PAREDES – UM DIA INESQUECÍVEL, por José Gabriel, in Facebook.

(Escrevi este texto há anos. Agora, que se comemora o centenário do nascimento do grande Carlos Paredes, ocorreu-me que talvez não fosse má ideia republicá-lo).

Era o início da década de 60. Estávamos no casino da Figueira da Foz – então chamado Casino Peninsular -, num camarim do Salão Nobre. Os meus companheiros afinavam as guitarras; o Zeca tratava ternamente a sua Fender Stratocaster recém-adquirida, o meu irmão ensaiava acordes com a energia habitual, eu fazia exercícios de aquecimento. Era então um garoto, que tocava em público com uma autorização especial que me qualificava com o patusco título de “ajudante de músico”. Nada de profissionalismos, que a família, como mandava a prudência do tempo, impunha estudos para um emprego “a sério”. 

Estávamos nisto quando começaram a ouvir-se belíssimos sons vindos do camarim ao lado. Fomos espreitar, que o apelo era irresistível. A um canto da divisão um homem alto debruçava-se sobre uma guitarra portuguesa e ensaiava – “para acalmar os nervos”, informou-nos um músico que também por lá estava passando um pano pela guitarra clássica. Viemos depois a saber que este era o Fernando Alvim, que nos foi esclarecendo sobre o homem que continuava, cada vez com mais energia, a dedilhar a sua guitarra. “Ele está nervosíssimo; é a primeira vez que toca em público, pelo menos para uma plateia desta dimensão; estão a ouvir aquilo? Ele agora lembrou-se de tocar estas coisas e eu, claro, tenho de ir atrás”. Ao canto, o homem da guitarra ensaiava agora uma versão vertiginosa das csardas de Monti. Estava completamente ausente, como se nada nem ninguém mais ali estivesse. Finalmente pausou, ergueu a cabeça e perguntou com alguma ansiedade: “Fernando, achas que vão gostar?”. Nós estávamos embasbacados. Éramos miúdos, não sabíamos o que nos tinha calhado em fortuna, mas sabíamos que aquilo era maravilhoso. O Fernando Alvim, então apresentou-nos: “Carlos Paredes”.

O concerto de Carlos Paredes foi um sucesso arrasador e o público não regateou aplausos e pedidos de mais e mais peças. No fim, o genial Carlos parecia surpreendido e mantinha a insegurança. “Parece que gostaram, não foi?”. Mas foi descontraindo. Experimentou com curiosidade as nossas guitarras eléctricas, falou nas virtudes da guitarra clássica e das dificuldades e limitações da guitarra portuguesa, enfim, um fim de festa descontraído e inesquecível.

Mas, lá está, éramos garotos. Só mais tarde, muito mais tarde, percebemos a importância do que tínhamos vivido e a dimensão dos nossos companheiros de espectáculo. Primeiro a dimensão artística, depois todas as outras. Tínhamos, naquele dia, partilhado o palco, estado ao lado de Carlos Paredes e Fernando Alvim na sua estreia em público.

16/2/2020

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