«BALLET ROSE» | o escândalo que abalou o regime de Salazar

Em 1967 rebentou um escândalo de abuso sexual de meninas, algumas com 8 e 9 anos, por parte de gente muito influente do regime fascista. Além de condes, marqueses, estavam implicados industriais, empresários e um ministro do Governo de Salazar, o Ministro da Economia Correia de Oliveira. A PJ prendeu uma modista de nome Genoveva e encontrou uma lista com os clientes das meninas. Tinha acontecido que uma das raparigas se dirigira à PJ, na companhia do advogado Fernando Pires de Lima, e contara tudo o que sabia. O poder quis que o advogado se afastasse. Mas este assumiu a defesa da rapariga e Joaquim Pires de Lima, recorda, numa entrevista à revista Pública do Expresso, em 12/07/2009:

«Tudo começou quando uma moça dos seus 16 anos me procurou, com a mãe e o namorado, porque estava a ser apertada na Polícia Judiciária para prestar declarações. Acerca das razões que a levavam a casa de uma senhora modista, que era tida como uma desencaminhadora de menores. E para identificar os indivíduos que estavam relacionados com essa senhora. Tinha receio de que a levassem presa. Isso levou-me a telefonar ao director da Judiciária, com quem tinha boa relação, bem como ao Antunes Varela (ministro). Provoquei um grande escândalo dizendo que, com a minha cliente, à PJ, ia eu! Não conhecia o instrutor do processo. Mais tarde detectei quem ele era; era um que estava ligado ao assassinato do Delgado, o agente Parente. Quando soube, denunciei-o. Obriguei a miúda a dizer os nomes de toda a gente. Ficou a saber-se que desde os nove anos andava a ser aproveitada por indivíduos como o conde Monte Real, o conde Caria, o conde da Covilhã, uma data de gente da alta sociedade. (…) A PJ o que queria era que ela não dissesse os nomes. “Quero que ela dite para os autos o que ela me disse a mim”. Quando se soube a idade das meninas envolvidas, percebeu-se que isto não era um processo de Ballet Rose á maneira do caso Profumo, cuja mais nova tinha 17 anos, mas um processo de corrupção de menores, com impúberas de nove anos. E miseráveis. Filhas de mulheres-a-dias. Eu queria que a PJ instaurasse um processo crime contra os corruptores de menores e retirasse o nome de Ballet Rose da história. (…) Para abafar o caso, uma vez que estavam metidos no assunto indivíduos como Correia de Oliveira, o Quintanilha Mendonça Dias (que era Ministro da Marinha), acharam que, se não era Ballet Rose, também não era nada de grave. Todos tentaram aliciar as meninas, mas não consumaram. Elas não eram susceptíveis de serem ofendidas. Não passou de uma tentativa de estupro e todos prestaram caução de boa conduta. Para que não houvesse punição dos arguidos. A rapariga [que desencadeou o processo], continuou por aí. Já depois do 25 de Abril perguntou-me se tinha direito a uma indemnização. Uma oportunista.»

O facto é que Mário Soares e Francisco Sousa Tavares tinham levado o caso para jornais estrangeiros. Sob o título “Caça à lolita no jardim do ministro”, o jornal italiano ABC publicou um artigo que relatava detalhadamente a participação entusiasmada de um membro do executivo, muito próximo de Salazar, em brincadeiras com raparigas de idade inferior a 14 anos, juntamente com outros indivíduos. Nos jardins da grande moradia que esse ministro tinha no Estoril , realizavam-se frequentemente aquilo que era descrito como “caçadas”, durante as quais uma dezena de miúdas completamente despidas, com excepção dos sapatos e de uma cabeleira com uma fita colorida, eram soltas como se de uma reserva animal se tratasse. Uma vez em liberdade, os caçadores- “diversos aristocratas, o tal ministro e altos funcionários estatais” – seguiam-lhes no encalço, igualmente despojados de roupas e também com uma fita colorida. O “jogo” consistia na captura da rapariga que tivesse a fita com a mesma cor que o seu “caçador” e na consequente consumação do acto sexual. Noutras ocasiões, as menores dançavam nuas sob holofotes de luz rosa, prática conhecida como “Ballet Rose” e pela qual o caso ficou conhecido.”

