Spinoza e a História da Filosofia Judaica, por Marcos Bazmandegan

Os primeiros estudos de Spinoza foram em Teologia Judaica. Não há dúvidas a este respeito. Podemos considerar Spinoza parte da História da Filosofia Judaica ou até perguntar se poderá existir uma filosofia judaica? Essa é outra questão, mais complexa. Complexa em parte devido a inúmeras confusões que se fazem a respeito desta área de estudos.

No sentido comum, Filosofia Judaica é o nome que se dá aos estudos teológicos e filosóficos (filosofia religiosa) do Judaísmo. É sobretudo na Idade Média que esta disciplina se desenvolve e Maimónides é o seu maior expoente, particularmente através da sua obra Moré Nebuchim ou Guia dos Perplexos.

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SPINOZA, VERTIGEM DA IMANÊNCIA, por Marcos Bazmandegan

Spinoza, no dizer de Deleuze & Guattari, foi o príncipe dos filósofos, aquele que soube plenamente movimentar-se, a uma velocidade incrível (veja-se a Parte V da Ética) – velocidade do terceiro género do conhecimento -, num plano de total imanência, sem qualquer compromisso com a transcendência.

Eles chamam a essa velocidade de música, tornado, vento e cordas. Spinoza “encontrou a única liberdade na imanência”. E, por isso, para eles, Spinoza cumpriu a Filosofia.

A Filosofia inaugura-se e desenvolve-se somente nestes planos de imanência. A substância e os modos spinozistas situam-se num plano assim.

Ilusão de transcendência, que precede todas as outras ilusões, ilusão das ilusões, que instaura e legitima déspotas, deuses, verticalidades e imperialismos.

Ode à imanência, ode a Spinoza, eis que concluem:

“Spinoza é a vertigem da imanência, aquela a que tantos filósofos, em vão, tentaram escapar.”

SPINOZA E A LIBERDADE, por Marcos Bazmandegan, in “Saúde mental e espiritual com Mary”/Facebook

“Spinoza contrapôs a Liberdade Humana (tema da Ética V) à Servidão Humana (tema da Ética IV), definindo servidão como a “impotência humana para regrar e reprimir os afectos.” (E4, pref.). Onde logo acrescenta: “o homem sujeito aos afectos não está sob jurisdição de si próprio, mas da fortuna, em poder da qual está de tal maneira que, apesar de ver o melhor para si, é, no entanto, amiúde coagido a seguir o pior.” (E4, pref.).

A servidão é, portanto, a nossa impotência de agir face à coação de causas externas contrárias à razão, que determina aquilo que é mais útil à conservação do nosso ser. Por sermos parte da natureza, limitados e superados pela potência das causas exteriores, sofremos, isto é, estamos submetidos à servidão dos afectos e necessariamente sujeitos às paixões. A servidão é, deste modo, uma condição humana universal.

Só somos livres quando, na medida das nossas forças, somos a causa adequada das nossas ações, isto é, quando entendemos a ordem e a conexão das coisas, agindo adequadamente para a conservação do nosso ser. E grande parte desse entendimento passa por compreender que “um afecto não pode ser reprimido, nem suprimido, a não ser por um afecto contrário e mais forte do que o afecto a reprimir.” (E4, prop. 7). Em suma, não temos o poder de alterar os efeitos dos afectos com que somos afectados, mas temos a possibilidade de escolher alguns dos afectos a que queremos estar sujeitos. Nessa possibilidade reside a nossa difícil liberdade, tão árdua quão rara de ser alcançada.

A verdadeira Liberdade Humana não é, pois, universal, nem garantida à partida: vai sendo conquistada.

(Por Marcos Bazmandegan)

SPINOZA E NÓS | Gilles Deleuze, por Marcos Bazmandegan

Spinoza e nós é a questão que mais importa, isto é, a atualidade do pensamento de Spinoza para o nosso tempo, para pensar os nossos problemas contemporâneos. O spinozismo como força e instrumento de problematização do contemporâneo.

Por isso, Deleuze, no seu livro Spinoza: Filosofia Prática, dedica o último capítulo a este tema.

Mas este é o tema que sempre se renova e nunca cessa. É a questão aglutinadora de todo o Spinozismo contemporâneo, na política, na religião, nas artes, na psicologia, etc.

