Ou a finança ou o povo | JORGE BATEIRA in Jornal ionline

KeynesUma saída progressista para a crise que estamos a viver requer um apertado controlo dos capitais de curto prazo, como há pouco fez a Islândia e, quando a zona euro tiver sido desmantelada, a criação de um arranjo cooperativo do tipo “moeda comum”, com taxas de câmbio flexíveis e domesticação da banca, como defendia Keynes na conferência de Bretton Woods.

A crise do BES, gerada ao longo de décadas de finança à rédea solta, será um excelente caso de estudo para usar em aulas sobre a financeirização do capitalismo. Infelizmente, a matéria não faz parte dos programas da licenciatura em Economia, e por isso não é de espantar que a esmagadora maioria dos economistas portugueses se sinta surpreendida com a queda do império GES e refira os casos BPP e BPN como casos de polícia, não esquecendo o Banif. Porém, estão completamente enganados. Todos estes casos, e outros que vão aparecer, são ao mesmo tempo casos de polícia e manifestações do normal funcionamento de um capitalismo financeirizado.

Contrariando o discurso dos analistas da televisão, não se trata de casos anómalos de um sistema que regra geral funcionaria bem. Pelo contrário, é assim que o capitalismo hoje funciona, e por isso mesmo o número de crises financeiras disparou desde que, a partir dos anos 70 do século passado, se foram abrindo as portas à circulação de capitais de curto prazo. Na Europa foi crucial a decisão de Mitterrand, na Primavera de 1983, de ceder à especulação financeira para não pôr em causa o sistema monetário europeu que amarrava as várias moedas ao marco alemão. Com esta escolha, os socialistas franceses deixaram cair a sua política económica de promoção do crescimento e do emprego, relaxaram o controlo dos movimentos de capitais e adoptaram uma agenda de liberalização do negócio financeiro. Em suma, meteram o socialismo na gaveta.

Com Bill Clinton, o regresso à integração entre banca comercial e banca de investimento financeiro foi oficializado (fim do Glass-Steagall Act), enterrando assim uma das lições aprendidas com o colapso que deu início à Grande Depressão. Desde então, cresceu o poder da finança, que, especulando à escala global, já tinha aliciado os governos da América Latina e de África ao endividamento improdutivo, até ficarem nas mãos dos credores a quem entregaram os activos mais importantes. Na Ásia, os capitais afluíram em massa e desencadearam bolhas especulativas na bolsa e no imobiliário para, entre 1997 e 1998, abandonarem subitamente estas economias, deixando para trás o caos económico-financeiro, social e político. À medida que foram entrando, valorizaram a taxa de câmbio tornando barato tudo o que era importado. Quando o défice externo se tornou insustentável, não havia reservas cambiais acumuladas que pudessem aguentar o abandono do capital estrangeiro e do nacional que apostava na desvalorização para regressar com o respectivo ganho especulativo. Os mesmos mecanismos funcionaram na Rússia, no México e na Argentina, os casos mais discutidos. Hoje, a “banca sombra” que faliu no GES, a que está fora da supervisão oficial leve, tem um peso à escala global idêntico ao que tinha antes da crise do subprime.

Como a história ensina, substituir câmbios fixos (padrão-ouro, SME, euro) e uma política monetária uniforme em países estruturalmente diferentes por câmbios flutuantes, no respeito pela livre circulação de capitais, é deixar intacta a sujeição do Estado democrático aos interesses do capital financeiro. Uma saída progressista para a crise que estamos a viver requer um apertado controlo dos capitais de curto prazo, como há pouco fez a Islândia e, quando a zona euro tiver sido desmantelada, a criação de um arranjo cooperativo do tipo “moeda comum”, com taxas de câmbio flexíveis e domesticação da banca, como defendia Keynes na conferência de Bretton Woods. Ann Pettifor, a economista britânica que previu a crise financeira de 2007-8 (ver o sítio Debtonation), lembra-nos que “Por trás da cortina de fumo da austeridade”, os governos se conluiam com o capital financeiro para confiscar essa riqueza e usá-la para salvar os bancos privados, “convertendo créditos fictícios em ganhos mais tangíveis” (The Next Crisis, Real-World Economics Review, no. 64). De facto, a crise financeira ainda está aí (ver Satyajit Das, Credit Bubbles Redux) e uma escolha política fundamental impõe-se: ou a finança ou o povo.

http://www.ionline.pt/iopiniao/ou-financa-ou-povo … (FONTE)

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