A ANA é filha única, precisa de uma irmã | Daniel Deusdado | 17-12-2023 in DN

Os lisboetas querem mesmo demolir o Aeroporto Humberto Delgado? Nenhuma Comissão Técnica Independente, nenhum Governo, nenhuma câmara respondeu a isso.

Muitos defensores das boas contas do Estado resolveram mudar de padrão e embarcaram na palavra do momento: chega. “Chega de 50 anos de discussão sobre a localização do novo aeroporto.” Seja qual for a opção ou o custo. E isto, apesar de não termos ouvido uma única vez, nem Medina, nem Moedas defenderem o fim da Portela. Os lisboetas querem mesmo demolir o Aeroporto Humberto Delgado? Nenhuma Comissão Técnica Independente (CTI), nenhum Governo, nenhuma câmara respondeu a isso. E não seria coisa de somenos ter-se começado por aqui.

Claro que a ANA-Vinci se focou numa solução muito simples para alargar o número de voos: o Montijo. Porque, apesar de ser um péssimo local – pela presença de tantas aves -, fazia o dois-em-um: baixo investimento e muitos milhões em portagens na Ponte Vasco da Gama (que também é Vinci).

Muita gente descobriu agora que vender a ANA em monopólio à Vinci significava… vender a ANA em monopólio à Vinci. Com um contrato que permite uma fórmula automática de aumentos anuais das taxas aeroportuárias e, consequentemente, lucros astronómicos da concessionária. O delírio leva a que já se façam contas a quanto custaria ao Governo de Pedro Nuno Santos recomprar a ANA como retaliação pelo facto de José Luís Arnaut ter tornado o óbvio em frase sonante: esta CTI desde o início apontava para Alcochete (dimensão Heathrow) e acabou a escolher… Alcochete (dimensão Heathrow). Ou melhor: a CTI não escolhe – elenca vantagens. Mas não se pode discordar da “escolha-não escolha” da CTI.

Agora repare-se: a CTI conseguiu encontrar um argumento extraordinário para afastar Santarém – um conflito de tráfego aéreo com Monte Real. Santarém emitiu uma nota a explicar que alterariam o necessário para se compatibilizarem com a Força Aérea. Mesmo assim, no final, a CTI “exclui” Santarém por… navegação aérea. Ou seja, a CTI considera mais complicado articular o tráfego aéreo de Monte Real e Santarém do que eliminar duas bases da Força Aérea (Montijo e Alcochete), tendo de arranjar novo local para elas, pagas pelos contribuintes. Para que Alcochete funcione. É obra (literalmente).

Mais: CTI (e ANA) excluíram preliminarmente Alverca, sem margem para análise, quando teriam a hipótese de construir uma segunda pista, em articulação com a Portela, ligada via “shuttle ferroviário”. Porque caiu Alverca? Continua a ser um mistério.

E agora vem aí uma campanha eleitoral na qual o tema do aeroporto tem tudo para partir o voto regionalmente, caso o Chega ou a Iniciativa Liberal queiram capitalizar a estupefação do Centro do país. Porque ela existe. Um exemplo: Ricardo Araújo Pereira (RAP) foi fazer o direto do seu programa da SIC ao Fundão, domingo à noite. Tentou fazer uma piada com a frase: “Então não é que o novo aeroporto de Lisboa vai ser na zona de Lisboa!”. E a sala ficou em silêncio. Porque o Fundão é um bom exemplo de uma região que teria algo a ganhar com um aeroporto a Norte de Lisboa (sem Lisboa perder o seu).

É este o paradoxo: a melhor localização de um aeroporto neste país está na Portela e este só precisa de ser melhorado. Um outro, complementar, em Santarém, poderia ficar aos mesmos 30 minutos de comboio – como Alcochete -, só que com a diferença de que daria uma nova conexão ao Centro do país. Alcochete elimina de vez um futuro para Beja – vai ser demolido? Além disso, Santarém já tem acessos, um impacto ambiental menor, custa oito vezes menos que Alcochete, e, sobretudo, está fora do monopólio da ANA. Mas não pode ser opção. Porquê?

Jornalista

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