EM FINAIS DE SEMANA SANTA, UMA REFLEXÃO SOBRE A GEOLOGIA NO DEBATE ENTRE A FÉ E A RAZÃO | António Galopim de Carvalho

Na Idade Média e no que respeita o chamado mundo ocidental, as respostas aos grandes temas que, só em começos do século XVIII, viriam a integrar a geologia encontravam-se no seio das universidades europeias, cujos mestres eram, na grande maioria, eclesiásticos.

Do universo ao homem, passando pelo nosso planeta, onde os mares, as montanhas, os vulcões e os sismos eram alvo de um misto de curiosidade e temor, essas respostas, todas elas condicionadas pela fé, impunham verdades globais, definitivas e indiscutíveis.
Paradoxalmente, o pensamento científico emergia e crescia no seio da mesma Igreja. Cautelosa e timidamente, os seus cultores propunham as suas explicações, sujeitando-se ao risco de uma tal ousadia.

Como é vulgo dizer-se, a ciência e a religião são como a água e o azeite, não se misturam. As atitudes de uma e de outra perante as entidades e os fenómenos naturais são geradoras de confronto, hoje razoavelmente civilizado e pacífico nas sociedades democráticas, mas conflituoso e, tantas vezes, cruel e desumano no passado e, estupidamente em algumas sociedades do presente.
Foram muitas as situações em que a Igreja, declaradamente em nome da fé e encobertamente, em defesa dos seus privilégios, tentou submeter os “sábios”, muitos deles, os seus doutores, e pô-los ao serviço da sua condição de classe dominante.

Falar ou escrever sobre a origem da Terra e as suas transformações ou sobre o nascimento da vida e a evolução das espécies, incluindo o surgimento do homem, tinha limites impostos pelos zeladores da fé. Fazê-lo à luz da ciência e, inevitavelmente, em confronto com as “verdades” bíblicas e com os dogmas decretados pela Santa Sé, não foi uma caminhada fácil. Foi, sim, causa de perseguições, sofrimento e, não raras vezes, sacrifício da própria vida. Basta lembrar Averróis, no século XII, Roger Bacon, no XIII, Jean Buridan, no XIV, Ulisse Aldrovandi e Giordano Bruno, no XVI, Galileu, no XVII, e Buffon, no XVIII, para nos darmos conta dos escolhos postos ao progresso desta e de outras ciências.

Ao evocarmos filósofos, astrónomos, geógrafos e naturalistas que, tijolo a tijolo, implantaram as fundações do conhecimento hoje ao nosso alcance sobre a história do nosso planeta, da vida que sobre ele se desenvolveu e da nossa própria história como seres vivos, deparamo-nos, a cada passo, com o debate, entre o saber científico, racional, e o das crenças impostas pelas tradições religiosas ou outras, numa competição que só começou a esbater-se com o surgimento do iluminismo (movimento da elite intelectual europeia, em finais do século XVIII) e a vitória do liberalismo. Cultivar a geologia em moldes científicos, nos tempos anteriores, teve os seus riscos. E não foram pequenos.

A geologia foi um dos domínios do conhecimento científico cuja competição e cujos conflitos com a religião (em particular, com a Igreja Católica) foram mais graves e violentos. Apesar disso, cresceu, e muito, nos contextos da ciência e da tecnologia, sendo hoje um dos pilares da sociedade moderna, constituindo alavancas poderosas para o bem e para o mal, ao serviço de uma humanidade a um tempo sabedora e desencantada, à procura de um caminho que tarda em encontrar.

António Galopim de Carvalho

Retirado do Facebook | Mural de António Galopim de Carvalho

Lançamento do MeRA25 | Atenas, Grécia | DiEM25

Esta segunda-feira demos mais um passo para a democracia EuropeiaLançamos o MeRA25, a nossa ala eleitoral na Grécia.

