temos, que vive do medo das pessoas de perderem o mais básico da sua vida, vai acabar por ter mais do que uma dimensão política, vai ter uma dimensão de dever, de obrigação, uma dimensão ética. Com este tipo de coerografias dolosas, sem respeito por ninguém, sem sentido de responsabilidade, e muito menos de estado, está-se a abrir o caminho para a desobediência civil. E estou a dizer exactamente o que quero dizer.

O MATERIAL TEM SEMPRE RAZÃO (5) | José Pacheco Pereira

jpachecopereiraHá várias  coisas que nunca se devem esquecer: esta gente é vingativa e não se importa de estragar tudo à sua volta para parecer que tem razão. Já nem sequer é por convicção, é por vaidade e imagem.
Outra coisa, ainda mais complicada, que também não deve ser esquecida: o governo considera bem-vindas as ameaças da troika. São a chantagem que precisam, pedem e combinam. Não são uma voz alheia, nem dos “credores”, nem da troika, nem de ninguém, são o auto falante agressivo que o governo necessita para tornar a sua política inquestionável e servir de ameaça a todas as críticas.
E por último, e não é de menos, esta gente é perigosa e, na agonia, muito mais perigosa ainda.

(A propósito do despacho do ministro Vítor Gaspar de 8 de Abril que pára o funcionamento do estado português, atribuindo essa decisão ao Tribunal Constitucional. O governo entrou numa guerra institucional dentro do estado, em colaboração com a troika, para abrir caminho a políticas de duvidosa legalidade e legitimidade baseadas no relatório que fez em conjunto com o FMI. Não conheço nenhum motivo mais forte e justificado para a dissolução da Assembleia da República por parte do Presidente do que este acto revanchista contra os portugueses.)

José Pacheco Pereira

O MATERIAL TEM SEMPRE RAZÃO (3) | José Pacheco Pereira

jppereiraO tom revanchista que o governo e os seus defensores assumem depois da decisão do Tribunal Constitucional , – do género “ai não quiseram isto, pois vão levar com muito mais”, – mostra o carácter punitivo que está presente na política da coligação desde o início. A cada revés, e todas as semans há um grave revés, vêm novas ameaças e castigos, em vez de admissão de erros e inversão de caminhos. Como este tom punitivo é dos que melhor “comunica” com toda a gente, mesmo sem precisar de agências nem assessores, o governo está mais uma vez a semear ventos e a colher tempestades.

José Pacheco Pereira

 

http://abrupto.blogspot.pt/2013/04/o-material-tem-sempre-razao-3-o-tom.html … (FONTE)

O MATERIAL TEM SEMPRE RAZÃO (1) | José Pacheco Pereira

kjhhO Governo já tinha falhado por completo todos os objectivos do memorando, ANTES da decisão do Tribunal Constitucional. O governo já estava com dificuldades em “ir aos mercados”, ANTES da decisão do Tribunal Constitucional. O Governo já estava a caminho de um segundo resgate, ANTES da decisão do Tribunal Constitucional. O Governo já estava em crise profunda, ANTES da decisão do Tribunal Constitucional. Todas as crises, económicas, sociais, e políticas já estavam em pleno curso, ANTES da decisão do Tribunal Constitucional.

A decisão do Tribunal Constitucional acelera todos estes processos mas não lhes deu origem. Nasceu deles. Nasceu de um Governo que, apesar de prevenido, mil vezes prevenido, insistiu num  Orçamento de Estado assente em medidas ilegais. Bateu no peito cheio de ar e vento,  insultando o Deus dos Trovões e levou com um raio em cima.
José Pacheco Pereira

Citando José Pacheco Pereira

jppPensaram sempre em atacar salários, pensões, reformas, rendimentos individuais e das famílias, serviços públicos para os mais necessitados e nunca em rendas estatais, contratos leoninos, interesses da banca, abusos e cartéis das grandes empresas. Pode-se dizer que fizeram uma escolha entre duas opções, mas a verdade é que nunca houve opção: vieram para fazer o que fizeram, vieram para fazer o que estão a fazer.
(José Pacheco Pereira)

Liberdade, onde estás, quem te demora? | José Pacheco Pereira in “Público”

kjhhNão é bom viver no Portugal onde reina o engano e a mentira institucionalizada.

