Enquanto se espera pelo fim da guerra e por um acordo de paz! | por António Pinho Vargas

Enquanto se espera pelo fim da guerra e por um acordo de paz! Ao lado de uma condenação firme da invasão da Ucrânia e de uma recusa dos argumentos “sim, mas…” que tentam devolver uma responsabilidade parcial da invasão à Nato e aos EUA – na verdade têm alguma responsabilidade no incêndiar, para simplificar, mas isso, se permite elucidar um contexto ou enquadrar uma história, não pode servir para justificar – António Barreto escreve sobre os “excessos”. Transcrevo esse importante parágrafo:

“Como não podia deixar de ser, em tempos de crise como esta, não faltam os excessos. Do lado ocidental da Europa e do Atlântico, também já começaram a ouvir-se vozes detestáveis e a ver gestos insuportáveis. Proibir Dostoiévsky, Tólstoi, Pushkin, Gogol e Turguêneiev é absolutamente estúpido. Censurar Tchaikovski, Shostakovitch e Prokofiev é ignorante. Proibir as agências de informação e os canais de televisão russos, mesmo os que dependem do Governo (todos…), é evidentemente inadmissível. Sanear diretores de orquestra, cantores, instrumentistas, solistas e coristas [talvez queira dizer coralistas] russos é abdicar dos nossos valores e colocar o ocidente no mesmo plano que o Governo russo. Proibir os russos de passear só por serem russos é tão reaccionário e tão antidemocrático quanto fazem os russos dentro do seu país e se preparam para fazer na Ucrânia.” O que diz está correto, a meu ver.

Mas considerar tudo isto “excessos“ talvez seja insuficiente. Quando afirma, e bem, que proibir, censurar e sanear é “abdicar dos nossos valores e colocar o ocidente no mesmo plano que o Governo russo” uma tal evidência obriga-nos a ir mais longe. O facto de todas estas práticas resultarem de ações de decisores culturais e universidades, revela que “os nossos valores” proclamados não estão tão profundamente inseridos, arreigados, interiorizados, nas sociedades ocidentais como seria suposto. É um sinal preocupante do falhanço desses valores justamente onde eles deviam existir com maior firmeza e convicção.

Retirado do facebook | Mural de António Pinho Vargas

Resta como maior desgraça a realidade dos milhões de refugiados e dos mortos, ucranianos e russos. Até ver não há outros. | por António Pinho Vargas

Zelenskii percebeu muito bem que no ocidente se comunica no Facebook, no YouTube e se governa por tweets desde Trump.

Tudo no modo de expressão ou na estética do video-clip. 
Frases curtas, fáceis de reproduzir e memorizar. Palavras de ordem como soundbytes.

No cenário real da terrivel guerra na Ucrânia, a “estética” que adoptou permite que venha à memória todo o cinema-catástrofe de Hollywood.

Diz-se que há uma enorme quantidade de pessoas na Ucrânia a trabalhar na produção de videos e na sua disseminação nas redes.

Comparada com esta sofisticação, a comunicação de Putin ou Xi Jinping parece pré-moderna. Putin usa parcialmente idênticos quase-tweets, alguns slogans tão fáceis de enunciar como fáceis de desprezar nos media ocidentais. No entanto a encenação kitsch das cenas do Kremlin foi patente. A grande distância entre o czar e os seus súbditos parece inspirada mais pela mesa de jantar do palácio de Citizen Kane de Orson Welles do que por Ivan, o terrível de Eisenstein.

Do lado americano – o vulto escondido por trás do arbusto, como disse o outro – há igualmente uma redução do discurso político aos tweets.

A frase “we’ll defend every inch of our alliance” dita por Biden, repetida por Kamala Harris, por Blinken e pelo secretário geral da NATO inúmeras vezes tornou-se insuportável pela sua rígida fixidez e pela articulação mal disfarçada entre todos. 

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António Pinho Vargas

apv003-1 copyGravou 10 discos de jazz como pianista/compositor incluindo os dois CDs duplos Solo (2008) e Solo II (2009) em piano solo. Foram já editados 4 discos monográficos com algumas das suas obras. Compôs 4 óperas, 1 oratória, 9 peças para orquestra, 8 obras para ensemble, 18 obras de câmara, 7 obras para solistas e música para 5 filmes. Podem destacar-se as óperas Édipo, Tragédia de Saber (1996) Os Dias Levantados (1998) e Outro Fim (2008), as obras para orquestra Acting Out (1998), A Impaciência de Mahler (2000), Graffiti [just forms] (2006), Six Portraits of Pain, para violoncelo solo e ensemble (2005) Um Discurso de Thomas Bernhard, para narrador e orquestra (2007) e a Suite para violoncelo solo (2008). Em 2011 estreou a obra sinfónica Onze Cartas para orquestra, três narradores (pré-gravados) e electrónica. Publicou Sobre Música: ensaios, textos e entrevistas (Afrontamento, 2002) e Cinco Conferências sobre a História da Música do Século XX (Culturgest, 2008) e, em 2011, o livro Música e Poder: para uma sociologia da ausência da música portuguesa no contexto europeu. (CES/Almedina) Recebeu em 2012 o Prémio Universidade de Coimbra e o Prémio José Afonso 2010.

http://antoniopinhovargas.blogspot.pt/ … (FONTE)

