Eu gosto muito do meu país, mas não tenho muitas ilusões sobre ele. É um país atrasado, pouco desenvolvido, sem massa crítica, pouco culto, sem grande qualificação da mão-de-obra, muito dependente de vagas de superficialidade, onde a maioria das pessoas trabalha duramente para não receber sequer o mínimo vital, sem vida cívica autónoma do Estado, com uma economia débil, desindustrializado, com uma agricultura desigual, pouco cosmopolita, com muitos aproveitadores e alguns bandidos, mas aí como os outros.
É um país que cada vez menos tem autonomia política, dependente da transferência dos centros de decisão para Bruxelas. Aquilo em que somos melhores não coloca o pão no prato ao fim do dia, como agora se diz. Temos uma língua e uma literatura de valor universal, a melhor obra dos portugueses, mas ninguém come literatura. E temos uma democracia que é um valor que só quem sabe o que é ditadura percebe qual é. É mau? Não é mau, há muito pior, mas é sofrível, e sofrível não permite andar por aí a bater em pandeiretas.
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O MARTELO DE THOR | José Pacheco Pereira
«Eu gosto muito do meu país, mas não tenho muitas ilusões sobre ele. É um país atrasado, pouco desenvolvido, sem massa crítica, pouco culto, sem grande qualificação da mão-de-obra, muito dependente de vagas de superficialidade, onde a maioria das pessoas trabalha duramente para não receber sequer o mínimo vital, sem vida cívica autónoma do Estado, com uma economia débil, desindustrializado, com uma agricultura desigual, pouco cosmopolita, com muitos aproveitadores e alguns bandidos, mas aí como os outros.
É um país que cada vez menos tem autonomia política, dependente da transferência dos centros de decisão para Bruxelas. Aquilo em que somos melhores não coloca o pão no prato ao fim do dia, como agora se diz. Temos uma língua e uma literatura de valor universal, a melhor obra dos portugueses, mas ninguém come literatura. E temos uma democracia que é um valor que só quem sabe o que é ditadura percebe qual é. É mau? Não é mau, há muito pior, mas é sofrível, e sofrível não permite andar por aí a bater em pandeiretas.
Lançamento do Livro “Que fazer contigo, pá?” | Carlos Vale Ferraz | Apresentação de José Pacheco Pereira
Minhas amigas e meus amigos. Teria o maior prazer na vossa presença na apresentação do novo romance, que será feita pelo José Pacheco Pereira. Pela minha parte responderia `pergunta:
O livro é sobre quê?
Assim:
É sobre um homem a quem impuseram um destino que o ultrapassava e que, no fundo, ele não estava disposto a cumprir.
É um romance sobre a vaidade de ser um herói.
Sobre a ficção das histórias oficiais. Eu escrevi (tentei) uma história verdadeira sob a forma de ficção.
É sobre os salvadores das pátrias e dos povos.
É sobre a falsidade, a perversidade e a mentira
É sobre o clássico herói e salvador vencido pela história.
É um romance sobre mim.
O discurso histórico oficial é sempre uma conveniência.
Este romance é contra as conveniências do discurso oficial sobre um período recente e marcante da nossa história: o 25 de Abril, o 25 de Novembro e a violência revolucionária e contra revolucionária.
A ficção é a minha forma de transmitir a minha verdade.
Eu tenho uma verdade sobre o 25 de abril, sobre o 25 de novembro, sobre a nossa história. Este romance é o romance da minha verdade.
Os leitores poderão ver aqui quem quiserem, Otelo e Calvão, Eanes, Jaime Neves, o cónego Melo ou o Carlos Antunes, o ELP e as FP, mas o que está neste romance sou eu e a minha verdade sobre um período da nossa história.
É um romance sobre o outro que todos os sensatos têm de reserva.
Este é também um romance sobre loucos. Sobre os loucos que ocupam os marcos da História.
O que é um ex-revolucionário?
Como perdemos os ideais?
Ser generoso, dar a sua vida por uma causa é prova de quê? De inteligência? De estupidez! Só temos uma vida.
Gostaria muito de os ter nesta apresentação
Carlos Vale Ferraz
JOSÉ PACHECO PEREIRA | OPINIÃO | Aprender com a crise da Fundação Mário Soares | in Jornal Público
A crise na FMS tem outro efeito perverso que é a desconfiança de que a entrega de espólios e acervos a instituições que pareciam sólidas se revele instável com o tempo.
Este artigo pode ser entendido como manifestando um conflito de interesses. Fica já isto dito à cabeça, embora pense que na verdade não o seja, visto que o que me move é uma questão de interesse público que está muito para além de também eu “andar aos papéis” para o Arquivo Ephemera.
O assunto é, como é óbvio, a crise da Fundação Mário Soares (FMS), uma instituição com enorme mérito, que muito estimo e que acompanho praticamente desde a sua criação. Aproveito, aliás, para dizer que o que se diz pelas redes sociais e nos comentários, mesmo de leitores do PÚBLICO, sobre essa crise me merece a maior repulsa e um sentimento de vergonha pelos meus semelhantes capazes de se regozijarem com o que se está a passar em nome do ódio a Mário Soares. Esse ódio justifica para eles uma política de terra queimada, o equivalente a queimar livros numa pira como se fazia nos tempos do nacional-socialismo. A crise da FMS empobrece-nos a todos e torna Portugal pior.
Pensar fora da caixa ou seja fora do “economês” da troika | José Pacheco Pereira in jornal “Público”
Estamos tão viciados na maneira de pensar ao modo da troika que não somos capazes de colocar as prioridades no sítio certo.
Aquilo que talvez mais distinga a possibilidade de se poder andar para a frente num país como Portugal é a capacidade de sair do pensamento, do vocabulário, do argumentário, da política e mesmo da filosofia dos anos da troika e da herança ainda demasiado viva e poderosa do “economês” da troika. Os anos de lixo que vivemos são–nos apresentados como tendo sido um período de resistência “reformista”, quase heróico, após a bancarrota, atravessando todas as dificuldades e conseguindo no fim “sair” sem consequências de maior e ainda por cima “mais bem preparados” para o futuro imediato, “permitindo” a “coragem” “passista” a recuperação “costista”. Teria sido um período de “verdade” da nossa economia e sociedade, uma espécie de limpeza lustral de tudo aquilo que nos tinha “afundado” na bancarrota, o Estado, o despesismo, o “viver acima das suas posses”, os excessos sindicais, o crescimento da função pública, o “socialismo”, a “social-democracia”, e a corrupção BES-Sócrates, e uma sociedade de “direitos adquiridos”, ou em que os mais velhos exploravam “injustamente” os mais novos, porque tinham reformas e pensões.
Eu quase que tenho que pôr todas as palavras entre aspas para indicar que o seu uso é ideológico, e sem qualquer correspondência com a realidade, e que remetem para um universo orwelliano de manipulação das palavras e das ideias. Nem houve reformas, o que houve foi um “brutal aumento de impostos” de que ainda não saímos, nem podemos sair, visto que ele é a coluna vertebral do cumprimento das chamadas “regras europeias”. Nem houve qualquer “recuperação” estrutural da nossa economia, muito menos resultante das “reformas” laborais que tornaram ainda mais desigual a relação entre patrões e trabalhadores, nem houve qualquer diminuição do peso do Estado na economia, bem pelo contrário. E pagou-se um preço caro na institucionalização à margem da vontade popular e da Constituição, de uma servidão a uma certa política europeia, com perda de poderes dos parlamentos e de soberania.
O QUE EU DIRIA SE FOSSE A UM CONGRESSO DO PSD… | José Pacheco Pereira in blog “Abrupto”
…onde não posso ir porque não sou delegado, não tive nenhum cargo que me desse esse direito por inerência e não quereria falar numa condição de favor em relação aos que têm o direito de lá estar. Aliás, essa hipótese já se colocou num dos primeiros congressos da era Passos Coelho e foi recusada pela direcção do partido. Aos energúmenos que nos partidos têm a sua única vida profissional e que adorariam essa ocasião para me apupar devo dizer-lhes que é para o lado em que durmo melhor. Já tive na vida muitas mais ocasiões de incómodo e riscos muito maiores, para me assustar com isso. Além disso seria uma honra, como se percebe deste texto. Aqui vai, de fora, como se fosse lá dentro.
Ponham lá nas paredes das sedes do PSD…
Passavam menos de 15 dias sobre o 25 de Abril de 1974, a 6 de Maio, três homens, Francisco Sá Carneiro, Joaquim Magalhães Mota e Francisco Pinto Balsemão, liam a declaração genética do PPD, depois PSD, intitulada Linhas para um Programa. Chamo a atenção: o habitual argumento destinado a desqualificar os documentos dos primeiros anos do PSD, de que são o resultado de habilidades linguísticas destinadas a obter legitimidade nos anos do PREC, não colhe de todo. Este documento é escrito muito antes de se dar a radicalização política do ano de 1975 e aliás não esconde a génese do novo partido na chamada “ala liberal” cuja actividade cessava então “pelo nascimento dum partido de orientação social-democrata“. Ou seja, os autores desta declaração estavam a dizer exactamente o que queriam dizer e a situar-se exactamente onde queriam situar-se.