Este artigo é um panfleto. Não acrescenta nada de novo àquilo que digo há mais de dois anos, pelo que não tem interesse mediático. Não é distanciado, nem racional, nem equilibrado, nem paciente, nem tem um átomo da imensa gravitas de Estado que enche a nossa vida pública no PS e no PSD, cheia daquilo a que já chamei redondismo e pensamento balofo.

http://www.aofa.pt/rimp/Pacheco_Pereira_Liberdade_onde_estas.pdf   (FONTE)

José Pacheco Pereira: “As pessoas que nos governam não conhecem Portugal” in “Quadratura do Círculo”

kjhhAs razões porque este exercício do governo está a falhar é porque lhe falta uma dimensão política; tem que haver consistência política entre queixarmo-nos de um orçamento europeu de contenção e defendermos o contrário cá dentro sem que ninguém se deva queixar, entre sermos keynesianos lá fora e hayekianos cá dentro.

As pessoas que nos governam há ano e meio não conhecem Portugal, são uma coligação entre tecnocratas e ignorantes e seria possível, sem pôr em causa os objectivos orçamentais, não destruir o tecido económico existente sem construir nada ao lado.
A maneira com o fisco trata os portugueses raia um estado totalitário, podendo saber-se tudo sobre a vida de uma pessoa a partir de um número de contribuinte, o que coloca um número de questões e não há nenhum pensamento político sobre esta questão (e a oposição também não o tem).
A classe média está destruída e a empobrecer, havendo uma enorme desautorização do Estado e das instituições e um desrespeito pela política e pelos políticos.”

NO CENTENÁRIO DE ÁLVARO CUNHAL | José Pacheco Pereira in “Público”

acunhalA personalidade de Álvaro Cunhal merece neste ano do seu centenário um conhecimento menos preso à mitologia, quer hagiográfica, quer hostil, para poder devolver-se à memória histórica dos portugueses um homem real e bem pouco comum, em vez de uma abstracção mecânica, que, essa sim, será rapidamente esquecida. Ora, nos anos desta década infeliz, precisamos bem dessa memória mais profunda e complexa da história, para não nos embrutecermos mais do que o que já estamos.

José Pacheco Pereira

http://abrupto.blogspot.pt/2013/02/no-centenario-de-alvaro-cunhal-deixado.html … (FONTE)

José Pacheco Pereira | O número que está tatuado nos braços dos portugueses: o número de contribuinte in “Jornal Público”

Se de manhã ao pequeno- almoço não pedir factura do café, pode vir um fiscal e multar-me…

Aqui há uns anos houve uma discussão sobre o número único a propósito do cartão do cidadão. É uma matéria pouco popular, tida como importando apenas aos intelectuais e aos políticos, que as pessoas comuns vêem com muita indiferença. Se lhes parece mais eficaz que cada um tenha um número único que sirva para o identificar num bilhete de identidade, para reconhecer uma assinatura, na Segurança Social, no fisco, numa ficha médica, num cartão de crédito ou de débito, qual é o problema? Se isso lhe poupa tempo e papéis, qual é a desvantagem? Se isso permitir perseguir um criminoso, que importa existir uma base de dados com o ADN das pessoas? E se as tecnologias o permitirem, como permitem, qual o mal em podermos vir a ter um chip como os cães, ou uma etiqueta electrónica como as crianças à nascença, por que razão é que nós não podemos ser numerados por um qualquer código de barras tatuado no braço?

A maioria das pessoas é indiferente ao abuso do Estado nestas matérias se daí vier uma aparente maior eficácia e menor burocracia. E os proponentes destas medidas, uns tecnocratas, outros fascinados pelos tecnocratas, outros ainda gente mais perigosa e securitária cujo ideal de sociedade perfeita é o 1984 de Orwell, todos manipulam a opinião contra os antiquados defensores dos “direitos cívicos”, que continuam a achar que não se deve ter número único, chip, ou código de barras, em nome dessas coisas tão de “velhos do Restelo” como sejam as liberdades e o direito do indivíduo em ter uma reserva da sua vida íntima e privada, sem intromissão indevida do Estado onde ele não deve estar.

Infelizmente, insisto, a indiferença cívica é o pano de fundo de muitos abusos e a sociedade e o Estado que estamos a construir são os ideais para uma sociedade totalitária. Se uma nova polícia política aparecer – e para quem preza a liberdade esse risco existe sempre -, não precisa de fazer nenhuma lei nova, basta usar os recursos já disponíveis para obter toda a informação sobre um cidadão que queira perseguir.

