ANÁLISE | Vamos com calma, Europa: o avanço da extrema-direita não é inevitável e tem mais fumo que fogo | Paulo Querido in “VamoLáVer”

Há quatro países governados pela extrema-direita que em breve serão três. 84% dos cidadãos comunitários não conhecem governos desses. Balanço da presença dos extremistas em governos e parlamentos.

Começo por uma primeira nota: o objetivo deste levantamento é proporcionar uma visão objetiva da realidade, o que numa época de temperaturas políticas elevadas será facilmente criticado como um “branqueamento” ou uma “desvalorização” do perigo que o crescimento da extrema-direita constitui tanto para os cidadãos dos países europeus como para a União Europeia e para a democracia. Mas não pretendo nada disso, pelo contrário. Trata-se de situar esse crescimento de forma a melhor lidar com ele.

Segunda nota. Deu muito mais trabalho do que supunha à partida a elaboração desta lista. Não tanto pela dificuldade de catalogação: é muito difícil concordarmos sobre que partidos ou governos são de extrema-direita, tendo eu optado pela filiação dos partidos na família europeia ID (Identity and Democracy) onde se juntam CH, Lega Nord, AfD e CH, entre outros e, na sua ausência ou na dúvida, pela informação disponível. Mas porque apesar das pesquisas exaustivas, não consegui encontrar nenhuma lista que servisse de ponto de partida.

Holanda como exemplo

Comecemos pelo fim. As eleições da semana passada nos Países Baixos não foram uma vitória total da extrema-direita, mas sinalizam os perigos da inação geral em relação à migração e ao custo de vida. Mas só com assomados de uma febre intensa podemos, com base nesse cenário, afirmar que a Europa está prestes a sucumbir a uma tomada de poder da extrema-direita.

Para começar, “a vitória de Geert Wilders é enormemente condicionada”, escreve o britânico Observer em editorial. Embora o PVV tenha conquistado 37 assentos, mais do dobro de 2021, representam apenas uma fração dos 150 lugares no parlamento holandês. Como tem sido típico noutros países europeus onde a extrema-direita populista-nacionalista se saiu bem nos últimos anos, a grande maioria dos eleitores não apoiou o PVV.

Duas recentes eleições europeias mostram que “o avanço da extrema-direita não é inevitável”, continua o Observer. Na Polónia, o ex-presidente do Conselho Europeu, Donald Tusk, quebrou o domínio de um governo de extrema-direita sem escrúpulos. Em Espanha, os Socialistas liderados por Pedro Sánchez repeliram o desafio do partido neo-franquista Vox. O futuro não pertence à extrema-direita por direito próprio. Apenas vence quando a maioria progressista perde o ânimo e os deixa entrar.

Mais fumo que fogo

Haverá uma vaga de direita na governação europeia? Bem, a direita sempre esteve na maioria dos países da União Europeia em quase todos os momentos da História. O que é recente, e recente aqui são os últimos 15 anos, desde a mudança em que a crise do sub-prime americano mergulhou o mundo, é a erosão dos partidos de centro-direita (sensíveis às questões sociais) e o avanço dos partidos de direita conservadora (primado das empresas, insensibilidade ou desdém pelas questões sociais). Esse avanço trouxe à ribalta partidos da extremidade direita do espectro político (autoritarismo de Estado, desprezo pela democracia).

Quando passamos dos parlamentos para os executivos, vemos esse avanço de uma forma mais nítida — o que permite arrefecer um pouco a temperatura política e proceder a uma melhor avaliação da situação.

Esmiuçada a lista, o que temos, neste momento, é a extrema-direita a governar três países, um dos quais membro fundador da União Europeia, e a deixar em breve um quarto, no qual as eleições ditaram o enfraquecimento do bloco de direita. Se pensarmos em termos de população, depois da Polónia sair da lista apenas (!) 16% dos cidadãos comunitários serão governados por primeiros-ministros de extrema-direita.

Os três extremistas (que eram quatro)…

Quais são os países atualmente governados por extremistas? Incluo na lista a Polónia, cujo governo é assim visto apesar de na realidade ser (ainda) de uma direita conservadora mas liderada por um moderado.

Itália. Governo de Giorgia Meloni, do partido Irmãos da Itália, integra Força Itália e a Liga, de Matteo Salvini.

FinlândiaPetteri Orpo, presidente do Partido da Coligação Nacional, liberal-conservador de centro-direita, governa com uma coligação de quatro partidos, entre os quais está o Partido Finlandês, de extrema-direita, que promete uma forte repressão à imigração. O Movimento Azul (Sininen tulevaisuus), um partido dissidente dos Verdadeiros Finlandeses, participou de um governo de coligação, mas tem uma presença muito menor no parlamento após as eleições de 2019.

Hungria. O governo de Viktor Orbán (Fidesz, direita radical) manda no país há oito anos. A extrema-direita tem ainda o Jobbik (Movimento pela Melhoria da Hungria).