Inscrito a letras de ouro …
Deixemos de lado a parte do apoio ao MFA e ao 25 de Abril, para nos atermos às demarcações do texto e ao seu conteúdo programático. Primeira demarcação: a “concepção e execução dum projecto socialista viável em Portugal, hoje, exige a escolha dos caminhos justos e equilibrados duma social-democracia, em que possam coexistir, na solidariedade, os ideais de liberdade e de igualdade.” A expressão “caminhos justos e equilibrados duma social-democracia” significa que o novo partido se distanciava dos outros “socialismos”, em particular dos dois partidos que tinham chegado ao 25 de Abril aliados por um “programa comum”: o PS e o PCP. Esse “programa” não durou muito, mas existia.
Para não se esquecerem de onde vimos…
O que é que significava esta “visão social-democrata da vida económico -social“?
a) Planificação e organização da economia com participação de todos os interessados, designadamente das classes trabalhadoras e tendo como objectivos: desenvolvimento económico acelerado; – satisfação das necessidades individuais e colectivas, com absoluta prioridade às condições de base da população (alimentação, habitação, educação, saúde e segurança social); – justa distribuição do rendimento nacional. b) Predomínio do interesse público sobre os interesses privados, assegurando o controlo da vida económica pelo poder político (…). c) Todo o sector público da economia deve ser democraticamente administrado (…) . d) A liberdade de trabalho e de empresa e a propriedade privada serão sempre garantidas até onde constituírem instrumento da realização pessoal dos cidadãos e do desenvolvimento cultural e económico da sociedade, devendo ser objecto de uma justa programação e disciplina por parte dos órgãos representativos da comunidade política. (…) f) Adopção de medidas de justiça social (salário mínimo nacional, frequente actualização deste salário e das pensões de reforma e sobrevivência, de acordo com as alterações sofridas pelos índices de custo de vida, reformulação do sistema de previdência e segurança social, sistema de imposto incidindo sobre a fortuna pessoal preferentemente ao rendimento de trabalho com vista à correcção das desigualdades).
Citei mais extensivamente porque é uma parte crucial da “visão”. Estão lá mais coisas, como a crítica ao absentismo dos latifundiários, a defesa do direito à greve (“meios necessários para uma permanente e contínua subordinação da iniciativa privada e da concorrência aos interesses de todos e à justiça social“); a possibilidade de nacionalizações para garantir o “controlo da vida económica pelo poder político“; a defesa do “saneamento” e do “julgamento dos crimes constitucionais de responsabilidade, de corrupção, contra a saúde pública e os consumidores e, dum modo geral, contra a vida económica nacional, bem como dos abusos do poder.”
No plano político está lá a defesa daquilo que viria a chamar-se o “poder local”; a independência do poder judicial; a laicidade do Estado; o fim da discriminação das mulheres, e a afirmação de que a “educação e a formação constituem serviço público no mais amplo e digno sentido de expressão porquanto são fundamento e garantia de liberdade e de responsabilidade. A igualdade de oportunidades, alargamento de horizontes e a preparação ou readaptação à vida em sociedade são os objectivos fundamentais de educação e formação.” Ou seja, a educação é o mecanismo-chave da mobilidade social. E por fim, a defesa da “autodeterminação” nas colónias com imediato cessar-fogo.
Para quem não sabe o que é a social-democracia…
Talvez a mais significativa frase do texto seja esta:
“Consideração do trabalhador como sujeito e não como objecto de qualquer actividade. O homem português terá de libertar-se e ser libertado da condição de objecto em que tem vivido, para assumir a sua posição própria de sujeito autónomo e responsável por todo o processo social, cultural e económico.”
Ela é uma das chaves para perceber o pensamento de Sá Carneiro e dos fundadores. Não vem do marxismo, nem do socialismo, nem do esquerdismo, vem da doutrina social da Igreja tal como se materializava no pensamento da social-democracia que se queria instituir. Demarca o PSD do PS, do PCP mas, acima de tudo, daqueles que no lugar do “trabalhador” colocam as “empresas”, a “economia”, ou outras variantes de qualquer poder que não “liberta”.
A escolha e a ordem das palavras não são arbitrárias. Estes homens devem ter ponderado todas as palavras, todas as ideias e todas as frases deste documento com o máximo cuidado e rigor. Sabiam que estavam a escrever para a História e para o dia seguinte, para os portugueses e para Portugal. Nem é preciso dizer, de tão evidente que é, que nada disto é o que pensa e o que diz a direcção do neo-PSD que hoje existe.
Este é o PSD antigo, mas esta é também a parte que não é “modernizável”.
José Pacheco Pereira
htpp://abrupto.blogspot.com/2016/06/o-que-eu-diria-se-fosse-um-congresso-do.html
O grande abandono | José Pacheco Pereira in Jornal “Público”
Eles sabem que o CDS, o PSD, o PS os abandonaram à sua sorte, estão-se literalmente borrifando para as “causas fracturantes” do Bloco de Esquerda, e a “linguagem de pau” do PCP não os mobiliza. Eles esperam no seu fel – até um dia.
Na semana passada a televisão portuguesa fez várias notícias sobre a recepção de refugiados yazidis sírios e iraquianos e as condições que lhes estão a ser preparadas por algumas organizações, autarquias e o próprio Estado. Mostrava-se o interior de uma casa que ia ser entregue a uma família refugiada, e as condições em que iam recomeçar a sua vida em Portugal. Estava a ver essas imagens num café e restaurante popular, onde várias mulheres trabalham na cozinha. Conheço-as pessoalmente – é gente que tem um salário mínimo e que trabalha em muito más condições, num local quente e acanhado, durante imensas horas. Não são estatisticamente pobres, mas são pobres. Têm salário, têm uma profissão, precária que seja, têm famílias e filhos, são umas novas e outras de meia-idade, mas são pobres.
A ascensão da nova ignorância | José Pacheco Pereira in “Público”
Nada é mais significativo e deprimente do que ver pessoas que estão juntas, mas que quase não se falam, e estão atentas ao telemóvel.
Entre os temas tabu dos nossos dias está a ignorância. Parece que falar da ignorância coloca logo quem o faz numa situação de arrogância intelectual, o que inibe muita gente de a nomear. Mas não há muita razão para se enfiar essa carapuça, tanto mais que o problema é enorme e está agravar-se e a assumir novas formas, socialmente agressivas. Acompanha outro tipo de fenómenos como o populismo, a chamada “pós-verdade”, a circulação indiferenciada de notícias falsas, e, o que é mais grave, a indiferença sobre a sua verificação. Não explica, nem é a causa de nenhum destes fenómenos, mas é sua parente próxima e faz parte da mesma família. É, repetindo uma fórmula que já usei, como se de repente se deixasse de ir ao médico, e se passasse a ir ao curandeiro.
O esquecimento como arma política – I | José Pacheco Pereira | in Jornal “Público”
A direita é hoje uma entusiasta do investimento público, do fim da austeridade, de uma baixa generalizada de impostos, em particular para os mais ricos, do acelerar de “reversões” de medidas que ela própria tomou como sendo temporárias no IRS e — espante-se! — pouco entusiasta do controlo do défice e da execução orçamental, coisas “menores” que são obsessão deste Governo.
O esquecimento é uma poderosa arma política que compõe a panóplia de mecanismos orwellianos que são uma parte importante da acção político-mediática dos nossos dias. O esquecimento é muito importante exactamente porque faz parte de um contínuo entre a política e os media dominado por um “jornalismo” sem edição nem mediação centrado no imediato e no entretenimento, com memória abaixo de passarinho. Ele vive hoje dos rumores interpares nas redes sociais, de consultas rudimentares no Google e não se dá ao trabalho sequer de ir ler ou ver como se passaram os eventos sobre os quais escreve e fala, há um ou dois anos. O tempo mediático é cada vez mais curto e isso é uma enorme oportunidade para uma geração de políticos assessorados por “especialistas em comunicação”, agências de manipulação e uma rede de influências no próprio círculo jornalístico, em que cada vez mais existe uma endogamia de formações, de habilidades e ignorância, de meios e métodos, e de confinamento social e cultural.