A promessa que nos é feita é de que os dados “não são cruzados”. Mas esta afirmação não só não é verdadeira como não garante nada. Não impede um serviço de informações que queira abusar, de obter cumplicidades e “cruzar” dados, não impede uma polícia de fazer o mesmo (o episódio do acesso da PSP às filmagens não editadas sem ordem judicial é um exemplo de práticas costumeiras que só são escrutinadas depois de um acidente de percurso), não impede a utilização de software mais sofisticado para fazer buscas na Internet, muito para além da informação já vasta que se pode obter no Google. E se somarmos as câmaras de vigilância e outros meios cada vez mais generalizados de controlo dos cidadãos, mais nos preocupamos com as liberdades no mundo orwelliano em que já vivemos.

E quanto ao “cruzamento de dados” a partir de um número único com informação indevida, tudo isso já existe e chama-se NIF, número de identificação fiscal, ou mais prosaicamente, “número de contribuinte”. De há dez anos para cá, o Governo Sócrates e depois o Governo Passos Coelho transformaram o fisco no mais parecido que existe com uma polícia global, e uma polícia global é também política, e o número de contribuinte no verdadeiro número único dos portugueses, cujo acesso permite todos os cruzamentos de dados e uma violação sem limites da privacidade de cada cidadão. Se somarmos a isso o facto de o fisco ser a única área da lei em que a presunção da inocência não existe e o ónus da prova cai no cidadão, temos um retrato de um Estado de excepção dentro de um Estado que se pretende de direito.

E não preciso de estar a recitar a litania do combate à evasão fiscal, porque este caminho de abuso tem sido trilhado exactamente porque o combate à evasão fiscal tem sido ineficaz onde deveria ser. O furor do Estado volta-se contra as cabeleireiras, os mecânicos de automóveis e as tabernas, mas ignora os esquecimentos de declaração de milhões de euros, que só são declarados quando descobertos e não merecem uma palavra de condenação nem do ministro das Finanças, nem do Banco de Portugal, nem de ninguém dos indignados com a factura dos cafés. E é exactamente porque o combate à evasão fiscal falha, ou porque a economia está morta, ou porque os Monte Brancos são mais numerosos do que todas as montanhas dos Alpes, dos Andes, do Himalaia, que se assiste a uma espécie de desespero fiscal que leva o Estado (os governos) a entrar pela liberdade e individualidade dos cidadãos comuns de forma abusiva e totalitária. Digo totalitária, mais do que autoritária, porque a tentação utópica de “conhecer” e controlar a sociedade e os indivíduos através da monotorização de todas as transacções económicas é de facto resultado de mente como a do Big Brother.

Num computador do fisco está toda a nossa vida já inventariada e cruzada através do número de contribuinte e dos poderes discricionários da Autoridade Tributária. Se de manhã ao pequeno-almoço não pedir factura do café, pode vir um fiscal e multar-me (não pode porque é ilegal, impossível de facto, e o Governo anda a mentir-nos a dizer que já o fez quando se devem contar pelos dedos da mão as contra-ordenações realizadas, se é que há alguma à data do anúncio), e para lavrar o “auto” terá de dizer onde estou, o que consumi sem factura e informar o Estado sobre se tomo chá, café ou chocolate, doces ou salgados, etc. Depois passo por uma livraria e na factura estão os livros que comprei e está o número de contribuinte. Hum! Este anda a ler livros subversivos, ou quer saber coisas sobre a Tabela de Mendeleev (a química é sempre perigosa), ou uma história sexualmente bizarra como a Lolita, (diga aí ao assessor do senhor ministro que um boato de pedofilia é sempre mortífero e o homem lê livros sobre isso), ou o Vox do Nicholson Baker (uma história de sexo por telefone que o procurador Starr queria usar como prova contra Clinton, pedindo à livraria que lhe confirmasse a compra do livro por Monica Lewinsky, o que a livraria recusou e bem). Depois foi almoçar, e pelo número de contribuinte verifico que almoça muitas vezes a dois, e dois é um número suspeito. Coloque lá no mapa o sítio do pequeno-almoço, mais a livraria, mais o restaurante, e as horas. E depois? A Via Verde cujo recibo tem o número de contribuinte mostra que entrou na portagem X e saiu na portagem Y. Interessante, o que é que ele foi fazer ao Entroncamento? E levantou dinheiro no Multibanco. Muito ou pouco? Bastante. Veja lá as facturas que ele pagou no Entroncamento. Aqui está, comprou uma mala de viagem. Então a factura? Não há, comprou nuns chineses, mas foi visto com a mala na câmara de vigilância de um banco. Anote aí para mandar uma inspecção do fisco e da ASAE aos chineses, imagine o que seria se nós não tivéssemos as imagens do banco! O que é que ele vai fazer com a mala? E por aí adiante.