O Inferno de Dante capitalista e pós-moderno | António Pinho Vargas

111apv 01Os media, as tvs, tratam com o mesmo entusiasmo, todos os acontecimentos que seleccionam como se todos tivessem a mesma importância. A expressão que há uns anos se tentou introduzir na área cultural, “indústria de conteúdos”, que, aliás, desapareceu com a mesma velocidade com que foi introduzida por algumas luminárias industriais, aplica-se com mais propriedade a esta máquina diária de produção de eventos; o que disse fulano é tratado como o que disse sicrano; a crise financeira de Chipre tem a mesma importância da crise financeira do Sporting; a remodelação de dois ministros é tratada como idêntica – como assunto propulsor de discursos – a uma manifestação de um milhão de pessoas; a gritaria da Assembleia de manhã é transposta para uma pequena gritaria à noite em vários canais em simultâneo sobre os mesmos assuntos que foram discutidos à tarde. E todos, mas todos os “acontecimentos” servem para uma tempestade imparável de comentários, debates, entrevistas, seguidas de análises das entrevistas anteriores e assim sucessivamente. Com uma variante: a crise de todos os dias é suspensa todas as segundas-feiras para se juntarem vários grupos de 3 pessoas e falarem de futebol à mesma hora, não de futebol propriamente dito, mas da vária miséria que anda à sua volta, da qual esses programas fazem parte integrante.
O inferno não deve ser muito diferente de tudo isto (somado multiplicado, amplificado e eternizado).
Quanto tudo é equivalente a qualquer outra coisa é o mesmo que qualquer coisa ser equivalente ao nada.
Claro que não é verdade. Mas parece. É uma indústria de “conteúdos” florescente, produtora de um stress síncrono no qual todos participamos (dentro ou fora) com maior ou menor alegria, ou com maior ou menor fúria.

Falta apenas um aspecto a constatar: a arte nunca existe.

António Pinho Vargas

O golpe de estado de Passos Coelho | por ANTÓNIO PINHO VARGAS in “Facebook”

O governo de Passos Coelho prepara-se para aproveitar o pretexto dos 4 mil milhões que os medíocres da troika agiota lhe pedem, para, em lugar de cortar nas gorduras do estado como prometera com perfídia, cortar nos próprios fundamentos do que ainda resta do estado social e, ao mesmo tempo, pôr em causa questões do próprio regime político e do contrato social, muito para além das competências que lhe foram atribuídas. Sempre teve esse plano e a “ajuda externa” dá-lhe os pretextos necessários. Aproveita igualmente a total impotência dos seus aliados do CDS, a impotência, hipocrisia, medo (e, quem sabe, as histórias mal contadas) do paralisado Cavaco (que só com os seus ventríloquos oficiais não vai lá), para ir minando os fundamentos da democracia na qual assentava o Estado Social e vice-versa, dada a sua interligação. Faz tudo isto com a conivência dos organismos da Europa, já ridícula nas suas hesitações exasperantes, do FMI, grande e histórico destruidor de economias no mundo há várias décadas, em favor de entidades financeiras, ainda com a ajuda dos conhecidos agentes locais do Goldman Sachs, obscuro banco implicado na crise e destruidor do antigo capitalismo, já moribundo, a favor do novo capitalismo financeiro predador que domina o mundo. Enquanto isso Relvas e outros aguardam o momento de consumar as privatizações de empresas do estado para os empresários amigos, dando seguimento à transferência brutal de dinheiro dos pobres – que não poupa com total despudor – e da classe média, para os já muito-ricos e os seus interesses financeiros sem fim e imparáveis.

Passos Coelho e os seus vários aliados estão a levar a cabo um verdadeiro golpe de estado, talvez legal do ponto de vista formal mas sem dúvida ilegítimo, através da tomada do poder executivo no interior do próprio estado e do seu prolongamento para objectivos mais vastos e sinistros. Aquilo que foi anunciado como “refundação do memorando”, no seu peculiar uso da língua portuguesa, torna-se agora mais claro. É o golpe de estado que não parece um golpe de estado.
Não vejo de que forma o irão – ou o iremos – impedir de o levar a cabo. Lamento isso profundamente.

António Pinho Vargas

FILOSOFIA POLÍTICA | “Critiquemos os “mercados” e as suas nefastas consequências para as populações do mundo” | António Pinho Vargas in “Facebook”

Este governo consegue realizar golpes de propaganda que nem o ilustre antecessor nessa matéria, Joseph Goebbels, conseguiria imaginar com tamanha facilidade. De facto, como escreve hoje Miguel Sousa Tavares, e cito de memória: “o país inteiro celebra o facto de poder continuar a endividar-se”.
Com a preciosa ajuda dos seus aliados nos poderes e nos media – tvs, apoiantes oficiais, não-oficiais e de jornais vencidos pelas ditaduras da actualidade e da publicidade – nem precisa de fazer grande esforço. Todos alinham na manobra de propaganda com alegria patriótica e uns poucos tentam dizer, lá pelo meio, que “não mudou nada”, que “a austeridade, os cortes nos salários e nas pensões, que a recessão continua”, que “o ataque ao ensino e às universidades prossegue”, etc.
Tudo isso deixou de interessar, aparentemente. “O país inteiro celebra”. Sendo assim, podemos acrescentar: o país inteiro merece o que lhe cai em cima, porque não prima pela menor lucidez. Só que sabemos que não é o país inteiro, de modo nenhum. Será, talvez, o pequeno grupo que lê jornais, os propagandistas ao serviço do governo e a aquela clic de “intelligentsia” auto-nomeada que julga ter o destino do mundo na ponta da sua caneta todas as semanas.
Recusemos o golpe demagógico e prenhe de mentira. Critiquemos os “mercados” e as suas nefastas consequências para as populações do mundo e tentemos não ser estúpidos ao ponto de acreditar em tudo o que nos dizem.
António Pinho Vargas

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