Engenheiros sem lei? | Fernando Santo

Boa noite. Embora antigo, recomenda-se a leitura deste artigo do ex- Bastonário da Ordem dos Engenheiros de Portugal, Engº Fernando Santo

Direito de resposta – Sol, 23-02-2008

Na edição de IG de Fevereiro do Jor­nal SOL, foi publicado um artigo sob o título Engenheiros sem lei, da au­toria de Margarida Davim, que jus­tifica um esclarecimento, pois os en­genheiros sempre tiveram lei

Percebemos que a onda de elei­ções na Ordem dos Arquitectos e a divergência quanto às posições que alguns têm defendido a propósito da revisão do Decreto 73/73, que re­gula a qualificação profissional dos técnicos que podem subscrever pro­jectos, sirva de bandeira eleitoral, mas os engenheiros não servem para alimentar a visão corporativa de alguns arquitectos que preten­dem ignorar a lei e as directivas co­munitárias em vigor.

Devo confessar que tenho uma elevada estima pela classe profissional dos arquitectos, mas a visão corpo­rativa de uma parte não pode afir­mar-se contra direitos e competências reconhecidas, desde há séculos, a outros profissionais. Contrariamente ao título da referida notícia a engenharia está reco­nhecida em Portugal desde 1647, através de um decreto de D. João IV sendo uma das mais antigas enge­nharias da Europa. Foram os enge­nheiros que projectaram a Baixa de Lisboa, após o terramoto de 1755, desde o Plano Geral, passando pelos projectos de arquitectura, até às ino­vadoras estruturas de madeira para resistirem aos sismos. Há séculos que os engenheiros elaboram projectos que incluem ar­quitectura e engenharia. Mais re­centemente, em 1973, o célebre De­creto 73/73 veio reafirmar que os engenheiros civis tinham compe­tência para elaborar projectos de ar­quitectura.

Também a Directiva Arquitectura, de Agosto de 1985, esta­belece que os engenheiros civis de Portugal, Itália e Grécia podem ela­borar projectos de arquitectura no espaço europeu.Por cá, uma linha de orientação da Ordem dos Arquitectos entendeu usar como bandeira a reclamação do direito à arquitectura, tendo apre­sentado, na Assembleia da Repúbli­ca, uma petição assinada por 35.000 cidadãos, reclamando o direito ex­clusivo à arquitectura para arqui­tectos, excluindo todos os outros pro­fissionais, independentemente da di­mensão ou complexidade dos projectos. Não está sequer definido o que se entende por projecto de ar­quitectura, para deixar todo o espa­ço de interpretação alargado.

Como se tratava da primeira ini­ciativa legislativa de cidadãos, a As­sembleia de República colocou em primeiro lugar a vertente política, acabando por aprovar a petição, que passou a ser o Projecto de Lei mais corporativo produzido em Portugal após a Revolução de AbrilNão passa pela cabeça dos enge­nheiros reclamar na Assembleia da República o direito à engenha­ria, mas também não necessita­ríamos de andar pelas ruas a pe­dir assinaturas de favor, pois so­mos mais de 43.000.Antes da petição, já a Ordem dos Engenheiros havia entregue uma proposta ao Governo, em Dezembro de 2004, em que aceitava o princípio da arquitectura para arquitectos, sal­vaguardando determinadas situa­ções reconhecidas ao longo das últi­mas décadas e o disposto na própria Directiva Arquitectura. Aversão que foi apresentada pelo Governo à As­sembleia da República, após a peti­ção, não só ignorou o reconheci­mento desses direitos a nível euro­peu, como divide as obras em duas partes: os edifícios, com projectos de arquitectura, e o resto. O resto são simplesmente as obras de engenha­ria civil designadas como tal em todas as classificações europeias e na­cionais e que, em Portugal, repre­sentam tão-somente o sector das obras públicas, que valem mais de 50% de todo o sector da construção! Até parece que a simples designação de engenharia civil é incómoda. Quanto à diferenciação dos projec­tos de engenharia, nas suas diferen­tes especialidades, nem uma palavra! Para tornar ainda mais corpora­tivo o Projecto de Lei, os arquitectos também podem assumir responsabilidades nas áreas de engenharia. Estamos perante um Projecto de Revisão do Decreto 73/73, feito para agradar a uma classe profissional, remetendo as restantes para plano secundário. A obsessão de alguns vai tão longe que ainda não perceberam que a arquitectura não é uma “deu­sa” exclusivamente atingida por quem tem uma formação superior de 5 anos, pois fora dessa exigência não querem permitir que alguém possa produzir um risco, nem que seja para um depósito enterrado.

Chamamos a isto a criação de mer­cados protegidos.Contrariamente, na engenharia, temos engenheiros com formação superior de 5 anos, engenheiros técnicos com formação de 3 anos e técnicos de nível médio, como são, entre outros, os Agentes Téc­nicos de Arquitectura e de Enge­nharia. Felizmente que todos exis­tem, são necessários, e trabalham de forma complementar, importando apenas diferenciar as competências, de acordo com a com­plexidade das intervenções. A exclusão não faz parte do nosso vocabulário e julgo que também não será aceite pelos Deputados que, cer­tamente, perceberam o erro que co­meteram ao aprovarem a referida petição de cidadãos. Nesta fase esta­rão, com toda a certeza, a tentar pro­duzir uma Lei que introduza os ne­cessários equilíbrios, que respeite a legislação comunitária e o exercício profissional de muitos técnicos. Era só o que faltava que um Pro­jecto de Alterações no interior de um edifício Pombalino, ou com paredes resistentes, tivesse que ser obriga­toriamente assinado por um arqui­tecto, quando a questão essencial, neste exemplo, é a própria seguran­ça estrutural do edifício! Se nada se alterar no Projecto de Lei, serão aprovados muitos disparates de vi­são corporativa Ao contrário de alguns, que que­rem ver aprovado o disparate rapi­damente, nós não temos pressa. Se já esperámos 34 anos após a publi­cação do 73/73, então que se espere mais algum tempo, para que o re­sultado final seja o justo equilíbrio entre todas as profissões e o interes­se público. Penso que será esse o in­teresse do país, que, naturalmente, se sobrepõe ao interesse de alguns.

Fernando Santo – Ex-Bastonário da Ordem dos Engenheiros (Sol, 23-02-2008)

https://engenhariacivil.wordpress.com/2008/02/29/engenheiros-sem-lei/

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