A nossa indiferença colectiva face ao continuo abuso do Estado, que nada melhor nos dias de hoje revela do que o fisco, vai acabar por se pagar caro. Muitos tentaram fugir ao fisco? É verdade, muitos inclusive nunca pagaram impostos e vivem numa economia paralela, mas a sanha contra eles, que face ao fisco não tem direitos, nem defesa, nem advogados, contrasta com a complacência afrontosa com a fraude fiscal com os poderosos. É que também nisso, na perseguição aos pequenos, se revela o mundo totalitário de 1984 e do Triunfo dos Porcos, em que alguns são mais iguais do que outros. E pelo caminho, para garantir que os pequenos sejam apanhados na malha, pelo desespero de um fisco que quer sugar uma economia morta de recursos que ela não tem, é que se usa o número de contribuinte como número único, cruzado nos computadores das finanças, muito para além do que é necessário e equilibrado, numa ameaça às liberdades de cada português.”

José Pacheco Pereira in Jornal Público de 2013.02.16

http://www.publico.pt/opiniao/jornal/o-numero-que-esta-tatuado-nos-bracos-dos-portugueses-o-numero-de-contribuinte-26070900 … (FONTE)

FUTEBOL POLÍTICO | José Pacheco Pereira in “Abrupto”

Há um pequeno problema no futebol político: se olhassem para as bancadas apercebiam-se de duas coisas. Uma, a de que ninguém os está a ver; a outra, de quem os está a ver prepara-se para saltar para o campo e linchar as equipas. Isto assim não vai longe.

http://abrupto.blogspot.pt/2013/02/futebol-politico-vivemos-nos-ultimos.html … (FONTE)

“REGRESSAR AOS MERCADOS EM 2013” | José Pacheco Pereira in “Sábado”

mercados

(Escrito em 14 de Janeiro de 2013, publicado a 17. E estava já no discurso para 2013, escrito ainda em 2012:  “Vamos fazer duas ou três emissões com sucesso em 2013, pequenas, a vários prazos, prudentes, e depois os alemães vão colocar-nos a mão por baixo e defender-nos dos mercados, porque com esse sucesso, já podemos ser apoiados pelo BCE. Foi o que nos prometeram, para podermos apresentar a saída da troika como um grande trunfo político.” Há alturas em que não custa nada prever.)
“REGRESSAR AOS MERCADOS EM 2013”
 Vamos admitir que Portugal “regressa aos mercados” em 2013, cumprindo aquilo que já é o único objectivo da política governamental que os seus responsáveis pensam que é realisticamente atingível antes de eleições. O défice, a dívida, a recessão ou um crescimento larvar resultado apenas de que não se pode estar sempre a descer, o desemprego, a crise social em todo o seu esplendor, as falências, o aumento da pobreza, tudo isto parece estar para continuar e durar muito para além do actual ciclo eleitoral. Mas, com o abaixamento dos juros nos mercados, que favorecem Portugal, a Irlanda e mesmo a Grécia, pode ser possível fazer algumas pequenas emissões com sucesso para dar pretexto a que a mão protectora do BCE se estenda sobre Portugal. O que conta é a mão do BCE e não o sucesso das emissões, mas será sempre dito o contrário. É mau? Não é, é bom, mais vale isso do que nada. Mas vale muito menos do que o governo quer dar a entender. É verdadeiramente “voltar aos mercados”? Não é, porque sem o aval do BCE seria impossível. É sustentável? Não é de todo, mas o governo pensa apenas até 2015, porque o “que se lixem as eleições” foi dito em ingsoc e doublespeak, a linguagem orwelliana em que uma coisa significa exactamente o seu contrário

Filosofia Política | A DERIVA ANTIDEMOCRÁTICA A FAVOR DE UM GOVERNO “SEM ENTRAVES” by José Pacheco Pereira in “Abrupto”

(…) Este Governo, na arrogância dos seus primeiros tempos, não deu a mínima importância em falar com o PS para fazer uma revisão constitucional, no início da aplicação do memorando, quando tal era plausível. Depois, foi-se emaranhando num labirinto de arranques e recuos, como a discussão a propósito da “regra de ouro” e do Pacto Orçamental, cada vez com a sua posição mais fragilizada pelo desastre da política governativa. O PS foi crescendo, e tornando rígida a sua posição, Até que o patético apelo à “refundação” do Estado, que era na sua origem um apelo a uma revisão constitucional in extremis, revelou um Governo acossado perante um PS em que Passos Coelho conseguiu o milagre de colocar o seu alter-ego António José Seguro a crescer nas sondagens. (…)

http://abrupto.blogspot.pt/2013/01/a-deriva-antidemocratica-favor-de-um.html

OS GRANDES DESTRUIDORES DE ALTERNATIVAS by José Pcheco Pereira in “Abrupto”

