O esplendor da oligarquia, por Carlos Matos Gomes, 16-02-2025

O discurso do vice presidente dos Estados Unidos, J..D Vance, na Conferência de Segurança realizada em Munique, na semana de 10 a 15 de Fevereiro é uma extraordinária lição de política. Independentemente do que cada um possa pensar de J.D. Vance, ou de Trump, ou dos EUA, ou da Rússia, o discurso do vice-presidente dos EUA apresenta os fundamentos da prática política dos Estados Unidos desde a sua fundação: o poder assenta na força dos fortes e é essa força que permite apresentar os poderosos como virtuosos. Maquiavel afirmou o mesmo. Os europeus praticaram estes princípios até à Segunda Guerra Mundial, que colocou um fim no colonialismo e na falácia da missão civilizadora do Ocidente.

Continuar a ler

Economia de guerra? Quem lucra e quem perde?, por Carlos Matos Gomes, 26-12-2024

Economia de guerra. A partir do momento em que os políticos europeus e americanos deixaram de poder vender aos seus cidadãos a promessa de vitória sobre a Rússia na guerra da Ucrânia, o seu discurso passou a focar-se nas vantagens económicas da guerra. O governo português alinhou pelo discurso comum, um Âmen que também é comum.

A alteração do discurso da vitória, agora com o foco nas vantagens e oportunidades da guerra, deve-se à já indisfarçável crise da economia europeia. A dos Estados Unidos é outra história.

Continuar a ler

Mário Soares — o extraordinário político prático, por Carlos Matos Gomes, 06-12-2024

Mário Soares desempenhou um papel decisivo na política portuguesa da segunda metade do século XX. Por formação, cultura, carisma, senso, interveio na definição do regime em que vivemos. Desempenhou o papel que escolheu desempenhar e essa é uma demonstração da sua personalidade, apenas está ao alcance dos talentosos. Demonstrou uma qualidade pouco comum: o da coragem histórica. É uma das grandes figuras da nossa História sem ser, nem ter querido ser santo ou herói.  

Um provérbio africano ensina que a cabra come onde está amarrada. A transposição desta sabedoria para a grande política tomou o nome de realpolitik. Que é uma outra forma de designar o pragmatismo.

Mário Soares é o exemplar mais sofisticado do político português pragmático, juntamente com Melo Antunes e o processo político português a partir de 25 de Abril de 1974 desenrolou-se subordinado ao pragmatismo, ao anti-idealismo desses dois homens que perceberam onde a “cabra” estava amarrada, onde tinha que comer e viver e da cerca de onde não podia sair. Ou, na afirmação de Gil Vicente na Farsa de Inês Pereira, representada pela primeira vez no Convento de Cristo em Tomar: Antes quero asno que me leve do que cavalo que me derrube.

Ao ver chegar o 25 de Abril de 1974, Mário Soares, que recebera a herança política da República e vivera as tensões da política do Estado Novo na Guerra Civil de Espanha, da tensão entre as fações pró-Aliados e pró-Eixo na Segunda Guerra, os jogos que levaram os Aliados a preferirem manter Salazar e a ditadura no governo em vez do risco de um regime mais ou menos democrático trazer comunistas para a zona do poder, que assistira à troca dos Açores pela entrada na NATO; o apoio dos Estados Unidos pós Kennedy à guerra colonial, não tinha dúvidas que o novo regime e os novos políticos iriam ser sujeitos a um exame de admissão a um clube reservado a sócios credenciados.

Continuar a ler

A Índia e a China à margem da conferência dos BRICS, por Carlos Matos Gomes, 26-10-24

Um artigo do jornalista António Caeiro, correspondente da Lusa durante longos anos em Pequim, «China — Índia, a hora do degelo», refere o “pormenor” de, pela primeira vez em cinco anos, os líderes da China e da Índia se terem encontrado e que esse encontro ocorreu em Kazan, na Rússia, enterrando o machado de guerra que ensombrava as relações entre os dois países mais populosos do planeta.

Continuar a ler

A cultura da vitória e da violência é uma faca de dois gumes — lições d’ Os Lusíadas, por Carlos Matos Gomes

A propósito da guerra na Ucrânia, numa entrevista recente, Sergei Lavrov, o ministro dos negócios estrangeiros russo, afirmou que ela apenas poderá terminar com a vitória da Rússia, porque vitória e derrota são as únicas linguagens que o Ocidente entende.

Independentemente do que cada um possa pensar sobre as causas do conflito e das justificações dos contendores, a vitória com esmagamento do adversário é a doutrina da Europa e do Ocidente desde que a Europa iniciou a sua expansão no século XV.

Continuar a ler

Entre o aberrante e a vulgaridade, por Carlos Matos Gomes, 15-09-2024

A relação entre os comentadores públicos europeus e as eleições americanas lembram-me os comentários que numa noite de insónia num hotel em Londres ouvi a propósito de um jogo de cricket. Desconhecia e desconheço as regras do cricket. O meu interesse residia em descobrir o que levava os ingleses a interessarem-se pelo jogo. 

Continuar a ler

A Cimeira da Guerra e Duas Mulheres, por Carlos Matos Gomes, 11-07-2024

Hoje, que se tocam os tambores de guerra na sede do império, e onde uma mulher, Ursula Von Der Leyen, presidente da Comissão da União Europeia, da Europa, está em lugar de destaque, trago à memória Rosa Luxemburgo. Um figura incómoda, feminista, pacifista, socialista, judia sem religião, revolucionária. E também o conjunto de mistificações que serviram para os dirigentes justificarem a guerra aos seus povos.

