Carta de Orfeu a Eurídice (excerto), Nuno Júdice

Retirado do Facebook | Mural de Maria Helena Manaia

Nessas tardes em que despias o coração, e mo

entregavas num gesto de orvalho primaveril, o calor

de um sorriso de olhos fechados atravessava-me

a alma, e misturava-se com a terra húmida

das sensações. Podia dizer-te: este é o pólen que nenhum

insecto poderá roubar da corola onde se fabrica o éter

do amor; e ouvir o teu riso, dissipando um temporal

de emoções. Nós éramos um – e essa unidade dividia-nos, 

quando no seu interior estremecia uma hesitação, 

corrompendo o espanto do outro.

Nuno Júdice | “A pura inscrição do amor”, pág. 52 | Publicações Dom Quixote, 1ª. edição. Jan. 2018

Orfeu e Eurídice retratados por Carl Goos em 1826 (Galeria Nacional da Dinamarca).

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