A Rússia não faz milagres | VIRIATO SOROMENHO MARQUES

viriatoEm 1985 publiquei um livro sobre o risco de guerra nuclear limitada na Europa (Europa: o Risco do Futuro). A decisão de o escrever foi tomada na Alemanha, no verão de 1983. Assisti a um país determinado a defender a paz. Lembro–me de Oskar Lafontaine, presidente do governo SPD do Sarre, propor que Bona saísse da NATO para quebrar o que ficou conhecido como a “crise dos euromísseis”. Todos os especialistas que consultei me confessavam, em privado, ser inevitável, mais tarde ou mais cedo, uma guerra central com armas nucleares. O argumento era simples: a história ensina-nos que todos os impérios caem de espada na mão. Duas semanas depois da saída do livro, Gorbachev assumiu o comando da URSS. Então, aconteceu um milagre: Gorbachev preferiu salvar a paz, mesmo arriscando sacrificar o império soviético. Não só a Alemanha se reunificou, como a Rússia deixou, pacificamente, partir os seus aliados e fragmentar a sua federação. Gorbachev esteve em Berlim, para comemorar os 25 anos da queda do Muro. Mas ninguém o escutou quando este acusou o Ocidente de ter traído a Rússia, cercando-a com a NATO. A UE, ao patrocinar a insurreição de rua contra o governo legítimo de Ianukovich, violou uma regra básica das relações internacionais: não se humilha um potencial inimigo, se não o queremos enfrentar. As vozes ensandecidas no Ocidente que querem combater Moscovo, até ao último soldado ucraniano, não percebem que é a atual fragilidade da Rússia que faz aumentar a probabilidade de uma escalada bélica poder conduzir, no limite, a uma guerra nuclear na Europa. Na verdade, a mesma liderança medíocre que vai arruinar a zona euro, talvez acabe por deixar mergulhar a Europa num mar de ferro e fogo. O milagre soviético não terá uma segunda edição russa.

Viriato Soromenho Marques in Diário de Notícias

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