“O DESTERRADO”, DE SOARES DOS REIS, por Paulo Marques

Em 1872, com 25 anos, como prova final do pensionato em escultura que realizou em Roma, Soares dos Reis (1847 – 1889) esculpiu em mármore de Carrara “O Desterrado”, sua obra maior, de inspiração classicista (com pormenores naturalistas e românticos perfeitamente conjugados), inspirada nos versos das “Tristezas do Desterro” de Alexandre Herculano.

Sentado num rochedo, um jovem nu, belo e são, com as mãos cruzadas e apoiadas a um lado, costas arqueadas, cabeça pendente numa pose de abandono, com uma lágrima escorrendo-lhe pela face, olha tristemente? solitariamente? saudosamente? meditativamente? alheadamente? melancolicamente? desesperadamente? a espuma das ondas a seus pés. 

À época, mal adivinhava Soares dos Reis que “O Desterrado” viria a ser ele próprio. Desterrado, não no sentido de ter vivido longe, ou de ter sido expulso da sua pátria, mas de ter vivido num espaço e num tempo em que nunca se enquadrou e que nunca o acolheu com a devida gratidão. 

Apesar de nos ter deixado uma obra escultórica a todos os níveis admirável, de ter sido um artista brilhante, o percurso de vida do homem a quem Rodin, o célebre escultor francês, beijou as mãos, comovido com uma das suas obras, quer pessoal, quer profissional, foi sempre um percurso angustiado, dramático e até, de certa forma, falhado.

Soares dos Reis, não só um bom homem, simples e modesto, de natureza doce, introspetiva, melancólica, como um dos nossos melhores escultores de todos os tempos, senão até o nosso melhor escultor, não merecia ter sido tão maltratado.

O artista que tanto cantou a beleza em vida, a beleza imperecível que lhe saía do seu miraculoso e perfeito cinzel, e que deu forma a tantas peças artísticas, forjadas no singelo amor das formas reais, acabou no negrume do desespero, na catástrofe da voluntária aniquilação, quando, desertado de toda a esperança, aos 41 anos de idade, na sua casa-atelier em Gaia, buscando na morte a libertação, pôs termo à vida com dois tiros.

Retirado do Facebook | Mural de Paulo Marques

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