O lançamento do MeRA25 decorreu num teatro apinhado de Atenas e à medida que a nossa magnífica cerimónia de lançamento terminava, cerca de vinte neonazis atacaram os nossos membros. Felizmente os nosso apoiantes e voluntários conseguiram controlar a situação e ninguém se magoou.

Esta foi uma ação coordenada e os media oligárquicos gregos fizeram os possíveis para matar o MeRA25 à nascença.

Na terça-feira Julian Assange, membro do Painel Consultivo e fundador do WikiLeaks ficou sem acesso à internet e sem permissão para visitas. Porquê? Porque quiz apenas partilhar a sua opinião sobre o que se passa no mundo.

O DiEM25 emitiu um comunicado assinado pelo co-fundador do DiEM25 Yanis Varoufakis e por Brian Eno, membro do Colectivo Coordenador a criticar o Equador por deixar Assange sem capacidade de comunicação.

Sempre soubemos que não seria fácil. À medida que nos vamos tornando mais fortes, o status quo e os seus aliados vão tentar tudo para silenciar o nosso apelo à democracia, transparência e justiça.

Sabemos o que temos de fazer e estamos certos que juntos somos mais fortes.

Tu podes ajudar, vê como:

  • Assina e partilha a nossa petição para permitir que Assange tenha acesso à internet e a visitas

  • Doar ao MeRA25 para que os ativistas do DiEM25 consigam formar uma política alternativa para a Grécia

Vítor, estamos a entrar numa nova fase,crítica para curar a União Europeia e realizar o nosso sonho coletivo. Precisamos por isso do teu apoio.

Carpe DiEM!

Luis Martin – Coordenador de comunicações do DiEM25

Sepultar Jesus | Frederico Lourenço

O problema da celebração da Páscoa para o agnóstico é a terceira das suas três etapas (sendo elas: crucificação; deposição no túmulo; ressurreição).

Para quem prefere manter uma posição distanciada relativamente ao modo como o Novo Testamento narra a biografia de Jesus, custa aceitar a ideia de que o homem a quem injustamente torturaram e mataram supera milagrosamente o horror do que lhe aconteceu ressuscitando ao terceiro dia.

O horror da última sexta-feira da sua vida é crível: é 100% consentâneo com o horror da realidade humana. O sentimento (de perda, de exaustão emocional e de infinita tristeza) vivido pela mãe do defunto e pelos seus amigos é compreensível, necessário e intensamente humano. O que acontece de sábado para domingo – o inexplicável regresso à vida depois da morte – obriga a um salto de raciocínio que a Razão trava à partida. Só podemos aceitar a ideia de que à morte se segue a vida (ainda para mais eterna) se aceitarmos que isso só pode fazer sentido num plano irracional.

Mas permaneçamos no terreno do racional. O Evangelho de Mateus (27: 57) conta como um homem de Arimateia chamado José se dirigiu a Pilatos e obteve dele a permissão para enterrar o corpo de Jesus. “E levando o corpo” (escreve o evangelista) “José envolveu-o num pano de linho lavado e depô-lo num túmulo recente, que mandou cavar na rocha”. O laconismo discreto das palavras de Mateus não deixa espaço para a consideração do estado emocional de José; das duas mulheres (ambas de nome Maria) que o evangelista inclui neste episódio diz-se apenas que ficaram sentadas em frente do sepulcro. Mas facilmente conseguimos imaginar o estado de espírito com que permaneceram ali sentadas: esse estado de choque, decorrente do luto profundo, foi descrito por um poeta em Roma mais ou menos na altura em que Jesus teria 8 anos de idade. A mulher enlutada descrita por esse poeta queda-se, imóvel, com o rosto pálido e sem pinga de sangue, com os olhos parados e a língua congelada dentro da boca (Ovídio, Metamorfoses 6, 303-6). O horror daquilo a que as duas Marias tinham assistido no lugar chamado Gólgota outra coisa decerto não permitiria.