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O grande destruidor das alternativas é o governo, mas o grande destruidor da alternativa ao governo é o PS de Seguro. Mas essa história fica para outra altura, porque remete para o terreno onde menos de facto há alternativas: a erosão por parte dos aparelhos partidários das elites governativas capazes de unir capacidade politica e eleitoral, saber e patriotismo. E hoje, o PS e o PSD, não produzem tal espécie. Aqui sim, há um grave problema de alternativa.

http://abrupto.blogspot.pt/2013/01/alternativas-pior-discurso.html

 

José Pacheco Pereira na Revista Sábado

«O ano de 2013 vai ser o ano da viragem que dará razão ao Governo e às folhas de Excel. No fundo, sabemos todos que a Microsoft não teria um software tão famoso, se ele não funcionasse. Ao lado do Excel, as previsões da oposição são feitas com as cartas do Tarot e vendo os programas da Maya.

Dizem que as coisas estão muito mal, mas não estão tão mal como isso. Vejam os manifestantes do 15 de Setembro. São contra o governo? Não, foram contra a TSU, um “erro de comunicação” identificado pelo professor Marcelo e rapidamente corrigido. Para além disso, os mesmos manifestantes são contra as greves e contra os funcionários públicos. Estão os pobres urbanos a favor da revolução? Enganam-se, já os viram a falar contra a greve dos transportes quando as televisões os procuram nas estações? Por eles, acabava o direito á greve já amanhã, juntando-se a Ferraz da Costa numa diatribe sobre o excesso de indisciplina nas empresas públicas e a libertinagem permitida pela Constituição. O Salazar é que os punha na ordem.

Estão os jovens indignados? Estão, estão, contra aqueles que por tornarem “rígido” o “mercado do emprego”, ocupam os empregos enquanto eles são “precários”. Vejam lá se eles vão às manifestações da CGTP? Não vão, porque eles leem blogues, e sabem que os sindicalistas querem continuar a ser “sanguessugas” dos nossos impostos, a ganhar sem trabalhar. Para além disso, os jovens sabem muito bem que o estado não vai garantir-lhes as reformas no futuro e, por isso, para que é que têm que estar a pagar hoje as reformas milionárias acima dos 1300 euros? Os velhos que se cuidem, porque estão a prejudicar os mais novos, como disse o senhor Primeiro-ministro aos jovens da JSD, cheios de confiança nos seus “projectos de futuro” e de carreira. No fundo, sabem que são os “seus” que estão no poder.

Há gente zangada nos restaurantes, nos professores, nos trabalhadores das diversões, nos polícias, nos médicos, nas forças armadas? Não se iludam, são apenas grupos corporativos que estão a perder os privilégios que tinham e a ter que pagar impostos que nunca pagaram. Aliás, são os poderosos que mais estão contra este governo. É o lóbi dos restaurantes que não quer passar facturas, todos representantes de um sector sem interesse para a economia exportadora que queremos construir. Militares? Isso são os restos do PREC e um anacronismo que é preciso corrigir. Já acabamos com o Serviço Militar Obrigatório, agora para que é que são precisas as forças armadas a não ser como uma polícia “pesada” anti-motim? São como os juízes do Tribunal Constitucional, um grupo que julga em causa própria, para defender as suas chorudas reformas, mesmo que para isso tenha que matar a economia. Aliás os verdadeiros inimigos do governo são gente sem valor que se habituou toda a vida a viver do estado e que está apenas a defender a sua reforma atacando vilmente este corajoso governo. Não é Bagão Félix?

Falam contra os bancos e acusam o governo de lhes dar tudo o que pode? Esquerdismo à Louçã, porque a saúde do sistema financeiro é fundamental para a nossa economia e os bancos fazem a sua parte. Há quem coloque o dinheiro no estrangeiro e em offshores? É apenas a natural expressão do receio que tiveram com a bancarrota de Sócrates, a quem apoiaram apenas por engano. No fundo estão a comportar-se racionalmente como deve fazer o grande capital. E a verdade é que, à medida que os seus nomes aparecem no “Monte Branco”, portam-se como devem e pagam os seus impostos. Não é muito, mas eles percebem bem como este governo está ao serviço dos “interesses da economia”, que são também os seus. Tudo gente patriótica.

