A sexualidade das nossas avós, in “Ancestralidades”, mural do Facebook

Há dias falava com o primo que indagava sobre a sexualidade das nossas avós. 

Encaro a questão com normalidade. 

No caso da avó Luísa ouvia dizer que brincava com as bonecas de trapo às vésperas de casar.

E para quem nos acompanha desde o início sabe que a noite de núpcias quase deu para o torto.

O jovem casal, Álvaro e Luísa casaram contra a vontade da família do noivo, por uma questão de classe social. A avó teve que ser emancipada para poder contrair matrimónio. Como nos primeiros tempos por razões económica terem que viver em casa dos pais da noiva. A casa era pequena e ali moravam muitas pessoas. 

Para terem alguma privacidade o avó alugou uma carroça e foram passar a primeira noite como marido e mulher numa pensão meio manhosa , propriedade de uma família de galegos.

O namoro foi à antiga, vigiado e acompanhado sobretudo pela tia Rolinha, que na qualidade de solteirona tinha, entre muitas outras tarefas, que zelar pela virtude das irmãs.

O cuidado foi muito e o preparo nenhum.

Aos quinze anos a avó Luísa  , em 1906 era totalmente ignorante e quando percebeu os avanços do marido assustou-se  e fugiu espavorida de volta para a casa dos pais. A mãe lá tratou de a acalmar e como não podia adiar mais teve uma conversa em que lhe explicou os deveres de uma senhora casada. Resignada e mais elucidada a Luísa voltou para os braços do esposo acompanhada pelos pais.

Para contextualizar é preciso lembrar que a mulher portuguesa estava além da luxúria desmedida, encarnava o perigoso emblema da desordem cósmica,  da impureza feminina e da perturbação social. A imagem da tentação!!! Ela também carregava o peso do pecado original e assim sendo devia ser vigiada muito de perto.

O adestramento da sexualidade feminina pressupunha o desvio dos sentidos pelo respeito ao pai,  a seguir ao marido e uma educação no sentido de a preparar para a maternidade,  a lida da casa e a moral e religião. 

Em 1754 foi publicado em Lisboa , de autoria de Ribeiro Sanches  o Manual Educação de uma Menina até a idade de tomar estado no Reino de Portugal. 

O autor preconiza;

” Seria necessário que uma menina ao mesmo tempo que aprendesse o risco, a fiar, a coser e a talhar, que aprendesse a escrever uma carta , para assentar em um livro que fez tais coisas e tais provisões para viver seis meses na sua casa; para assentar o tempo de serviço dos criados e jornaleiro, e os salários; para escrever nele o preço de todos os comestíveis,  de toda a sorte de pano de linho, de panos de seda, de estamenhas, de móveis da casa; os lugares aonde se fabricam ou adonde se vendem mais barato. Seria útil e necessário que soubesse tanto de aritmética que soubesse calcular quanto trigo, azeite, vinho, carnes salgadas, doces que serão necessários a uma família; escrever no seu livros vários modos de fazer doces e a despesa, e prever o proveito ou a perda que pode destas provisões tirar uma casa. Não lhe ficaria muito tempo para enfeitar-se vãmente , e muito menos para se pôr a uma janela ou uma varanda, ler novelas e comédias e passar o tempo enleada na ternura dos amantes.”

Um século e meio depois da sua publicação, o manual continuava a ser actual e edificante na formação das jovens esposas.

A questão da segurança das raparigas era motivo de preocupação constante e era compreensível que em alguns meios sociais,  a inquietação dos pais quando uma menina de 14 ou 15 anos ainda não estava casada ou prometida. O matrimónio era decidido pelo pai. No caso da avó Luísa dizem as más línguas que o bisavô Firmino tratou de apressar as coisas quando percebeu o potencial do futuro genro, filho de um comerciante abastado e Comendador. 

Faz parte , ou fazia porque a geração dos meus tios e pais já se foi , que a família Eiras não era muito de missas e de padres.

Há o célebre episódio da avó Luísa ainda muito novinha, no confessionário. 

Não sei onde ela estudou. Fez apenas até a quarta classe mas creio que foi em um colégio católico.  Eles viviam no centro de Lisboa ao pé da Igreja de São José e digo que era uma instituição religiosa porque havia uma capela. E se não estou em erro a avó Luísa iria fazer a primeira comunhão. E entre aulas de catequese e muita reza havia a confissão. 

Há dias obtive uma espécie de documento ou manual utilizado pelos padres.

A própria Igreja que permitia casamentos tão precoces, cuidava da moral no confessionário,  vigiando de perto gestos, actos, sentimentos e sonhos com perguntas bem precisas e objectivas, como:

Se pecou com tocamentos desonestos consigo ou com outrem.

Se tem retratos, prendas ou memórias de quem ama lascivamente.

Se solicitou para pecar com cartas, retratos ou dádivas. 

Se foi medianeira para isso gente maligna que devia ser sepultada viva.

Se falou palavras torpes com âmbito lascivo.

Se se ornou com ânimo de provocar a outrem luxúria em comum ou em particular.

Se fez jogos de abraços ou outros semelhantes desonestos.

Se teve gosto e complacência dos pecados passados ou de sonhos torpes.

Calculo que devido à tenra idade das meninas inquiridas no escuro do confessionário a maioria dos padres tivesse que utilizar uma linguagem menos elaborada e bem mais gráfica para se fazerem perceber.

Uma pequena Luísa voltou para casa aturdida e assustada e durante o almoço notaram que algo não estava bem. E ela contou das perguntas constrangedoras e desonestas que o cura lhe fizera.

Contam que o alfaiate Firmino deixou o prato sobre a mesa e voou em direcção à escola onde facilmente localizou o padre e lhe deu um valente enxerto de porrada…

A avó Luísa,  em 1906

One thought on “A sexualidade das nossas avós, in “Ancestralidades”, mural do Facebook

Deixe uma resposta para Maria José Diegues Cancelar resposta

Este site utiliza o Akismet para reduzir spam. Fica a saber como são processados os dados dos comentários.