O DIA EM QUE O “EM ÓRBITA” MORREU, por Júlio Isidro (está) com Cândido Mota, in Facebook

Retirado do Facebook | Murais de Carlos Fino e Julio Isidro está com Cândido Mota.

Estou sentado no Greek Theater de Los Angeles para um concerto que nunca tinha pensado assistir. Don McLean o “trovador da América” ali à frente vestido de preto, viola nos braços para nos cantar o que queríamos ouvir e até sabíamos de cor.

Deixou para o fim o que eu mais queria ouvir, “Vincent”e finalmente “American pie”, esta com quase nove minutos de duração.

Cantei baixinho com ele esta canção que tem muitos significados e um significante… uma elegia de um sonho que nunca aconteceu…nós todos como testemunhas da morte do sonho americano.

A canção é um exercício de luto pela morte de três dos pioneiros do rock’n’roll num acidente de aviação em 1959, Buddy Holly, Ritchie Valens e the Big Bopper.

Naquela noite aconteceu “The day the music died”, o dia em que a música morreu… de facto a perda de inocência da 1ª geração do rock.

Estas recordações levam-me a um paralelismo com a partida há cinco anos, 11 de Agosto de 2019 de Jorge Gil, arquitecto, cultor da estética e produtor radiofónico.

Partiu discreto como sempre foi, alma mater de um dos programas mais notáveis da rádio portuguesa no último meio século.

No dia 1 de Abril de 1965 ouvia-se pela primeira vez no FM estéreo do Rádio Clube Português o tema Revenge, um instrumental dos Kinks que ficaria como indicativo do programa durante largos anos.

Tinha nascido o Em Órbita.

Os fundadores foram o Jorge Gil, o Pedro Albergaria e o João Manuel Alexandre. O projecto era “A divulgação das formas mais representativas da música popular de expressão inglesa” uma pedrada no charco e quase uma provocação nos habituais programas de música variada dos estimados ouvintes.

Cumpriu com superior eficácia o seu título, este programa que conquistou a juventude do país, os prémios Imprensa e o prémio internacional Ondas .

Uma linguagem diferente, textos muito curtos e um princípio que reflectia a personalidade do futuro arquitecto Jorge Gil. Não ao culto da personalidade, recusa ao vedetismo.

“O programa é feito por nós e dito por mim” , foi o slogan que nasceu como resposta aos milhares de ouvintes que queriam saber quem era quem.

A primeira voz foi a do meu querido colega Pedro Castelo, seguindo-se o superlativo Cândido Mota, eu próprio que fiz o programa durante cerca de três anos, o saudoso Jaime Fernandes, o suavíssimo Fernando Quinas e na fase da música clássica a inconfundível voz de João David Nunes, amigos escandalosamente jovens nos anos 60.

De todos, destaco o “senhor Em Órbita”, Cândido Mota, a voz, o timbre, a personalidade do programa, obreiro do som diferente, inovador que marcou e marca ainda gerações.

É meu amigo de todos os dias, comunicamos ao telefone, enquanto reflectimos o nosso mundo comum em epístolas várias no face book.

O que teria sido de nós sem o Em Órbita a estrear, Simon & Garfunkel, Dylan, Moody Blues, Procol Harum, James Taylor, Peter, Paul and Mary, Beach Boys, Bee Gees, Fairport Convention, Leonard Cohen, Judy Collins, Blood Seat & Tears, Chicago Transit Authority, Jethro Tull e tantos , tantos outros.

Em 1968 o indicativo do programa passou a ser a abertura do poema sinfónico de Richard Strauss, Also sprach Zarathustra, inspirado na obra do filósofo Friedrich Nitzsche. Era o tempo do filme 2001 – odisseia no espaço de Stanley Kubrik e o Em Órbita encetava novas aventuras no espaço radiofónico.

Quero aqui deixar o meu tributo de gratidão a um enorme homem da cultura que deixou na rádio uma marca que só a poeira ingrata do tempo, tende a apagar.

O Jorge despertou-me para a leitura de Nitzsche, “Assim falou Zaratustra”, Kiergaard, “A Angústia”, ou Holderlin e a sua poesia.

Que jeito tudo isto me tem feito ao longo da minha carreira, porque um léxico de mais de 500 palavras ajuda muito a um profissional de comunicação.

Na foto, sobrevive o Cândido e fora dela, o Pedro, o João e eu. Todos os outros, já navegam por entre estrelas.

Por isso digo que com a partida do Jorge Gil, o “Em Órbita “ morreu, mas deixou o seu eco no espaço sideral.

Digam-me que estão aí, falem-me do vosso tempo de ouvintes do Em Órbita. Precisamos todos das vossas memórias.

Termino com a suave saudade de dias irrepetíveis e um pensamento de Nitzsche sobre a passagem dos nossos segundos de vida: – Não poder destruir o tempo, nem a avidez do tempo, é a angústia mais solitária.

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