A frente ucraniana está prestes a desmoronar? | Dmitry Orlov, escritor

Um grande desenvolvimento parece estar em andamento no lado ucraniano da lenta linha de frente. Há meses, a única razão pela qual os ucranianos conseguiram se defender contra os russos é porque seu acesso, via internet móvel, a dados de satélite da OTAN e informações analíticas tem permitido que seus sistemas de artilharia e foguetes alvejem com precisão equipamentos e tropas russas. Isso forçou os russos a agir rapidamente: rolar para uma posição, disparar uma salva contra o alvo ucraniano e fugir antes que sua posição pudesse ser alvejada. A torrente de dados é fornecido pelos terminais de internet via satélite Starlink de Elon Musk, cerca de 20.000 deles, espalhados por toda a linha de frente de 1.000 km. Como costuma acontecer, e como apontei no meu livro Shrinking the Technosphere de 2017, geralmente a forma de tecnologia mais eficiente e econômica é a contratecnologia:   dispositivos baratos, mas eficazes, que transformam tecnologia avançada e muito cara em um monte de lixo inútil. Isso é exatamente o que está acontecendo agora, graças aos esforços de jovens engenheiros e cientistas russos brilhantes que trabalham na fábrica militar de Sestroretsk.

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Um Ocidente Sequestrado? — Por quem? | Carlos Matos Gomes

Milan Kundera é um escritor estimulante, mais do que romancista ele é um pensador. Ele justifica a afirmação de Aristóteles de que se aprende mais sobre o homem e o mundo com a poesia, a ficção do que com os relatos históricos. Em 1983, um ano antes da edição do muito conhecido romance «A Insustentável Leveza do Ser», Kundera publicou o ensaio «Um Ocidente sequestrado — o rapto da Europa», que foi agora reeditado em Espanha e comentado para El País por Monika Zgustova, escritora e tradutora nascida na antiga Checoslováquia.

O texto de Monika Zgustova no El País é para mim um excelente ponto de partida para entrar no pensamento de uma elite eslava e germânica sobre a Europa e que ajuda a analisar a racionalidade ou a irracionalidade das decisões dos governos europeus nesta guerra da Ucrânia. Kundera é, como todos nós, ele e as circunstâncias. Ele é checo saíra do seu país por discordâncias políticas, na sequência da invasão da URSS. No artigo de 1983 ele polariza duas Europas, das duas capitais do cristianismo, Roma e Constantinopla. Haveria assim duas Europas, Moscovo e Paris (onde ele se exilou e Roma deixou de contar após a queda do império romano) e a tragédia europeia resultaria desta divisão e do facto de os habitantes do Oeste da Europa , a Europa Central (Polónia, Checoslováquia, Hungria) se terem visto de um dia para o outro surpreendidos por serem do Leste. E ainda que um sinal da identidade da Europa central seriam as revoltas que estes países organizarão contra os soviéticos na segunda metade do século XX: a revolta húngara de 1956, a Primavera de Praga de 1968 e as sublevações polacas que se sucediam uma ou mais vezes em cada década. Segundo Kundera terá sido o império russo que fez a Europa Central perdesse a sua identidade como território marcado pela tradição multicultural do Imperio Austro-húngaro. Kundera entendia que este Império foi uma grande oportunidade para criar um Estado forte no centro da Europa e que os austríacos estavam divididos entre seguir “o arrogante nacionalismo da grande Alemanha” e a sua própria missão centro-europeia; por isso não conseguiram construir um Estado federal de nações iguais. “O seu fracasso foi um fracasso para a Europa”. O Imperio Austro-húngaro dividiu-se em muitos pequenos países cuja fragilidade permitiu que primeiro Hitler e depois Estaline os subjugassem.

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