O ataque às Humanidades a favor de um mundo pior | José Pacheco Pereira
APELO AOS AMIGOS DO EPHEMERA | José Pacheco Pereira
Neste momento, o ritmo das ofertas e das aquisições semanais subiu muito, e tem havido um crescente número de voluntários para trabalhar no ARQUIVO / BIBLIOTECA. Torna-se necessário uma espécie de entreposto em Lisboa, onde se possa recolher material, dar-lhe um primeiro tratamento e organização e ter um posto de digitalização. Por isso, precisamos da cedência de um espaço que não precisa de ser muito grande, com condições mínimas para que se possa fazer estes trabalhos, ou pro bono, o que seria ideal para não agravar as despesas, ou com uma renda nominal. De nossa parte, podíamos fazer pequenas obras de manutenção, garantir os gastos de electricidade e água e cuidar da segurança do espaço. Há por toda a cidade espaços vazios, lojas e pequenos apartamentos vagos, que podem servir para este objectivo,. A acessibilidade é também importante. O período da cedência seria de cerca de dois anos.
Obrigado.
Ó minha pátria amada, onde nós chegámos | José Pacheco Pereira | in Revista Sábado 2016-02-05
1.
Isto de escrever numa situação volátil é sempre complicado. Mas embora possa haver uma ou outra novidade, no fundo, “onde nós chegámos”, já estamos lá. No fundo, na fossa, num buraco, num sítio que o pudor impede de classificar com as palavras duras que se exige. Onde nós chegámos… à situação de uma nação que pouco mais é do que uma província longínqua de um centro europeu constituído por um conjunto de países, a começar pela Alemanha, mas não só, que entende que o seu interesse nacional e a sua “posição na Europa” implica colocar na ordem os países cujos governos e cujos povos pareçam recalcitrantes face ao seu poder. É por isso que o que aconteceu na Grécia devia ter sido um forte sobressalto, mas uma mistura de cobardia e de nonchalance ajudou a aceitar-se aquilo que é uma versão moderna da política de canhoneira, ou de uma Europa moldada aos princípios soviéticos da “soberania limitada”.
Álvaro Cunhal Vol 4 , O Secretário-Geral | José Pacheco Pereira
Álvaro Cunhal tinha saído algemado da casa clandestina do Luso em 1949. Agora, em 3 de Janeiro de 1960, estava livre mas continuava perseguido e entra de novo na clandestinidade. Tinham-se passado quase onze anos de prisão, uma das penas políticas mais longas do século XX português. Tem quarenta e seis anos, a sua vida pessoal mudaria significativamente a muito curto prazo e a sua acção política torná-lo-á de novo o dirigente máximo do PCP. Depois de uma atribulada estadia no interior de Portugal, sai para a URSS e depois para França, de onde só regressa em 1974. Na década de sessenta, terá uma afirmação indiscutível, como um dos grandes dirigentes comunistas mundiais, internacionalmente reconhecido.O seu pensamento e a sua acção nestes anos moldaram a história de Portugal e das colónias portuguesas até aos dias de hoje.
Derrota ideológica e vitória política | José Pacheco Pereira in “Público” de 16-01-2016
Uma coisa a esquerda deve compreender com toda a clareza: a direita venceu a batalha ideológica nos últimos anos. Mais: essa vitória tem profundas repercussões nos anos futuros e molda a opinião pública. É uma vitória muito perigosa e pegajosa, porque se coloca no terreno daquilo que os sociólogos chamam “background assumptions”, molda o nosso pensamento sem trazer assinatura, parece a “realidade” quando é uma construção ideológica. No entanto, convém não confundir duas coisas distintas, a ideologia e política. E a direita perdeu a batalha política, o que ajuda a ocultar a sua vitória ideológica. O problema é que a solidez da vitória ideológica é maior do que a solidez da vitória política.
Para começar, obrigou-me a contragosto a ter que retomar uma linguagem esquerda-direita, que de há muito penso estar ultrapassada e ter mais equívocos do que vantagens. Sim, já sei, conheço a frase de Alain sobre que quem pensa que não é de esquerda nem de direita é de direita, mas hoje a frase oculta mais do que revela.
Considero este retorno a um quadro de dualidades, que só pode ser usado numa perspectiva histórica ou sentimental, um dos estragos mais recentes sobre possibilidade de se sair de uma política do passado. Pode servir para dar identidade, mas explica cada vez menos o que se passa. Um exemplo, é a crítica ao consumismo oriunda da esquerda que preparou o terreno e encaixou perfeitamente na crítica da direita ao “viver acima das suas posses”, em ambos os casos centrando-se na culpabilização dos consumos típicos da classe média. Mais do que de esquerda e direita, estas posições são socialmente reaccionárias.
Ephemera | José Pacheco Pereira
Portugal em 2015 | José Pacheco Pereira
“Portugal em 2015 está um país muito esquisito, amorfo e ao mesmo tempo zangado; cansado e ao mesmo tempo agitado, cheio de “criadores culturais” e ao mesmo tempo ignorante como nunca; egoísta, mas incomodado pelo seu egoísmo, com má consciência.
O Portugal urbano, precise-se. O rural move-se por outros mecanismos, mas não tem visibilidade a não ser na televisão aos domingos. O Portugal urbano de Lisboa, e, como o mal é contagioso, o do Porto vai a caminho. Coimbra continua muito solidamente provinciana e tem estudantes a mais. Muitos estudantes significam um deserto cultural extenso. Praxes, copos e Rosinha. A Rosinha ainda é o melhor.
Portugal, 2015 (2)
Olhe-se em volta. Nos cinemas dos centros comerciais (não há outros), a parte da Humanidade que é do sexo feminino faz fila para comprar bilhetes para ver um vago filme erótico, com chicotes e algemas, mas onde tudo é bonito, milionário, com gosto e controlado, asséptico. Parece que o sadomasoquismo chique está na moda entre as mulheres. Na verdade, não é uma grande novidade, mas presumo que os homens se interrogam sobre o que é que não tinham percebido nas suas mulheres, companheiras, namoradas, amantes e seja lá o que for. Vão continuar sem saber nada.
Portugal, 2015 (3)
A crise grega entra nas redes sociais por via da roupa do ministro Varoufakis. Discute-se o blusão de couro, o cachecol, as camisas de fora ou de dentro. Não admira. Muita da nossa inteligência feminina, metrossexual e gay gosta muito de discutir roupas e ocasionalmente gatinhos. Sendo assim, não admira que tenham passado dos sapatos Prada, dos fatos Armani e Boss do nosso ex-primeiro-ministro caído em desgraça, para a discussão contínua das gravatas e terminar na mais imbecil crítica feita alguma vez a Passos Coelho, a dos fatos suburbanos de segunda. Essa gente não se enxerga mesmo. É isto segredo para alguém, indiscrição, boato, ou má língua? Não, não é. É o conteúdo habitual desse ruído moderno do Twitter e do Facebook, feito por gente que diz abominar a Caras e a Lux e faz muito pior.
Portugal, 2015 (4)
O que tem mais graça, aliás o que é mais ridículo, é que esta gente que discute roupas, restaurantes e outros ademanes da cultura urbana, que fazem a Time Out ganhar a sua vida (honestamente), é toda muito de esquerda, muito de causa dos costumes, muito do social, muito modernaça. Seja dito, no entanto, que há também uma fauna de direita, muito “ajustadora”, que é exactamente igual. Aliás dão-se bem e exercem activamente a boa prática do fishing for compliments, ajudando-se uns aos outros na luta pela vida.”
PACHECO PEREIRA – retirado do Facebook
PORQUE É QUE NÃO VALE MUITO A PENA TER ESPERANÇA … | José Pacheco Pereira
… como no Inferno quando se entra pela porta maldita e se deixa a dita esperança à entrada. Agosto é um bom mês para percebermos tudo. Milhares e milhares de jovens que não lêem um livro, passam o mês em festivais no meio do lixo, do pó, da cerveja e dos charros. Milhares e milhares de adultos vão meter o corpo na água e na areia, sem verdadeira alegria nem descanso. Outros muitos milhares de jovens e adultos nem isto podem fazer porque não tem dinheiro. No interior, já que não há correios, nem centros médicos, nem tribunais, proliferam as capitais, da chanfana, do caracol, do marisco, do bacalhau, dos enchidos, da açorda, as “feiras medievais” de chave na mão, as feiras de tudo e mais alguma coisa desde que não sejam muito sofisticadas. Não é uma Feira da Ciência, nem Silicon Valley.
As televisões, RTP, SIC e TVI “descentralizam-se” e fazem arraiais com umas estrelas pimba aos saltos no palco, mais umas “bailarinas”, nem sequer para um grande público. Incêndios este ano há pouco, pelo que não há imagens fortes, ficamos pelo balde de água. Crimes violentos “aterrorizam” umas aldeias de nomes entre o ridículo e o muito antigo, que os jornalistas que apresentam telejornais com tudo isto gostam de repetir mil vezes. Felizmente que já começa outra vez a haver futebol, cada vez mais cedo. O governo, com excepção das finanças e dos cortes contra os do costume, não governa, mas isso é o habitual.
