O Ministério não pode definir disciplinas, por Raquel Varela, 26 julho 2025

O Ministério não pode definir disciplinas. Nem nenhum governo. O Currículo deve ser nacional (não flexível) igual para todos (não diferente, consoante se vai para o ensino profissional, para gestão, filosofia, se se é trabalhador, progressista do Principe Real ou da Opus Dei e/ou do partido fascista Chega). Currículo é um assunto seríssimo, não é a família que manda nele nem o Ministério. É um assunto de ciências, artes, filosofia, e cultura que tem que ser definido por professores que elegem, com mandato revogável, associações científicas, por escola, região, até ter um grupo reconhecido, que o vai definir.

Currículos não mudam todos os anos, aliás a ciência é lenta (a paranóia da “inovação” esconde que os clássicos são o centro da aprendizagem). As metodologias activas a par das aprendizagens essenciais são o fim da linha, que faz do professor um entertainer. E da escola um depósito.

As adaptações curriculares devem ser raras e sempre por razões científicas, não ao serviço deste ou daquele Governo.

Esta proposta revolucionária não é minha, foi assim no ensino unificado conquistado na revolução 1975, foi assim nas escolas anarco sindicalista em Portugal (havia mais escolas operárias do que públicas na Lisboa de 1910), foi assim na Comuna de Paris e pasme-se, é um liberal, burguês (a IL nem sabe o que é liberalismo) que fez até hoje o documento mais revolucionário sobre educação, o Marquês de Condorcet, em 1792, em plena revolução francesa, para quem era impensável ser o Estado ou a Igreja a definir o currículo. Imagino Condorcet a ler “empreededorismo” no currículo – será bruxaria, pergunta o Marquês?

Dizia Condorcet, em plena Assembleia Nacional, na França, que o currículo só pode ser um assunto de professores. Hoje em Portugal não há currículo – nas escolas públicas há aprendizagens essenciais de competências para o mercado de trabalho, nas privadas progressivas há aprendizagens essenciais de gestão e economia para os petizes irem preparados para o sector financeiro, nas privadas reacionárias, onde até há uma ala direita da Opus Dei (é mesmo, leram bem há uma ala direita da Opus Dei) dá-se Adão e Eva como origem do Mundo!!! E dizem mal do atraso das pessoas de etnia cigana ou islâmica…

Em qualquer destes casos (todos os que aqui citei) as crianças e jovens estão mal, afastados do conhecimento, e muito mal estão os professores se acreditam que a sua função não é a de um intelectual critico do Estado, do CEO, da Familia e do Padre, mas a de um executor de ordens emanadas destas instituições.

A escola pública, universal e gratuita foi criada com lutas para suplantar as famílias, o Estado, a Igreja e as empresas. Nós, professores, de todos os anos, somos uma janela para o mundo dessas crianças e jovens porque não obedecemos à família, ao Estado, à empresa e à Igreja. E o nosso poder é só um – conhecimento e ensino dele. Não somos neutros, ninguém é. Devemos defender com unhas e dentes a nossa liberdade de cátedra (em todos os níveis de ensino). Mas temos um compromisso com a verdade e o pensamento crítico. Por isso querem convencer-nos, a nós professores, a obedecer a teorias delirantes e virar vendedores de tecnologia em sala de aula, “capacitação digital”, “aprender a aprender”, “cidadania” “metodologias activas”, “plataformas digitais”…

Se em vez de aulas de cidadania, cujo horário foi retirado à história, tivessem aulas de história, de literatura, filosofia e ciência política nenhum professor e aluno teria chegado a 2025 sem ler Condorcet, lê-se em menos de um dia, e fritar a cabeça, anos, até se encantar como um amor para sempre, a ler Vigotsky. Enquanto isso Governo está a ler manuais de gestão de recursos humanos, e ter treino de comunicação – são as únicas duas disciplinas do currículo dos tecnocratas das classes dirigentes.

Em link sobre Condorcet e o seu magnífico Relatório de educação.

https://www.scielo.br/j/es/a/dySCfq6TwCvKWBzv48tt6bj/?format=pdf

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