ALTA CULTURA: LUXO OU NECESSIDADE?

O que é Alta Cultura? Qual a missão desta página (no Facebook)? Pareceria, dado a adjetivação, que pretendemos hierarquizar diferentes culturas arbitrariamente, um apelo etnocentrista ou “elitista”, com algum viés ideológico ou religioso. Mas não se trata disso. A página não tem qualquer finalidade ou compromisso político e ideológico.

Matthew Arnold, poeta e crítico britânico, em seu célebre ensaio “Cultura e Anarquia”, publicado em 1865, definiu ‘alta cultura’ como “o melhor do que uma sociedade pensou e falou”. 

No uso popular, o termo “alta cultura” identifica a cultura da classe alta (a antiga aristocracia), ou de uma classe de status (como a intelligentsia – elite intelectual); ou, ainda, e o principal, segundo o filósofo britânico e especialista em estética, Sir Roger Scruton, “o conjunto de produções culturais, principalmente artísticas, realizadas por meio de grande apuro técnico, levando em conta a tradição e a beleza”.

Tal definição rompe o suposto monopólio da alta cultura por algum tipo de elite social, como colocado anteriormente. Pois bem, essa é a definição adotada por essa página. Um repositório comum social de conhecimento e tradição de amplo espectro transcende as classes sociais de um povo. Todos podem (e devem) cultivar e celebrar a alta cultura! Todas as classes sociais, todos os povos do mundo, em todos os lugares e épocas.

Assim, a página Alta Cultura deve difundir a cultura clássica e histórica ocidental, da Greco-Romana, Medieval, Renascentista, Barroca, Neoclássica, o Romantismo, Simbolismo, Realismo e Impressionismo ao século XX. Em diferentes formas e meios, e mais amplamente todos os costumes que fazem parte do novo “Cânone”; o cultivo da etiqueta; das artes plásticas – especialmente por esculturas e pinturas; a literatura em geral; drama e poesia clássica; a música clássica e ópera; religião e teologia; retórica e política; o estudo da filosofia e história; eventualmente a alta gastronomia, alta costura e certos esportes associados como o polo, hipismo e esgrima. 

Enfatiza-se sempre a íntima simbiose entre a Tradição Cristã – romana, ortodoxa e protestante histórica, com a alta cultura, como elementos de inspiração e criatividade. A religião e a arte, música, literatura e poesia sempre tiveram uma relação básica. Em se tratando de Beleza e Tradição, a alta cultura não pode circunscrever-se geograficamente ao Ocidente. Ela está presente também no Oriente, no mundo árabe, persa, egípcio, hindu, chinês, nipônico e em outros povos, cuja arte, arquitetura, literatura, religião e esculturas foram criadas em contexto de apuro, tradição e beleza. O espírito da beleza da arte e do conhecimento é universal. São essas as considerações gerais do nosso propósito.

O papel da alta cultura na vida humana

Nós não podemos estabelecer uma lei para o gosto popular ou proibir que as pessoas desfrutem do que lhes agrada – a menos que possamos encontrar alguns argumentos morais sérios que justifiquem uma, digamos, “lei estética”. Pois sim, existem certos princípios gerais que todos podem concordar. Por exemplo, todos nós reconhecemos a diferença entre meios e fins. Sabemos que escolhemos os meios para nossos fins, mas também que escolhemos nossos fins. Somos guardiões ativos de nossas próprias vidas, visando não apenas atingir o alvo que escolhemos, mas também escolher o “alvo certo”. Como aprendemos a fazer isso? A resposta é CULTURA- tanto a cultura da vida cotidiana (popular), quanto a cultura elaborada (alta cultura), em que a vida se torna plenamente consciente de si mesma como objeto de julgamento. 

As artes formam o núcleo da alta cultura: é por isso que as ensinamos e encorajamos as pessoas a se interessarem por elas. Elas nos tornam conscientes do que somos e do que podemos esperar ser, e o fazem através de momentos de revelação em que todo o nosso ser é despertado. Ela é, portanto, uma NECESSIDADE. 

Por que isso é uma necessidade? Podemos pensar aqui na ideia judaica do sábado. O livro do Gênesis diz que, no sétimo dia da criação, Deus descansou, contemplou o resultado de seus trabalhos e viu que era bom. Isso, segundo os judeus, todos nós devemos fazer – deixar de lado um dia na semana em que descansamos de nossos trabalhos e deixamos de ser meramente ocupados com nossos propósitos, mas aprendemos a refletir sobre eles e a julgar entre eles. Se não fizermos isso, nossa vida continua sendo um dos meios sem significado, um domínio tecnológico sem fim, mas sem um objetivo além da técnica.

A alta cultura é o sábado de pessoas ocupadas, o momento de sentar e ouvir, ver, pensar, para que o significado e lição da tradição possa surgir. É um refúgio em meio às vicissitudes e superficialidade da vida humana. Um escape para o transcendental. E em nquanto existirem lugares e tempos em que isso possa ser feito, há esperança para o mundo. Wordsworth escreveu que “recebendo e gastando, desperdiçamos nossos poderes”. Mas quando nos afastamos do moinho de consumo e olhamos para as águas turbulentas com o olho de um artista, quando contemplamos a beleza da nossa criação, assim como a divindade hebraica, estamos descansados em nossos corações e nossas forças são restauradas. 

Assim, a alta cultura – que, à primeira vista, pode parecer um luxo – acaba sendo, afinal, uma necessidade de todos os tempos e para toda a humanidade. Mas seria a tradição e beleza, a demarcação final do conceito de alta cultura? O apuro técnico, complexidade e sofisticação? Ou a “necessidade” dita acima? A noção de cultura em geral tem sido dividida em: cultura erudita, acadêmica, popular e de massas. Existem arte e literatura popular e acadêmica criadas com apuro e sofisticação. Existem tradições populares. Para alguns, a beleza é indefinível, subjetiva e relativa. Em qual aspecto, portanto, seria unânime e universal a definição de alta cultura? 

Simplesmente em sua forma, como um padrão básico e fundante da cultura clássica e pela extensão de tempo e alcance: os elementos culturais e artísticos da Antiguidade Clássica são reconhecidos, apreciados e valorizados por toda a civilização humana, do Ocidente ao Oriente. Os romanos, há dois milênios, foram inspirados pela literatura e poesia grega que floresceu séculos antes deles. Século depois dos romanos, a cultura clássica grega ainda desperta a curiosidade, paixão e interesse moderno. 

Homero continuará sendo o maior poeta da humanidade enquanto humanidade existir.  Michelangelo, Caravaggio, a Divina Comédia, as pirâmides egípcias e os scripts indus despertarão para sempre o maravilhamento das pessoas. As Mil e Uma Noites, as obras do medievo e os textos sagrados jamais serão esquecidos. Artistas modernos morrem e causam grandes comoções, mas suas obras morrem juntos. Beethoven é imortal. Daqui mil anos as pessoas ouvirão as Sinfonias, bem como as óperas italianas, como ouvimos hoje, séculos após suas criações. Tudo isso por um motivo essencialmente humano: Clássico é eterno, assim como nós, eternos!

Longa Vida à Alta Cultura

Por Samuel Fernando

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Abaixo: Uma performance de La Traviata, de G.Verdi, na Royal Opera House. Fotografia de Tristram Kenton.

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