Análise de Guerra e Paz, de Liev Tolstói, in Facebook, mural “Professor Prezotto”

“Guerra e Paz”, uma das obras mais monumentais da literatura mundial, escrita por Liev Tolstói entre 1865 e 1869, é um retrato épico da sociedade russa durante as guerras napoleônicas, mas vai muito além de uma narrativa de eventos históricos. O romance oferece uma profunda meditação sobre a natureza humana, a guerra, o destino e o papel do indivíduo na história.

Estrutura e Narrativa

Tolstói não se limita a uma estrutura convencional. Ao contrário, “Guerra e Paz” mescla elementos de romance, ensaio filosófico e historiografia. Os capítulos alternam-se entre descrições minuciosas de batalhas e a vida íntima de diversas famílias aristocráticas russas. A vasta gama de personagens — como o introspectivo Pierre Bezukhov, o idealista Príncipe André Bolkonsky, e a complexa Natasha Rostova — representa uma rica tapeçaria de emoções e perspectivas.

Tolstói usa essas personagens não só como agentes da trama, mas como veículos para explorar temas existenciais. Pierre, por exemplo, começa a história perdido em sua busca por significado e identidade, e sua trajetória reflete a busca espiritual que permeia o romance.

Guerra e História

Tolstói, profundamente cético quanto à capacidade de indivíduos poderosos (como Napoleão ou o czar Alexandre I) de controlar o curso da história, critica a noção de que grandes homens moldam os eventos históricos. Ele sugere que a história é o resultado de incontáveis decisões, ações e circunstâncias, muitas das quais estão além do controle humano. Tolstói desafia o conceito de heróis históricos, atribuindo maior importância à força coletiva e ao destino do que às ambições pessoais de figuras famosas.

A descrição das batalhas é emblemática desse ponto de vista. Longe de glorificar a guerra, Tolstói a retrata como caótica e desumanizadora. Suas descrições das batalhas de Borodinó e Austerlitz, por exemplo, são marcadas pela confusão, pelo sofrimento e pela incerteza, afastando-se da visão romântica da guerra.

Filosofia e Espiritualidade

Um aspecto fascinante da obra é a reflexão filosófica. Tolstói explora a ideia do livre-arbítrio em contraste com a inevitabilidade dos acontecimentos. Ele parece defender uma visão fatalista da história, onde os indivíduos têm pouco controle sobre seus destinos, estando sujeitos a forças maiores. Ao mesmo tempo, os personagens enfrentam dilemas éticos e morais, como o sentido da vida, o sacrifício e o amor. A busca de Pierre por um propósito e suas conversões filosóficas refletem as próprias angústias de Tolstói sobre religião e moralidade.

Outro ponto central é o contraste entre a guerra, como uma manifestação do caos humano, e a paz, vista como um estado ideal de harmonia interior. Personagens como Natasha e Pierre, que encontram paz através do amor e da aceitação, ilustram a crença de Tolstói na possibilidade de redenção e transformação pessoal, mesmo em tempos de crise.

A Linguagem de Tolstói

Como professor de português e russo, não posso deixar de destacar a riqueza estilística da obra. Tolstói utiliza uma linguagem clara e precisa, rejeitando o estilo ornamental comum em outros autores russos de sua época. Ele é direto, mas nunca simplista, e sua habilidade de criar uma empatia profunda com seus personagens é notável.

A escolha de Tolstói de misturar o russo com o francês reflete a realidade cultural da aristocracia russa, que, à época, tinha o francês como língua de prestígio. Este bilinguismo nas falas dos personagens não é apenas um retrato fidedigno da época, mas também serve para marcar distinções sociais e culturais, e, de certa forma, reflete a alienação da nobreza russa em relação ao povo.

Conclusão

“Guerra e Paz” é uma obra que transcende o seu tempo e lugar, oferecendo reflexões universais sobre a vida, a morte, o amor e o destino. Tolstói nos desafia a questionar nossas concepções sobre a história e o papel do indivíduo no mundo. Mais do que um simples romance histórico, é uma obra filosófica e espiritual, que convida o leitor a refletir sobre as forças que movem a humanidade e sobre a nossa própria busca por significado em um mundo caótico.

Tolstói nos lembra, por meio de suas personagens, que a verdadeira “paz” é encontrada não nos eventos exteriores, mas na quietude interna, no amor e na aceitação da vida em todas as suas complexidades. Como estudioso de língua e literatura, percebo que a genialidade de Tolstói não está apenas em sua capacidade de contar histórias, mas em sua habilidade de tecer uma tapeçaria da condição humana que ressoa com leitores de todas as épocas.

Professor Prezotto 

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