A fina película do nosso progresso, cada vez mais fina com a crise das classes ascendentes, revela à transparência todo o nosso ancestral atraso, ignorância, brutalidade, boçalidade, mistura de manha e inveja social. No tempo de Salazar falava-se do embrutecimento dos três f: futebol, Fátima e fado. Se houvesse Internet acrescentar-se-ia o Facebook como o quarto f. Agora não se pode falar disso porque parece elitismo. Áreas decisivas do nosso quotidiano hoje não são sujeitas à crítica, porque se convencionou que em democracia não se critica o “povo”.
Agosto é um grande revelador e um balde de água fria em cima da cabeça para aparecer na televisão ou no You Tube. Participar num rebanho, mesmo que por uma boa causa, podia pelo menos despertar alguma coisa. Nem isso, passará a moda e esquecer-se-á a doença. Pode ser que para o ano a moda seja meter a cabeça numa fossa séptica, a favor da cura do Ebola.
Assim não vamos a lado nenhum. Como muito bem sabem os que não querem que vamos a qualquer lado.
http://abrupto.blogspot.pt/2014/08/versao-da-porque-e-que-nao-vale-muito.html … (FONTE)
Em defesa de Lobo Xavier e Pacheco Pereira | Pedro da Silva Pereira
Vítor Gaspar sentiu-se atingido por Lobo Xavier e Pacheco Pereira terem reconhecido, com honestidade, que a verdadeira razão que levou Portugal a ter de pedir ajuda externa foi o assalto ao poder lançado pela direita com a rejeição do PEC IV, que tinha recebido o apoio do BCE e dos nossos parceiros europeus.
A resposta de Gaspar insiste na falsificação da história.
José Pacheco Pereira | Bloquear, bater contra uma parede, chegar a um beco sem saída…
Como é que não há bloqueio se numa sondagem a sério, as eleições, apenas 27% votou nos dois partidos do governo, nos dois sublinhe-se, e em sondagens mais precárias, mas todas coincidentes, mais de 60% dos portugueses querem Costa à frente do PS e pouco mais de 18% querem Seguro? Com este estado de opinião e voto, como é que a maioria dos portugueses se pode sentir representada pelos partidos que se reivindicam do “arco da governação”?
(…)
Se a vida fosse a ideal, o PSD mudaria de liderança, mas, mais importante que tudo, deixaria para trás esta continuada traição ao seu programa, à sua génese, ao seu papel histórico (…)
As responsabilidades de Rui Rio e António Costa | José Pacheco Pereira in Jornal Público
Tirando Rio e Costa, não há nos partidos quem possa dar corpo a uma alternativa que dê esperança ao país.
A profundidade do pântano da vida política portuguesa adensa-se todos os dias. Quando Guterres falou de pântano, estava apenas a temer a “coisa” e a ver se não entrava nela. Pode-se considerar que já lá tinha os pés, mas uma parte considerável do corpo ainda se encontrava fora, embora a responsabilidade de Guterres em perder a última oportunidade de sair sem dor do “monstro” seja enorme. Mas se o plano inclinado continuava, a alternância política como mecanismo renovador e dador de esperança ainda existia.
A “NOVA NORMALIDADE” | José Pacheco Pereira in Abrupto
É por isso que, quando os governantes dizem que é apenas porque são obrigados pelatroika a tomar medidas como os cortes retrospectivos nas pensões e reformas, estão de facto a enganar-nos. Na verdade, é intencional e faz parte de um plano. É ali que atacam, não pelo peso dessas prestações sociais, (o mesmo se passa no processo paralelo do embaratecimento do valor do trabalho), mas sim porque isso é um elemento do seu plano. Podiam ter todo o ouro do mundo para pagar as dívidas, que não o usariam. Eles têm um alvo.
Ler tudo aqui:
http://abrupto.blogspot.pt/2014/01/a-nova-normalidade-alguns-dos-autores.html
BARÕES | José Pacheco Pereira in “Abrupto”
O PSD, como o PS, é hoje controlado internamente de forma muito rígida por uma nomenklatura de carreira, que encontra no acesso ao poder partidário o principal mecanismo “profissional” de promoção, assim como múltiplas oportunidades de “negócio”, a todos os níveis.
(…)
Só aí, os dois únicos homens, Rio e Costa, que acumulam o raríssimo prestígio da acção política prática, nas duas maiores câmaras do país, com o voto dos portugueses, podem lá chegar. Eles são também a última oportunidade do sistema político partidário português sobreviver.
José Pacheco Pereira na Aula Magna em “defesa da nossa Pátria amada”
A Identidade de um País | José Pacheco Pereira
Tenho muita dificuldade em discutir o que é que é a identidade de um país. Portugal é um país pequeno (mesmo quando teve uma dimensão imperial), periférico. Para chegar a qualquer sítio onde havia, como diria Eça de Queirós, “civilização”, tinha que se passar por Espanha. Esse carácter paroquial e periférico é muito acentuado pela pobreza.
O facto de ser um país pequeno e pobre também significa que somos todos primos uns dos outros. Estamos todos uns em cima dos outros. Ou estamos todos a ocupar um lugar para o qual há dez candidatos. Temos muita inveja socializada, falta de espírito crítico, dificuldade em respirar liberdade.
Ler mais: http://anabelamotaribeiro.pt/67397.html … (FONTE)
Síria | José Pacheco Pereira

Comunicação social e poder político
Tenho, como se sabe, há muito uma visão crítica da comunicação social e da sua relação com o poder. Essa relação é bipolar: incorpora com facilidade a linguagem do poder e assume-se retoricamente como contrapoder. Nenhuma das duas atitudes é particularmente saudável para aquela que deve ser a sua função essencial, que, por bizarro que pareça, tem de ser lembrada: informar-nos. Não é educar-nos, nem industriar-nos, nem mobilizar-nos, nem recrutar-nos. É informar-nos e, se o fizer com eficácia, tudo o resto vem daí.
O NAVIO FANTASMA | José Pacheco Pereira in “Abrupto”
Do outro lado, tem um enorme vazio, António José Seguro, o homem que não existiu nesta crise, porque eleições antecipadas era a última coisa que queria, em razão inversa das vezes de que falou nelas. À direita aconselham-no a “fazer de morto”, para castrar todas as veleidades de ele fazer qualquer oposição que se veja. É um conselho errado, porque ele está já de há muito morto, não precisa de se “fazer”.
O NAVIO FANTASMA | José Pacheco Pereira in “Abrupto”

O NAVIO FANTASMA | José Pacheco Pereira
É preciso muito cuidado em aceitar pelo seu valor facial tudo o que se anda por aí a dizer. O Navio Fantasma vai ser assim, muita mentira, desespero, muito desespero com carreiras e resultados eleitorais. Alguém mentiu a Portas. E vice-versa. Alguém mentiu a Passos Coelho. E vice-versa. Alguém mentiu a Cavaco Silva. Alguém mentiu a todos nós. Alguém mentiu e mente aos portugueses. Já estamos em eleições.
http://abrupto.blogspot.pt/2013/07/o-navio-fantasma-2.html … (FONTE)
A greve | José Pacheco Pereira in “Público” 15 junho 2013
Não é pela “defesa da escola pública”, nem por qualquer objectivo assim definido programaticamente, que a greve pode ter sucesso, em particular face à ofensiva governamental que conta com muito mais apoio na comunicação social do que se pensa. É pela condição do trabalho, pelo emprego, que, no actual contexto, são muito menos egoístas do que podem parecer. (José Pacheco Pereira)
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O que está em causa para o Governo na greve dos professores é mostrar ao conjunto dos funcionários públicos, e por extensão a todos os portugueses que ainda têm trabalho, que não vale a pena resistir às medidas de corte de salários, aumentos de horários e despedimentos colectivos, sem direitos nem justificações, a aplicar a esses trabalhadores. É um conflito de poder, que nada tem a ver com a preocupação pelos alunos ou as suas famílias.
Há mesmo em curso uma tentação de cópia do thatcherismo, à portuguesa, numa altura em que uma parte do Governo pende para uma espécie de gotterdammerung revanchista e vingativo, de que as medidas ilegais como a recusa do pagamento do subsídio de férias pela lei em vigor são um exemplo. Não é porque não tenha dinheiro, é porque quer mostrar que é o Governo que decide as regras do jogo e não os tribunais e as leis. Qualquer consideração pelas pessoas envolvidas, não conta.
O Governo sabe que a sua legitimidade é contestada sem hesitações por muita gente, e pretende ultrapassar com um exercício de autoridade essa enorme fragilidade. Por isso, a greve dos professores é muito mais relevante do que o seu significado como conflito profissional, e é também por isso que o Governo, aproveitando o deslaçamento que tem acentuado na sociedade com o seu discurso de divisão, usa pais e alunos para a combater. Não é líquido que não possa ter resultados, até porque os sindicatos não têm conseguido ter um discurso límpido e claro, e os professores que se mobilizaram quase a 100% contra Maria de Lurdes Rodrigues, por causa da avaliação, estão hoje muito mais encostados à parede e enfraquecidos.