A causa imediata para a Primeira Guerra foi o assassinato do arquiduque Francisco, herdeiro do trono austríaco, e da sua mulher a 28 de junho de 1914.

Continuar a ler

Europa: Reinvenção ou subjugação, por Carlos Matos Gomes, 09-06-2024

«Leituras para compreender a Europa em perigo» é o titulo de um artigo na Babelia, o suplemento cultural do El País (nenhum jornal português tem um suplemento cultural) — e começa com uma declaração do escritor Jean-Baptiste Andre, vencedor do último prémio Goncourt (em Portugal nenhum escritor, premiado ou não, é ouvido sobre o mundo que o cerca e que é matéria de reflexão nos seus romances) — diz o escritor: Estamos à beira de um regresso da extrema direita. Não deveria surpreendermos neste tempo que a História tende a repetir-se . A pergunta é, portanto, a de sabermos se é possível detê-la ou não.

Continuar a ler

OTELO | o fantasma da Revolução, por Carlos Matos Gomes, 25 Abril 2024

A ação que celebramos, o 25 de Abril de 1974, foi planeada e comandada por um fantasma. Um fantasma com o nome dissolvido num ácido de conveniências.

Os fantasmas são por definição aparições de inconvenientes. Terei lido num texto de Miguel de Unamuno, o filósofo espanhol, que Dom Quixote, a personagem de Cervantes prenunciou o destino final, solitário e triste, de todos os cavaleiros andantes, fantasmas, digo eu, que citaria também uma declaração de Simón Bolívar, em que o revolucionário das Américas, admitia que Jesus Cristo, Dom Quixote e ele próprio eram (tinham sido) os maiores ingénuos da História.

Otelo pode com propriedade ser incluído nesta lista.

Continuar a ler

Hanôver — a cerimónia da despedida | por Carlos Matos Gomes

Wrap up — as reuniões (os meetings) da Europa terminam habitualmente com uma cerimónia de despedida — uns copos, umas tapas e umas palavras de circunstância — que se designa wrap up.

António Costa vai à Hannover Messe a maior feira de tecnologia industrial do mundo, em que que Portugal será, pela primeira vez, país parceiro. Não é difícil ser suficientemente realista para considerar que vai a uma wrap up pelo papel que a Alemanha desempenhou na Europa e no mundo após o final da Segunda Guerra.

A Feira de Hanôver realiza-se desde o fim da II Guerra Mundial e a sua importância acompanhou o papel da Alemanha como locomotiva europeia e grande potência industrial. Este papel deve-se a condições de organização interna da Alemanha (RFA e depois unificada), à opção pela indústria pesada e pelos produtos de alto valor acrescentado, mas também à sua localização geográfica, no centro da Europa, fazendo de placa giratória entre a Europa Ocidental e a Oriental.

A Europa do pós-guerra assentou numa parceria franco-alemã. Em que, de forma muito simples, a Alemanha fazia de formiga e a França de cigarra. Após o fim da Guerra Fria a Alemanha também tomou os novos países “democráticos” do Leste a seu cargo, em particular a Polónia. Em parte o sucesso e o vigor da Alemanha deve-se a uma relação de mútuas vantagens com a Rússia, que fornecia a energia para a Alemanha a baixo custo e também matérias-primas essenciais, materiais ferrosos e cereais. A Alemanha é (era) o maior parceiro da UE com a Rússia (o maior investidor), a Rússia fornecia 41% do gás e 34% do petróleo. O novo gasoduto Nordstream permitiria a Alemanha importar gás da Rússia sem passar pela Ucrânia, nem pela Polónia, nem pelos Estados Bálticos (curiosamente os mais agressivos contra a Rússia).

A guerra da Ucrânia destruiu esta estratégia alemã e russa de criar um novo espaço económico e político no centro da Europa, entre a China e os Estados Unidos. Só motivos exteriores muito fortes podem justificar a intervenção — a invasão — da Rússia na Ucrânia e a morte no ovo desta nova entidade. Esta guerra só aproveita aos Estados Unidos e, por tabela, à China. Cherchez la femme.

Continuar a ler

A revolução pelo orçamento | Entre a tomada da Bastilha e o teatro no canal Memória | por Carlos Matos Gomes

A saga da discussão da proposta de orçamento geral do estado para 2021 é idêntica à dos anos passados. Os políticos são mais previsíveis que cantores de karaoke e os partidos são mais repetitivos que uma formatura da tropa a evoluir em ordem unida às ordens dos mesmos comandantes.

A discussão do orçamento é fácil para a direita, porque o regime vigente de capitalismo e democracia liberal corresponde à sua matriz de interesses. São contra os orçamentos dos partidos sociais-democratas porque estes atribuem sempre, e na sua visão, demasiados recursos a serviços públicos que podiam ser entregues ao lucro privado. A direita vota contra os orçamentos sociais-democratas porque transforma em despesa pública uma parcela significativa dos seus possíveis lucros. Une-se, por isso, com facilidade quer para votar contra, quer para encontrar fórmulas coligadas de governo. Simples.

O drama — se é que viver em contramão é drama — encontra-se na esquerda. A esquerda, por definição quer mudar o sistema e o mundo. Quer a revolução na posse dos meios de produção e no modo de produzir, visa a tomada do poder. Os sociais-democratas são seus inimigos. É histórico e há mais de cem anos.

Continuar a ler