Só uns intriguistas é que podem dizer que o governo não cumpre contractos com os trabalhadores, ao mesmo tempo que é mole com os offshores e respeitador dos contratos blindados das PPPs. É verdade que muitos dos seus autores, – da blindagem,- estão no governo ou trabalham para o governo nas grandes firmas de advogados e consultadoria, mas isso é porque são competentes e confiáveis. Foram-no antes e são-no hoje. O que é que queriam, que o governo os colocasse á margem, com tudo o que eles sabem e podem? Intrigas e inveja.

2013 vai ser o ano do pensamento positivo, vai mostrar que o optimismo é a melhor atitude a ter na vida. Há crise, sim senhor, mas nós aguentamos. Os portugueses no meio de grandes dificuldades em ajustar-se vão cortar no supérfluo, deixar de comer bifes, lavar só metade dos dentes, e ir ao hospital quando já estão de maca. No fim, vamos chegar vivos. Vamos aguentar. Vamos continuara a dar mostras de civismo e das qualidades de paciência que tornaram o “bom povo português” um exemplo que a Europa segue com carinho e inveja. Na Europa, também tudo está mudar. O país e Vítor Gaspar tem um prestígio incalculável, que é o melhor asset para Portugal. Ele é a Merkel, o Schauble, o Draghi, o Trichet a debitarem elogios e a aprenderem muito connosco. Não cumprir o défice deixou de ser muito importante. Vamos fazer duas ou três emissões com sucesso em 2013, pequenas, a vários prazos, prudentes, e depois os alemães vão colocar-nos a mão por baixo e defender-nos dos mercados, porque com esse sucesso, já podemos ser apoiados pelo BCE. Foi o que nos prometeram, para podermos apresentar a saída da troika como um grande trunfo político. Esperemos que resulte. O resto não interessa, mesmo que isto não seja bem voltar aos mercados, mas só a cabeça negra da oposição dirá isso. E não me venham com tretas sobre a sustentabilidade, porque sustentáveis só temos que ser até ao “que se lixem as eleições”. Depois a culpa passa outra vez para o PS.

Com a saída da troika o governo pode aparecer aos olhos dos eleitores como tendo cumprido o memorando “que outros assinaram”, e, retomado a “soberania” nacional, que “outros perderam”. É verdade que continuamos a ser obrigados a fazer a mesma política mesmo sem a troika, mas deixam-nos uma pequena folga para haver eleições sem ser em estado de calamidade. A troika zela pelos seus e o Pacto Orçamental está lá sempre para por na ordem as tentações keynesianas. Para além disso, como disse Passos Coelho, os números vão ser tão baixos que alguma vez têm que subir.

Vamos continuar a confiar nos dois partidos corajosos que nos vão retirar da bancarrota para onde nos atirou o Sócrates. Vejam a inteligência de Portas, a teimosia convicção de Passos Coelho, a tenacidade de Relvas contra a campanha miserável que lhe fazem, o saber profundo de Vítor Gaspar, a lealdade daqueles deputados que, contra ventos e marés, votam tudo o que é preciso, a fidelidade quase canina dos propagandistas, bloguistas amigos, também assessores, também a trabalhar com os gabinetes nas agências de comunicação e imagem, um serviço muito importante para não haver “falhas de comunicação”. E se as há, é porque não contratam os serviços que deviam, os especialistas nessa arte de “persuasão” que as almas danadas da oposição chamam de manipulação.

Eles sim são homens de princípios. E se estão surpreendidos pelo “canino” na fidelidade, é porque desprezam o melhor amigo do homem, ali, a dar a dar, e que ladra e morde quando é preciso. Fazem-nos muita falta neste tempo de crise, em que, aparentemente solitários, os homens que nos governam, têm consigo a maioria silenciosa dos melhores portugueses e os seus cães. Pensamento positivo, que o pior já passou.

MAS, HÁ UM PEQUENO PROBLEMA…
É que não acredito numa linha do que está escrito antes.»

VIAGEM NO PASSADO POR CAUSA DO PRESENTE por José Pacheco Pereira in “Abrupto”

Hoje tudo é muito diferente em relação ao passado, mas também muita coisa é demasiadamente igual.
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Cartazes do CDS, 1976.

Cartazes do CDS, 1976.

