COMO TRAVAR O CHEGA? O CASO DE ISALTINO MORAIS, por Bárbara Reis in Público, 7 Junho 2025

Retirado do Facebook | Mural de Paulo Marques

Bárbara Reis, Público, 7/06/2025 | “Oeiras é dos municípios mais ricos do país e tem 11% de estrangeiros, muitos vindos de países pobres e 25% mais do que em 2022. Porque é que o discurso anti-imigrante do Chega não vingou?

Rui Pena Pires, sociólogo, investigador do Observatório da Emigração e membro da comissão permanente do PS, disse há dias, numa entrevista ao meu colega Manuel Carvalho, que “o caso de Oeiras devia ser estudado com um bocadinho mais de cuidado”.

No caso, “o caso de Oeiras” refere-se ao que o município fez em relação aos imigrantes e à votação que o Chega teve nas eleições legislativas de Maio.

Ou seja, foi em Oeiras que o Chega teve uma das votações mais baixas da Área Metropolitana Norte de Lisboa: em 2019, teve 1354 votos em Oeiras (1,4%); em 2022, teve 5613 votos (5,7%); em 2024, 12.393 votos (11,6%) e, em 2025, 13.935 votos (13,5%).

Este ano, em muitos concelhos portugueses, o Chega teve mais de 25%, 30% e 40% dos votos. E no distrito de Lisboa, se em 2024 não ganhou nenhum município, agora, ganhou cinco: Alenquer, Azambuja, Sintra, Sobral de Monte Agraço e Vila Franca de Xira.

Diz Pena Pires que, em Oeiras, “o presidente da câmara foi o único que teve um discurso bem pensado e bem estruturado sobre a imigração”. Isto é um socialista a falar de um dinossauro do PSD, hoje independente.

O que mostra duas coisas, conclui o sociólogo especialista em migrações: 1) “É possível tratar decentemente a questão da imigração e ter um resultado positivo”; e 2) “Não é líquido que encostar-se a discursos mais radicais como os do Chega seja a única forma de ter resultados positivos”.

O que é “tratar decentemente a questão da imigração”?

Pode começar-se pela campanha “Eu sou do Bairro”, lançada em 2020 pela Câmara Municipal de Oeiras.

O Chega tinha nascido há um ano, ancorado na bandeira dos ciganos e de outros temas clássicos do populismo, e o que fez Isaltino Morais?

Convidou pessoas que cresceram nos bairros de barracas e nos bairros sociais de Oeiras e se tornaram bons nas suas profissões — em alguns casos, bons a nível internacional — a contar a sua história.

Os vídeos feitos a partir dessas entrevistas foram publicados nas redes sociais da câmara e divulgados nos media. O presidente da câmara explicou que queria “acabar com os preconceitos em relação aos bairros sociais” e “motivar as crianças e os jovens que ainda moram nos bairros sociais a sentirem orgulho e a acreditarem num futuro promissor”.

Marcelino Sambé, filho de pai guineense e mãe portuguesa, foi o primeiro a gravar um testemunho. Nasceu e cresceu no bairro do Alto da Loba, um bairro social em Paço de Arcos, e, na altura, acabara de ser nomeado bailarino principal do Royal Ballet de Londres — título que mantém.

Seguiram-se Ana Sofia Martins, actriz, modelo e apresentadora de televisão, que cresceu no Bairro da Outurela, em Carnaxide; Inigo Pereira, que cresceu num bairro de barracas e foi realojado no bairro social da Outurela, e se tornou autarca; e Ednilson dos Santos, que chegou da Guiné em 1996, aos 11 anos e, ao ver o bairro onde ia morar, perguntou à mãe se aquilo “era uma lixeira”. Viveu anos num bairro de barracas em Miraflores até ser realojado, em 1999, num bairro social acabado de construir pela câmara, tornou-se jurista e hoje é Presidente da Associação Guineense de Solidariedade Social.

A par do discurso antipreconceito, a câmara de Oeiras investe há anos na habitação social. Em 1980, 10% da população do concelho vivia em bairros de barracas e, em 1993, quando o primeiro plano especial de realojamento foi aprovado pelo Governo, Oeiras já tinha erradicado 30% das barracas. Entre 1986 e 2003, cinco mil famílias deixaram de viver em barracas e foram alojadas em bairros construídos pelo município. Segundo a câmara, “mais de 50% das novas casas foram atribuídas a pessoas naturais de outros países”.

A par do discurso antipreconceito e da política de habitação, a câmara investe há anos em bolsas de estudo. Desde 2018, o município atribuiu 3500 bolsas de estudo universitário a jovens cujas famílias têm baixos rendimentos anuais. Começaram por dar cento e poucas bolsas, no ano passado deram mais de mil. É a campanha “Em Oeiras tu és tudo!”.

Além disso, Oeiras faz parte da Rede Portuguesa das Cidades Interculturais, integrada no programa do Conselho da Europa, que inclui 160 cidades no mundo, mas só 18 em Portugal. Há anos que Oeiras celebra o Dia Municipal da Interculturalidade, promovido pela Rede Europeia Antipobreza, e, em 2019, recebeu a nota máxima (100%) de um júri do Conselho da Europa que analisou as políticas de vizinhança de 95 cidades. Em Março, foi anunciado que os imigrantes passaram a ter acesso à Chave Móvel do Cidadão em balcões de atendimento inaugurados em dez localidades do país e Oeiras é uma delas.

Claro que Oeiras é um dos municípios mais ricos de Portugal; é o segundo do país com maior número de grandes empresas; 38% da população estudou na universidade, e tem a menor taxa de analfabetismo do país (1,4%). Mas Oeiras tem também 20 mil estrangeiros (11% da população), um aumento de 25% em relação a 2022. Há dez anos, Oeiras tinha nove mil estrangeiros.

Dos imigrantes actuais, quase 45% são brasileiros, seguidos de imigrantes de Cabo Verde e de Angola. Também, como no resto do país, houve um pico de pedidos de estatuto de residência em 2023 (5371), um aumento de 94,5% face a 2022, e um aumento de 186,3% face a 2008.

Já agora, os imigrantes aumentaram no município e a criminalidade baixou. Pouco, mas baixou. A taxa de criminalidade foi de 28,7% em 2023 e de 26,9% em 2024.

Pena Pires tem razão. Oeiras dá boas pistas para combater o discurso populista.”

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