O medo dos despedimentos é muito perturbador no actual contexto de crise social, em que quem perde o trabalho nunca mais o vai recuperar. Por isso, a greve dos professores, como a greve dos funcionários públicos, é pelo emprego, em primeiro lugar, em segundo lugar e em último lugar. É também contra a imposição unilateral de condições de trabalho e horários no limite do aceitável. Mas o emprego é hoje o bem mais precioso e mais ameaçado. Aliás, o aumento do horário de trabalho é também uma medida para facilitar o desemprego.
Os sindicatos são um instrumento vital de resistência social em tempos como os de hoje, e é ridículo e masoquista ver alguns professores a “esnobarem” dos sindicatos quando mais precisam deles. No entanto, isto não pode fazer esconder que os sindicatos estão longe de estarem à altura do momento que o mundo laboral está a atravessar. É aliás aqui que os efeitos mais perniciosos da dependência partidária do movimento sindical português mais se manifesta, quer para a CGTP, quer para a UGT.
Num momento em que existe uma ofensiva em primeiro lugar contra os funcionários públicos e, depois, contra qualquer forma de resistência organizada dos trabalhadores, ou seja, também contra os sindicatos e os direitos laborais, substituir uma acção próxima dos mais atingidos por uma tentativa de lhe dar cobertura com slogans políticos é um erro que se paga caro.
Não adianta virem usar slogans, como seja a “defesa da escola pública”, apresentando-os como a principal razão de luta dos professores. Em casa em que não há pão, ninguém se mobiliza por abstracções, mobiliza-se pelo pão. É verdade que o Governo é contra a “escola pública”, mas o seu objectivo fundamental nestes dias é despedir funcionários públicos, incluindo os professores, para garantir os cortes permanentes da despesa pública a que se comprometeu, em grande parte porque, ao ter deprimido a economia no limite do aceitável, não tem outro modo de controlar o défice. Se o escolhe fazer nos mais fracos e dependentes da sua vontade, como sejam os funcionários públicos, é relevante, mas até por isso é a balança de poder que está em causa nas próximas greves.
A utilização de uma linguagem estereotipada pode ser muito confortável do ponto de vista ideológico, mas funciona como entrave quer à mobilização profissional, quer à mais que necessária mobilização da sociedade. Não é pela “defesa da escola pública”, nem por qualquer objectivo assim definido programaticamente, que a greve pode ter sucesso, em particular face à ofensiva governamental que conta com muito mais apoio na comunicação social do que se pensa. É pela condição do trabalho, pelo emprego, que, no actual contexto, são muito menos egoístas do que podem parecer. É, aliás, também nesse terreno que os funcionários públicos e os professores podem e devem “falar” com todos os outros trabalhadores do sector privado, porque aí os seus objectivos são comuns.
O que parece que os sindicatos têm vergonha de enunciar é o seu papel de defesa de um grupo profissional, como se os objectivos laborais não fossem objectivos nobres de per si, ainda mais na actual tentativa de criar uma sociedade “empreendedora”, assente na força de poucos contra o valor e a dignidade do trabalho de muitos. A incapacidade que tem a esquerda de enunciar objectivos firmes no âmbito destes valores, substituindo-os por uma retórica abstracta, acaba por resultar numa falsa politização que se torna num instrumento espelhar do mesmo discurso de divisão que o Governo faz. Ainda estou à espera que alguém me explique por que razão não se diz preto no branco, sem bullshit, que a greve é justificada pela simples motivo que nenhum grupo profissional numa sociedade democrática, seja empregado de uma empresa, ou do Estado, pode aceitar que se lhe torne o despedimento trivial, por decisões que são de proximidade (os chefes imediatos), e que não têm que ser justificadas a não ser por uma retórica vaga de “reestruturação”, um outro nome para cortes cegos e pela linha da fraqueza dos “cortados”.
E também não se diz, sem bullshit, que não é fácil manter a calma e a civilidade quando se tem que defrontar do lado das negociações pessoas que mentem quanto for preciso, e que estão apenas a ver se meia dúzia de mentiras ou ambiguidades servem para passar a tempestade e voltar à acalmia que precisam para fazerem tudo aquilo que hoje dizem que não vão fazer. Os mesmos que, nos últimos dois anos, tudo prometeram e nada cumpriram e que ainda há poucos meses juravam em público que nada disto iria acontecer. Ou seja, gente não fiável, de quem se pode esperar tudo e cujo discurso nas suas ambiguidades deliberadas está a ser feito para que tudo seja possível. Em Agosto ou em Setembro, passada a vaga de conflitualidade social, vão ver como milhares de pessoas vão para a “requalificação”, como o aumento dos horários de trabalho vai servir para tornar excedentária muita gente e como, sejam professores ou contínuos, todos vão estar no mesmo barco do olho da rua.
Eu continuo a achar que a decência mobiliza muito mais do que a “escola pública” e que tem a enorme vantagem de toda a gente perceber quase de imediato o que é. E tem ainda a vantagem de ser fácil explicar, e de ser fácil de compreender por toda a gente, que é indecente o que se está a fazer aos funcionários públicos e aos professores. E assim socializar o mesmo tipo de revolta que muitos dos actuais alvos do Governo sentem, porque ela não é diferente da que tem muitos milhões de portugueses. Digo bem, milhões. Não é coisa de somenos.
NOTA: à data em que escrevo, não sei ainda quais vão ser os resultados dos encontros entre o ministério e os professores, mas, sejam quais forem, o contexto é este. No actual momento da sociedade portuguesa, ou se ganha ou se perde. Não há meio termo.
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MECANISMOS DE MANIPULAÇÃO QUE FUNCIONAM | José Pacheco Pereira in “Público”
JOSÉ PACHECO PEREIRA | “Eles” (os funcionários públicos) são uma parte de “nós”
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“A razão pela qual o povo português parece ser mais “paciente” resulta muito simplesmente de que muitos têm medo de perder ainda mais do que o que já estão a perder. E como o discurso da divisão deixa cada um sozinho na sua fábrica, na sua escola, na sua repartição, o medo ainda é eficaz. Mas o medo é destrutivo da sociedade e da democracia, e dá saída apenas para o desespero, o momento em que as pessoas percebem que já não há mais a perder. E nessa altura o seu desespero não se verá apenas em manifestações da CGTP ou dos “indignados”.
Uma das razões por que prefiro mesmo o desconhecido e o arriscado à situação presente, como sejam eleições antecipadas sem grandes expectativas, é que prefiro um tumulto que abra espaço político a uma situação nova, à continuidade de uma governação que é uma forma muito pior de tumulto, é a destruição de um país em que a condição de ser português não significa nada, porque já não existem laços comunitários em que nos reconheçamos.”
MENSAGEM ENVIADA AO ENCONTRO DA AULA MAGNA | José Pacheco Pereira in “Abrupto”
Caro Presidente Mário Soares,
Não podendo estar presente nesta iniciativa, apoio o seu objectivo de contribuir para combater a “inevitabilidade” do empobrecimento em que nos querem colocar, matando a política e as suas escolhas, sem as quais não há democracia. Gostaria no entanto de, por seu intermédio, expressar com mais detalhe a minha posição.
A ideia de que para alguém do PSD, para um social-democrata, lhe caem os parentes na lama por estar aqui, só tem sentido para quem esqueceu, contrariando o que sempre explicitamente, insisto, explicitamente, Sá Carneiro disse: que os sociais democratas em Portugal não são a “direita”. E esqueceu também o que ele sempre repetiu: de que acima do partido e das suas circunstancias, está Portugal.
Não. Os parentes caem na lama é por outras coisas, é por outras companhias, é por outras cumplicidades, é por se renegar o sentido programático, constitutivo de um partido que tem a dignidade humana, o valor do trabalho e a justiça social inscritos na sua génese, a partir de fontes como a doutrina social da Igreja, a tradição reformista da social-democracia europeia e o liberalismo político de homens como Herculano e Garrett. Os que o esquecem, esses é que são as más companhias que arrastam os parentes para a lama da vergonha e da injustiça.
Não me preocupam muito as classificações de direita ou de esquerda, nem sequer os problemas internos de “unidade” que a esquerda possa ter. Não é por isso que apoio esta iniciativa. O acantonamento de grupos, facções ou partidos, debaixo desta ou daquela velha bandeira, não contribui por si só para nos ajudar a sair desta situação. Há gente num e noutro espectro político, preocupada com as mesmas coisas, indignada pelas mesmas injustiças, incomodada pelas desigualdades de sacrifícios, com a mesma cidadania activa e o mesmo sentido de decência que é o que mais falta nos dias de hoje.
