O Professor, por Alexandra Cordeiro

Retirado do Facebook | Mural de Alexandra Cordeiro

Disse-o com clareza: “A minha independência não pode ser posta em causa por ninguém.”

Não gritou.

Não gesticulou.

Não invocou alianças nem se escondeu atrás de retóricas partidárias.

Limitou-se a responder.

Com serenidade, com dados, com memória — e com uma firmeza rara entre os que já foram ministros, já ouviram elogios demais e críticas suficientes para endurecerem ou cederem.

Centeno não cedeu.

Há, na maneira como Mário Centeno fala, um certo desuso.

Um tom de quem acredita, ainda, que se pode governar com números, explicar com paciência, resistir sem espetáculo.

E talvez isso seja já, em si mesmo, uma forma de resistência.

Num tempo em que tantos se promovem à custa da desconfiança, Centeno escolheu o caminho oposto: o da reputação construída com rigor.

Quando lhe perguntaram sobre nomeações — e sobre Rita Poiares, em particular — não entrou em jogos.

Disse o essencial: foi promovida por três governadores.

E, mais do que isso, recusou a linguagem de posse que tantas vezes reduz mulheres ao nome do marido.

“Não é a mulher de ninguém. É a Rita Poiares.”

E ficou dito.

Mas o momento mais marcante talvez tenha sido o da metáfora inesperada.

Dory — o peixe com memória curta.

Centeno evocou-a para lembrar que os países não se governam sem memória.

Uma imagem simples, quase infantil, e por isso mesmo eficaz.

A Dory pode esquecer tudo — mas não esquece quem ama.

E Centeno, com a sua sobriedade crua, lembrou-nos que um banco central, se quiser ser respeitado, não pode funcionar à deriva da espuma dos dias.

O caso da nova sede, a polémica do custo, a ausência de perguntas do Ministério — tudo isso foi exposto com datas, documentos, garantias contratuais.

E o mais extraordinário é que não precisou de indignação teatral.

Bastou-lhe a cronologia.

O ofício.

O rigor.

Quando disse que no Banco de Portugal não entra quem tem média de 10, não o disse para excluir — disse-o para sublinhar a exigência.

Disse-o como quem ainda acredita que o serviço público tem de ser defendido da mediocridade organizada.

Disse-o como professor — não como dono do cargo.

É verdade que Centeno também é popular.

Nunca quis ser.

Nunca tentou ser.

Mas talvez o que mais se admire nele seja isso mesmo: a recusa da sedução fácil.

Não se serve da política — serviu-a.

E, no fim, ao contrário de tantos outros, sai como entrou: com voz firme, folhas na mão e um certo pudor no olhar.

Não estamos habituados a isto.

Estamos habituados a escândalos, a escapatórias, a indignações performativas.

Mas Centeno oferece-nos outro modelo: o de quem não levanta muralhas, mas ergue padrões.

E fá-lo sem precisar de se explicar em demasia — porque o que tem a dizer é verificável, documentado, construído.

Num país onde a suspeita se tornou regra e o ressentimento uma moeda de troca, ouvir alguém defender-se com factos é quase emocionante.

Centeno não volta ao silêncio.

Mas volta ao lugar dos que, tendo passado por cargos de Estado, não se deixam deformar por eles.

E por isso mesmo, merece respeito.

Não pelo cargo — mas pela forma como o habita.

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