CONVERSAS DE GEODINÂMICA EXTERNA | António Galopim de Carvalho

À atenção dos professores de geologia e geografia, dos estudantes universitários e demais interessados

BIOSFERA

Têm sido muitos os manuais de ensino que, ao longo dos anos, referiram com menos ou mais pormenor os trabalhos dos biólogos russo Aleksandr Oparine (1894-1980) e inglês John B. Haldane (1892-1964) e dos químicos norte americanos Stanley Miller (1930-2007) e Harold Urey (1892-1981). Falou-se do surgimento de certas substâncias, como açúcares simples, ácidos gordos, glicerina, aminoácidos e bases azotadas. Disse-se que e outras moléculas, acumuladas nos mares ainda quentes, poderiam ter constituído as primeiras fases de um longo caminho percorrido pela evolução pré-biológica, também conhecida por evolução molecular abiótica. Dos compostos recém-criados, uns teriam sido preservados, outros destruídos, ou recombinados, em função do ambiente, ao longo dos tempos que antecederam a aparição dos primeiros seres vivos. Este tipo de fenómenos terá conduzido à génese de substâncias sucessivamente mais complexas, podendo certos minerais, como os das argilas, terem contribuído para a formação de certas moléculas características dos seres vivos.

 Nesta linha evolutiva, em condições pré-bióticas ter-se-iam formado, espontaneamente, macromoléculas ou agregados de moléculas (como os então falados coacervados, microgotas ou microsferas) com capacidade de auto-organização dos seus constituintes. Estes agregados foram aceites por alguns como prefigurações das células vivas e, como tal, designados por protobiontes. Admitiu-se que constituíram unidades individualizadas com membranas rudimentares, que permitiram trocas selectivas entre o seu interior e o meio exterior, exercendo uma actividade que se teria aproximado, cada vez mais, da dos primeiros organismos heterotróficos, podendo crescer e dividir-se (replicar-se). Terá sido assim que, no mar, talvez à sua periferia, em lagunas litorais, e no decurso de centenas de milhões de anos, se foram esbatendo as diferenças que separam o mundo vivo do mundo inorgânico das rochas e dos minerais.

Na mesma linha de complexidade crescente, estas macromoléculas teriam acabado por adquirir capacidade de regular a informação genética, isto é, o modo como os aminoácidos terão começado a controlar a síntese proteica. Lentamente, os já então seres vivos, embora primitivos, foram adquirindo cada vez mais eficiência no uso da energia, primeiro por fermentação, depois por fotossíntese e, finalmente, por respiração. Só após a aquisição da última destas capacidades, a Vida pôde sair da hidrosfera, o ambiente que lhe permitiu a origem e as primeiras fases da sua longa caminhada. A primitiva atmosfera não tinha ainda condições que protegessem os primeiros seres vivos das radiações letais oriundas do Sol, pelo que este facto foi outro elemento condicionador da ocupação biológica das terras emersas.

Conforme dissemos atrás, não é possível falar de uma das geosferas separadamente das restantes. Com a atmosfera e a biosfera, as conexões são tantas que, ao debruçarmo-nos agora, mais de perto, sobre a biosfera, achámos por bem insistir em aspectos já referidos a propósito da atmosfera. Assim, é inevitável cair em repetições o que, aliás, tem mais vantagens do que inconvenientes, pois permite rever e consolidar os conhecimentos que aqui deixamos à disposição do leitor.

No modelo de zonalidade esférica concêntrica usado para descrever a estrutura e constituição do globo terrestre, o termo biosfera foi o adoptado para referir o conjunto dos seres vivos que, como é sabido, se distribuem numa vasta mas descontínua zona envolvente da Terra, nas interfaces da litosfera com a atmosfera e a hidrosfera. O aparecimento da vida e a subsequente evolução devem ser entendidos como o resultado de um processo geológico iniciado nos primórdios da história do único planeta do Sistema Solar que reuniu condições para que este se realizasse. Nessa medida, faz todo o sentido considerar a biosfera como uma das geosferas que constituem a Terra, precisamente, uma entre as mais periféricas e a última a ser criada.

Tanto quanto a ciência actual o permite saber, no nosso universo conhecido, só a Terra criou estruturas capazes de se replicarem, ou de se modificarem por adaptação  ao meio, por recombinação genética ou por mutações e de transmitirem essas modificações aos seus descendentes. Tais estruturas são os seres vivos e o seu conjunto é a biosfera. A biosfera, não o esqueçamos, resultou e mantém-se em virtude das complexas interrelações que todas estas geosferas estabeleceram e desenvolveram entre si.

 A biosfera abarca cerca de um milhão e meio de espécies animais e meio milhão de vegetais, incluindo algas, fungos e bactérias conhecidas e descritas, e talvez mais de três milhões por descobrir e descrever. Faz ainda parte desta geosfera toda a matéria orgânica elaborada pelos seres vivos que não tenha sido incorporada noutras geosferas, como é o caso do húmus dos solos, da madeira dos móveis e utensílios do nosso dia a dia, dos tecidos em fibras naturais (seda, lã, linho, algodão) das roupas que vestimos, dos cabedais usados no calçado, do papel em que escrevemos e lemos, etc.. Outros materiais gerados no mundo vivo integram hoje outras geosferas. É o caso, por exemplo, do dióxido de carbono da respiração, expelido para a atmosfera, ou o que passou a fazer parte da litosfera, incorporado em calcários e dolomitos.

 Biodiversidade, expressão de uso relativamente recente e frequente entre biólogos, ambientalistas e profissionais da conservação da Natureza, exprime a imensa multitude de diferentes indivíduos (espécies, subespécies, variedades, raças, etc.) que constituem o mundo vivo. O Homo sapiens faz parte da biosfera e aí ele é apenas uma espécie no seio de tão grande e complexa comunidade viva. Em virtude das suas faculdades intelectuais, diz-se que está no topo dessa complexa rede de cadeias. Por esse facto, as suas capacidades de intervenção nos processos naturais, biológicos e geológicos, são hoje imensas. Pelas mesmas razões, as suas responsabilidades são máximas no curso da Natureza, onde chegou tarde e onde, em tão pouco tempo, já causou danos sensíveis e, talvez, irreparáveis.

Retirado do Facebook | Mural de António Galopim de Carvalho

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