O ministro do aeroporto ou de 100 mil casas, por Daniel Deusdado – 14 Abril 2024 – in DN

Com outra consequência: o aeroporto torna-se num violento aspirador de capacidade de endividamento do país para uma obra faraónica, que ainda por cima deixa os lisboetas com um só aeroporto, a 57km de distância, em vez de dois a custo zero : PORTELA + 1

Basta olhar-se para o malabarismo do Governo com o IRS para se perceber esta coisa simples: há pouco dinheiro. É tão simples quanto isto.

1 – Foi o primeiro-ministro Durão Barroso quem disse, em 2003, que não haveria novo aeroporto em Lisboa enquanto houvesse “crianças a esperar três anos para serem operadas”.

Este tipo de soundbite  político parece gratuito, mas tem sempre um fundo de verdade: o dinheiro não chega para tudo. Porque é preciso fazer escolhas.

Estranhamente, no entanto, vivemos uma ilusória epopeia de possibilidades motivadas pelos excecionais superavits no Orçamento, como se eles apagassem a realidade, pura e crua: a colossal dívida pública de Portugal (perto de 100% do Produto Interno Bruto), num país coletivamente endividado nas famílias, empresas e Estado em mais de 800 mil milhões.

Perante isto, a questão sobre onde se arranjam os 10 mil milhões (iniciais) para se fazer Alcochete são consequência da leviandade socrática em que vivemos durante tantos meses. Porquê tanto investimento público quando existem alternativas privadas que, pura e simplesmente, evitam esta dose letal de endividamento? E aqui chegamos às escolhas de Luís Montenegro e ao novo ministro das Infraestruturas e Habitação, Miguel Pinto Luz.

Não é preciso ser-se muito sagaz para se perceber que o PSD desconfia do colossal buraco de custos que é Alcochete. A vida real limita opções. E uma conta salta aos olhos: o Governo de António Costa aplicou 3,2 mil milhões do PRR em 32 mil novas casas para habitação social. O diagnóstico do anterior Governo indicava que precisamos de 300 mil novas habitações sociais e de renda acessível para equilibrar a escassez de oferta. Como cada casa está a ser construída por 100 mil euros, seria necessário concentrar 30 mil milhões de investimento público para acudir à mais grave crise social e geracional que Portugal enfrenta e construir as tais 300 mil casas – ou pelo menos caminhar-se para esse objetivo.

É óbvio que parte deste esforço para mudar o mercado da habitação passa por investimento privado (build-to-rent) e construção acessível (IVA de 6%, isenções fiscais, fomento das cooperativas). Mais isto traduz-se em mais uma carga nas contas públicas por perda de receitas. Se lhe somarmos a habitação social, tudo junto, dá um custo explosivo – ainda que absolutamente necessário para abrandar a especulação imobiliária nas grandes cidades, fixar os jovens, e permitir rendas suportáveis.

Sem esta intervenção não há fixação de quadros nas empresas, os jovens continuam a emigrar e Portugal mantém-se no pior lugar da Europa quanto à idade de saída de casa dos pais: 34 anos. Como consequência, não há crescimento da natalidade, a Segurança Social fica em risco – e por aí fora.

Por outro lado, sem casas acessíveis para imigrantes, não teremos mão-de-obra suficiente – sobretudo nas atividades de baixo valor e que são parte essencial dos recursos humanos necessários para o turismo e outras atividades que não dispensamos no nosso quotidiano. E sem mais habitação, perpetuamos a batalha entre quem investiu as suas poupanças no Alojamento Local face aos que precisam de encontrar uma casa na cidade – em vez de compatibilizarmos as duas coisas.
Só que, paradoxalmente, queremos construir a casa pelo telhado.

A medida estratégica onde pretendemos gastar as nossas melhores fichas é num aeroporto para estar pronto entre 10 e 15 anos. O grande hub de Alcochete. Num mundo de viagens cada vez mais ponto-a-ponto (sem mudanças de avião), face à concorrência poderosa de Madrid, Paris, Frankfurt e Londres, e com a TAP pronta a ser vendida a um grande operador internacional… resolvemos acreditar que a Terra gira em redor desse grande Sol que é Alcochete.

Com outra consequência: o aeroporto torna-se num violento aspirador de capacidade de endividamento do país para uma obra faraónica, que ainda por cima deixa os lisboetas com um só aeroporto, a 57km de distância, em vez de dois a custo zero – Portela+1.

Simplificando: não devem ser os privados a fazer o aeroporto e o Estado a apoiar mais habitação? A solução da CTI foi um sonho delirante de uma noite de verão, onde tudo era possível. Chegou a hora de aterrar num princípio básico: antes de termos mais turismo, precisamos de casa para todos, num país a funcionar – inclusive para o turismo -, e sem arrasar ambientalmente o que nos resta. Lisboa tem limites. Não pode ficar à mercê desta sofreguidão de quem só vê como quer ainda mais turismo de massas e investimento imobiliário de alta gama a todo o custo na capital do país.

2 – Basta olhar-se para o malabarismo do Governo com o IRS para se perceber esta coisa simples: há pouco dinheiro. É tão simples quanto isto.

https://www.dn.pt/2838422300/o-ministro-do-aeroporto-ou-de-100-mil-casasb

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