No final do século XIX, princípio do século XX, o incipiente operariado português concentrava-se em poucas fábricas dignas desse nome no Norte do país, em particular no Porto, e numa multidão de pequenas oficinas em Lisboa e Setúbal e nas principais cidades do país. Eram operários e operárias, tabaqueiros, têxteis, soldadores, conserveiros, corticeiros, mineiros, padeiros, alfaiates, costureiras, cinzeladores, cortadores de carnes verdes, carpinteiros, fragateiros, estivadores, carregadores, carrejonas no Porto, carvoeiros, costureiras, douradores, etc., etc. Havia uma multidão de criados e criadas, criadas “de servir”, e muito trabalho infantil em todas as profissões, em particular nas mercearias, onde os marçanos viviam uma infância muitas vezes brutal, dormindo na loja e carregando com cargas muito pesadas. Falei em operariado, mas na verdade, muito poucos correspondem ao conceito, porque se trata mais de artífices, trabalhadores indiscriminados, e em muitos casos com profissões hierarquizadas em que os aprendizes eram sujeitos a todos os abusos. Havia depois uma aristocracia operária, essencialmente entre os que faziam tarefas qualificadas e mais bem pagas, como era o caso dos tipógrafos, que sabiam ler e por isso tinham um mundo social diferente. Antero de Quental foi tipógrafo de passagem.
Deixo o campo de lado, em que a maioria dos portugueses ainda vivia, onde havia igualmente um território obscuro e pouco conhecido que despertou com a I República, os trabalhadores rurais alentejanos. Estes viviam uma vida violenta e esquecida no meio do deserto alentejano. Nos meios rurais vários grupos de trabalhadores vegetavam na mais negra miséria e vendiam o seu trabalho sazonalmente, nas vinhas do Douro, nos campos do Alentejo e Ribatejo como maltezes e ratinhos. O que de mau se pode dizer das cidades, pode-se dizer pior do campo ou das vilas piscatórias do litoral e mineiras do interior.
A economia do mundo operário centrava-se no salário muito escasso, na renda de casa, numa vila operária ou numa “ilha” se fosse no Norte do país, onde se amontoavam em condições higiénicas e sanitárias inimagináveis. A epidemia de cólera no Porto, e a habitual ocorrência de tifo, demoraram muito anos a lembrar os governantes do problema de insalubridade da “habitação operária” e deram origem aos bairros sociais no salazarismo.
O vestuário masculino e feminino era muito grosseiro, sarja, serapilheira, chita eram comuns e os sapatos eram para usar aos domingos. Até à década de cinquenta do século XX o pé descalço era um símbolo da pobreza portuguesa. Alpergatas feitas com um bloco de madeira e uma tira de borracha de pneu eram o calçado operário mais comum. As mulheres vestiam-se ainda como se estivessem no campo e os homens já menos, mas mesmo assim o traje operário, como o fato-macaco, demorou a tornar-se comum porque era caro.
A alimentação era de péssima qualidade e a fome, e doenças associadas com as carências alimentares, como o raquitismo, eram comuns. A tuberculose era generalizada, e o alcoolismo um flagelo social. Eram igualmente comuns os traços da varíola, da poliomielite, e em certas zonas do país havia malária e kala-azar. Não havia dinheiro para ir ao médico e também não havia muitos médicos e menos hospitais, já para não falar de medicamentos. A dependência da caridade da igreja ou pública, sob formas como a “sopa dos pobres”, implicava regras de comportamento disciplinares, subserviência e cabeça baixa. Havia muita mendicidade.
A prostituição, a criminalidade e o roubo eram generalizados. Havia um número elevado de “matriculadas” e um número ainda maior de mulheres que se prestavam ocasionalmente à prostituição por razões económicas. A violência sexual nas fábricas era uma forma de “direito de pernada” que ninguém contestava e a violência nas famílias sobre as mulheres uma hábito estabelecido. Em Lisboa a criminalidade “apache” de navalha, vinho e fado era a regra, nos campos o assassínio bruto à paulada e a machado associava-se ao roubo nos matos e ao incêndio de searas. A reivindicação de polícia rural está alta na lista de todas as associações de agricultores, como os senhorios urbanos temiam os seus inquilinos.
A esmagadora maioria da população era analfabeta, e os poucos que tinham algumas letras não passavam da instrução primária, muitas vezes incompleta. No entanto, havia uma reverência à escola e à instrução, como sinal de ascensão social. Para muitos pobres, o seminário era a única escola possível.
