A paz justa na Ucrânia | Carlos Branco, Major-general e Investigador do IPRI-NOVA | in O Jornal Económico

Goste-se ou não, não é à luz do Direito Internacional, da moral ou dos sentimentos de justiça ou injustiça que o resultado do conflito vai ser determinado.

A obtenção de uma paz justa para o conflito na Ucrânia surgiu recentemente no léxico de alguns spin doctors.

A palavra “paz” transporta uma noção de compreensão, harmonia. Ornamenta a dialética. O súbito “abandono” seletivo do discurso belicista precisa, no entanto, de ser dissecado. Estes seres não passaram de falcões a pombas do dia para a noite. Não vêm propor uma solução de soma positiva. Para eles, paz justa é a paz nos termos de Kiev, i.e., a vitória de Kiev em toda a linha, em particular, a adesão da Ucrânia à NATO, e a retirada completa e total das tropas russas de todo o território ucraniano.

Por ser subjetivo, o conceito de “paz justa” é de pouca utilidade. Não nos ajuda a compreender os acontecimentos. A sua apreciação depende do lado da barricada onde se está entrincheirado, é preconceituoso.

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Guerra não evitada, escalada evitável | Carlos Branco, Major-general e Investigador do IPRI-NOVA . 11 Março 2022 

Tudo o que está agora a acontecer lembra as recentes palavras de John Matlock, o último embaixador dos EUA na URSS: estas lideranças parecem não estar à altura daquelas que resolveram a Crise dos Mísseis de Cuba.

A dimensão bélica do conflito russo-ucraniano persiste e a possibilidade de vir a extravasar o quadro regional aumenta cada dia que passa. Nesta marcha para o abismo, dir-se-ia que as lideranças políticas europeias parecem não estar a   perceber o que está realmente em causa. Em vez de lançarem água para o incêndio e de investirem no estabelecimento de pontes de diálogo parecem incrementar a confrontação como se fossem atores imunes às consequências daquela guerra (veja-se a iniciativa de enviar MIG-29 para o teatro de operações ucraniano).

A análise tornou-se a segunda vítima da guerra

É necessário analisar os acontecimentos de um modo objetivo. Como ensina a Teoria dos Jogos, e toda a doutrina disponível, existe uma responsabilidade partilhada e uma interdependência estratégica entre os atores envolvidos numa contenda de interesses. A linguagem engajada e desproporcionada que tem prevalecido na comunicação social a nível internacional não ajuda a compreender o que está em causa nem o desenrolar dos acontecimentos.

Nessa deriva, aliás, ela própria torna-se um obstáculo: induz uma atmosfera pública intolerante, cria visão de túnel, inibe o debate genuíno, e incita a um massivo efeito de rebanho que, por sua vez, exerce tóxicas pressões na decisão política. Sabemos onde isso levou da última vez que houve um sobressalto securitário nos países ocidentais após o 11 de Setembro.

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