A política, a política em nome da cidadania, do bom governo, e da melhoria social, é que é decisiva. O que está a acontecer em Portugal é a conjugação da herança de uma governação desleixada e aventureira, arrogante e despesista, que nos conduziu às portas da bancarrota, com a exploração dos efeitos dessa política para implementar um programa de engenharia cultural, social e política, que faz dos portugueses ratos de laboratório de meia dúzia de ideias feitas que passam por ser ideologia. Tudo isto associado a um desprezo por Portugal e pelos portugueses de carne e osso, que existem e que não encaixam nos paradigmas de “modernidade” lampeira, feita de muita ignorância e incompetência a que acresce um sentimento de impunidade feito de carreiras políticas intra-partidárias, conhecendo todos os favores, trocas, submissões, conspirações e intrigas de que se faz uma carreira profissionalizada num partido político em que tudo se combina e em que tudo assenta no poder interno e no controlo do aparelho partidário.
Durante dois anos, o actual governo usou a oportunidade do memorando para ajustar contas com o passado, como se, desde que acabou o ouro do Brasil, a pátria estivesse à espera dos seus novos salvadores que, em nome do “ajustamento” do défice e da dívida, iriam punir os portugueses pelos seus maus hábitos de terem direitos, salários, empregos, pensões e, acima de tudo, de terem melhorado a sua condição de vida nos últimos anos, à custa do seu trabalho e do seu esforço. O “ajustamento” é apenas o empobrecimento, feito na desigualdade, atingindo somente “os de baixo”, poupando a elite político-financeira, atirando milhares para o desemprego entendido como um dano colateral não só inevitável como bem vindo para corrigir o mercado de trabalho, “flexibilizar” a mão de obra, baixar os salários. Para um social-democrata poucas coisas mais ofensivas existem do que esta desvalorização da dignidade do trabalho, tratado como uma culpa e um custo não como uma condição, um direito e um valor.
Vieram para punir os portugueses por aquilo que consideram ser o mau hábito de viver “acima das suas posses”, numa arrogância política que agravou consideravelmente a crise que tinham herdado e que deu cabo da vida de centenas de milhares de pessoas, que estão, em 2013, muitas a meio da sua vida, outras no fim, outras no princípio, sem presente e sem futuro.
Para o conseguir desenvolveram um discurso de divisão dos portugueses que é um verdadeiro discurso de guerra civil, inaceitável em democracia, cujos efeitos de envenenamento das relações entre os portugueses permanecerão muito para além desta fátua experiência governativa. Numa altura em que o empobrecimento favorece a inveja e o isolamento social, em que muitos portugueses tem vergonha da vida que estão a ter, em que a perda de sentido colectivo e patriótico leva ao salve-se quem puder, em que se colocam novos contra velhos, empregados contra desempregados, trabalhadores do sector privado contra os funcionários públicos, contribuintes da segurança social contra os reformados e pensionistas, pobres contra remediados, .permitir esta divisão é um crime contra Portugal como comunidade, para a nossa Pátria. Este discurso deixará marcas profundas e estragos que demorarão muito tempo a recompor.
O sentido que dou à minha participação neste encontro é o de apelar à recusa completa de qualquer complacência com este discurso de guerra civil, agindo sem sectarismos, sem tibiezas e sem meias tintas, para que não se rompa a solidariedade com os portugueses que sofrem, que estão a perder quase tudo, para que a democracia, tão fragilizada pela nossa perda de soberania e pela ruptura entre governantes e governados, não corra riscos maiores.
Precisamos de ajudar a restaurar na vida pública, um sentido de decência que nos una e mobilize. Na verdade, não é preciso ir muito longe na escolha de termos, nem complicar os programas, nem intenções. Os portugueses sabem muito bem o que isso significa. A decência basta.
José Pacheco Pereira in Abrupto
http://abrupto.blogspot.pt/2013/05/mensagem-enviada-ao-encontro-da-aula.html … (FONTE)
José Pacheco Pereira
José Pacheco Pereira | (…) o caminho para a desobediência civil | In blog “ABRUPTO”

O MATERIAL TEM SEMPRE RAZÃO (5) | José Pacheco Pereira

(A propósito do despacho do ministro Vítor Gaspar de 8 de Abril que pára o funcionamento do estado português, atribuindo essa decisão ao Tribunal Constitucional. O governo entrou numa guerra institucional dentro do estado, em colaboração com a troika, para abrir caminho a políticas de duvidosa legalidade e legitimidade baseadas no relatório que fez em conjunto com o FMI. Não conheço nenhum motivo mais forte e justificado para a dissolução da Assembleia da República por parte do Presidente do que este acto revanchista contra os portugueses.)
José Pacheco Pereira
O MATERIAL TEM SEMPRE RAZÃO (3) | José Pacheco Pereira
O tom revanchista que o governo e os seus defensores assumem depois da decisão do Tribunal Constitucional , – do género “ai não quiseram isto, pois vão levar com muito mais”, – mostra o carácter punitivo que está presente na política da coligação desde o início. A cada revés, e todas as semans há um grave revés, vêm novas ameaças e castigos, em vez de admissão de erros e inversão de caminhos. Como este tom punitivo é dos que melhor “comunica” com toda a gente, mesmo sem precisar de agências nem assessores, o governo está mais uma vez a semear ventos e a colher tempestades.
José Pacheco Pereira
http://abrupto.blogspot.pt/2013/04/o-material-tem-sempre-razao-3-o-tom.html … (FONTE)
O MATERIAL TEM SEMPRE RAZÃO (1) | José Pacheco Pereira
O Governo já tinha falhado por completo todos os objectivos do memorando, ANTES da decisão do Tribunal Constitucional. O governo já estava com dificuldades em “ir aos mercados”, ANTES da decisão do Tribunal Constitucional. O Governo já estava a caminho de um segundo resgate, ANTES da decisão do Tribunal Constitucional. O Governo já estava em crise profunda, ANTES da decisão do Tribunal Constitucional. Todas as crises, económicas, sociais, e políticas já estavam em pleno curso, ANTES da decisão do Tribunal Constitucional.
Citando José Pacheco Pereira
Pensaram sempre em atacar salários, pensões, reformas, rendimentos individuais e das famílias, serviços públicos para os mais necessitados e nunca em rendas estatais, contratos leoninos, interesses da banca, abusos e cartéis das grandes empresas. Pode-se dizer que fizeram uma escolha entre duas opções, mas a verdade é que nunca houve opção: vieram para fazer o que fizeram, vieram para fazer o que estão a fazer.
(José Pacheco Pereira)
Liberdade, onde estás, quem te demora? | José Pacheco Pereira in “Público”
Não é bom viver no Portugal onde reina o engano e a mentira institucionalizada.
Este artigo é um panfleto. Não acrescenta nada de novo àquilo que digo há mais de dois anos, pelo que não tem interesse mediático. Não é distanciado, nem racional, nem equilibrado, nem paciente, nem tem um átomo da imensa gravitas de Estado que enche a nossa vida pública no PS e no PSD, cheia daquilo a que já chamei redondismo e pensamento balofo.
http://www.aofa.pt/rimp/Pacheco_Pereira_Liberdade_onde_estas.pdf (FONTE)
José Pacheco Pereira: “As pessoas que nos governam não conhecem Portugal” in “Quadratura do Círculo”
“As razões porque este exercício do governo está a falhar é porque lhe falta uma dimensão política; tem que haver consistência política entre queixarmo-nos de um orçamento europeu de contenção e defendermos o contrário cá dentro sem que ninguém se deva queixar, entre sermos keynesianos lá fora e hayekianos cá dentro.
NO CENTENÁRIO DE ÁLVARO CUNHAL | José Pacheco Pereira in “Público”
A personalidade de Álvaro Cunhal merece neste ano do seu centenário um conhecimento menos preso à mitologia, quer hagiográfica, quer hostil, para poder devolver-se à memória histórica dos portugueses um homem real e bem pouco comum, em vez de uma abstracção mecânica, que, essa sim, será rapidamente esquecida. Ora, nos anos desta década infeliz, precisamos bem dessa memória mais profunda e complexa da história, para não nos embrutecermos mais do que o que já estamos.
José Pacheco Pereira
http://abrupto.blogspot.pt/2013/02/no-centenario-de-alvaro-cunhal-deixado.html … (FONTE)
Citando José Pacheco Pereira | O Redondismo Nacional in “Revista Sábado”
José Pacheco Pereira | O número que está tatuado nos braços dos portugueses: o número de contribuinte in “Jornal Público”
Se de manhã ao pequeno- almoço não pedir factura do café, pode vir um fiscal e multar-me…
Aqui há uns anos houve uma discussão sobre o número único a propósito do cartão do cidadão. É uma matéria pouco popular, tida como importando apenas aos intelectuais e aos políticos, que as pessoas comuns vêem com muita indiferença. Se lhes parece mais eficaz que cada um tenha um número único que sirva para o identificar num bilhete de identidade, para reconhecer uma assinatura, na Segurança Social, no fisco, numa ficha médica, num cartão de crédito ou de débito, qual é o problema? Se isso lhe poupa tempo e papéis, qual é a desvantagem? Se isso permitir perseguir um criminoso, que importa existir uma base de dados com o ADN das pessoas? E se as tecnologias o permitirem, como permitem, qual o mal em podermos vir a ter um chip como os cães, ou uma etiqueta electrónica como as crianças à nascença, por que razão é que nós não podemos ser numerados por um qualquer código de barras tatuado no braço?