Os trabalhadores não tinham quaisquer direitos enquanto trabalhadores. Os patrões, fossem os “industriais” com dinheiro brasileiro e títulos de barão e visconde, ou os donos das pequenas oficinas de marcenaria ou de panificação, podiam decidir tudo sobre os seus trabalhadores. Os horários podiam ser de sol a sol, as condições de trabalho eram terríveis, os acidentes de trabalho e as doenças profissionais comuns, as ordens de patrões e capatazes eram indiscutíveis, os dias de doença não eram pagos, as faltas, por muito justificadas que fossem, idem, e o despedimento não tinha qualquer formalidade – chamava-se o trabalhador e “punha-se na rua”. Ponto.
Durante a segunda metade do século XIX, os operários começaram a organizar-se e a reivindicar alguns muito escassos direitos. À medida que as antigas corporações desapareciam, e com estas algumas confrarias que ofereciam um escasso apoio social a grupos profissionais, apareciam associações mutualistas que pretendiam em primeiro lugar garantir um funeral decente em vez da carreta dos pobres e a vala comum, assim como algum apoio às viúvas e aos filhos, que a morte deixava de imediato na pobreza absoluta. Os peditórios eram comuns. Esse mundo da economia popular pode ser visto por um observador atento que visite alguns bairros antigos de Lisboa, onde encontra ainda restos da paisagem operária marcada pelas lojas de penhor, pelas funerárias e pelas tabernas.
Os sindicatos, no sentido moderno do termo, surgiram a partir das associações de classe e de um espírito de resistência e auto-organização, que, não sendo nunca muito forte, estabeleceu-se com tenacidade. Havia greves, algumas violentas e tumultuárias, mas também era comum que um gesto qualquer caritativo do patrão fizesse voltar os operários ao trabalho, muito agradecidos com a benesse. A relação paternal entre o patrão e os “seus” operários estava incrustada no tipo de relações sociais dominadas pela clientela e pelo patrocinato. O caciquismo era a face política dessas mesmas relações, a partidocracia actual a sua herdeira.
Do seu lado, do lado das “classes laboriosas”, havia muito pouca gente, alguns raros filantropos com ideias progressistas, muitos filantropos com ideias reacionárias, e, durante a sua breve vida, um Rei D. Pedro V. E, pouco a pouco, legislação sobre o trabalho, as condições de trabalho, a “previdência”, e um embrião de um direito laboral foi fixando horários, salários, regras, descontos, faltas, doenças, obrigações, e, palavra maldita, do direito nasceram direitos adquiridos.
Estamos a falar de cem, cento e cinquenta anos, mas saímos deste mundo há pouco mais de cinco décadas, com muito sofrimento, esforço e trabalho, consolidando melhorias e direitos. Na década de sessenta, a vida começou a melhorar muito lentamente. A emigração representou a válvula de escape para muita desta miséria, e na França, na Alemanha, como antes no Brasil e Venezuela. Uma lenta mas construtiva industrialização, iniciada nos anos cinquenta, e uma política de “fomento” permitiram, junto com a economia colonial acicatada pela guerra, algum progresso material. E Marcelo Caetano deu a reforma aos rurais e o 25 de Abril o resto.
Foi um processo lento e nalguns aspectos pouco amável, que incluiu uma revolução e alguma violência, cá e principalmente em África. Conseguimos uma muito razoável integração dos “retornados”, mais eficaz pela plasticidade da sociedade portuguesa do que o que aconteceu em França com os pieds noirs. Acabámos com os frutos malditos da pilha de ouro entesourada no Banco de Portugal, a mortalidade infantil, o analfabetismo, a pobreza, a absoluta desprotecção face aos infortúnios do trabalho e da vida.
Melhorámos alguma coisa, mas não muito. Mas foi tudo muito lento e muito tarde, o que significa que os portugueses mais velhos ainda têm uma memória viva, muito provavelmente biográfica, desta pobreza ancestral. Mesmo os que já não a viveram sabiam pelos seus pais e avós que era assim, e isso significa, ao mesmo tempo, um certo conformismo e alguma revolta.
O último tempo onde mais negra foi a miséria portuguesa que ainda pode ser lembrado pelos vivos foi por volta de 1943, o ano em que houve um excedente da balança comercial que a imbecil ignorância actual se permite louvar, sem saber do que está a falar. Ter havido excedentes na balança foi bom, a razão por que isso aconteceu foi péssima. É essa fractura entre a abstração e a realidade que torna obrigatório viajar pelo passado por causa do presente. Tudo é muito diferente, mas também muita coisa é demasiadamente igual. Esperemos que em 2013 não se torne ainda mais parecida.
(Versão do Público de 22 de dezembro de 2012.)
FONTE:  http://abrupto.blogspot.pt/2012/12/viagem-no-passado-por-causa-do-presente.html