ANÁLISE | A difícil escolha entre regulamentar o lobbying ou deixar a democracia a turvar | Paulo Querido in “VamoLáVer”

  1. Na sequência da “operação influencer” os partidos regressam à regulamentação do lobbying
  2. Os lóbis são essenciais no Parlamento Europeu, a atividade “vale” 1.800 milhões de euros por ano
  3. Espanha (2022) e França (2016) já regulamentaram, Itália (50 propostas em 37 anos) está como Portugal, sem lei
  4. Prós
    • o registo de interesses pode ser um meio para aumentar a transparência
    • fortalece a informação dos cidadãos sobre os interesses
    • permite “navegar” num mar de leis e instituições cujo poder é difuso
  5. Contras
    • os verdadeiros interesses são supra registo, por definição
    • a eficácia de parecer haver mais transparência desvia o escrutínio da manipulação real

Nova corrida, nova viagem

O assunto não é novo. Sempre que o Ministério Público manda divulgar as suas suspeitas de atividades ilícitas na relação do poder político (central, regional e autárquico) com os interesses privados, o que é frequente, ressurge a possibilidade (ou necessidade?) de regulamentar a prática do lobbying.

Percebe-se porquê. A “operação influencer” em curso é um estudo de caso sobre as relações intensas entre governantes, autarcas e promotores empresariais, com estes a procurarem chegar àqueles para pressionar nalgum aspeto relacionado com os seus investimentos. Os registos recolhidos pelo MP apontam para uma diversidade de contactos. Já a conclusão da investigação — tratarem-se de indícios de corrupção — era tão fraca que acabou por cair. E esta fraqueza acusatória é demasiado frequente, lançando a confusão generalizada, vitimando inocentes — e afetando até a imagem pública da Justiça em geral e do Ministério Público em particular.

É nesta moldura que ressurge a ideia de regulamentar o lobbying — a atividade profissional que, através de comunicações e contactos, visa influenciar uma decisão pública ou política.

[ Um exemplo prático: no caso da “operação influencer” a figura do advogado Diogo Lacerda Machado, referido maldosamente milhares de vezes na comunicação social como “o melhor amigo de António Costa”, estaria apenas a fazer o seu trabalho e os contactos não levantariam suspeitas, acaso a atividade estivesse regulamentada. ]

A “luta contra a corrupção” é, de resto, a justificação dada pelo presidente do PSD para voltar a colocar o assunto ao Parlamento através de um projeto de lei. Luís Montenegro adita “a exigência de transparência na vida pública e a necessidade de termos menos burocracia”. São chavões que lhe permitem chamar a atenção em pré-campanha eleitoral, mas até o seu partido já tinha navegado o assunto. Bem como todos os outros no Parlamento, exceto BE e PAN.

O PS quer avançar com a regulamentação desde 2015. Chegou a apresentar o seu projeto de lei e promete regressar na próxima legislatura. Embora com diferenças entre eles, PS, CH e PAN vão insistir nas iniciativas já apresentadas. Todos querem aprovar regras de transparência aplicáveis às entidades privadas que representam interesses de forma legítima junto das entidades públicas e criar um registo dessas entidades, junto da Assembleia da República ou da Entidade para a Transparência.

Mas,

Para que serve (e não serve) a regulação do lobbying?

Para evitar expectativas irrealistas, comecemos por discutir para o que não serve a regulação, escrevia já em 2018 Susana Coroado, investigadora associada do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa e autora do livro “O Grande Lóbi: como se influenciam as decisões em Portugal”. É frequente, no seguimento de escândalos envolvendo relações pouco claras entre o poder político e o económico, ouvir por parte de comentadores que é fundamental regulamentar o lobbying. Ora, a regulamentação desta prática, só por si, jamais evitará a corrupção ou o tráfico de influências, assentes na garantia de uma decisão favorável em troca de uma compensação, como não trará à luz do dia influências que se querem manter ocultas. Também não evitará que decisores públicos mantenham contactos com grupos de interesse que se inserem nos seus círculos sociais — amigos, familiares ou parceiros de golfe. Nem tão pouco porá termo aos canais de influência criados pelas portas giratórias que permitem a políticos circular entre o público e o privado e pelos interesses que os deputados acumulam sem qualquer supervisão. Estes problemas devem ser tratados através de outros diplomas legislativos.

