Espantalhos – 25 anos de escrita | Ademir Demarchi | por Adelto Gonçalves

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               Editar uma revista dedicada à poesia no Brasil é um desafio que sempre beirou a utopia. Mesmo assim, o poeta e ensaísta Ademir Demarchi, doutor em Letras pela Universidade de São Paulo (USP), decidiu enfrentá-lo em 2000, quando começou, com o apoio de mais três coeditores, a editar a Babel – Revista de Poesia, Tradução e Crítica, que, em sua primeira fase, teve seis edições e durou até 2004. Depois de muita luta junto a órgãos governamentais para obter apoio e até conquistar o primeiro lugar na seleção do Programa Cultura e Pensamento 2009/2010 do Ministério da Cultura, a revista com o título Babel Poética voltou a ser editada por mais seis vezes, de 2009 a 2013. Em 2017, a revista teve uma terceira fase com mais três edições, resultado de premiação do Programa de Ação Cultural (ProAC) do Governo do Estado de São Paulo, chegando a 15 edições no total.

             A história dessa odisseia literária o leitor pode conhecer a partir da leitura de “Babel Poética: a poesia na era Lula”, ensaio que abre a segunda parte do livro Espantalhos (Florianópolis, Nave Editora, 2017), de Ademir Demarchi, em que o editor conta a sua decepção com a Lei Rouanet, que, a princípio, apoiaria iniciativas culturais. “(…) o governo proclama o investimento em cultura através de uma renúncia fiscal que não se cumpre, uma vez que delega aos empresários o poder de decisão de usar essa renúncia. Ocorre que o empresariado, além de massivamente ignorante e inculto, com um imenso contingente habitando confortavelmente os índices de analfabetismo funcional, não tem interesse em cultura e os que têm algum interesse não o têm em revistas. Ainda mais de poesia (…). 

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Eufrásia e Nabuco: uma história de amor | Neusa Fernandes | por Adelto Gonçalves

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Eufrásia Teixeira Leite (1850-1930), nascida em Vassouras, no interior do Estado do Rio de Janeiro, foi mulher avançada para o seu tempo, que viveu sua infância e adolescência numa bela residência senhorial conhecida como a Casa da Hera e recebeu educação esmerada, pois apreciava literatura de alto nível, especialmente os textos do filósofo alemão Johann Wolfgang von Goethe (1749-1832) e os contos e poemas do norte-americano Edgar Allan Poe (1809-1849).

Ela viveu um romance clandestino de 14 anos com Joaquim Nabuco (1849-1910), advogado, diplomata e herdeiro de José Tomás Nabuco de Araújo Filho (1813-1878), presidente da província de São Paulo (1851-1852), ministro da Justiça (1853-1857) e senador do Império pela Bahia (1857-1878), a quem o filho dedicou o livro Um estadista do Império, obra seminal para se conhecer a história política brasileira daquela época.

Apesar de pertencer à elite brasileira, que sempre se caracterizou por sua ancestral maldade para com as classes menos favorecidas, Joaquim Nabuco destacou-se como defensor da liberdade para os escravos, além de ter sido grande tribuno e combativo jornalista, que despertava a ira dos conservadores que o consideravam um “arrogante mulato nordestino e perigoso abolicionista”. Foi também intransigente defensor das reformas sociais de base, que até hoje o Brasil ainda não conheceu.

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Agostinho da Silva, um pensador lusófono | Adelto Gonçalves

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        O filósofo, poeta e ensaísta Agostinho da Silva (1906-1994) sempre teve múltiplos interesses, mas concentrou-se em áreas como literatura portuguesa e brasileira e as questões portuguesas, deixando obras, artigos e ensaios que o colocam hoje como um dos maiores – senão, o maior – pensadores luso-brasileiros do século XX. Em Ensaios sobre Cultura e Literatura Portuguesa e Brasileira, volume I (Lisboa, Editora Âncora, 2000), que tem merecido reedições, o leitor encontrará textos pedagógicos e filosóficos, especialmente aqueles que apareceram a partir da década de 1950, embora possam ser encontrados alguns de décadas anteriores, mas que são suficientes para dar uma ideia geral do pensamento agostiniano.

Um dos textos que se destaca entre os 28 artigos, prefácios de livros e ensaios aqui reunidos é aquele que carrega o título “Ensaio para uma teoria do Brasil”, publicado originalmente na revista Espiral, nºs. 11-12, de 1966, em que o autor diz que “a grande base do retardamento do Brasil como civilização nova vai estar no ciclo do açúcar e, mais que tudo, no ciclo do ouro, que provoca o quase despovoamento de Portugal em homens, fixa no Brasil uma tão elevada percentagem de europeus que o equilíbrio anterior se rompe e se perde aquele hibridismo de cultura que se apresentava como tão promissor”.

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‘Atlas do impossível’: contos surrealistas | Edmar Monteiro Filho, por Adelto Gonçalves

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            Um livro de contos, geralmente, é o resultado da reunião de textos literários dispersos e autônomos que o autor produz ao longo dos anos, quase sempre sem um fio narrativo que os una. São também textos que escapam a qualquer critério quantitativo, ou seja, não podem ser definidos com base em sua extensão. Mas, ao contrário da novela e do romance, o conto exige, antes de tudo, a atenção concentrada do leitor para produzir nele um “efeito preconcebido, único, intenso, definido”, com observou o professor, ensaísta e investigador venezuelano Carlos Pacheco (1948-2015) em Del cuento e sus alrededores. Aproximaciones a una teoria del cuento (Caracas, Monte Ávila Latinoamericana, 1997, p. 20), com base no que dizia o poeta norte-ame ricano Edgar Allan Poe (1809-1849), para quem o “conto devia ser lido de uma assentada”.

             Atlas do impossível (Guaratinguetá-SP, Editora Penalux, 2017), de Edmar Monteiro Filho, quinto livro de contos do autor, não preenche todos esses critérios. Mas, entre os 15 relatos que o compõem, há dois que provam que a extensão em número de páginas ou palavras não é mesmo critério seguro para definir um conto. Por exemplo, o texto de abertura, “Autorretrato em espelho esférico”, tem apenas 18 linhas, enquanto aquele que encerra o volume, “Galeria”, ocupa 49 páginas, dividido em dez capítulos ou trechos, aproximando-se do que se poderia chamar de novela.

            O livro, porém, vai além. São relatos caudatários do movimento surrealista da década de 1920, liderado pelo poeta e crítico francês André Breton (1896-1966), que, tanto na pintura ou na gravura como na poesia ou na prosa, procurava incorporar elementos desconexos, formas abstratas e ideias irreais, com o objetivo declarado de escapar da lógica e da razão. Em outras palavras: levar o poder da subversão à criação.

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