MAMDANI MENOS – MAMDANI MAIS, por João Gomes/Facebook

Há vitórias que valem mais do que o cargo conquistado. A eleição de Zohran Mamdani como primeiro muçulmano a liderar Nova Iorque é uma dessas. Não é apenas a escolha de um prefeito – é um símbolo político e cultural que ecoa muito além das fronteiras da cidade.

Num país que, durante décadas, olhou com desconfiança para a comunidade islâmica, sobretudo após o “esquema” do 11 de Setembro, ver um homem com raízes em Uganda e na Índia, filho de imigrantes, ocupar o cargo máximo da cidade mais emblemática dos Estados Unidos é um marco histórico e moral. Nova Iorque, tantas vezes espelho das contradições americanas, mostra agora o seu rosto mais cosmopolita e maduro.

Mas esta eleição é mais do que um gesto de diversidade – é também um movimento político estratégico. Mamdani chega ao poder num momento em que o Partido Republicano enfrenta uma queda acentuada na popularidade nacional, desgastado pela figura omnipresente de Trump e pelas consequências das suas políticas económicas e migratórias. Trump prometeu “tornar a América grande outra vez”, mas o que muitos americanos sentem é uma América cansada, mais desigual e mais dividida.

Ao mesmo tempo, Mamdani soube ler o tempo político com precisão. Num cenário de desconfiança institucional, inflação alta e saturação mediática, ele falou de temas concretos – habitação acessível, transportes públicos, justiça social, sustentabilidade. O seu discurso progressista não foi um grito ideológico, mas uma proposta prática: governar para quem vive, não para quem especula.

A sua eleição pode ser o início de algo maior – talvez o embrião de uma nova oposição interna a Trump, não apenas republicana, mas moral e social. O país que se habituou a ver o populismo como força inevitável começa a descobrir novos rostos capazes de falar à América urbana, diversa e exausta da retórica do medo.

E há quem já fale – ainda timidamente – de Zohran Mamdani como potencial futuro candidato presidencial. Caminho longo, sem dúvida, e dependente de apoios dentro de um Partido Democrata que – com o acumular de erros – continua dividido entre pragmatismo centrista e impulso progressista. Mas a hipótese existe. E se um dia Mamdani chegar à corrida presidencial, será impossível ignorar o peso simbólico desse momento: os Estados Unidos a darem palco a um muçulmano para disputar a liderança da nação que durante anos alimentou, direta ou indiretamente, políticas de desconfiança e exclusão face ao Islão.

Seria, no mínimo, uma volta completa na história recente – e um sinal de que a América pode finalmente reconciliar-se com a sua promessa original: ser um país que não teme a diferença, mas que dela se alimenta.

Por agora, Mamdani é o rosto de uma Nova Iorque que quer ser mais justa, mais moderna e mais representativa. Mas talvez, sem o saber, ele seja também o prenúncio de um novo ciclo político – menos Trump, mais cidade; menos preconceito, mais humanidade.

Mamdani menos. Mamdani mais.

João Gomes

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