Poema | Maria Isabel Fidalgo

 

 

 

 

Desço pela margem da memória

e entro pelo cais do rio

onde havia o ouro das manhãs

e o sorriso lavado do vento

lento na mansidão matinal.

 

Havia o dorso molhado da água apetecível

e um ensejo de lume

sem saber que ardia

Desço sem pressa por onde andei

na idade antes desta idade

como viajante clandestino

sem rumo

no ventre azul da mocidade.

 

Era tudo bom e grande na promessa

o sol despontava como um dardo perdurável

e sem pressa desço por mim mesma

como duna estendida num lençol do areal

ou uma serpente.

 

Maria Isabel Fidalgo

Engates e virgens ofendidas | Jorge Alves

Volta e meia deparo aqui no face com posts a desancar na escassez de neurónios do género masculino e no total desinteresse que a minha espécie merece da raça contrária. Para além disso, uma parcela das autoras dos referidos posts colocam-se num pedestal e arvoram-se em virgens ofendidas, alardeando aos sete ventos que andam a ser convidadas para isto e para aquilo. Pessoalmente, já recebi vários convites para cafés ou jantares. A todos disse uma simples palavra – não. E não me senti na pele de virgem ofendida. Que não sou, nunca fui nem pretendo ser. Servem estas linhas para uma leve lembrança a essas falsas beatas, catequistas arrependidas e santinhas de altar – isto é uma rede social, um canal aberto, onde aparece de tudo, inclusive prostituição descarada e gajos menos bem formados, é verdade. Basta pô-los no lugar e, se necessário, bloqueá-los. Sendo o inverso também verdadeiro. É tão simples como isso. Lembremo-nos também que essa coisa de ser gajo e andar no mercado é muito bonita, mas é tudo menos fácil.

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O que resta da bela gastronomia portuguesa | Jorge Alves

Depois de os dinossauros terem ido à vida, os processos de extinção tornaram-se moda. Tem sido um processo lento, mas inexorável. Parece que uma chuva de meteoros se abateu gradualmente sobre a Terra, acabando com os poucos prazeres que nos restavam. E não tenhamos dúvidas que uma das principais vítimas deste cataclismo tem sido a gastronomia. O que resta da bela gastronomia portuguesa, que fazia as delícias de qualquer gajo que se prezasse, que tinha o condão de transformar pesadelos em sonhos, que salvou, enfim, um sem-número de matrimónios? Quem ignora que o caminho mais curto para o coração de um homem passa através do seu estômago não sabe nada da vida. Por exemplo, antigamente um gajo deliciava-se com uma parrilhada de marisco. Tinha direito a tudo – sapateira, santola, gambas, navalheiras, amêijoas, mexilhão, percebes, polvo… enfim, era um fartar-vilanagem. Agora não. Vem para a mesa um mini-risotto de marisco e um gajo paga e não bufa. Ou melhor, paga para ver, que é para o que a comida gourmet serve. E que dizer do belo bacalhau à Zé do Pipo? Um gajo comia até cair para o lado! Agora pede-se bacalhau e levamos com uma lasca gratinada com legumes… Nem sequer é bom falar do opíparo cozido à portuguesa. Enfardar uma bela de uma farinheira, uma morcela, um chouriço, pernil, toucinho, tudo misturado com dois quilos de legumes lá da horta, isso agora só nos filmes a preto e branco. Um gajo senta-se, pede um cozido gourmet e lá vem um quarto de rodela (fininha…) de morcela, uma caganita de carne, três feijões, paisagem (pouca…) e uma factura de 50 euros. E que dizer de umas migas com ovos escalfados? Isso era quando um gajo engolia quatro ovos misturados numa panela recheada de delícias que enchiam a alma. Agora pedem-se migas e leva-se com meia dúzia de migalhas estrategicamente espalhadas pelo prato, misturadas com uma coisa verde, outra vermelha e um ponto de interrogação azul, para dar mais cor à coisa. Enfim, resta-me esperar que caia um meteorito (dos grandes…) na próxima conferência anual de chefs…

Jorge Alves

Retirado do Facebook | Mural de Jorges Alves