“A Revolução dos Cravos foi a mais profunda revolução social da Europa do pós-guerra até aos dias de hoje”, por Raquel Varela, 25-4-2025

A Revolução dos Cravos foi a mais profunda revolução social da Europa do pós-guerra até aos dias de hoje. O incrível tornou-se quotidiano. Portugal foi então, a par do Vietname, o centro do mundo. Naqueles 19 meses, de tantas lutas políticas – e sim a luta política é feita de embates, acalorados, dissensos frontais, programas abertamente distintos -, o traço claro deste novo país foi a participação de milhões de pessoas na vida política, social e cultural do país. Nunca tanta gente na história de Portugal decidiu tanto e nunca a política foi tão democrática. 

Podemos elencar aqui o fim da guerra colonial, o fim da ditadura, da censura, das prisões políticas, do partido único, centenas de fábricas ocupadas em autogestãos, as cooperativas, as nacionalizações de bancos, as greves de solidariedade, o ensino unificado, o serviço nacional de saúde, a segurança social… De repente havia um país.

Mas o que fica, porém, destes dias, e essa é a história dos mais de 3 milhões que participaram em greves, manifestações, comissões de trabalhadores, moradores e soldados, comissões democráticas, não são só os resultados, muitos dos quais aliás, foram desfeitos. O que fica do que passou é uma ideia de futuro, de projecto, é quando as “pessoas passaram a sentir necessidades que não sabiam que tinham”, na frase épica do médico Bernardino Páscoa.  É que tudo isto foi realizado com uma participação política inédita dos que-vivem-do-trabalho, rompendo o ciclo de alienação, desmotivação, concorrência, e enlaçando um novo rumo, com sentido do trabalho, da cooperação, do entusiasmo, o que faz com que até seja difícil encontrar naqueles dias fotografias sem gente a rir. A vida passou a ser um espaço de sonhos. 

Sim, há alternativa. O “vai-se andando”, “mais ou menos”, “faz-se o que se pode” foi substituído pelos médicos que abraçaram a comissão de moradores e foram com esta abrir um centro de saúde numa casa abandonada – ainda hoje existe esta extensão do centro de saúde no Seixal; quando as mulheres adultas foram para um piquete à noite e disseram que iam dormir fora de casa, sem autorização dos pais ou maridos; quando os professores ocuparam a escola privada de Alcácer do Sal, com os alunos dessa mesma escola a solidarizarem-se, para que os mais pobres pudessem estudar também. É, até hoje, a escola secundária pública. Chegaram à polis. 

No meio da mais intensa crise económica do pós guerra, chamada de choque petrolífero, os trabalhadores, manuais e intelectuais, disseram que não aceitavam as “medidas de saída da crise” (de recuperação das taxas de lucro, imobilizando riqueza) e impuseram um modelo baseado na cooperação, e fizeram-no democraticamente, debatendo, discutindo, votando, nas instituições públicas e sobretudo nos locais de trabalho. Sem democracia no trabalho não há democracia na sociedade, nem nenhum problema se resolverá.

Como em Abril de 1974 desejamos hoje um mundo de liberdade e igualdade real – uma não vive sem a outra – para que todos tenham segurança material e assim as diferenças sejam respeitadas e floresçam a diversidade, a arte, a criação, as relações humanas densas. A liberdade.

Queremos paz, pão, saúde, habitação, cultura e amor. Viver entre iguais. Dar tudo a todos.

Feliz 25 de Abril!

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