AS PRESIDÊNCIAIS, O PS E OUTROS PROTAGONISTAS, por Fernando Couto e Santos

Quem tem memória – com maior ou menor nitidez, consoante a idade – de todas as eleições presidenciais por sufrágio universal que ocorreram em Portugal depois de 25 de Abril de 1974 – a nossa chamada Revolução dos Cravos, como é conhecida extra-muros – lembrar-se-á que, não raro, elas dividiram áreas políticas, partidos, e opções ideológicas. O PS foi talvez o partido em que essas divisões – ou falta de consensos – se manifestaram de forma mais incisiva. 

Em 1976, o PS apoiou oficialmente – tal como o fizeram o PSD e o CDS – a candidatura do general António Ramalho Eanes, um dos vencedores do 25 de Novembro, que seria eleito à primeira volta com cerca de 61% dos votos (à frente de Otelo Saraiva de Carvalho, com apenas 16%), mas um número apreciável de socialistas votaram – contra as orientações de Mário Soares e da Direcção do Partido – na candidatura do Almirante Pinheiro de Azevedo que obteve o terceiro lugar com perto de 15% dos sufrágios expressos. Cinco anos mais tarde, Mário Soares incompatibilizou-se com Ramalho Eanes e não apoiou a sua reeleição, tal como a AD (PSD, CDS e PPM) que apresentou como candidato o general Soares Carneiro. Mário Soares afastou-se inclusive da liderança – que retomou uns meses mais tarde -, deixando o partido entregue a um secretariado. Porém, Ramalho Eanes venceu de novo à primeira volta, desta feita com cerca de 56%, e com o apoio do PS e do PCP cujo candidato Carlos Brito desistiu á boca das urnas para permitir justamente a reeleição de Eanes à 1ª volta. 

Em 1986, tivemos as que foram até à presente data as únicas presidenciais com uma segunda volta. O PSD não apresentou candidato e o seu novo líder Aníbal Cavaco Silva decidiu apoiar a candidatura do antigo líder do C.D.S Diogo Freitas do Amaral. O PS apresentou como candidato oficial o seu líder histórico Mário Soares, mas o PRD, partido fundado por Ramalho Eanes, e o PCP – em que o candidato oficial, Ângelo Veloso, desistiu à boca das urnas, tal como Carlos Brito, uns anos antes -apoiariam a candidatura de Francisco Salgado Zenha, um destacado dirigente socialista, em tempos muito próximo de Mário Soares. No entanto, Mário Soares, que partiu com pouco crédito nas sondagens, depois do descalabro do PS nas legislativas de Outubro de 1985 – curiosamente, as primeiras eleições em que votei -, conseguiu inverter a tendência e passar à segunda volta onde derrotou por pouca margem Freitas do Amaral. Mário Soares contou desde a primeira volta com o apoio, para além do PS, de alguns dirigentes do PSD e, na segunda volta, conseguiu praticamente o pleno da esquerda, inclusive dos comunistas ainda que contrariados. Relembre-se que o PCP convocou um congresso extraordinário em que Álvaro Cunhal afirmou que era imperativo, pela preservação do regime democrático e em nome do antifascismo, que se votasse em Mário Soares, se fosse caso disso sem olhar para o seu retrato no boletim de voto. Muitos comunistas que detestavam Mário Soares – que fora comunista na sua juventude – diziam que iam engolir o sapo ou até tomar sais de fruto para poderem votar em Mário Soares. 

Em 1991, a reeleição de Mário Soares foi um passeio, pois obteve cerca de 70%, logo à primeira volta. O PSD não apresentou candidato para os sociais-democratas poderem votar livremente em Mário Soares, o que fizeram em grande escala. Apenas a ala mais à direita do partido optou pelo candidato do CDS Basílio Horta que curiosamente, uns bons anos mais tarde, veio a abandonar o seu partido e a aproximar-se do PS, partido que representa actualmente como presidente da Câmara Municipal de Sintra.  

A eleição e a reeleição de Jorge Sampaio – em 1996 contra Cavaco Silva e em 2001 contra Joaquim Ferreira do Amaral – não suscitaram grande controvérsia. Em contrapartida, em 2006, aquando da eleição de Cavaco Silva, o PS dividiu-se entre dois históricos do partido – e amigos – que se incompatibilizaram: Manuel Alegre e Mário Soares. Ficaram respectivamente em 2º e em 3º lugar, sendo que o antigo presidente é que era o candidato oficial do partido. Nas presidenciais seguintes – a da reeleição de Cavaco Silva em 2011 –, Manuel Alegre voltou a concorrer sem sucesso, ficando novamente em 2º lugar, mas houve outro socialista a concorrer com uma votação pouco expressiva, refiro-me a Defensor Moura, antigo presidente da Câmara Municipal de Viana do Castelo. 

