A Nave dos Loucos | Ana Cristina Leonardo

nave dos loucosA Europa anda atarantada. Como na “Viagem ao Centro da Terra” de Verne, a temperatura aumenta e bússola está completamente enlouquecida. Os ventos sopram fora de controle. De norte a sul, de este a oeste, as opiniões saltitam entre a compaixão e a repulsa, o medo e o remorso. Viktor Orbán, o húngaro musculado com lugar em Bruxelas, não tem dúvidas. “Estão a invadir-nos. Não estão apenas a bater à porta, estão a deitar a porta abaixo. A Hungria e toda a Europa estão em perigo.” A estas palavras, Giovanni Drago, o herói de “O Deserto dos Tártaros”, esse maravilhoso romance de Dino Buzzati, teria decerto despertado da sua letargia, o inimigo finalmente chegado à Fortaleza. Algo de semelhante se diga para Aldo, o jovem aristocrata de Orsenna que parte para o mar das Sirtes, destacado para a fronteira que separa Orsenna do Farguestão, Estados rivais marcados por uma guerra surda de três séculos que ele irá de novo despertar, segundo se conta nesse livro parente da obra de Buzzati, “A Costa das Sirtes”, de Julien Gracq. E poder-se-ia acrescentar Ivo Andrié, o Nobel bósnio que nos faz regressar ao século XVI, aos Balcãs, aí onde o grão-vizir Mehmet – Paxá decide erigir uma ponte sobre o rio Drina que liga até hoje as duas margens, ponto de partida do épico do mesmo nome (“A Ponte Sobre o Drina”).

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Umberto Eco

“É impossível pensar o futuro se não nos lembrarmos do passado. Da mesma forma, é impossível saltar para a frente se não se der alguns passos atrás. Um dos problemas da atual civilização – da civilização da internet – é a perda do passado.” Umberto Eco

eco

 

a abril quando entrevistámos Umberto Eco no seu apartamento em Milão. Atendeu o intercomunicador e abriu a porta de casa, revelando a sua alta figura e a cordialidade que seria uma constante durante a conversa. De eterno cigarro apagado entre os dedos – desistiu de fumar mas não se desfez do gesto – ofereceu café e sentou-se na sua poltrona de cabedal. Falámos da infância, da escrita, de jornalismo – central em “Número Zero”, o novo romance que saiu em maio em Portugal. Mas falámos também da Europa e dos longos processos migratórios que a configuraram. Para Eco, estamos a atravessar um deles e não será um caminho fácil nem desprovido de desafios. Eis alguns excertos da entrevista.

1. CULTURA NÃO QUER DIZER ECONOMIA

“Desde a juventude que sou um apoiante da União Europeia. Acredito na unidade fundamental da cultura europeia, aquém das diferenças linguísticas. Percebemos que somos europeus quando estamos na América ou na China, vamos tomar um copo com os colegas e inconscientemente preferimos falar com o sueco do que com o norte-americano. Somos similares. Cultura não quer dizer economia e só vamos sobreviver se desenvolvermos a ideia de uma unidade cultural.”

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