A maioria das pessoas é indiferente ao abuso do Estado nestas matérias se daí vier uma aparente maior eficácia e menor burocracia. E os proponentes destas medidas, uns tecnocratas, outros fascinados pelos tecnocratas, outros ainda gente mais perigosa e securitária cujo ideal de sociedade perfeita é o 1984 de Orwell, todos manipulam a opinião contra os antiquados defensores dos “direitos cívicos”, que continuam a achar que não se deve ter número único, chip, ou código de barras, em nome dessas coisas tão de “velhos do Restelo” como sejam as liberdades e o direito do indivíduo em ter uma reserva da sua vida íntima e privada, sem intromissão indevida do Estado onde ele não deve estar.
Infelizmente, insisto, a indiferença cívica é o pano de fundo de muitos abusos e a sociedade e o Estado que estamos a construir são os ideais para uma sociedade totalitária. Se uma nova polícia política aparecer – e para quem preza a liberdade esse risco existe sempre -, não precisa de fazer nenhuma lei nova, basta usar os recursos já disponíveis para obter toda a informação sobre um cidadão que queira perseguir.
A promessa que nos é feita é de que os dados “não são cruzados”. Mas esta afirmação não só não é verdadeira como não garante nada. Não impede um serviço de informações que queira abusar, de obter cumplicidades e “cruzar” dados, não impede uma polícia de fazer o mesmo (o episódio do acesso da PSP às filmagens não editadas sem ordem judicial é um exemplo de práticas costumeiras que só são escrutinadas depois de um acidente de percurso), não impede a utilização de software mais sofisticado para fazer buscas na Internet, muito para além da informação já vasta que se pode obter no Google. E se somarmos as câmaras de vigilância e outros meios cada vez mais generalizados de controlo dos cidadãos, mais nos preocupamos com as liberdades no mundo orwelliano em que já vivemos.
E quanto ao “cruzamento de dados” a partir de um número único com informação indevida, tudo isso já existe e chama-se NIF, número de identificação fiscal, ou mais prosaicamente, “número de contribuinte”. De há dez anos para cá, o Governo Sócrates e depois o Governo Passos Coelho transformaram o fisco no mais parecido que existe com uma polícia global, e uma polícia global é também política, e o número de contribuinte no verdadeiro número único dos portugueses, cujo acesso permite todos os cruzamentos de dados e uma violação sem limites da privacidade de cada cidadão. Se somarmos a isso o facto de o fisco ser a única área da lei em que a presunção da inocência não existe e o ónus da prova cai no cidadão, temos um retrato de um Estado de excepção dentro de um Estado que se pretende de direito.
E não preciso de estar a recitar a litania do combate à evasão fiscal, porque este caminho de abuso tem sido trilhado exactamente porque o combate à evasão fiscal tem sido ineficaz onde deveria ser. O furor do Estado volta-se contra as cabeleireiras, os mecânicos de automóveis e as tabernas, mas ignora os esquecimentos de declaração de milhões de euros, que só são declarados quando descobertos e não merecem uma palavra de condenação nem do ministro das Finanças, nem do Banco de Portugal, nem de ninguém dos indignados com a factura dos cafés. E é exactamente porque o combate à evasão fiscal falha, ou porque a economia está morta, ou porque os Monte Brancos são mais numerosos do que todas as montanhas dos Alpes, dos Andes, do Himalaia, que se assiste a uma espécie de desespero fiscal que leva o Estado (os governos) a entrar pela liberdade e individualidade dos cidadãos comuns de forma abusiva e totalitária. Digo totalitária, mais do que autoritária, porque a tentação utópica de “conhecer” e controlar a sociedade e os indivíduos através da monotorização de todas as transacções económicas é de facto resultado de mente como a do Big Brother.
Num computador do fisco está toda a nossa vida já inventariada e cruzada através do número de contribuinte e dos poderes discricionários da Autoridade Tributária. Se de manhã ao pequeno-almoço não pedir factura do café, pode vir um fiscal e multar-me (não pode porque é ilegal, impossível de facto, e o Governo anda a mentir-nos a dizer que já o fez quando se devem contar pelos dedos da mão as contra-ordenações realizadas, se é que há alguma à data do anúncio), e para lavrar o “auto” terá de dizer onde estou, o que consumi sem factura e informar o Estado sobre se tomo chá, café ou chocolate, doces ou salgados, etc. Depois passo por uma livraria e na factura estão os livros que comprei e está o número de contribuinte. Hum! Este anda a ler livros subversivos, ou quer saber coisas sobre a Tabela de Mendeleev (a química é sempre perigosa), ou uma história sexualmente bizarra como a Lolita, (diga aí ao assessor do senhor ministro que um boato de pedofilia é sempre mortífero e o homem lê livros sobre isso), ou o Vox do Nicholson Baker (uma história de sexo por telefone que o procurador Starr queria usar como prova contra Clinton, pedindo à livraria que lhe confirmasse a compra do livro por Monica Lewinsky, o que a livraria recusou e bem). Depois foi almoçar, e pelo número de contribuinte verifico que almoça muitas vezes a dois, e dois é um número suspeito. Coloque lá no mapa o sítio do pequeno-almoço, mais a livraria, mais o restaurante, e as horas. E depois? A Via Verde cujo recibo tem o número de contribuinte mostra que entrou na portagem X e saiu na portagem Y. Interessante, o que é que ele foi fazer ao Entroncamento? E levantou dinheiro no Multibanco. Muito ou pouco? Bastante. Veja lá as facturas que ele pagou no Entroncamento. Aqui está, comprou uma mala de viagem. Então a factura? Não há, comprou nuns chineses, mas foi visto com a mala na câmara de vigilância de um banco. Anote aí para mandar uma inspecção do fisco e da ASAE aos chineses, imagine o que seria se nós não tivéssemos as imagens do banco! O que é que ele vai fazer com a mala? E por aí adiante.
A nossa indiferença colectiva face ao continuo abuso do Estado, que nada melhor nos dias de hoje revela do que o fisco, vai acabar por se pagar caro. Muitos tentaram fugir ao fisco? É verdade, muitos inclusive nunca pagaram impostos e vivem numa economia paralela, mas a sanha contra eles, que face ao fisco não tem direitos, nem defesa, nem advogados, contrasta com a complacência afrontosa com a fraude fiscal com os poderosos. É que também nisso, na perseguição aos pequenos, se revela o mundo totalitário de 1984 e do Triunfo dos Porcos, em que alguns são mais iguais do que outros. E pelo caminho, para garantir que os pequenos sejam apanhados na malha, pelo desespero de um fisco que quer sugar uma economia morta de recursos que ela não tem, é que se usa o número de contribuinte como número único, cruzado nos computadores das finanças, muito para além do que é necessário e equilibrado, numa ameaça às liberdades de cada português.”
José Pacheco Pereira in Jornal Público de 2013.02.16
FUTEBOL POLÍTICO | José Pacheco Pereira in “Abrupto”
Há um pequeno problema no futebol político: se olhassem para as bancadas apercebiam-se de duas coisas. Uma, a de que ninguém os está a ver; a outra, de quem os está a ver prepara-se para saltar para o campo e linchar as equipas. Isto assim não vai longe.
http://abrupto.blogspot.pt/2013/02/futebol-politico-vivemos-nos-ultimos.html … (FONTE)
“REGRESSAR AOS MERCADOS EM 2013” | José Pacheco Pereira in “Sábado”
(Escrito em 14 de Janeiro de 2013, publicado a 17. E estava já no discurso para 2013, escrito ainda em 2012: “Vamos fazer duas ou três emissões com sucesso em 2013, pequenas, a vários prazos, prudentes, e depois os alemães vão colocar-nos a mão por baixo e defender-nos dos mercados, porque com esse sucesso, já podemos ser apoiados pelo BCE. Foi o que nos prometeram, para podermos apresentar a saída da troika como um grande trunfo político.” Há alturas em que não custa nada prever.)
