Crónica | Luís Galego

Retirado do Facebook | Mural de Rosário Mendes

Há dias em que, confesso, me sinto profundamente tocado pela súbita e quase mística veneração que alguns compatriotas demonstram pela língua portuguesa e pela nossa mui excelsa cultura nacional. Comove-me, de verdade. É um amor novo, mas já maduro, como um vinho comprado ontem e aberto ontem, mas servido com a solenidade de um Porto de 1875. Enternece-me, e uso aqui o verbo no seu sentido mais trágico-cómico, esta ideia tão difundida entre as mentes mais vigilantes da lusofonia de que qualquer estrangeiro que deseje respirar o ar da nossa Pátria, com “P” maiúsculo e a voz embargada por uma lágrima de chouriço, deve, no mínimo, dominar com fluência o uso das mesóclises, reconhecer intuitivamente um pretérito mais-que-perfeito, citar com desenvoltura exemplos de “Os Lusíadas” e ter lido a gramática de Lindley Cintra como quem medita sobre um texto sagrado. Deve, claro está, também distinguir, à primeira audição, uma guitarra de Coimbra de uma de Lisboa, sob pena de exílio linguístico.

O contrário, dizem-me olhos nos olhos, com a gravidade de quem lê os rótulos do vinho como se fossem o “Livro do Desassossego”, seria um atentado à identidade nacional. Um crime contra o património. Um ultraje ao bacalhau com grão e à memória do infante D. Henrique.

A exigência é, convenhamos, de uma coerência comovente. Afinal, como todos sabemos, porque aprendemos isto ainda no útero materno, entre os murmúrios da avó e os ecos da RTP Memória, os nossos gloriosos emigrantes, quando se lançaram mundo fora, faziam-no sempre munidos de um grau de mestrado em Antropologia Comparada na algibeira, uma tese sobre Direito Suíço debaixo do braço e uma fluência no alemão que deixaria Goethe com vontade de aprender Mirandês.

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