CIMEIRA da Organização de Cooperação de Xangai, 31 de Agosto a 1 de Setembro de 2025, por João Gomes

Xi Jinping, Narendra Modi e Putin voltam a alinhar agendas em cimeira na China. Os três líderes juntos numa cimeira de dois dias em território chinês. Desta vez com o papel reforçado de Xi Jinping como líder de um bloco alternativo ao representado por Trump.

O que se observa na cimeira de Tianjin e no movimento mais amplo da Organização de Cooperação de Xangai (OCX) e do BRICS é a manifestação de um novo paradigma mundial: a deslocação do centro de gravidade do poder.

Durante séculos, as relações internacionais foram regidas pela lógica colonialista e pela supremacia das potências ocidentais, que impuseram não só as regras comerciais, mas também as alianças militares e os mecanismos de decisão global. O resultado foi um mundo profundamente assimétrico: de um lado, a esfera euro-atlântica; do outro, uma multiplicidade de países tratados como periferia, fornecedores de matérias-primas ou mercados secundários.

A ascensão da China e, em paralelo, a consolidação de alianças como os BRICS e a própria OCX, introduzem agora uma “visão do mundo” alternativa, assente não tanto em confrontos militares diretos – que se revelam cada vez mais perigosos numa era nuclear e interdependente – mas na construção de blocos económicos e estratégicos capazes de rivalizar com a ordem estabelecida pelo Ocidente.

Se é verdade que Rússia, China e Índia têm diferenças profundas entre si, também é verdade que partilham um denominador comum: a rejeição de uma ordem internacional concebida a partir de Washington, Londres ou Bruxelas. Essa convergência negativa pode transformar-se numa convergência positiva se for acompanhada pela criação de mecanismos de cooperação económica e tecnológica, capazes de diminuir a dependência do Ocidente em setores tão críticos como energia, defesa e infraestruturas digitais.

O desfile militar em Pequim, ao lado de Putin e de outros líderes, é uma demonstração simbólica desse contraponto: mostra que existe um espaço multipolar que não só sobrevive fora da órbita ocidental, como pode apresentar-se como alternativa organizada. A cooperação energética entre Rússia e China, a busca indiana por novas rotas comerciais e a abertura a outros países da Ásia, África e América Latina sinalizam que o conflito principal do século XXI não será apenas militar, mas sobretudo económico e tecnológico.

O “fio da navalha” de que falamos não é mais a invasão territorial tradicional, mas sim a permanente tensão entre blocos – sanções, tarifas, reservas de divisas, acesso a semicondutores, redes digitais, controlo da energia. Nesse contexto, apenas uma mudança radical de visão geoestratégica, centrada em colaboração multilateral e em desenvolvimento partilhado, poderá mitigar um mundo que, caso contrário, ficará sempre preso a lógicas de confrontação herdadas do colonialismo e da Guerra Fria.

Eu entendo que a emergência da China, da Rússia e da Índia no quadro da OCX e do BRICS não é apenas um “evento diplomático”, é a confirmação de que a geopolítica global entrou numa nova era. E se o Ocidente não entender esta mudança, continuará a lidar com um mundo multipolar com as lentes antigas do império – e isso significa prolongar a instabilidade que mantém a humanidade, literalmente, no fio da navalha.

João Gomes

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