Filosofia Política | A DERIVA ANTIDEMOCRÁTICA A FAVOR DE UM GOVERNO “SEM ENTRAVES” by José Pacheco Pereira in “Abrupto”
(…) Este Governo, na arrogância dos seus primeiros tempos, não deu a mínima importância em falar com o PS para fazer uma revisão constitucional, no início da aplicação do memorando, quando tal era plausível. Depois, foi-se emaranhando num labirinto de arranques e recuos, como a discussão a propósito da “regra de ouro” e do Pacto Orçamental, cada vez com a sua posição mais fragilizada pelo desastre da política governativa. O PS foi crescendo, e tornando rígida a sua posição, Até que o patético apelo à “refundação” do Estado, que era na sua origem um apelo a uma revisão constitucional in extremis, revelou um Governo acossado perante um PS em que Passos Coelho conseguiu o milagre de colocar o seu alter-ego António José Seguro a crescer nas sondagens. (…)
http://abrupto.blogspot.pt/2013/01/a-deriva-antidemocratica-favor-de-um.html
FILOSOFIA POLÍTICA | Pacheco Pereira, sobre o Relatório do FMI
“Processo mostra como a mentira se tornou o discurso do poder” | Jornal Público, 12 de Janeiro de 2013
Pacheco_Pereira_O_Peixe_Apodrece_Pela_Cabeca.pdf
OS GRANDES DESTRUIDORES DE ALTERNATIVAS by José Pcheco Pereira in “Abrupto”
O grande destruidor das alternativas é o governo, mas o grande destruidor da alternativa ao governo é o PS de Seguro. Mas essa história fica para outra altura, porque remete para o terreno onde menos de facto há alternativas: a erosão por parte dos aparelhos partidários das elites governativas capazes de unir capacidade politica e eleitoral, saber e patriotismo. E hoje, o PS e o PSD, não produzem tal espécie. Aqui sim, há um grave problema de alternativa.
http://abrupto.blogspot.pt/2013/01/alternativas-pior-discurso.html
José Pacheco Pereira na Revista Sábado
«O ano de 2013 vai ser o ano da viragem que dará razão ao Governo e às folhas de Excel. No fundo, sabemos todos que a Microsoft não teria um software tão famoso, se ele não funcionasse. Ao lado do Excel, as previsões da oposição são feitas com as cartas do Tarot e vendo os programas da Maya.
Dizem que as coisas estão muito mal, mas não estão tão mal como isso. Vejam os manifestantes do 15 de Setembro. São contra o governo? Não, foram contra a TSU, um “erro de comunicação” identificado pelo professor Marcelo e rapidamente corrigido. Para além disso, os mesmos manifestantes são contra as greves e contra os funcionários públicos. Estão os pobres urbanos a favor da revolução? Enganam-se, já os viram a falar contra a greve dos transportes quando as televisões os procuram nas estações? Por eles, acabava o direito á greve já amanhã, juntando-se a Ferraz da Costa numa diatribe sobre o excesso de indisciplina nas empresas públicas e a libertinagem permitida pela Constituição. O Salazar é que os punha na ordem.
Estão os jovens indignados? Estão, estão, contra aqueles que por tornarem “rígido” o “mercado do emprego”, ocupam os empregos enquanto eles são “precários”. Vejam lá se eles vão às manifestações da CGTP? Não vão, porque eles leem blogues, e sabem que os sindicalistas querem continuar a ser “sanguessugas” dos nossos impostos, a ganhar sem trabalhar. Para além disso, os jovens sabem muito bem que o estado não vai garantir-lhes as reformas no futuro e, por isso, para que é que têm que estar a pagar hoje as reformas milionárias acima dos 1300 euros? Os velhos que se cuidem, porque estão a prejudicar os mais novos, como disse o senhor Primeiro-ministro aos jovens da JSD, cheios de confiança nos seus “projectos de futuro” e de carreira. No fundo, sabem que são os “seus” que estão no poder.
Há gente zangada nos restaurantes, nos professores, nos trabalhadores das diversões, nos polícias, nos médicos, nas forças armadas? Não se iludam, são apenas grupos corporativos que estão a perder os privilégios que tinham e a ter que pagar impostos que nunca pagaram. Aliás, são os poderosos que mais estão contra este governo. É o lóbi dos restaurantes que não quer passar facturas, todos representantes de um sector sem interesse para a economia exportadora que queremos construir. Militares? Isso são os restos do PREC e um anacronismo que é preciso corrigir. Já acabamos com o Serviço Militar Obrigatório, agora para que é que são precisas as forças armadas a não ser como uma polícia “pesada” anti-motim? São como os juízes do Tribunal Constitucional, um grupo que julga em causa própria, para defender as suas chorudas reformas, mesmo que para isso tenha que matar a economia. Aliás os verdadeiros inimigos do governo são gente sem valor que se habituou toda a vida a viver do estado e que está apenas a defender a sua reforma atacando vilmente este corajoso governo. Não é Bagão Félix?
Falam contra os bancos e acusam o governo de lhes dar tudo o que pode? Esquerdismo à Louçã, porque a saúde do sistema financeiro é fundamental para a nossa economia e os bancos fazem a sua parte. Há quem coloque o dinheiro no estrangeiro e em offshores? É apenas a natural expressão do receio que tiveram com a bancarrota de Sócrates, a quem apoiaram apenas por engano. No fundo estão a comportar-se racionalmente como deve fazer o grande capital. E a verdade é que, à medida que os seus nomes aparecem no “Monte Branco”, portam-se como devem e pagam os seus impostos. Não é muito, mas eles percebem bem como este governo está ao serviço dos “interesses da economia”, que são também os seus. Tudo gente patriótica.
Só uns intriguistas é que podem dizer que o governo não cumpre contractos com os trabalhadores, ao mesmo tempo que é mole com os offshores e respeitador dos contratos blindados das PPPs. É verdade que muitos dos seus autores, – da blindagem,- estão no governo ou trabalham para o governo nas grandes firmas de advogados e consultadoria, mas isso é porque são competentes e confiáveis. Foram-no antes e são-no hoje. O que é que queriam, que o governo os colocasse á margem, com tudo o que eles sabem e podem? Intrigas e inveja.
2013 vai ser o ano do pensamento positivo, vai mostrar que o optimismo é a melhor atitude a ter na vida. Há crise, sim senhor, mas nós aguentamos. Os portugueses no meio de grandes dificuldades em ajustar-se vão cortar no supérfluo, deixar de comer bifes, lavar só metade dos dentes, e ir ao hospital quando já estão de maca. No fim, vamos chegar vivos. Vamos aguentar. Vamos continuara a dar mostras de civismo e das qualidades de paciência que tornaram o “bom povo português” um exemplo que a Europa segue com carinho e inveja. Na Europa, também tudo está mudar. O país e Vítor Gaspar tem um prestígio incalculável, que é o melhor asset para Portugal. Ele é a Merkel, o Schauble, o Draghi, o Trichet a debitarem elogios e a aprenderem muito connosco. Não cumprir o défice deixou de ser muito importante. Vamos fazer duas ou três emissões com sucesso em 2013, pequenas, a vários prazos, prudentes, e depois os alemães vão colocar-nos a mão por baixo e defender-nos dos mercados, porque com esse sucesso, já podemos ser apoiados pelo BCE. Foi o que nos prometeram, para podermos apresentar a saída da troika como um grande trunfo político. Esperemos que resulte. O resto não interessa, mesmo que isto não seja bem voltar aos mercados, mas só a cabeça negra da oposição dirá isso. E não me venham com tretas sobre a sustentabilidade, porque sustentáveis só temos que ser até ao “que se lixem as eleições”. Depois a culpa passa outra vez para o PS.
Com a saída da troika o governo pode aparecer aos olhos dos eleitores como tendo cumprido o memorando “que outros assinaram”, e, retomado a “soberania” nacional, que “outros perderam”. É verdade que continuamos a ser obrigados a fazer a mesma política mesmo sem a troika, mas deixam-nos uma pequena folga para haver eleições sem ser em estado de calamidade. A troika zela pelos seus e o Pacto Orçamental está lá sempre para por na ordem as tentações keynesianas. Para além disso, como disse Passos Coelho, os números vão ser tão baixos que alguma vez têm que subir.
Vamos continuar a confiar nos dois partidos corajosos que nos vão retirar da bancarrota para onde nos atirou o Sócrates. Vejam a inteligência de Portas, a teimosia convicção de Passos Coelho, a tenacidade de Relvas contra a campanha miserável que lhe fazem, o saber profundo de Vítor Gaspar, a lealdade daqueles deputados que, contra ventos e marés, votam tudo o que é preciso, a fidelidade quase canina dos propagandistas, bloguistas amigos, também assessores, também a trabalhar com os gabinetes nas agências de comunicação e imagem, um serviço muito importante para não haver “falhas de comunicação”. E se as há, é porque não contratam os serviços que deviam, os especialistas nessa arte de “persuasão” que as almas danadas da oposição chamam de manipulação.
Eles sim são homens de princípios. E se estão surpreendidos pelo “canino” na fidelidade, é porque desprezam o melhor amigo do homem, ali, a dar a dar, e que ladra e morde quando é preciso. Fazem-nos muita falta neste tempo de crise, em que, aparentemente solitários, os homens que nos governam, têm consigo a maioria silenciosa dos melhores portugueses e os seus cães. Pensamento positivo, que o pior já passou.
MAS, HÁ UM PEQUENO PROBLEMA…
É que não acredito numa linha do que está escrito antes.»