Um aeroporto na Nova Lisboa | por Daniel Deus Dado | 10 Dezembro 2023, DN

Então é assim: a ANA tem de gastar 300 milhões na Portela para a modernizar, já, mas temos de gastar também 1300 milhões no Montijo, porque senão esperamos muito tempo, e a seguir demolimos Portela e Montijo porque o aeroporto certo é o aeroporto único de Alcochete, que demorará 8 anos, 8 mil milhões, o hub certo para salvar e vender a TAP, o dobro dos turistas, e a Confederação do Turismo de Portugal tirará o contador dos biliões perdidos por não ter o dobro das visitas a Lisboa, apesar de também querermos que as rendas desçam, com casas acessíveis para os lisboetas, apesar de precisarmos de ainda mais hotéis, mas não Alojamentos Locais, muitos deles proibidos a partir de 2030, porque Lisboa é finita e infinita ao mesmo tempo, venham todos todos todos, tudo é possível, basta acreditar.

Nova Lisboa. A cidade do futuro instala-se em cima de um dos mais importantes ecossistemas do país onde está a maior bacia de água limpa da Península Ibérica, verá o abate de 250 mil sobreiros para construir o aeroporto + logística e imobiliário, a que acresce a necessidade de encontrar 400 hectares para um novo campo de tiro algures… e espaço para as novas bases aéreas do Montijo e Alcochete.

A dívida para fazer tudo isto afinal não existe. E o aeroporto paga-se só com taxas aeroportuárias elevadíssimas para cobrir uma despesa de 8 mil milhões – inflacionando brutalmente o custo de aterrar na capital portuguesa e as viagens dos portugueses para fora. Mas… não, afinal as taxas do aeroporto não aumentam. A presidente da CTI disse, entretanto, que o Estado devia passar a mandar nas taxas aeroportuárias, apesar de o mesmo Estado ter negociado um contrato com uma fórmula automática para as calcular anualmente. Rosário Partidário propõe devolver à Vinci parte dos 3080 milhões da privatização ou foi mais um improviso?

Na explosiva mistura em curso – Pedro Nuno Santos/CTI/ANA/Confederação do Turismo -, Portugal teria então num certo momento 4 aeroportos (Montijo + Alcochete + Beja + Faro) na Margem Sul do Tejo, apesar da esmagadora maioria da população se concentrar na Margem Norte. E os lisboetas perdem o aeroporto da Portela, convertido em mais um parque imobiliário em vez de uma atividade económica estratégica no melhor local possível.

Segurem-se. Pedro Nuno Santos quer pôr mãos à obra com a qualidade, muito elogiada, dos que ao menos decidem – assente na facilidade socrática de quem não paga e obedece ao turismo, a nossa outra monocultura. Chama-se a isto fazer o pleno. Porque estamos a perder tempo e três milhões por dia, fora o que não sabemos que estamos a ganhar. E só Luís Montenegro conseguiu chegar sem uma ideia ou coragem no dia do anúncio do mais importante investimento por décadas em Portugal.

O país dos não-especialistas assiste, sem direito a abrir a boca, nem gente mediática para contrapor. A Nova Lisboa transformou-se num Principado autorregionalizado e rico – tem poder e meios financeiros próprios (os do Estado), média nacionais organizados na defesa da região, regras ambientais desenhadas à medida das necessidades, veto nas oportunidades fora dos seus interesses. (Os mesmos que exigem rapidez e lucidez no aeroporto passaram 20 anos a boicotar os comboios rápidos.) A capital coloca também ao seu dispor o maior PIB per capita, maior afluxo turístico e as maiores derramas das grandes empresas incumbentes como EDP, PT, GALP e multinacionais. O dinheiro abunda. É outro Portugal.

Por fim: não há uma palavra séria sobre o ecocídio da Margem Sul. Como iremos explicar isto às futuras gerações?

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