Em 2016, quando Marcelo Rebelo de Sousa foi eleito, o PS também se dividiu. A maior parte do partido apoiou António Sampaio da Nóvoa, independente e prestigiado professor universitário, que ficou em segundo lugar, mas concorreram também dois militantes do PS: a antiga ministra e antiga presidente do partido Maria de Belém Roseira e o empresário Henrique Neto que veio a abandonar o partido no ano seguinte. Concorreu também um antigo socialista, o médico Cândido Ferreira. Em 2021, quando Marcelo Rebelo de Sousa foi reeleito, o PS do então primeiro-ministro António Costa fez um remake de Cavaco Silva em 1991 e também não apresentou candidato oficial para não atrapalhar a reeleição do presidente em funções. Ainda assim, concorreu como independente Ana Gomes que ficou em segundo lugar. 

As próximas eleições presidenciais, que irão decorrer em Janeiro do próximo ano, têm até à presente data três candidatos principais já anunciados: o Almirante Henrique Gouveia e Melo – líder do plano de vacinação do Covid 19 – e dois antigos ministros e antigos líderes partidários, Luís Marques Mendes, do PSD, e António José Seguro, do PS. Com os dados de que dispomos neste momento, Gouveia e Melo parte como favorito na contenda, mas, como diriam os franceses, «les jeux ne sont pas encore faits». 

Para já, avizinha-se uma vez mais uma divisão no Partido Socialista. O novel secretário-geral José Luís Carneiro já afirmou que o partido só tomará uma decisão após as eleições autárquicas, mas as reacções internas à candidatura de António José Seguro suscitam estupefacção. Analisando friamente as afirmações vindas a lume e produzidas por alguns dirigentes socialistas nas últimas semanas, podemos concluir que essas afirmações dão que pensar.  Com efeito, podemos considerar que António José Seguro não é um candidato entusiasmante, como alguns dizem, mas o ódio que certas cúpulas do PS nutrem pelo antigo líder – sobretudo os antigos apoiantes de José Sócrates que se aproximaram depois de António Costa – é atípico entre correligionários de partido. Acusam-no de tudo e um par de botas. No entanto, se analisarmos a sua liderança no PS entre 2011 e 2014 e se quisermos ser rigorosos -e não querendo tomar partido, mas fazendo um pouco de advogado do diabo – o seu balanço à frente do PS não terá sido tão negativo como o pintaram na época. Efectivamente, António José Seguro conseguiu como líder do PS uma vitória concludente nas Autárquicas de 2013 e uma vitória menos expressiva nas Europeias de 2014. Foi esta vitória menos expressiva que serviu de pretexto para que Costa avançasse e destronasse Seguro. Contudo, será que a chamada vitória de Pirro em 2014 seria necessariamente sinónimo de uma derrota nas legislativas de 2015? Relembro que em 1994, António Guterres, pelo PS, também teve uma vitória escassa nas Europeias – a despeito do desgaste de nove anos de governos do PSD – e em Outubro de 1995 teve uma vitória clara nas legislativas, a quatro deputados da maioria absoluta. Não sabemos o que teria acontecido se Seguro tivesse continuado como líder do PS. Porém, Costa não ganhou as eleições legislativas de 2015, apesar de, ainda assim, ter conseguido governar depois de negociar à sua esquerda um apoio para o seu executivo que devolveu rendimentos aos trabalhadores a bom ritmo, mais acelerado provavelmente do que o teria feito um hipotético governo de Seguro.

António José Seguro apresentou recentemente a sua candidatura e tem vindo a ganhar protagonismo desde então. A recusa de António Vitorino em candidatar-se pode dar novo fôlego ao antigo líder do PS. Augusto Santos Silva – que tem um ódio de estimação por António José Seguro ao ponto de ter vindo a denegrir publicamente o seu correligionário de partido de forma, no mínimo, muito deselegante – anuncia a sua decisão – se é ou não candidato – na próxima quarta-feira. Sejamos claros, Augusto Santos Silva pode ser o preferido da ala esquerda do partido e dos partidos à esquerda do PS, mas, manifestamente, não tem um perfil conciliador, federador, dialogante que se exige a um presidente da república. É desbocado, diz que gosta de malhar neste e naquele e perde as estribeiras com facilidade. António José Seguro, goste-se ou não, é inversamente um homem que abre pontes ao centro e tem uma boa imagem junto de muitos eleitores de direita. Tem um perfil de serenidade e honestidade. Prestou um grande serviço ao partido quando, ainda líder, promoveu a reconciliação entre Mário Soares e Manuel Alegre. Dir-me-ão alguns com razão que Seguro não terá boa imagem junto do eleitorado mais à esquerda, mas alguém acredita que, numa hipotética segunda volta entre Seguro e Gouveia e Melo, ou entre Seguro e Marques Mendes, os partidos mais à esquerda iriam votar no adversário de Seguro por muitas reservas que tenham a seu respeito?  

Vamos aguardar os próximos desenvolvimentos em torno destas concorridas eleições presidenciais. 

P.S- Já depois da redacção desta crónica, o PCP anunciou que o seu candidato à presidência é António Filipe. É um homem respeitado, esteve muitos anos como deputado no parlamento e granjeou a simpatia dos seus pares. Se a campanha correr bem, pode até eventualmente alargar a base de apoio tradicional do seu partido. 

Fernando Couto e Santos

Facebook, 29/06/2025

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