Nós também como contemporâneos de problemas de Spinoza, que ainda se colocam, que apesar das diferenças continuam os mesmos. Como passar da servidão à liberdade? Como construir uma vida feliz? Como pensar a religião na sociedade? Como organizar o coletivo em ordem à segurança e estabilidade? Como equacionar as liberdades individuais com a sustentabilidade do coletivo? Quais são os sistemas de servidão que nos ameaçam hoje?

Estas são algumas das questões desta grande temática que é o Spinoza e nós. A elas se dedicaram pensadores como Deleuze, Guattari, Foucault, Negri e tantos outros que sabem que o Spinozismo está vivo.

Gilles Deleuze | EN MEDIO DE SPINOZA, por Marcos Bazmandegan

Gilles Deleuze, para além dos dois livros que dedicou a Spinoza, lecionou na Universidade de Vincennes – Paris VIII, entre 1978 e 1981, um curso dedicado a este filósofo. As aulas são magistrais, coloquiais e didáticas. Deleuze conduz-nos pelos principais temas e conceitos da filosofia de Spinoza numa interseção contínua e original com a história da Filosofia. 

Sem dúvida que estas aulas constituem uma grande introdução ao pensamento de Spinoza, uma das melhores, através de uma das mentes mais preparadas no século XX para o atualizar e explicar. Estas aulas foram em grande parte gravadas e registadas.

Contudo, foram ainda poucas as editoras que se deram ao trabalho de publicar a sua transcrição. A editora Cactus (Argentina) apresenta uma bela edição em língua espanhola. Esta editora publicou também os outros cursos lecionados por Deleuze, bem como grande parte da sua obra.

Já vai na 3ª edição. Tem 542 pp. E reproduz as lições de 1980-81. 

Para os interessados no pensamento de Spinoza e de Deleuze ou do Deleuze-Spinoza, como é o meu caso, este é um livro que tanto complementa os outros dois, como tão bem os introduz.

Spinoza tem um projeto teológico e um projeto Ético, por Marcos Bazmandegan

Spinoza tem um projeto teológico e um projeto Ético. Um repousa sobre o outro, um conduz ao outro. O projeto teológico de Spinoza é de uma teologia radical, que é delineada no Tratado Teológico-Político, mas é, sobretudo, na Ética que é apresentado com toda a sua potência. É uma teologia do terceiro género.

Da mesma forma que a teologia radical de Spinoza procura suplantar as teologias do primeiro género, teologias do medo e da esperança, assim também a ética spinozana procura suplantar uma moral do bem e do mal, rumo a uma etologia humana.

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Gilles Deleuze fala-nos da possibilidade de uma dupla leitura na obra de Spinoza, por Marcos Bazmandegan

Gilles Deleuze fala-nos da possibilidade de uma dupla leitura na obra de Spinoza. A primeira é a leitura sistemática, que procura a ideia de conjunto do seu pensamento. A outra, a leitura afetiva, que sem procurar uma ideia de conjunto, detém-se num ou noutro detalhe da sua vida e do seu pensamento.

Elas são complementares. Esta possibilidade, particularmente a afetiva, faz com que Spinoza seja um filósofo tão apreciado entre os não-filósofos, fazendo dele um filósofo peculiar. Iremos encontrar muitos admiradores de Spinoza no mundo da literatura, da música, da arte, etc. Spinozistas não-filósofos, que admiram a sua vida e pensamento, aplicam-no, na medida da sua compreensão, à vida e ao trabalho que fazem.

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A Ética de Spinoza pode ser vista como um mapa: uma carta do mundo e da mente humana, por Marcos Bazmandegan

A Ética de Spinoza é um hipertexto. Um livro dinâmico, labiríntico, com inúmeras referências internas e quase nenhuma referência externa. Pretende ser um sistema fechado e infinito, imanente, autorreferencial.

Spinoza não remete o leitor para fora do texto, para outros autores ou obras. Continuamente remete para o próprio texto, para as definições e proposições anteriores que são premissas e pressupostos de outras proposições. A complexidade estrutural da Ética exprime a própria complexidade do universo, na sua teia de relações e afeções.

Na imagem abaixo vemos graficamente essa teia de relações que se estabelecem entre as cinco partes da Ética. Este mapa digital foi realizado por John Bagby, um estudante de doutoramento da Universidade de Boston e procura apresentar a estrutura argumentativa da Ética de Spinoza.

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