Mário Soares contou (*):

«(…) Um belo dia estava na Boa-Hora (Tribunal Plenário) e apareceu-me um escrivão que me disse: “Ó sr. Doutor, tenho uma coisa para lhe dizer. Há aqui um processo que é uma escandaleira contra estes malandros do regime! É este, aquele, aqueloutro.” …Fiquei a saber. Um dia ou dois depois, apareceu-me um jornalista do “Sunday Times” inglês, que eu não conhecia, mas veio ter ao meu escritório porque colegas portugueses lhe disseram que eu era da “Oposição”. Era público e notório. Tinha criado uma rede enorme de jornalistas estrangeiros com quem convivia e que se tornaram meus amigos. Foi o que me valeu. No “Monde”, no “New York Times”, na Reuters, no Exchange Telegraph, na France Press… Transformou-se numa rede de amigos, jantávamos e convivíamos com frequência. Eu dei-lhes imensas notícias e eles bateram–se por mim. Quando fui advogado do Delgado, depois do seu assassinato, fui sozinho a Badajoz a guiar o meu carro, um pequeno Volkswagen. Vieram alguns, à distância, mas atrás de mim. E fizeram reportagens e deram notícias, senão eu tinha sido preso logo na fronteira. Foi uma cobertura que eu tive sempre, até ao fim do salazarismo. (…) Eram jornalistas internacionais, correspondentes em Lisboa mas viajavam muito e tinham conhecimentos e apresentaram-me. Em Portugal, quase não tinham notícias – só propaganda – e a única pessoa que lhes dava notícias era eu! Os membros das embaixadas vinham falar comigo, ao meu escritório. Os americanos nunca vinham ao meu escritório, mas marcavam reuniões comigo no jardim do Campo Grande. (…) A esse jornalista do “Sunday Times” nunca o tinha visto na minha vida. Disse-me que queria saber o que era isso do escândalo dos Ballet Rose, tinha vindo ter comigo porque eu era informado, ia muito ao tribunal da Boa-Hora. Disse-lhe que só tinha uns zunzuns, mas que podia apresentá-lo a um escrivão que poderia dar-lhe mais informação. Mas disse-lhe logo: “Ficamos combinados. Se você diz alguma coisa sobre o escrivão ele perde o emprego e vai parar à cadeia. Tenha cuidado, não cite nomes nem as suas fontes.” Ele disse-me que era um jornalista responsável, que sabia muito bem como era. Nunca revelava as fontes. Foi assim, em confiança. No dia seguinte, disse-lhe para ir ter com o escrivão a um sítio, que lhe mostrei. E ele publicou tudo em Londres. (…).
(…) O regime ficou um bocado abalado. No plano moral. «Quando se soube, começou tudo a perguntar “de onde é que isto vem…” E como a PIDE tinha visto um jornalista estrangeiro a entrar no meu escritório, prenderam-me, acusando-me de ter dado a notícia. Eu respondi sempre que não. Nunca disse mais nada senão isso. Eles não tinham nada, nenhuma prova. Oito dias depois de eu estar preso, o jornalista escreveu uma matéria no “Sunday Times”, a dizer que era uma pouca-vergonha, “a minha fonte não é esse senhor, isto é eu vi-o, mas ele não me disse nada, porque não sabia nada”. Confirmou a minha tese e a PIDE ficou na dúvida e, pelo sim e pelo não, puseram-me na rua. Salazar não gostava de brincar com os ingleses…».

Helena Pato, a partir de:

(*) Jornal I, in http://a24news.blogs.sapo.pt/ballet-rose-escandalo-que-abal

http://centroparoquialgondar.blogspot.pt/…/ballet-rose-esca…

Retirado do Facebook | Mural de José Silva Pinto

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