Trump deu uma “mão decisiva”. Biden parece “fora de tempo”. Mas houve uma colaboração “sem precedentes” no cessar-fogo no Médio Oriente, in CNN Portugal, 18-01-2025

No dia em que se celebrava aquele que pode ser o início do fim da guerra entre Israel e o Hamas, uma outra guerra surgia, desta vez nos Estados Unidos da América (EUA) mas, neste caso, uma guerra de palavras. Os protagonistas são o atual e o futuro presidente norte-americano, Joe Biden e Donald Trump. Em causa está quem foi mais decisivo para o acordo de cessar-fogo no Médio Oriente.

“Temos um acordo para os reféns no Médio Oriente. Vão ser libertados em breve. Obrigado!”, escrevia Donald Trump na sua rede social, a Truth Social, mesmo antes do ainda presidente dos EUA anunciar o plano de paz. O presidente eleito não perdeu tempo a agradecer a todos, afirmando que este resultado só foi alcançado graças aos resultados “históricos” das presidenciais de novembro de 2024, que lhe permitiram regressar à Casa Branca. 

Mais tarde, acompanhado pela vice-presidente dos EUA, Kamala Harris, e pelo secretário de Estado norte-americano, Antony Blinken – que visitou por variadas ocasiões o Médio Oriente com o objetivo de estabelecer pontes entre as partes -, Biden recuava a maio de 2024 para afirmar que foi a sua proposta de acordo que permitiu terminar com a guerra entre Israel e o Hamas. “Os aspetos deste acordo foram apresentados ao pormenor em maio, tendo sido apoiados por países de todo o mundo e, de forma maioritária, pelo Conselho de Segurança da ONU”, afirmou Biden na noite de quarta-feira.

A “mão importante” de Trump para o cessar-fogo

Joe Biden “confirmou que está sempre um Tweet atrás, quase parecendo estar fora de tempo ao fazer uma declaração depois do futuro presidente” dos EUA, diz Azeredo Lopes, comentador da CNN Portugal, adiantando ter a certeza “de que há uma mão importante de Donald Trump neste acordo” uma vez que o futuro presidente quer “chegar à investidura e dizer que conseguiu alcançar a paz, algo que Biden não tinha conseguido”.

Em novembro de 2024, Steve Witkoff, enviado de Donald Trump para o Médio Oriente, assumiu um papel decisivo nas negociações entre Israel e o Hamas, que já se arrastavam há meses. Sem qualquer experiência diplomática, Witkoff foi escolhido pelo presidente eleito para pressionar o primeiro-ministro israelita, Benjamin Netanyahu, a aceitar concessões que permitissem o fim da guerra em Gaza.

“Quando se está a falar com Israel, não se pode apresentar apenas a democracia e mostrar falta de capacidade para impor medidas duras, como Biden fez ao longo dos últimos anos, em que foi perdendo todo o respeito de Benjamin Netanyahu”, afirma Azeredo Lopes. “O estilo muito mais agressivo e populista de Trump são características que lhe foram favoráveis, para além de ser profundamente avesso ao conflito”, acrescenta.

Segundo o Financial Times, a negociação do cessar-fogo, que visava a libertação de reféns, enfrentou várias dificuldades, principalmente devido à resistência de Netanyahu, que tentava garantir a permanência das tropas israelitas em Gaza. Apesar de o presidente Biden ter elaborado o acordo de cessar-fogo no mês de maio – como o próprio fez questão de referir -, poderá ter sido a intervenção direta de Trump que selou o pacto.

“Não se sabe como, mas Trump ameaçou o Hamas com uma ação que teria lugar no quadro de Gaza, provavelmente de natureza militar. Assustou claramente o grupo”, acrescenta o embaixador Francisco Seixas da Costa, que não descarta a possibilidade de ter havido também “uma pressão sobre o governo israelita, no sentido de incentivar a alguma razoabilidade”.

Após a vitória nas eleições de 2024, Trump intensificou as negociações, deixando claro que queria o fim do conflito antes de assumir o cargo em 20 de janeiro. Witkoff, com o apoio do ex-presidente, falou diretamente com Netanyahu, exigindo que o acordo fosse fechado o mais rapidamente possível.

Colaboração “quase sem precedentes” 

Em declarações à CNN Internacional, um alto funcionário da administração Biden admitiu que o acordo tinha sido conseguido graças a uma colaboração “quase sem precedentes” entre a administração atual e a que iniciará funções a 20 de janeiro.

A parceria começou quando o enviado do presidente eleito, Donald Trump, chegou à capital do Catar para ajudar na fase final das negociações, onde já se encontrava Brett McGurk, negociador de longa data do presidente Joe Biden para o Médio Oriente.

“Não me parece coincidência que o acordo tenha sido alcançado apenas quando o enviado de Trump chegou às negociações no Catar. Este fator mostra que Trump teve claramente um papel importante, pois precisava de ter um grande momento antes da sua tomada de posse dentro de poucos dias”, afirma Azeredo Lopes.

A autoria do acordo é, de facto, um tema complexo. Embora tenha sido a administração Biden a iniciar as negociações, incluindo um cessar-fogo com o Hezbollah no Líbano, que preparou o terreno para a conclusão do acordo, Trump teve também um papel crucial, pressionando para que a resolução fosse alcançada antes da sua posse, depois de muitas tentativas do presidente cessante.

“Os estilos de presidência entre Biden e Trump são muito diferentes. Biden, ao contrário do que se pensa, deixa o mundo muito mais crispado e agressivo do que quando o recebeu”, defende Azeredo Lopes, acrescentando que “a venda de armas por parte da administração de Biden a Israel, no valor de oito mil milhões de dólares, fez com que Netanyahu se sentisse confortável nas negociações”.

Também sobre a administração Biden, o Embaixador Francisco Seixas da Costa defende que “foi bastante complacente ao longo destes dois anos com Israel”

Após as eleições, ambos os líderes terão concordado que a questão dos reféns deveria ser resolvida ainda antes de janeiro. O processo foi particularmente complicado devido à recusa do Hamas em revelar o número exato de reféns que detinha, o que atrasou as negociações. No entanto, sob pressão de mediadores, incluindo os Estados Unidos e Israel, o Hamas acabou por fornecer a lista, permitindo que o acordo fosse finalmente concluído.

As últimas negociações ocorreram em Doha, com os envolvidos a trabalhar até tarde da madrugada para finalizar os detalhes. Quando Netanyahu soube da conclusão, optou por telefonar primeiro a Trump e depois a Biden para agradecer a ambos pela sua contribuição.

O acordo entrará, ao que tudo indica, em vigor no próximo domingo, dia em que os primeiros reféns serão libertados, na véspera da posse de Donald Trump como 47º presidente dos EUA.

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