“Regulamentar os lobbies pode ser uma excelente intenção, mas duvido que essa regulamentação atinja os verdadeiros lobbies, os dos de “cima”, e penso que moderará apenas os “de baixo””, escreveu há dias José Pacheco Pereira. Basta ver a lista dos “influenciadores” que actuam junto do, ou com o, poder político para ver como uma legislação a sério sobre lobbies desertificaria as direcções dos partidos políticos, o comentário televisivo em sinal aberto e a elite da nossa advocacia e consultadoria, e obrigaria a registos incómodos em governantes, autarcas, deputados, gabinetes, etc., etc. “Um grande etc”, conclui o antigo deputado e eurodeputado, que conhece bem a prática do lobbying.

Navegar na bruma da complexidade

No Parlamento Europeu não se diz “lobby”: diz-se grupo de interesses e transparência. O poder dos lobistas tem vindo a crescer em Bruxelas e para alguns isto significa que a política europeia se está a tornar mais pantanosa.

Na prática, o que assoma dos relatos de Bruxelas é que há uma relação entre a capacidade financeira e a sua eficácia de pressão. Mais reuniões e mais resultados obtêm as empresas e consórcios que gastam pequenas fortunas nos profissionais do lobbying, comparados com as pequenas associações — sobretudo se forem associações que não representam empresas mas sim grupos de resistência, como é comum no ambiente.

Mas estas árvores não são a floresta. E o dinheiro não se traduz necessariamente em influência política. “Bolsos fundos não se traduzem em lobby eficaz”, diz Nicholas Aiossa, da Transparency International. Algumas empresas investem dinheiro em lobistas internos, consultorias e campanhas de marketing sem muitos resultados. Mas bons lobistas procuram participar do debate que desejam influenciar o mais cedo possível, para tentar moldar a agenda.

Por outro lado, e isto é também cada vez mais significativo à medida que aumenta o número de diplomas, alíneas e suas exceções, e como o poder na UE é difuso e as decisões resultam de acordos na Comissão, no Conselho (composto pelos 27 chefes de governo) e no Parlamento, bons lobistas que conseguem navegar pelo ciclo de decisões dessas três instituições podem ser inestimáveis.

Um mercado de 1.800.000.000 de euros

Em Bruxelas pelo menos 48.000 pessoas trabalham para organizações que buscam influenciar as instituições e decisões da UE. Dessas, 7.500 são lobistas credenciados no Parlamento Europeu. As quase 12.000 organizações no atual registo voluntário de lobby da UE declaram um orçamento combinado anual de 1.800 milhões de euros.

Um entre muitos exemplos: a Amazon

Desde 2013, a Amazon aumentou significativamente o seu orçamento de lobby em Bruxelas, passando de 450.000 euros para pelo menos 2,75 milhões de euros. Os gastos atingiram o pico em 2021, com 3 milhões de euros. Em 2022, o montante foi um pouco menor, mas, mesmo assim, a Amazon, com 2,75 milhões de euros em despesas de lobby, ainda ocupava o 14º lugar entre todas as empresas individuais.

A empresa também expandiu suas atividades de lobby nos Estados membros da UE. Nos seus dois maiores mercados, Alemanha e França, a Amazon gastou um total de 3,6 milhões de euros em 2022, sendo 2,41 milhões de euros apenas em Berlim. Isto é mais do que a empresa afirma ter gasto ao nível da União, indicando que a atividade de lobby nos estados membros é de alta prioridade.

Campanha eleitoraleira

Subsiste o risco de esta nova corrida dos partidos não passar de uma ação da longuíssima campanha eleitoral em que todos já se empenharam a mais de três meses das eleições antecipadas. Uma medida eleitoralista que, julga-se, terá impacto junto do eleitorado.

Na melhor das hipóteses, será um assunto de segunda ou terceira importância na próxima legislatura e a regulamentação avançará, se e quando avançar, num ritmo lento. Talvez não tão lento como em Itália, que em quatro décadas viu serem apresentadas e rejeitadas mais de 50 propostas, mas lenta na escala portuguesa.

Dever-se-á esta lentidão ao facto de os políticos beneficiarem mais da opacidade e impunidade do que da integridade e transparência? Ou à tradicional morosidade das decisões públicas em Portugal?

Há um indicador de confiança: decorreram quatro anos entre a aprovação, em 2019 no Parlamento, da Entidade para a Transparência, e o acordo que finalmente estabeleceu um local para a sua instalação em Coimbra (julho de 2023), nos últimos meses foram contratadas pessoas mas neste momento ninguém sabe quando iniciará funções.

Consolação? O OE 2024, hoje aprovado, prevê uma 1,5 milhões de euros para a Entidade para a Transparência.

Fontes: WikipediaParlamento EuropeuLobby ControlTransparency international, European Trade Union Institute, The EconomistPúblicoRenascençaFFMS

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