Quanto às emoções de José de Arimateia, essas só 1700 anos depois é que encontrariam quem as soubesse intuir e descrever. Não apenas por palavras, mas acima de tudo por música. “Quero ser eu a enterrar Jesus” canta o solista da última das quatro árias para Baixo da “Paixão Segundo São Mateus” de Johann Sebastian Bach. “Faz-te puro, meu coração”.

Que sentido tem esse “quero ser eu a enterrar Jesus?” De que serviu declarar isto numa igreja em Leipzig mais de 1700 anos após o acontecimento? E de que servirá hoje, quase 2000 anos depois, a um ex-católico como eu a ideia de que continua válido o sentimento de responsabilidade individual experimentado por José de Arimateia no enterro de Jesus? Quero ser eu a enterrar Jesus porquê? Que significado tem para mim esse gesto?

Para o agnóstico, a acção de José de Arimateia – o Enterro de Jesus – é justamente o momento da história pascal que mais apela à sua participação. Se eu tenho dúvidas de que Jesus tenha sido filho de Deus, se eu não sei se existe Deus (embora intua irracionalmente que Ele existe), não me fará sentido a “forte união ao sacrifício de Cristo na cruz” (que, já agora, um padre católico me recomendou em tempos como “cura” para a homossexualidade). Muito menos me fará sentido a ressurreição.

Sepultar Jesus é outra coisa. É um gesto de desvelo, de homenagem a este homem que poderá (ou não) ter caminhado sobre a água, que terá conseguido (ou não) restituir a visão aos cegos e que terá feito (ou não) a multiplicação de pães. Foi um homem que morreu traído por um amigo e renegado por outro; foi um homem que teve a coragem de criticar fariseus, de escorraçar vendilhões e que afirmou “amém vos digo que dificilmente um rico entrará no reino dos céus” (Mateus 19: 23). Pregou o amor ao próximo, chamou “filhos de Deus” aos que promovem a paz e prometeu o “reino dos céus” aos que sofrem perseguição por causa da justiça.

Dar, como José de Arimateia, enterro condigno a este homem é – independentemente da religião que se formou em seu nome – homenagear o melhor que existe na natureza humana. Ao mesmo tempo, é voltar ao minuto zero, ao pré-Cristianismo, antes de Jesus ter (ou não) ressuscitado dos mortos: é voltarmos atrás na História, ao último momento em que nos podemos concentrar apenas nele – na sua vida e na sua morte. Antes da sua ressurreição. Antes de outros se terem interposto entre ele e nós e antes da fixação da igreja na figura mediadora de Maria. Pois este momento da deposição no túmulo permite-nos esquecer tanto São Paulo como todos os protagonistas vindouros das lutas assassinas entre seitas cristãs; permite-nos esquecer Constantino, Justiniano, os Reis Católicos, Luís XIV, D. João V, Pinochet e todos os outros ditadores e bilionários a quem a acomodatícia igreja de Cristo sancionou o devaneio de que professavam uma religião inspirada na vida de Jesus; permite-nos esquecer papas e inquisidores, católicos e luteranos, ortodoxos e calvinistas. Permite-nos esquecer dogmas e concílios, teólogos e missionários, conversões forçadas e autos-de-fé, Fátima e outras árvores-das-patacas similares.

Estarmos, uma vez por ano, ao lado de José de Arimateia a enterrar Jesus (e a sentir o luto intenso pela sua morte tão injusta) é homenagearmos a vida dele. E homenagearmos a vida de Jesus é o primeiro passo na percepção de que, em última análise, somos nós que podemos (por meio da forma como vivemos a nossa própria vida) assegurar que a vida admirável deste admirável defunto não tenha sido vivida em vão.

Frederico Lourenço

Retirado do Facebook | Mural de Frederico Lourenço

FOTO: The Entombment of Christ / El Entierro de Cristo // 17th c. // Adriaen van der Werff