ILUSÃO LIBERAL | Alberto Carvalho (Narrador)

Poucas palavras carregam tanta nobreza aparente e, ao mesmo tempo, tamanha capacidade de disfarce como “liberdade”.

Nem sempre ilumina – por vezes oculta.

Nem sempre redime – às vezes desmantela.

A liberdade invocada como “menos Estado” é apenas o rosto elegante da desordem.

Reino Unido, 1980 – A Revolução Thatcher

Em 1979, Margaret Thatcher subia ao poder prometendo romper com o que via como o declínio britânico.

Apresentava-se como a libertadora da economia, a restauradora da disciplina nacional, a voz firme contra o “Estado gordo”.

O programa era claro: privatizar empresas públicas, cortar apoios sociais, enfraquecer os sindicatos, reduzir impostos – sobretudo para os mais ricos – e confiar no mercado como árbitro supremo da vida colectiva.

A crença era quase religiosa: que o indivíduo, liberto das “amarras” do Estado, floresceria; que a sociedade, entregue à concorrência, se purificaria.

Mas a realidade foi profundamente sombria.

Indústrias inteiras, pilar das comunidades operárias, fecharam portas.

Cidades como Liverpool, Sheffield ou Glasgow foram mergulhadas no desemprego e pobreza.

Milhares de famílias perderam rendimentos, casa, esperança.

O NHS (Serviço Nacional de Saúde), orgulho britânico, começou a ser sufocado por subfinanciamento e privatizações encobertas.

A educação pública viu a sua missão social fragilizada.

A criminalidade disparou.

A coesão social colapsou.

Tudo isto em nome da “liberdade”.

A liberdade de poucos para acumular, enquanto muitos perdiam até o essencial.

Nos anos seguintes, o Reino Unido tornou-se o país europeu com maior desigualdade de rendimentos.

A mobilidade social – outrora orgulho nacional – estagnou.

A infância pobre tornou-se sentença perpétua.

O sistema de habitação pública foi desmantelado – sem solução para os mais pobres.

Cresceram os “trabalhadores pobres”: com emprego, mas sem sustento digno.

A doutrina liberal de Thatcher gerou um novo país: menos Estado, menos protecção, mais desamparo.

E o mais irónico: tudo isto foi vendido como “libertação”.

Hoje, em Portugal, há partidos que propõem receitas semelhantes: baixar impostos, desmantelar funções públicas, desconfiança do Estado e confiança cega no “mercado”.

Mas o Reino Unido é o aviso.

Hoje, mesmo após décadas de crescimento económico global, o Reino Unido exibe um dos piores indicadores de bem-estar infantil da Europa Ocidental.

A pobreza laboral afecta milhões.

Os serviços públicos estão à beira da ruptura.

A esperança de vida decresce em várias regiões.

E a frustração social alimenta populismos, nacionalismos, violência política.

A liberdade liberal – quando desligada da justiça social – não salva países. Fragmenta-os.

Portugal, com as suas fragilidades estruturais, não aguentaria uma experiência semelhante.

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Nota final:

Ainda se ouve, como mantra, a famosa frase de Margaret Thatcher: “Não existe dinheiro público – existe apenas o dinheiro dos contribuintes.”

Mas esta aparente lucidez é, na verdade, um sofisma muito perigoso.

Porque esse dinheiro só existe porque existe uma comunidade política que o organiza, garante e redistribui.

Porque sem Estado, não há confiança.

Sem confiança, não há mercado.

E sem mercado regulado, o que impera não é a liberdade – é a força bruta dos mais poderosos.

O Reino Unido de hoje mostra o preço da doutrina liberal.

Portugal deve olhar com atenção – antes que seja tarde.

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