PolóniaMateusz Morawiecki, do PiS (Lei e Justiça, direita conservadora), venceu as eleições mais concorridas de sempre (74% de participação) mas não conseguirá formar governo, tendo a oposição uma confortável maioria parlamentar. Foi formalmente empossado enquanto procura negociar, o que levará meses, e no fim a Polónia será governada por uma coligação chefiada por Donald Tusk (democrata-cristão, antigo presidente do Conselho Europeu, 2014-2019). Note-se que o partido de extrema-direita polaco é a Confederação (Konfederacja), com pouca representatividade e a recuar nas sondagens.

… o caso especial…

Há um outro país em que a extrema-direita, sem estar presente no governo, o apoia no parlamento.

SuéciaUlf Kristersson (Partido Moderado, centro-direita) é o primeiro-ministro de um governo de coligação com cristãos democratas e liberais, mas os Democratas da Suécia (SD), terceiro partido mais votado nas últimas eleições, dão apoio parlamentar às políticas e ao orçamento.

… e os extremistas nos outros países

Há na Europa países sem extrema-direita, ou pelo menos onde o crescimento não levantou preocupação. Abaixo se listam, por ordem alfabética, os países e partidos com assento parlamentar e/ou influência pública.

Áustria. Governo: Karl Nehammer Partido Popular Austríaco (ÖVP). Extrema-direita: Partido da Liberdade da Áustria (FPÖ), que já integrou o governo, mas saiu em 2019 após um escândalo de corrupção, recupera nas sondagens.

Alemanha. A Alternativa para a Alemanha (AfD) tem ganhado assentos em vários parlamentos estaduais e no Bundestag. Nunca foi governo, mas têm uma presença parlamentar que permite influenciar o debate político.

Bélgica. O Vlaams Belang é um partido de extrema-direita flamengo que tem ganho apoio e tem representação no parlamento belga.

Bulgária. Existem vários partidos de extrema-direita na Bulgária, como o VMRO, que têm alguma representação parlamentar e, às vezes, participam de coligações governamentais.

Chipre. O ELAM, um partido nacionalista grego-cipriota, tem representação no parlamento, mas não faz parte do governo.

Dinamarca. O Partido Popular Dinamarquês (Dansk Folkeparti) tem sido uma força política significativa e já apoiou governos de minoria, embora não tenha feito parte do governo diretamente. Recentemente o seu apoio eleitoral tem diminuído.

Eslováquia. O Partido Popular Nossa Eslováquia (ĽSNS), liderado por Marian Kotleba, é um partido de extrema-direita com representação parlamentar, mas não faz parte do governo.

Espanha. O Vox é um partido de extrema-direita que ganhou representação no parlamento espanhol e tem influenciado o debate político, especialmente em questões de nacionalismo e imigração.

Estónia. O Partido Popular Conservador da Estónia (EKRE) fez parte de uma coligação de governo até 2021 e tem uma presença parlamentar.

Finlândia. Os Verdadeiros Finlandeses (Perussuomalaiset) têm sido uma força significativa na política finlandesa. Embora não tenham feito parte de nenhum governo, tem influenciado o debate político e têm representação no parlamento.

França. A Reunião Nacional (anteriormente Frente Nacional), liderada por Marine Le Pen, deverá vencer as Europeias de 2024. Tem sido uma força significativa na política francesa e embora não tenha governado tem uma presença substancial no parlamento e tem influenciado o debate político nacional e europeu.

Grécia. O partido Solução Grega é um partido de direita que tem representação no parlamento, mas não faz parte do governo, atualmente de centro-direita.

Letónia. O partido “Quem possui o estado?” (KPV LV) tem sido descrito como populista e tem representação parlamentar, mas a sua posição no espectro político pode variar.

Noruega. O Partido do Progresso (Fremskrittspartiet) tem sido parte de governos de coligação no passado, é frequentemente classificado como um partido populista de direita, em vez de extrema-direita.

Países Baixos. O Partido pela Liberdade (PVV), liderado por Geert Wilders, tem sido uma força política influente e venceu as eleições na semana passada. Mas sem uma maioria de direita no parlamento é quase impossível formar governo.

Portugal. O Chega é um partido de extrema-direita que tem representação parlamentar, mas não faz parte do governo. Tem vindo a subir nas sondagens e representará atualmente entre 12% e 14% do eleitorado.

República Checa (ou Chéquia). O Partido da Liberdade e Democracia Direta (SPD), liderado por Tomio Okamura, é um partido de extrema-direita com representação no parlamento.

Sérvia. O Partido Radical Sérvio (SRS), liderado por Vojislav Šešelj, é um partido ultranacionalista com representação parlamentar.

Suíça. Embora o sistema político suíço seja um pouco diferente, a União Democrática do Centro (SVP/UDC) é frequentemente descrita como um partido populista de direita e tem sido parte do governo federal suíço devido ao sistema de concordância.

Fontes: Observer, Euronews (12), DNPoliticoDW,

Deixe um comentário

Este site utiliza o Akismet para reduzir spam. Fica a saber como são processados os dados dos comentários.